Capa da publicação Presunção de inocência no processo administrativo

Efetividade do princípio da presunção de inocência no âmbito do processo administrativo

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4. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

O princípio da presunção de inocência, conforme tratado no capítulo anterior, é um princípio base do Estado Democrático de Direito formando com os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, do in dubio pro reo, da dignidade de pessoa humana, um conjunto de direitos e garantias fundamentais indispensáveis ao indivíduo. A respeito do princípio da presunção de inocência, Bacellar Filho (2013) assevera que:

No direito brasileiro, é nítida a sua íntima conexão com diversos princípios constitucionais, pois o fundamento último da presunção de inocência repousa na proteção da liberdade e da dignidade do cidadão, que só estarão efetivamente resguardadas quando uma série de garantias for rigorosamente observada.

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 5°, inciso LVII, prevê expressamente o princípio da presunção de inocência com o seguinte texto: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (BRASIL, 1988)

Em que pese a Constituição Federal dispor do princípio da presunção de inocência com a expressão “sentença penal condenatória” o referido princípio não deve ser interpretado de forma restrita, alcançando todos os ramos do direito. Ademais, o Brasil aderiu ao Pacto de São José da Costa que prevê que os indivíduos devem ser considerados inocentes mesmo fora do processo.

Assim, nos Estados Democráticos de Direito o princípio em tela deve ser interpretado de forma extensiva, a fim de garantir a sua máxima efetividade, devendo abarcar não somente as ações penais como também todos os processos que possam resultar em restrição, perda de direito ou cessação de relação jurídica considerada favorável ao acusado. (COUTO, 2014)

Para Rodriguez (1993 p. 217. apud BRILHANTE 2011) “essa garantia, originalmente circunscrita ao direito penal e processual penal, é aplicável à esfera disciplinar, bem como a todos os processos sancionadores estatais”.

Dessa maneira, uma vez que o processo disciplinar pode acarretar sanções muitas vezes mais gravosas que uma condenação penal, como no caso da demissão de um servidor público, seria irrazoável se o servidor público não pudesse valer-se dessa garantia fundamental. Nesse sentido é o entendimento de Mattos (2004):

O Estado Democrático de Direito, do qual o Brasil é signatário, tem na presunção de inocência um de seus princípios, onde qualquer cidadão, inclusive o agente público, não poderá entrar no rol dos culpados pelo cometimento de ato ilícito se não for provado, pelo órgão ou ente apurante, que ele cometeu qualquer ilícito ou falta disciplinar.

Para Bacellar Filho (2013), em que pese a literalidade do art. 5°, inciso LVII, do CF/88 todo ordenamento infraconstitucional deve ser interpretado à luz dos valores e princípios de justiça material incrustados na constituição. O mencionado autor alega ainda que, independentemente da dicção do texto constitucional e da recepção do Pacto de São José da Costa Rica, uma interpretação sistemática do ordenamento constitucional brasileiro, fundada nos princípios constitucionais e no regime democrático por ela adotado, já conduz necessariamente a uma compreensão expansiva do direito fundamental à presunção de inocência.

Portanto, é pacífico o entendimento na doutrina de que as garantias derivadas do princípio da presunção de inocência devem alcançar o acusado de ilícito administrativo, seja na forma do princípio em si entendido ou como viés do princípio do devido processo legal.

A legislação que trata do processo administrativo disciplinar no Brasil não prevê expressamente a adoção do princípio da presunção de inocência, contudo podemos identificar seus postulados de forma implícita em determinadas regras. O art. 50. da lei n. 9.784/99 que trata do processo administrativo no âmbito da administração pública federal traz expressamente o princípio da motivação. O referido artigo prevê que os atos administrativos deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos quando estes afetem direitos, imponham deveres ou sanções.

O princípio da motivação nos processos sancionatórios consubstancia a expressão do direito à presunção de inocência, uma vez que exigir do julgador uma motivação expressa e probatoriamente referenciada para declarar a culpa do acusado, sob pena de nulidade do ato. (BACELLAR FILHO, 2013).

Desse modo deve ser a interpretação do art. 168. da Lei nº. 8.112/90 que condiciona o julgamento no processo administrativo disciplinar às provas dos autos, conforme se vê: “O julgamento acatará o relatório da Comissão, salvo quando contrário às provas dos autos" (BRASIL, 1990). Logo, o julgamento só pode ser promovido com base nas provas apresentadas aos autos, caracterizando implicitamente a presunção de inocência, pois sem provas que justifique a condenação, a mesma não poderá ser levada a efeito sob pena de ser considerada nula.

Um aspecto importante a ser tratado quanto a aplicação da presunção de inocência no processo administrativo é a sua contraposição com o atributo da presunção de veracidade e legitimidade que tem o ato administrativo. Costa (2010) ao se pronunciar sobre a presunção de legitimidade dos atos processuais disciplinares diz que esta deve ser relativa não tendo a mesma projeção no campo da processualística disciplinar e que a exigência da prova ao servidor acusado atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência. Dessa forma, é da administração pública o ônus de provar a culpa do servidor.

Diante de todos os argumentos expostos, fica evidente a aplicação extensiva do princípio da presunção de inocência a todo o ordenamento jurídico brasileiro, em especial aos processos administrativos disciplinares, tendo em vista se tratar de processos que podem gerar supressão ou limitação de direitos e o ordenamento jurídico brasileiro, destarte, o fato de o acusado ser agente público não tira deste a qualidade de pessoa, sujeito de direitos, devendo a ele ser garantido todos os direitos previstos na constituição e em toda a legislação aplicável, fazendo jus ao princípio em comento.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo administrativo disciplinar, espécie do gênero processo administrativo, constitui instrumento necessário à aplicação de punição ao servidor público. Essa necessidade deriva do princípio constitucional do devido processo legal, previsto no art. 5°, inciso LIV, da CF/88 da seguinte forma: “ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal” (Brasil, 1988). Além disso, o art. 41, §1°, inciso II, da CF/88 prevê expressamente que o servidor público estável só perderá o cargo, na esfera administrativa, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa. Dessa forma, verifica-se então a essencialidade do processo administrativo caracterizando-o, portanto, como um direito fundamental.

Para a efetivação desse direito fundamental não basta que haja um processo, este deve estar previsto em lei e obedecer aos princípios processuais básicos constantes em nossa Carta Magna. Esses princípios elencados na constituição visam garantir proteção aos indivíduos contra os abusos do Estado fundamentando o Estado Democrático de Direito.

Os princípios são responsáveis por nortear o ordenamento jurídico, tendo função normativa, interpretativa e integradora. O princípio da presunção de inocência está inserido nesse conjunto de princípios fundamentais do ser humano e embasa todo ordenamento jurídico.

O princípio da presunção de inocência está previsto no art. 5°, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, como o seguinte texto "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". (BRASIL, 1988) Conforme bem explanado neste trabalho, o referido princípio possui aplicação em todos os ramos do direito, em especial àqueles que possuem cunho sancionador como é o caso do processo administrativo disciplinar.

A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como “constituição cidadã”, pois procurou trazer em seu corpo a previsão de vários direitos na tentativa de promover um estado de garantias, se contrapondo ao regime jurídico até então adotado. Assim, em uma abordagem teleológica, podemos dizer que a aplicação do princípio da presunção de inocência no processo administrativo disciplinar cumpre a finalidade da constituição, que é garantia do indivíduo contra o arbítrio do Estado, representado neste caso pela administração pública.

O servidor público, neste contexto, como cidadão que é, deve ser alcançado por todas as garantias elencadas na constituição, notadamente a garantia do status de inocência até a prova de sua culpabilidade. Os efeitos da aplicação do princípio da presunção de inocência, como já abordado, é que o servidor deve ser tratado como inocente não podendo sofrer qualquer restrição ou cerceamento de direito até decisão definitiva de comprovação de culpa. Além disso, a administração pública é quem possui o ônus de provar a culpa do servidor, não sendo admitido que este tenha que provar sua inocência. Por fim, após dilação probatória, subsistindo dúvida quanto a culpabilidade do acusado, este deverá ser absolvido conforme aduz o princípio do in dubio pro reo, que pode ser entendido como expressão do princípio da presunção de inocência.

É importante destacar que a aplicação do princípio da presunção de inocência não tem o condão de incentivar a impunidade, mas sim de garantir ampla proteção dos direitos e garantias fundamentais inerentes a todos os cidadãos dentro de um Estado Democrático de Direito. É com esse sentimento, que se entende como perfeitamente aplicável no campo da processualística disciplinar o princípio presunção de inocência. Ademais, o princípio referência está atrelado a vários outros princípios constitucionais aplicáveis ao processo disciplinar, que conseguem ter eficácia plena somente se aplicados conjuntamente.

Para finalizar, o princípio da Presunção de Inocência por estar disposto na Constituição da República como garantia fundamental, embora traga em sua redação "sentença penal condenatória", deve ser interpretado de forma extensiva a luz dos ideais de justiça material. Assim, o respeito ao princípio no processo administrativo disciplinar legitima a decisão da autoridade julgadora, seja para a absolvição ou para aplicação de sanção, bem como protege o servidor contra injustiças e arbitrariedades.


REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Lucas André Prado Vasconcelos

Graduando no 10° período do curso de Direito na faculdade Una Betim/MG

Maressa Fontoura Coelho

Graduanda do 10° período no curso de Direito na faculdade Una Betim/ MG

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Este artigo foi desenvolvido para trabalho de conclusão do curso de Direito.

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