Capa da publicação Presunção de inocência no processo administrativo

Efetividade do princípio da presunção de inocência no âmbito do processo administrativo

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O princípio da presunção de inocência deve ser aplicado no processo administrativo disciplinar, pois se trata de garantia fundamental que ultrapassa a esfera penal.

Resumo: Pelo princípio da Presunção de Inocência, disposto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (BRASIL, 1988). Esse princípio possui um viés relacionado à produção de provas e outro referente ao tratamento a ser dispensado ao acusado. Assim, toda pessoa deve ser tratada como inocente e assim deve ser considerada até que se tenha provas suficientes para fundamentar uma decisão de culpabilidade e esta se torne irrecorrível. Se diante das provas produzidas restarem dúvidas sobre a culpabilidade do indivíduo o julgador deve necessariamente absolvê-lo. Trata o referido princípio de uma garantia fundamental e por isso repercute diretamente a favor do acusado dentro do processo, seja ele de natureza criminal, cível ou administrativa. O princípio da presunção de inocência integra o sistema de garantias processuais previsto na Constituição de 1988 e relaciona-se diretamente com os princípios do Devido Processo Legal, da Ampla Defesa e do Contraditório, do in dúbio pro reo, bem como o da Dignidade da Pessoa Humana. A doutrina e jurisprudência dominantes reconhecem aplicação do princípio da presunção de inocência no processo administrativo disciplinar, bem como a todo e qualquer processo que possa gerar restrição ou perda de direito ao indivíduo. No que se refere à lei, esta não prevê expressamente a aplicação do referido princípio, entretanto define regras que garantem seus efeitos. Portanto, em que pese à literalidade do texto constitucional, o princípio da presunção de inocência deve ser entendido como uma garantia ampla que ultrapassa os limites da esfera penal devendo ser aplicado no processo administrativo disciplinar visto se tratar de um processo de cunho sancionador.

Palavras-chave: Processo Administrativo Disciplinar; Princípio da Presunção de Inocência; Direito Fundamental.


1. INTRODUÇÃO

O princípio da presunção de inocência no processo administrativo disciplinar tem previsão constitucional no art. 5º, inciso LVII, com a seguinte redação "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". (BRASIL, 1988)

Trata-se de uma garantia fundamental inafastável que visa resguardar direitos básicos da pessoa, preservando o status de inocência do indivíduo até que o processo seja concluído e esteja demonstrada, sem qualquer dúvida, a culpabilidade do agente, qualificando o princípio como um corolário lógico do Estado Democrático de Direito.

O princípio em comento se divide em duas vertentes sendo uma referente ao tratamento dispensado ao acusado, devendo este ser tratado como inocente até o trânsito em julgado do processo, e a outra, referente à produção de provas cabendo o encargo de provar a culpabilidade do agente à acusação, não se admitindo o ônus ao acusado de provar sua inocência.

Nota-se que o texto constitucional se refere ao processo penal, contudo o processo administrativo disciplinar por prever sanção ao acusado, muitas vezes mais grave que uma sanção penal, como no caso da demissão do funcionário público, é de bom alvitre que seja resguardado também ao acusado no processo administrativo disciplinar as mesmas garantias.

Espera-se com esse trabalho demonstrar que é possível a aplicação do princípio da presunção de inocência também no processo administrativo disciplinar, sendo inclusive essencial tal aplicação para a garantia do devido processo legal e a consequente justiça nos vereditos.

O trabalho abrange os ramos do direito constitucional, processual e administrativo sendo desenvolvido através de uma pesquisa documental sobre a legislação e jurisprudência relacionadas ao assunto, bem como por pesquisa bibliográfica em livros, artigos e periódicos.

O princípio da presunção de inocência, acima de tudo, visa trazer garantias ao acusado, resguardando seus direitos fundamentais e o regular curso do processo, não permitindo assim a antecipação da sanção ou de seus efeitos.

A discussão sobre a aplicabilidade do princípio em tela no processo administrativo disciplinar se mostra de grande importância, tendo em vista a relevância do assunto para o mundo jurídico e da escassa doutrina que trabalha o tema, estando o princípio da presunção de inocência previsto na Carta Magna como princípio do processo penal.

Assim, faz-se necessário um estudo sobre o princípio em comento, seu surgimento, finalidade e sua relação com o processo administrativo, de forma ampliar a discussão sobre o assunto.


2. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

O processo administrativo disciplinar é meio pelo qual a administração pública apura infrações administrativas cometidas por seus servidores aplicando-lhes as respectivas sanções. Este processo constitui objeto de estudo do Direito Disciplinar. Egberto Maia Luz conceitua o Direito Disciplinar da seguinte maneira:

É o ramo do Direito administrativo destinado a apurar, decidir e regulamentar, por todos os aspectos pertinentes, as relações que o Estado mantém com seus servidores, visando ao respeito das leis e das normas que regulam as atividades funcionais. (LUZ, 1992 p. 64. apud BACELLAR FILHO, 2013 p. 35)

O servidor público ao ser investido do cargo público inicia com a Administração Pública uma relação jurídica ficando subordinado às normas reguladoras do exercício da função. Logo, praticada alguma irregularidade pelo servidor surge para a administração pública o direito de puni-lo pelo ato irregular praticado. Ocorre, entretanto, que o Estado Democrático de Direito não admite a punição disciplinar do servidor público de imediato, devendo existir um processo baseando em lei, que lhe sejam garantidos o direito a ampla defesa e o contraditório, os quais são elementares do processo administrativo disciplinar.

A Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da união, das autarquias e das fundações públicas federais, traz expressamente o conceito de processo disciplinar, conforme segue:

O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as suas atribuições do cargo em que se encontre investido. (BRASIL, 1990)

Para José Armando da Costa (2010), o processo administrativo disciplinar é:

A série de atos procedimentais que, formalizados em obediência a certos rituais traçados pelas normas e outras fontes do direito, se propõem a apurar a verdade real dos fatos, a fim de fornecer base à legítima decisão disciplinar, a qual poderá ter feitio condenatório ou absolutório. ( COSTA, 2010, p.160)

Costa (2010, p.106) completa o entendimento dizendo que o processo administrativo é a sucessão formal de atos, realizados com base na lei e nos princípios jurídicos, com vistas a concretizar a edição de um ato administrativo, se este ato visar à concretização de uma imposição de pena disciplinar estará diante de um processo administrativo disciplinar.

Manifesta-se, pois, que o processo administrativo disciplinar é uma espécie de processo administrativo. Portanto, sob a ótica dos direitos e garantias constitucionais, em especial o princípio do devido processo legal, o processo administrativo é o meio necessário e indispensável para aplicação de sanção ao servidor público.

2.1. Fases do processo administrativo disciplinar

O processo administrativo disciplinar desdobra-se em uma série de atos até a aplicação da sanção ao servidor. A doutrina divide o processo disciplinar em cinco fases, quais sejam: a) instauração; b) instrução; c) defesa; d) relatório; e) julgamento.

Em que pese à divisão acima, o recurso como fase do processo administrativo disciplinar, contudo não é o entendimento majoritário da doutrina.

A Lei 8.112/90 que trata do processo disciplinar federal divide o processo administrativo, conforme previsão contida no art. 151, em instauração, inquérito administrativo e julgamento. A fase intitulada inquérito administrativo é composta pelas seguintes subfases: instrução, defesa e relatório.

O processo inaugura-se com um ato chamado de portaria de instauração em que a autoridade administrativa hierarquicamente superior, através do seu poder disciplinar, determina a abertura do respectivo procedimento. Esse ato deve fundar-se em notícia de irregularidade funcional capaz de ensejar punição ao servidor, devendo conter necessariamente a designação do responsável pela apuração, o objeto do processo (a transgressão disciplinar) e a individualização do acusado ou acusados.

Instaurado o processo, o servidor ou a comissão encarregada iniciará os trabalhos apuratórios tomando as providências necessárias à elucidação dos fatos e consequente comprovação ou não das irregularidades impingidas contra o servidor. É nessa fase que são produzidas as provas (testemunhal, documental, pericial, dentre outras) que irão subsidiar e fundamentar a decisão da autoridade competente.

Concluída a fase apuratória deverá ser concedido ao acusado prazo para que este apresente sua defesa. A defesa no processo administrativo pode ser pessoal ou por intermédio de advogado, sendo dispensável a presença deste conforme Súmula Vinculante n. 5. Não apresentada a defesa no prazo legal, deverá ser nomeado defensor ad hoc para exercer o direito de defesa em favor do acusado.

Depois de apresentada defesa o servidor ou a comissão encarregada do processo irá confeccionar um minucioso relatório fazendo um exame das provas produzidas confrontando com os argumentos apresentados pela defesa, emitindo parecer sobre o cometimento ou não da infração disciplinar por parte do servidor acusado. O relatório será remitido à autoridade que determinou a instauração para julgamento.

A autoridade julgadora, com base no constante nos autos que lhe foram remetidos, poderá formar sua convicção de acordo com a livre apreciação das provas, conforme se observa no art. 168. da Lei 8.112/90. O servidor, diante da decisão da autoridade competente, poderá interpor recurso objetivando conseguir o reexame e a reforma da decisão pela autoridade superior àquela que proferiu a decisão. Trata-se de uma garantia constitucional prevista no art. 5°, inciso LV, da CF/88.

Necessário se faz também destacar que o processo administrativo disciplinar deve ter uma razoável duração, não podendo extrapolar ao tempo estritamente necessário para sua conclusão, pois poderia tornar-se um martírio para o acusado. Nesse contexto, a Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5° da CF/88, com a seguinte redação:

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A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (BRASIL, 2004). Portanto, as fases do processo, suas determinações e sistematizações constituem o devido processo legal, necessário à aplicação de sanção ao servidor.

2.2. Sistemas de repressão

Um tema importante a ser tratado dentro do processo administrativo disciplinar é o sistema de repressão disciplinar. Segundo Costa (2010 p. 83): “sistema de repressão disciplinar é o modo pelo qual se realiza a aplicação de sanção disciplinar ao caso concreto".

A doutrina subdivide os sistemas de repressão disciplinar existentes em: hierárquico, semi jurisdicionalizado ou de jurisdicionalização moderada e jurisdicionalizado ou de jurisdição completa.

O primeiro tem como característica preponderante a reunião do poder disciplinar na mão do superior hierárquico que o dinamiza de forma discricionária sem qualquer regulamentação legal. É um sistema que dá margem a abusos e perseguições sendo considerado ultrapassado.

No sistema semi jurisdicionalizado ou de jurisdicionalização moderada o poder disciplinar ainda permanece na mão do superior hierárquico, contudo sua discricionariedade é limitada pela lei havendo controle de legalidade por parte do judiciário. Esse é o sistema adotado pelo Brasil.

Por último, temos o sistema jurisdicionalizado ou de jurisdição completa que é caracterizado pela estrita legalidade sendo que tanto a apuração quanto o julgamento do servidor é realizado por órgão jurisdicional independente funcionando de acordo com as normas processuais estabelecidas em lei, assegurado o exercício amplo de defesa.

Diante dessa classificação, Costa (2010, p. 83) defende que somente em países com dualidade de jurisdição como a Alemanha o ato disciplinar possui natureza jurisdicional sendo que o ato administrativo realizado em países com jurisdição una como o Brasil não tem definitividade jurídica, por não produzir coisa julgada, ficando sujeito ao controle de legalidade do judiciário. De modo contrário é o entendimento de Bueno (2014):

A atividade desempenhada pela Administração Pública em uma “sindicância” ou em um “processo administrativo” (art. 41, § 1º, II, da Constituição Federal), por exemplo, é, substancialmente, jurisdicional. (BUENO, 2014 p. 251).

O segundo posicionamento parece servir a melhor doutrina, visto que a administração pública aplica o direito ao caso concreto quando, diante do cometimento de uma infração administrativa prevista em lei ou regulamento, soluciona o conflito gerado pelo descumprimento da norma, de forma a resguardar o interesse público e a ordem normativa.


3. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O princípio da presunção de inocência é um dos princípios basilares do Estado de Direito e exige que o Estado comprove a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal. (MORAES, 2012)

Na idade média o acusado não ostentava a condição de suspeito, mas sim reputado desde logo culpado, cabendo a ele a prova de sua inocência. Tratava-se de uma verdadeira presunção de culpabilidade, visto que a insuficiência de provas incidia na condenação do indivíduo. (BACELLAR FILHO, 2013)

O princípio da presunção de inocência remonta ao art. 9° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 1789, sendo reflexo do movimento filosófico-humanitário chamado “iluminismo” que trouxe uma ruptura com a mentalidade da época, em que além das acusações secretas e das torturas, o acusado era tido como objeto do processo sem qualquer garantia. (TOURINHO FILHO, 2013)

Segundo Bacellar Filho (2013) o regramento contido no art. 9° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão possui duas dimensões, sendo a primeira afeita à produção de provas eximindo o acusado do dever de provar sua inocência e a segunda relaciona-se à proibição de atos atentatórios à liberdade do indivíduo antes de sua condenação. Assim, em síntese, temos que o princípio da presunção de inocência está afeito a produção de provas e ao tratamento ao acusado.

Após a segunda guerra mundial em reação às atrocidades ocorridas deflagrou-se um processo de positivação jurídica dos direitos humanos na ordem internacional voltada a proteção e promoção da dignidade da pessoa humana. Neste contexto, surge a Declaração Universal dos Direitos do Homem elevando a presunção de inocência a status de direito fundamental. (BACELLAR FILHO, 2013).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem - DUDH (1948) em seu art. 11, § 1°, prevê o princípio da presunção de inocência como podemos observar a seguir:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

O princípio da presunção de inocência está também presente na Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950) “art.” 6°, e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), integrado ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto Executivo n. 592, “art. 14º e na Convenção Interamericana de Direitos humanos, Pacto de São José da Costa Rica (1969), sendo recepcionado pelo nosso ordenamento jurídico através do Decreto Executivo n. 678/1992”.

Para Bacellar Filho (2013), com base no texto constitucional, ao contrário dos tratados de direitos humanos, adotou-se a formula da presunção de não culpabilidade ao invés da presunção de inocência que é mais efetiva. A respeito dessas terminologias é interessante o comentário de Bacellar Filho (2013 p.369):

A presunção de não culpabilidade exprime apenas uma regra de juízo interna ao processo, é dizer, enquanto não houver uma condenação judicial definitiva baseada em provas suficientes, não se pode afirmar a culpabilidade do acusado, ao passo que a presunção de inocência impõe o dever de tratar o imputado como inocente dentro e fora do processo, evitando-se a sua estigmatização.

Em que pese a discussão a respeito da terminologia o princípio em tela deve ter sua abrangência ampliada com base em outro princípio, qual seja o do máximo alcance das normas constitucionais para maior efetividade e garantia dos direitos fundamentais.

3.1. Relação com o princípio do devido processo legal

O princípio do devido processo legal encontra-se expresso na nossa Carta Fundamental no art. 5°, inciso LIV, da seguinte forma “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 1988). Tal princípio é considerado basilar, pois dele decorre os demais princípios processuais constitucionais.

Esse princípio remonta à Magna Charta Libertatum de 1215 e tem como âmbito de atuação a proteção ao direito de liberdade e assegura a paridade total de condições com o Estado-percursor e plenitude de defesa. (MORAES, 2012)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) prevê em seu art. VIII que: “Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”. Nesse sentido também é a previsão contida no art. 8°, 1, do Pacto de São José da Costa Rica (1969):

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Para Bacellar Filho (2013), o princípio da presunção de inocência relaciona-se umbilicalmente com o princípio do devido processo legal, uma vez que só poderá haver condenação se a culpabilidade do acusado estiver plenamente comprovada, mediante um processo estabelecido em lei. O referido autor afirma ainda que não basta a simples existência do processo, deve este ser justo e adequado, garantindo a plena de defesa e a igualdade de condições.

3.2. Relação com o princípio da ampla defesa e do contraditório

O princípio da ampla defesa e do contraditório está previsto art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, conforme se vê: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (BRASIL, 1988)

O contraditório possui viés de ciência e também de participação dando a possibilidade da parte influir no convencimento do julgador. Dessa forma, a parte tem o direito de produzir provas, alegar, manifestar, ser cientificada, ser informado, dentre outros. Em suma, o contraditório implica no direito de contestar a acusação, formular perguntas a todas as pessoas que intervirem no processo e manifestar sobre todos os atos praticados.

A ampla defesa constitui o direito da parte de utilizar todos os meios, desde que não proibidos, para alcançar seu direito. A defesa pode ser técnica, ou seja, aquela efetuada por um profissional habilitado ou efetuada pelo próprio indivíduo. Faz parte do direito de defesa a possibilidade do imputado se manter inerte invocando o direito do silêncio.

O contraditório e da ampla defesa se unificam no princípio da igualdade das partes, uma vez que permite um processo justo e equânime. O princípio da igualdade das partes garante a paridade de armas. Neste contexto, Tourinho Filho (2013, p. 58) traz interesse entendimento que se segue:

Com substância na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a idéia de que a defesa tem o direito de se pronunciar sobre tudo quanto for produzido por uma das partes caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa. Assim, se o acusador requer a juntada de um documento, a parte contrária tem o direito de se manifestar a respeito. E vice-versa. Se o defensor tem o direito de produzir provas, a acusação também o tem. O texto constitucional quis apenas deixar claro que a defesa não pode sofrer restrições que não sejam extensivas à acusação.

O princípio da presunção de inocência depende do princípio da ampla defesa e do contraditório, pois sem o exercício de defesa não há possibilidade se presumir a inocência de alguém, visto que este estará desde já condenado. Nesse sentido é a construção erigida na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), notadamente no art.11, 1:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

De outro modo, o princípio da presunção de inocência se faz necessário ao melhor exercício da ampla de defesa e do contraditório, visto que possibilita um tratamento igualitário entre as partes. Corroboram esse pensamento Bacellar Filho (2013 p. 372) assevera que:

Se o acusado se presume inocente no curso do processo, impõe-se o fornecimento de condições materiais para o exercício da sua defesa, com todos os ingredientes necessários para estabelecer uma paridade de armas entre acusação e acusado.

Por fim, para exemplificar essa relação podemos ainda citar que o acusado ao exercer o direito ao silêncio como forma de defesa não pode ser prejudicado por isso, ou seja, não pode perder seu status de inocência devendo o julgador, existindo dúvida sobre a culpabilidade do agente, absolve-lo.

3.3. Relação com o princípio do in dúbio pro reo

In dúbio pro reo trata-se de uma expressão latina que se traduz no sentido de que em caso de dúvida deve a decisão favorecer o réu.

Santiago Sentís Melendo (1971) citado por Tourinho Filho (2013 p. 75) entende que diante da falta de provas o juiz deve absolver o réu, ele não duvida quando absolve, mas tem plena certeza de que lhe faltam provas para condenar.

O Código de Processo Penal – CPP (BRASIL, 1941), embora implicitamente, dispõe sobre o princípio em seu art. 386, incisos II e VII:

Art. 386- O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

(...)

II - não haver prova da existência do fato;

VII – não existir prova suficiente para a condenação.

Tal princípio não está disposto expressamente na Constituição Federal de 1988, embora se faça presente no princípio da presunção de inocência disposto no art. 5º, inciso LVII. Ademais, foi instituído pelo direito penal visando proteger os acusados contra as arbitrariedades do Estado, não permitindo assim que seja o acusado condenado quando ainda restar dúvidas sobre a sua culpabilidade.

Portanto, o princípio em tela pode ser considerado uma faceta do princípio da presunção de inocência relacionado ao viés probatório desse princípio, uma vez que não sendo possível juntar provas razoáveis que possam levar a plena convicção da autoridade julgadora sobre o cometimento da conduta delituosa por parte do indivíduo, este deverá ser absolvido.

3.4. Relação com princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana está contemplado na Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana”. (BRASIL, 1988). Esse princípio expresso da Constituição é tido como fundamento do Estado Democrático de Direito.

A ideia de inserção desse princípio como referencial ético orientador da ordem constitucional contemporânea surgiu no pós-guerra em um processo de positivação jurídica dos direitos humanos na ordem internacional. Constitui uma reação jurídica às arbitrariedades do Estado formando a base antropológica comum da Constituição. (BACELLAR FILHO, 2013)

Para Nunes (2010 p. 59) “é ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais”.

É considerado o princípio primeiro, pois dele decorre os demais, a autora do artigo “O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como Lócus Hermenêutico da Nova Interpretação Constitucional” Marta Moreira Luna (2009) preceitua:

Como tal deve permear e assegurar os direitos estabelecidos no texto magno, devendo assegurar esses direitos, tais como: vida, saúde, integridade física, honra, liberdade física e psicológica, nome, imagem, intimidade, propriedade, e a razoável duração do processo e meios garantidores da celeridade processual, etc

O homem passou a ser figura principal do Direito e do Estado. A Constituição Federal, ao estabelecer o princípio da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental, está a dizer, que o homem há de ser respeitado, não podendo sofrer tratamento diferenciado.

A dignidade da pessoa humana é postulada pelo homem na relação Estado-Indivíduo, acarretando o surgimento de Estados com uma constituição escrita a fim de se assegurar os direitos do homem, culminando nos direitos fundamentais positivados. Nesse contexto, surge o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual se expande ao grau de princípio fundamental, visto estar em patamar de igualdade com os demais fundamentos do Estado.

A autora Messa (2010 p. 119) dispõe que o princípio da dignidade da pessoa humana “além de vetor interpretativo, é direito individual protetivo e dever fundamental de tratamento igualitário”. Esse princípio tem intima relação com o princípio da presunção de inocência, em especial o viés do tratamento ao acusado, pois este só pode ter restringido seus direitos após ser considerado culpado, devendo a ele ser dispensado tratamento digno e igual a de um inocente até provada sua culpa. Nesse sentido é o entendimento de Couto (2014 p. 93):

Para a Constituição Federal de 1988, não há gradação ou escala entre a dignidade das autoridades apuradoras e julgadoras e a dos processados, acusados ou indiciados. Tais valores íntimos são idênticos e exigem o idêntico cuidado.

Portanto, os princípios da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência como direitos fundamentais inserem-se no fenômeno jurídico-social mundial de previsão internacional e constitucional dos direitos mínimos essenciais ao ser humano.

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Sobre os autores
Lucas André Prado Vasconcelos

Graduando no 10° período do curso de Direito na faculdade Una Betim/MG

Maressa Fontoura Coelho

Graduanda do 10° período no curso de Direito na faculdade Una Betim/ MG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Este artigo foi desenvolvido para trabalho de conclusão do curso de Direito.

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