Dignidade humana, fraternidade e direito de defesa

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O artigo integra a obra coletiva Direitos Humanos e Fraternidade: Estudos em Homenagem ao Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Pretende demonstrar que a fraternidade, como princípio constitucional, tem enorme significado na ampla defesa do acusado.

DIGNIDADE HUMANA, FRATERNIDADE E DIREITO DE DEFESA

José Eulálio Figueiredo de Almeida

Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Juiz de Direito em São Luís. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Especialização em Processo Civil pela UFPE. Especialização em Ciências Criminais pelo UNICEUMA. Doutor em Direito e Ciências Sociais  pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

 

Sumário: 1. Introdução. – 2. O ser humano e suas relações interpessoais. – 3. Conceito de princípio. – 4. Conceito de dignidade humana. – 5. Princípio da dignidade da pessoa humana. -  6. Princípio da ampla defesa. – 7. Direito de defesa. – 8. Dignidade humana no processo penal. - 9. Conclusão.

 

Summary: 1. Introduction . - 2. The human being and his interpersonal relationships. - 3. Principle concept. -  4. Concept of human dignity. – 5. Principle of human dignity. – 6. Principle of broad defense. – 7. Right of defense. – 8. Human dignity in criminal proceedings. – 9. Conclusion.

 

Resumo: O presente estudo científico pretende realizar um inventário, isto é, uma análise investigativa a respeito do que, em todos os períodos das civilizações, se entende por dignidade e fraternidade humana e suas repercussões sociais e jurídicas nas relações dos indivíduos entre si e o Estado.

 

Palavras chaves: Processo – Princípio - Dignidade – Fraternidade - Pessoa humana – Ampla defesa – Processo penal - Juiz.

 

Abstract: The present scientific study intends to carry out an inventory, that is, an investigative analysis regarding what, in all periods of civilizations, is understood by human dignity and fraternity and its social and legal repercussions on the relations of individuals between themselves and the State.

 

Key words: Process - Principle – Dignity – Fraternity – Human person – Broad defense – Criminal proceedings - Judge.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente estudo científico pretende realizar um inventário, isto é, uma análise investigativa a respeito do que, em todos os períodos das civilizações, se entende por dignidade e fraternidade humana, como princípios constitucionais fundamentais voltados para a proteção de direitos, notadamente os de caráter transindividuais, assim como suas repercussões sociais e jurídicas nas relações das pessoas entre si e o Estado.

O objetivo é encontrar explicação para os condicionamentos característicos (sejam eles técnicos, históricos, sociais, jurídicos, naturalísticos, etc.), para sistematizá-los, a partir de uma perspectiva epistemológica, onde serão apontados e esclarecidos seus vínculos e fundamentos legais, com a finalidade de avaliar seus resultados e aplicações no campo específico do direito constitucional, penal e processual penal, tomando como aporte o exame da defesa do acusado enquanto pessoa humana, especialmente nos países cuja orientação política e social seja democrática.

Neste contexto, serão empreendidas pesquisas envolvendo os estudos realizados até nossos dias pelos prosélitos da ciência do Direito e dos demais ramos do conhecimento a ele relacionados ou não, com destaque para as obras compendiadas que os grandes pensadores legaram à posteridade.

Não obstante isso, será procedida ligeira pesquisa no ordenamento jurídico de países da América do Sul, de orientação positivista ou não, a respeito do tratamento que é conferido em seus respectivos sistemas jurídicos sobre a condição do indivíduo que é alvo das ações do Estado, no campo penal e processual penal, com o especial fim de verificar se o direito de defesa é a todos assegurado indistintamente como decorrência de garantia legislativa ou é fruto da imperiosa necessidade de se proporcionar ao ser humano algo que lhe é inerente por força de sua própria dignidade e natureza inconformista.

Portanto, será investigado como os povos antigos tratavam a questão da dignidade da pessoa humana (ou se não a conheciam) e do direito de defesa aos indivíduos submetidos a toda sorte de acusações ou de situações que exigissem a intervenção privada ou do poder público para a solução do conflito, de tal modo que não ficarão imunes à pesquisa suscitada o exame percuciente sobre os usos, os costumes, os princípios e a legislação reinantes em cada momento histórico, com o intuito de estabelecer nesse percurso a ligação direta entre o passado e os acontecimentos que povoam a vida hodierna.

Além disso, serão também consideradas as contribuições deixadas por outros setores da sociedade, como a religião, a literatura, a ética, a moral, a imprensa e os registros históricos de qualquer espécie, cuidando para que tais elementos sejam confrontados no universo geográfico e temporal do estudo empreendido, em especial acerca da vocação humana para o estabelecimento de uma dignidade proporcional ao seu desenvolvimento cultural, o que, em última análise, envolverá a construção do edifício legislativo ou de precedentes pretorianos que garantirá nas nações civilizadas o direito de defesa que é inerente a todas as pessoas.

Por fim, embora não possua a pretensão de esgotar a diversificada e cada vez mais numerosa discussão a respeito da dignidade da pessoa humana e do direito de defesa (quer como princípio fundamental, quer como garantia fundamental, resultante ou não de norma jurídica), entendo que o presente trabalho será de suma importância para a comunidade científica e social e se caracterizará como marco fundamental de contribuição para uma aproximação da noção dos denominados direitos humanos.

A característica abrangente do tema nos conduzirá inevitavelmente a citação de obras de renomados escritores (pátrios e estrangeiros), assim como da jurisprudência predominante nos tribunais de jurisdição constitucional e nas cortes internacionais que se esmeram pelo cumprimento incondicional dos tratados internacionais de direitos humanos, para agregar ao estudo aqui desenvolvido valores de todos os matizes, que possam justificar e explicar quantum satis a concepção que os interlocutores desse dinâmico processo precisam ter a respeito do catálogo de direitos difusos, como elementos presentes na natureza humana, independentemente da existência de leis escritas, regras tácitas, acordos, convenções, tratados ou outros expedientes congêneres que os fundamente.

Apontados tais balizamentos, tornar-se-á necessário demonstrar que para a consecução dos direitos atinentes à fraternidade e à dignidade da pessoa humana, é indispensável evitar a barbárie jurisdicional. Tal possibilidade somente será possível se os órgãos encarregados de proteger tais direitos estiverem submetidos a um sistema de freios, que os impeça do exercício da tirania e da arbitrariedade, o que supõe a existência e vigência do Estado de Direito (onde se possa impor a todos que dependam de sua soberania o respeito ao ser humano), assim como de um Judiciário forte, qualificado e independente, constituídos de agentes políticos conscientes do papel de administrador e de julgador imparcial respectivamente.

A função estatal aqui ventilada é dúplice. Compete a ele, como guardião da res publica, a obrigação de proteger os direitos concernentes à dignidade da pessoa humana, assim como garantir a manutenção da ordem, cuidando para que os direitos humanos não sejam violados pela intercessão de setores interessados no descrédito de valores tão caros e impostergáveis, que foram conquistados a muito custo pelo homem.

Por essa razão, a dignidade da pessoa humana merece, em nossos dias, tratamento de regra geral de direito comum a todos os povos civilizados pelo fato de constituir princípio fundamental de âmbito multinacional que não pode ser postergado por qualquer instituição, governo ou autoridade constituída.

Nesse contexto se insere também a fraternidade[1], cujo status de princípio mencionado no preâmbulo[2] da Constituição Federal, como um antecedente fundamental do texto constitucional propriamente dito,  retrata um dos valores supremos da espécie humana, conquanto de nada importa vivermos numa sociedade pluralista, ainda que livres e supostamente iguais, se não pudermos ser fraternos entre nós.

 

2. O SER HUMANO E SUAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS 

 

A origem da existência humana sempre foi um tema inquietante para o homem. O dogma cristão de que o homem possui origem divina tem prevalecido entre nós, embora determinados setores da biogenética continuem trabalhando, de forma incansável, para demonstrar o contrário.

Elaborados tais esclarecimentos, compete afirmar que Deus[3] fez o homem do barro da terra[4]. Destarte, o homem é cria da natureza. Ele existe por obra dela, está na sua essência; se submete às suas leis e não pode livrar-se dela, ainda que em pensamento.

Muito embora seja livre, o homem não pode fugir da natureza, nem lançar-se no mundo ao sabor de suas quimeras ou imaginações. Partindo dessa premissa, o homem não pode também: 1) viver ao léu como ser errante, desperdiçando tempo e energia; 2) isolar-se, supondo não estar vinculado ao universo circundante; 3) considerar-se eterno[5], imutável e inatingível, pois haverá sempre de retornar ao ponto de partida (à terra donde foi gerado),  como o pássaro ao ninho antigo, como as folhas secas levadas ao chão pelo vento. Em suma, fora da natureza não há salvação para o homem.

Nesse particular, o filósofo alemão Paul Heinrich Dietrich, conhecido no meio acadêmico como Baron D’Holbach[6], com a percuciente expressão do gênio humano, profetiza que:

“También es por no estudiar la Naturaleza y sus leyes, ni intentar descubrir sus recursos y sus propiedades por lo que el hombre queda estancado en la ignorância o da pasos tan lentos e inciertos, para mejorar su suerte. Su pereza se complace en dejarse guiar por el ejemplo, por la rutina o la autoridad, antes que por la experiencia que exige actividad y por la razón que exige reflexión.”    

 

O homem não pode ser algo estático, ou seja, assemelhar-se a um poste que nada cogita, nada vê, nada faz e não sai do lugar. O ser humano tem que estar em eterno movimento, ainda que seus membros o impeçam de locomover-se. Ele leva uma grande vantagem sobre os outros seres vivos porque sabe que existe, porque pode pensar, porque tem vontade própria e liberdade para agir. Esses atributos lhes foram conferidos pela natureza, porque é ela quem possui a força motriz que estabelece e conserva a ordem natural de tudo quanto existe.

A felicidade do homem não está no poder das divindades, nem na autoridade do governo, muito menos nas futilidades da vida. A felicidade que o homem tanto almeja está na natureza; basta apenas que ele conheça suas leis e as faça de sua bússola orientadora. 

Nos primórdios da civilização, os primeiros grupamentos humanos habitavam as cavernas, não dominavam a escrita e se orientavam pelos costumes. O costume representava a regra não escrita, a norma fictícia que imperava entre os membros dessas comunidades primitivas. Ainda hoje, principalmente em alguns municípios do nordeste brasileiro, o costume possui muito mais significado que a própria lei; exerce maior influência nas relações comunitárias que o direito legislado.[7]

Basta apresentar, como exemplo, o fato de que, em algumas cidades do interior maranhense[8], a carne bovina funciona como moeda nas transações comerciais, de tal maneira que todo o negócio é celebrado por conta e risco das partes contraentes, que sequer exigem umas das outras qualquer forma escrita como garantia. Dentro desse espectro, propriedades, automóveis, fazendas, etc., são negociadas e avaliadas com base em tantas arrobas de carne, quando não fixado o montante da avença em número definido de cabeças de gado.[9]

Essa prática tão significativa para esses munícipes faz parte do senso comum, compondo um universo que orienta a totalidade dos negócios de gado desde tempos imemoriais até nossos dias, cuja intervenção legislativa ou judiciária não convém aos negociantes. A garantia do pagamento é assegurada com base na palavra honrada; no fio do bigode; no nome social construído pelas pessoas envolvidas no negócio verbal. Tais fatores constituem o símbolo da fraternidade e da dignidade pessoal dos contraentes, bem como a nota mais visível da lisura da transação. 

O sistema consuetudinário praticado nas civilizações antigas carecia de certa imparcialidade, pela ausência de mecanismos legais de controle da atividade censória que ficava, geralmente, nas mãos do chefe tribal, dos anciãos ou de parentes da parte lesada. Esse tipo de solução de conflito, não raras vezes, podia levar à exacerbada utilização da força no seu cumprimento ou à sua inexecução, por falta de governo centralizado para impor o respeito às decisões constituídas, o que somente o direito escrito pode regulamentar de forma clara, genérica e abrangente.

O direito costumeiro se constitui dos usos e costumes. Uso é aquilo que se torna reiterado e habitual durante longo tempo. Dito de outro modo, o uso é a prática reiterada, frequente e inveterada de certos atos e fatos que se tornaram aceitos pelo consenso geral. Costume é norma jurídica não-escrita, resultante da prática usual e repetida de atos ou fatos corriqueiros, ou seja, daquilo que todos aprovam como acertado,  independentemente da existência de qualquer convenção ou ajuste prévio ou de lei que permita fazer.

O costume, embora não encarne a forma escrita, pode ser invocado pelo juiz no julgamento da lide (arts. 8.º e 140, CPC). Se o juiz desconhece a regra consuetudinária, deve determinar que a parte alegante faça a sua prova (CPC, art. 376), a qual será permitida por qualquer meio previsto em direito.

Segundo Moacyr Amaral Santos[10], para o costume ser admitido como norma jurídica, é indispensável que sejam preenchidos os seguintes requisitos: 1) o uso longo, constante e uniforme de uma dada relação de fato; 2) não ser contrário à lei; 3) exteriorizar a convicção de que obedece a uma norma jurídica.

Toda e qualquer sociedade humana deve ter presente, como pressuposto de suas relações, a dignidade e a fraternidade, senão como princípios, mas como costume. Essa concepção não é atual, posto que já era praticada por alguns povos da antiguidade, sendo, inclusive, tratada por Aristóteles[11] na Ética a Nicômaco. Portanto, não se pode pensar em matéria de relações humanas sem essa concepção, pois essas palavras, que ouvimos costumeiramente e que entre nós foram alçadas à categoria de princípios constitucionais, expressam valores, ideais, objetivos, sentimentos e fundamentos que desejamos alcançar como realização da noção de justiça. 

 

3. CONCEITO DE PRINCÍPIO

 

A noção de princípio, como preceito axiomático, surgiu posteriormente ao costume. Com base nessa assertiva pode-se afirmar que, no início, foi o costume. Depois veio a norma e, no bojo dela, os costumes e os princípios em forma de regra de direito. Não se pode perder de vista, no entanto, o fato de que os princípios existem, por si só, como fenômeno natural das coisas, independentemente de sua formulação jurídica.             

Os princípios jurídicos têm sua fundamentação básica no direito natural, pois sua vigência independe da existência de qualquer documento ou preceito escrito. A ampla defesa, por exemplo, é invocada diariamente, por pessoas leigas e pela classe operária do direito, sempre que uma situação concernente à acusação de alguém se apresente sem que haja concessão de oportunidade para a sua oitiva. O leigo invoca esse princípio por pura intuição, enquanto que o profissional do direito o faz pela concepção que possui do alcance desse postulado na vida do indivíduo e do ordenamento jurídico do Estado.

Uma questão, no entanto, pode ser levantada para suscitar a investigação sobre o exercício do direito de defesa, qual seja a de saber se existe no sistema judicial brasileiro a real preservação do princípio da ampla defesa? Antes de responder ao questionamento proposto, entendo por bem esclarecer, primeiramente, o que vem a ser a palavra princípio, quer no seu significado comum, quer no seu conceito jurídico, para no decorrer da explanação deste estudo responder ao questionamento proposto.

Numa acepção comum ou vulgar, a palavra princípio denota início, começo, origem. Assim se pode observar, inclusive, da criação do mundo, segundo a versão bíblica[12].

No sentido jurídico do termo, a palavra princípio isoladamente também possui o mesmo significado do seu entendimento comum. Quando, no entanto, emprega-se essa palavra no plural (princípios), modifica-se completamente a sua significação, pois passa a dar a ideia de regras ou de preceitos que antecedem a própria norma ou podem influenciar a criação desta, exercendo, com isso, raio de ação aplicável a toda espécie de movimento jurídico.

Apenas para fixar melhor o entendimento dos termos em análise, colhe-se do eminente vocabularista De Plácido e Silva[13] a seguinte preleção:

“Princípio. É, amplamente, indicativo do começo ou da origem de qualquer coisa. Princípios. No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa.

(...) Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito.”

 

Os princípios são entes fundamentais para a vida do direito e sua prática diária, quer na atividade forense, quer no trato das pessoas em suas relações cotidianas. A propósito disso, inúmeros são os conceitos que a doutrina emprega para definir o que sejam princípios jurídicos fundamentais.

Não obstante o que foi dito, e para não tornar repetitiva a ideia traduzida por cada um dos estudiosos do tema, traz-se à colação apenas dois conceitos. Na ordem em que estão dispostas as citações abaixo, o primeiro vem enunciado pelo jurista lusitano José Joaquim Gomes Canotilho[14], e o segundo firmado pelo juslaboralista pátrio Coqueijo Costa[15], in verbis:

“Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional.”

 

“Princípio fundamental é algo que devemos admitir como pressuposto de todo ordenamento jurídico e aflora de modo expresso em múltiplas e diferentes normas, nas quais o legislador muitas vezes necessita mencioná-los. São linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, promovem e embasam a aprovação de normas, orientam a interpretação das existentes e resolvem os casos não previstos.”

 

A compreensão dos princípios fundamentais parte, geralmente, dos conceitos que se encontram expressos na Carta Magna do País. Não se pode, contudo, descurar a existência de certos princípios fundamentais que, a despeito de não se encontrarem expressamente consignados no texto constitucional vigente ou em leis ordinárias, devam ser levados em consideração pelo profissional da ciência jurídica, porque representam axiomas universais indicativos de proteção de direitos que toda sociedade organizada tem a obrigação de assegurar ao cidadão.

Paralelamente aos princípios constitucionais fundamentais vamos encontrar os princípios gerais do Direito Constitucional que não se confundem com os primeiros. Na lição incensurável do constitucionalista José Afonso da Silva[16], in exthensis:

“Temos que distinguir entre princípios constitucionais fundamentais e princípios gerais do Direito Constitucional. Vimos já que os primeiros integram o Direito Constitucional positivo, traduzindo-se em normas fundamentais, normas-síntese ou normas-matriz, ‘que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte’, normas que contêm as decisões políticas fundamentais que o constituinte acolheu no documento constitucional. Os princípios gerais formam temas de uma teoria geral do Direito Constitucional, por envolver conceitos gerais, relações, objetos, que podem ter seu estudo destacado da dogmática jurídico-constitucional.”

 

Não é demasiado dizer que o preâmbulo das constituições possui força normativa em seu conteúdo, porque ele apresenta a epítome do projeto e do caráter político que o Estado pretende instituir. É, portanto, no pródromo da Constituição que o legislador constituinte deve antecipar os valores constitucionais, como parte integrante da referida carta de princípios. Daí porque andou bem nossa Constituição Federal ao incluir a fraternidade nesse rol, certamente para conferir-lhe a condição de princípio, partindo do pressuposto de que o preâmbulo é parte fundamental da carta republicana e derivou da mesma intenção constituinte originária.

 

4. CONCEITO DE DIGNIDADE HUMANA

 

Nada que existe sobre a terra teria sentido sem a presença do ser humano. Ele é o legítimo dom da natureza. Por isso que Deus, após a criação do mundo, descansou no sétimo dia, entregando ao homem a tarefa de seguir adiante, porque a ele foi conferido vontade, inteligência, livre arbítrio e semelhança com o criador.

Mas o homem é um ser curioso e complexo. Sua natureza falível faz com que esteja em permanente acabamento. Como um diamante bruto, vai polindo-se ao longo de sua existência. Ele é a medida de todas as coisas, como afirmou acertadamente o filósofo Protágoras.  

Inobstante despertar o interesse primordial da ciência do Direito, a dignidade humana constitui, na atualidade, objeto de estudo e discussão em todos os ramos do conhecimento científico, porque envolve questões complexas que reclamam o incessante pronunciamento de abalizadas opiniões de especialistas de distintos setores de pesquisa sobre o assunto, sejam elas doutrinárias, legislativas ou jurisprudenciais, sempre em busca de paradigmas que possam sustentar as garantias que esse dogma confere à sociedade.

Os temas ou institutos jurídicos precisam ser identificados pelos pesquisadores e compreendidos por uma gama variada de pessoas que se interessam pelo conhecimento de suas nuances, de suas aplicações e de suas limitações. Para isso, é preciso defini-los com precisão de ourives, se possível.

A dignidade do homem, como norma e como fato, tem sido tema recorrente em nossos dias. Todos os segmentos sociais a discutem por despertar interesse transindividual que transcende a própria existência humana. Com efeito, tanto a fraternidade quanto a dignidade humana estão inseridas no grupo dos denominados direitos fundamentais de terceira dimensão.

Ocupando-se do assunto, o jurista alemão Werner Maihofer[17], em obra traduzida para o espanhol, apostila com irretorquível acerto que:

“En época alguna expresiones como dignidad o personalidad del hombre estuvieron tan en boca de todos como hoy. Sin embargo, en ningún tiempo fue tan radicalmente problemático aquello que significa y quiere decir en realidade eso que calificamos y designamos, en los textos de las Constituciones estatales y los programas de los partidos políticos, como ‘dignidad humana’, ‘dignidad del hombre’ o, expresado de outra manera, dignidad de la persona.”   

 

Partindo de tais pressupostos, como se conceituaria a expressão dignidade humana? Os antigos jurisconsultos[18] afirmavam que, em direito, toda definição é perigosa. No entanto, é sempre salutar, para o cidadão e para o estudioso dos institutos jurídicos e sociais, ter noções, ainda que básicas,  sobre as questões de interesse geral para orientação de todos em sociedade.

Não há receio que se comece por uma aporia, pois as perplexidades, os desencontros e as contradições terminológicas são fatores que sempre serão encontrados nos escritos dos juristas que buscam a súmula de significado único para esse princípio universal, coisa que é impossível. Afastado o temor do equívoco, pode-se se dizer que a dignidade, como atributo inerente unicamente à pessoa humana, constitui conceito vago, abstrato, aberto, ambíguo, amplo, polissêmico e interdisciplinar.

 

Dignidade Humana, portanto, é uma qualidade inerente a todo ser humano, cuja concepção jurídica, social, econômica, religiosa, política ou de outra natureza pode variar e ser relativizada de acordo com a ética, a moral, os costumes, os valores[19], a cultura e os hábitos de cada povo ou grupo de pessoas[20], em suas relações sociais concretas, fazendo-os merecedores de direitos e deveres fundamentais, que devem ser assegurados e respeitados pelo Estado e pela sociedade, a fim de que possam usufruir de condições existenciais mínimas para o bem da criatura humana[21], do meio ambiente e dos demais seres vivos.

Não obstante a amplitude do conceito acima apresentado, o estudo aqui desenvolvido ficará restrito ao exame da dignidade da pessoa humana no âmbito do Direito Criminal. No campo penal, o princípio da dignidade da pessoa humana é aplicado com o propósito de garantir o direito de ampla defesa e do contraditório ao indivíduo acusado da prática de algum delito. Essa garantia deve ser ampla, mas varia de acordo com o ordenamento jurídico de cada nação, havendo mesmo países[22] que não respeitam o direito a um julgamento justo às pessoas acusadas da prática de delitos, ou o garantem de maneira limitada e restrita.

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A conquista desses e de outros direitos que, atualmente, gozam de status constitucional, foi paulatina e gradual, decorrendo, portanto, de intenso labor do meio acadêmico, em especial de pensadores que dedicaram suas ideias à defesa intransigente de tal desiderato. Muitos sacrificaram a própria vida, mas não abdicaram da obstinação de sustentar até o fim a importância do reconhecimento dos direitos concernentes à dignidade da pessoa humana.    

O primeiro passo para a obtenção do reconhecimento internacional dos denominados Direitos Humanos se deu com a Carta de São Francisco, tratado que criou a Organização das Nações Unidas em 1945. Esse marco histórico propiciou a posterior edição de inúmeros diplomas legais internacionais, notadamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano de 1948, que foi ratificada por vários países, dentre os quais o Brasil que é membro signatário.

Os princípios de direito humanitário, por representarem fundamento essencial da existência humana, constituem também princípios elementares da humanidade, razão porque todos os países devem cumpri-los como normas fundamentais, tenham ou não ratificado os tratados que os estabeleceram, porque são princípios invioláveis do Direito Internacional Consuetudinário.

Uma vez instalado qualquer conflito, envolvendo a dignidade da pessoa humana, não deve o julgador olvidar a existência do princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo, de tal sorte que deve optar pela aplicação da regra que mais favoreça o infrator, quer seja de origem interna ou internacional.

Mas essa regra não é de todo infalível. Pode ocorrer que direitos pertencentes a indivíduos diferentes entrem em colisão. Qual norma, então, deve ser aplicada? A nacional ou a internacional? O incidente, a nosso sentir, deve ser solucionado mediante o respeito à justiça do caso concreto e, ipso facto, tomando-se por base os princípios da razoabilidade/proporcionalidade, aqui entendidos como sinônimos de equidade.

É aceitável esse ponto de vista, considerando o fato de que o direito deve se utilizar da lógica do razoável. A resolução do conflito pode estar no detalhe de sua instalação, motivo porque deve ser investigada no contexto da demanda a intenção psicológica do litigante.

Tratando da equidade, Aristóteles a equiparou a uma régua de lesbos. Miguel Reale[23], jusfilósofo brasileiro, explica o sentido que o mencionado estagirita conferia à palavra equidade, ipsis verbis:

“Para o autor da ética a Nicômaco, a eqüidade é uma forma de justiça, ou melhor, é a justiça mesma em um de seus momentos, no momento decisivo de sua aplicação ao caso concreto. A eqüidade para Aristóteles é a justiça do caso concreto, enquanto adaptada, ajustada à particularidade de cada fato concorrente. Enquanto que a justiça em si é medida abstrata, suscetível de aplicação a todas as hipóteses que se refere, a eqüidade já é a justiça no seu dinâmico ajustamento ao caso. Foi por esse motivo que Aristóteles a compara à régua de Lesbos. Esta expressão é de grande precisão. A régua de Lesbos era a égua especial de que se serviam os operários para medir certos blocos de granito, por ser feita de metal flexível que lhe permitia ajustar-se às irregularidades do objeto. A justiça é uma proporção genérica e abstrata, ao passo que a equidade é específica e concreta, como a régua de Lesbos: flexível, que não mede apenas aquilo que é normal, mas, também as variações e curvaturas inevitáveis de experiências humanas.”

 

Por sua vez, Chaim Perelman[24], profetiza que a equidade é “a muleta[25] da justiça”, por entender que “o recurso à eqüidade só é permitido quando a lei parece manca”. O raciocínio do jusfilósofo Belga apóia-se na concepção de que, na maioria das vezes, a aplicação da justiça formal é impossível, porque a lei aplicada indistintamente pode conduzir a consequências iníquas, motivo pelo qual se faz necessário resolver a questão da maneira justa e equânime.

Não só na jurisdição penal, mas em qualquer outro campo do Direito, pode-se lançar mão da equidade, quando a situação fática de natureza fundamental envolver categorias que se tornam essenciais na apreciação dos fatos, porém revelam solução por meio de normas ou de princípios colidentes.

Seria o caso, por exemplo, de dois operários desempregados que resolvem assaltar um mercado, onde furtam pessoas e objetos. Um deles é solteiro, agrediu as vítimas e participou do projeto criminoso, porque tem como estilo de vida subtrair coisas alheias. O outro aderiu à empreitada, porque é arrimo de família e possui mulher e filhos para sustentar. Aquele por ser contumaz e reincidente furtou indistintamente produtos e valores, além de suas necessidades. Já o seu comparsa, sendo arrimo de família, furtou apenas gêneros alimentícios suficientes para alimentar sua enorme prole durante um mês e numerário necessário para fugir do local em segurança.

Presos horas depois pela polícia, foram acusados pelo mesmo fato, em face da competência jurisdicional pela conexão, visando unidade de processo e de julgamento. Ao apreciar as circunstâncias em que a hipótese concreta se consumou, por ocasião da fixação da reprimenda, o Juiz pode aplicar ao caso a equidade (fraternidade e dignidade humana), visto que tal julgamento é perfeitamente viável, por força da aplicação do princípio da individualização da pena, que tem como um dos pilares fundamentais a culpabilidade do agente como limitação do poder de punir estatal. Afinal, a culpabilidade do infrator não pode ser vista apenas como grau de reprovabilidade de sua conduta, mas também como pressuposto da aplicação da pena.

Destarte, ao trabalhador que agiu com egoísmo, subtraindo gêneros alimentícios e dinheiro em quantidade superior às suas necessidades, deve ser aplicada a norma sem ressalvas. Com relação ao operário que agiu de forma comedida, deve a norma ser aplicada com as atenuações ou inculpações que apontam as circunstâncias do caso concreto.  

É importante registrar que a legislação penal latino-americana é pródiga quanto à normatização de tal particularidade, como circunstância atenuante da aplicação da pena. Assim se verifica na Argentina (art. 41, CP), quanto à maior ou menor dificuldade do autor para prover seu sustento ou de familiares. O mesmo fenômeno ocorre no Equador (art. 45, CP), quando se refere à indulgência, família numerosa e à falta de trabalho do imputado. No Paraguai (art. 32, CP), vincula-se a conduta do infrator ao seu estado de miserabilidade. Em outros países, como a Colômbia (art. 55, CP), o Peru (art. 46, CP), o México (art. 52, CP), a Bolívia (art. 40, CP), procura-se atenuar a pena em face da indulgência do agente criminoso.

No Brasil (art. 66, CP), a pena pode ser atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. Pratica-se, com isso, fraternidade legislativa e jurídica, porque a Justiça não pode dissociar-se do conceito de dignidade humana que o moralista ignora.                        

 

5. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

 

Alguns países, como o Brasil e a Alemanha, lançaram no pórtico de suas Constituições, o respeito à dignidade da pessoa humana como princípio fundamental. No caso específico do Brasil, pode-se afirmar sem equívocos que a dignidade humana constitui, na conformidade do que dispõe o art. 1.º, inciso III, da Constituição Federal, o principal fundamento jurídico da nossa República.

 

A regra sobredita serviu como passo decisivo para a afirmação de que o Brasil aderiu à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, na medida em que produziu mudanças profundas na jurisprudência do STF, colocando nosso país entre aqueles que entendem que os tratados internacionais de direitos humanos se encontram no mesmo nível hierárquico das normas e princípios consagrados na Constituição Federal, além de permitir que outros tratados que não gozam da mesma categoria tenham maior hierarquia que as leis infraconstitucionais.

 

Muito embora alguns países não reconheçam qualquer validade às normas decorrentes do denominado Direito Internacional dos Direitos Humanos, suas disposições não representam mais apenas um discurso isolado, nem são aplicáveis somente ao mundo ocidental. Nas últimas décadas, tal direito, de cunho universal, tem tido uma influência enorme e crescente nas legislações dos Estados contemporâneos, posto que sua aplicação tornou-se uma prática generalizada decorrente dos tempos modernos para salvaguarda dos povos no âmbito doméstico e o afastamento de situações que ponham em risco a paz, a segurança e a estabilidade de outros Estados.

A proteção efetiva dos Direitos Humanos, por isso, encontra guarida na ordem jurídica internacional, onde o costume, as convenções e os princípios gerais do Direito são fontes inesgotáveis de resoluções e de outros instrumentos similares que constituem o denso ordenamento jurídico denominado Direito Internacional dos Direitos Humanos, bastante utilizado não só pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, como também por juízes e tribunais de diversos países.

Ante tais premissas, observa-se que a lei (Direito interno), na maioria das vezes, chega atrasada. Isso se deve, quase sempre, por conta de sua lenta tramitação, da constante dinâmica da sociedade e da negligência do poder legiferante. O Direito nela assegurado é entregue, comumente, após as mudanças sociais, políticas, éticas, morais, culturais, tecnológicas, econômicas, etc., vivenciadas pelos cidadãos.

A dignidade da pessoa humana tem sido o princípio reitor de todas as Constituições dos países civilizados. Dentro dessa concepção formal, é correto afirmar que todos os demais princípios decorrem desse postulado fundamental, afirmando a ideia de que nada deve ser feito juridicamente sem a observância do preceito que proclama a valorização da pessoa como ser humano dotado de direitos e de deveres processuais que envolvam: a) o acesso ao Judiciário e à justiça; b) garantia do juízo natural; c) igualdade de tratamento e paridade das armas entre as partes; d) respeito à ampla defesa e ao contraditório; e) garantia do devido processo legal; f) assistência jurídica integral (e gratuita aos necessitados); g) razoável durabilidade do processo; h) direito à produção de prova; i) publicidade dos atos processuais; j) motivação das decisões; l) confiança e segurança jurídica na estabilidade dos atos decisórios.

Não é impossível, nem difícil, obter a concretização de tais garantias, inobstante algumas vezes tais direitos sejam ignorados por agentes públicos, em flagrante violação à Constituição Federal, quando não à vista de leis rígidas ou mal interpretadas por seus aplicadores, bem como em face da tenacidade do julgador tendencioso em submeter o destino da parte, que é seu alvo, ao seu desejo pessoal, desvirtuando a finalidade da norma e o papel de isenção que lhe é outorgado pelo poder estatal para dirimir os interesses individuais e coletivos.

O que deve ser reivindicado pelo povo, no exercício do poder que lhe confere a Constituição Federal, é o cumprimento de tais políticas públicas, uma vez que o pacto social obriga seus representantes, junto às câmaras legislativas e aos governantes, em especial, ao dever de cumprir o que a lei maior estabelece. Nesse particular o jurista Carlos Bernal Pulido[26], com percuciente acuidade, lembra que:

“Casi todas las constituciones del mundo incorporan un catálogo de derechos fundamentales. De esta manera, quienes las promulgan persiguen ofrecer la máxima protección jurídica en el derecho interno a intereses humanos que se consideran esenciales, frente a vulneraciones y amenazas provenientes de poderes públicos y privados.”

  

Por essa razão, adverte o mencionado professsor Carlos Bernal Pulido, magistrado da Corte Constitucional da Colômbia, no estudo supracitado:

“De esta manera, el principio de proporcionalidad permite que haya una crítica informada de las decisiones judiciales. A su vez, este principio impide decisiones arbitrarias atinentes a los derechos. Los jueces y las autoridades políticas deben justificar las limitaciones a los derechos fundamentales una vez que hayan considerado todos los argumentos e intereses en juego.”

 

O homem reivindica constantemente o cumprimento do rol de direitos prometidos na Constituição Federal e nas leis infraconstitucionais, levando a sociedade organizada a exigir do Estado sua efetivação através de legislação específica que tenha respaldo no Direito Constitucional; afinal, o ser humano, conforme a concepção Kantiana, é um fim em si mesmo, e não um meio como infelizmente ainda pensam algumas autoridades sem olharem a si próprio.

O homem se distingue dos outros seres vivos porque é dotado de racionalidade. Essa particularidade lhe confere o atributo de ser considerado como pessoa, ou seja, como indivíduo pensante e integrante do organismo estatal. Daí, a importância de ter assegurados o respeito e garantia à sua dignidade como pessoa humana, por tratar-se não somente de regra legislativa, de status constitucional ou de princípio jurídico, mas de qualidade inalienável outorgada pela natureza a todo homem para construção de uma sociedade fraterna.                    

 

6. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

 

A noção de ampla defesa remonta às priscas eras, posto ser da natureza humana a inconformação. Bem conhecido, por isso, o exemplo bíblico do julgamento de Adão, onde, neste caso, o próprio Deus concedeu-lhe o direito de defesa, ao aduzir “Adam, ubi es?” Surgia, com isso, já no paraíso, segundo o jurista Afonso Fraga, citado por Tourinho Filho[27], o instituto da citação. Era a vocatio, característica ínsita da jurisdição, que permite ao Juiz processante determinar, atualmente, o comparecimento do réu à sua presença ou a praticar determinado ato, sob as penalidades da lei.

Acrescento que, seguido daquele ato citatório, veio o interrogatório do primeiro homem e sua autodefesa[28], tudo na forma oral, dando a entender que, no começo, a jurisdição se orientava pelo princípio da oralidade.

Mas não se encerrou aí o julgamento de Deus. Como Juiz supremo, deu seguimento aos atos instrutórios, interrogando separadamente Eva, mulher de Adão, e a serpente. Ao final, condenou a todos e aplicou a cada um deles castigos diferentes, dando origem ao que, em nossos dias, chamamos de princípio da individualização da pena. É importante registrar que, no referido julgamento, Deus tratou a todos os acusados com dignidade e fraternidade, aplicando-lhes penas proporcionais às suas culpabilidades.   

Rica em exemplos, a bíblia também narra o caso em que o evangelista Paulo[29], após ser preso e levado à enxovia, exige o direito à ampla defesa, por ser cidadão romano. Para que não passe despercebido, tenha-se em mente que nos dois exemplos bíblicos se encontra evidente a presença do devido processo legal, como pressuposto necessário para a imposição da medida que se perseguia. 

Aglutinada também nesses episódios se encontra a ideia do contraditório como elemento preponderante da ampla defesa. O contraditório é o exercício da dialética processual, plasmada a partir da pretensão deduzida em juízo pela parte demandante. Trata-se de princípio constitucional do processo, cujo escopo é oportunizar ensanchas à parte demandada de ser informada a respeito do que está sendo alegado pelo demandante, a fim de que possa produzir defesa de qualidade e indicar prova necessária, lícita e suficiente para alicerçar sua peça contestatória. A impugnação da pretensão varia, em sua forma bilateral, de acordo com o interesse ou direito que se pretende resguardar ou obter.        

O contraditório implica também no direito que tem as partes de serem ouvidas nos autos. O processo é marcado pela bilateralidade da manifestação dos litigantes. Essa regra de equilíbrio decorre do denominado princípio da igualdade das partes ou da isonomia processual, tão importante para o embate processual quanto qualquer um dos demais princípios orientadores do processo.

A ampla defesa representa garantia constitucional prevista no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal Brasileira. Sua concepção possui fundamento legal no direito ao contraditório, segundo o qual ninguém pode ser condenado sem ser ouvido.

Por força do que foi enunciado, não seria demasiado dizer que a ampla defesa também está intimamente ligada a outro princípio constitucional mais abrangente, qual seja o devido processo legal, seu epifenômeno, pois é inegável que o direito a defender-se amplamente implica consequentemente na observância de providência que assegure legalmente essa garantia.

Tão importante é o devido processo legal, como princípio constitucional, que ele representa a base legal para a aplicação de todos os demais princípios, qualquer que seja o ramo do direito processual. Esta afirmação não afasta, por outro lado, a incidência desse postulado também no âmbito do direito material ou administrativo.

Numa concepção primária, trata-se a ampla defesa de direito constitucional processual assegurado ao réu subjetivamente. Por esse postulado, a parte que figura no pólo passivo da relação processual exige do Estado-Juiz, a quem compete a prestação da tutela jurisdicional, o direito de ser ouvida, de apresentar suas razões e de contra-argumentar as alegações do demandante, a fim de elidir a pretensão deduzida em juízo.

A ampla defesa é garantia do demandado inerente ao Estado de Direito. Mesmo quando se está diante de regime de exceção, a noção desse instituto não desaparece porque é algo que se encontra arraigado ao ser humano, é uma necessidade inata do indivíduo, é algo que resulta do próprio instinto de defesa que orienta todo ser vivo.

Apesar de esse princípio vir expresso pela fórmula “ampla defesa”, seu raio de aplicação não se limita exclusivamente a beneficiar o réu, posto que visa também favorecer outros sujeitos da relação processual. Sendo assim, não é errôneo dizer que a ampla defesa constitui direito que protege tanto o réu quanto o autor, bem como terceiros juridicamente interessados.

Diante disso, é forçoso reconhecer que somente haverá ampla defesa processual quando todas as partes envolvidas no litígio puderem exercer, sem limitações, os direitos que a legislação vigente lhes assegura, dentre os quais pode-se enumerar o relativo à dedução de suas alegações e à produção, sem restrições, de prova admitida em juízo.

 

7. DIREITO DE DEFESA

 

Um dos fundamentos do Estado Brasileiro é a dignidade da pessoa humana, assim estatuído no art. 1.º, inciso III, da Constituição Federal. No Estado Democrático de Direito todos os princípios que o regem devem se basear no respeito à pessoa humana, pois esta funciona como princípio estruturante, ou seja, representa o arcabouço político fundamental constitutivo do Estado e sobre o qual se assenta todo o ordenamento jurídico. Por isso, é considerado como princípio maior na interpretação de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas no texto constitucional.

O direito de defesa é um dos princípios decorrentes da dignidade da pessoa humana e da fraternidade. Somente o ser humano pode usufruir dessa prerrogativa, porque não é possível atribuir a animais irracionais a prática de crimes. Não se trata de privilégio, mas de garantia fundamental assegurada constitucionalmente ao infrator. Por essa razão, é dever do Estado conceder a todo indivíduo acusado da prática de um delito a oportunidade de exercer o direito de defesa técnica de maneira ampla e irrestrita. Dito de outro modo, não basta a concessão pura e simples do direito de defesa. É imprescindível que o acusado tome ciência do conteúdo da acusação em idioma que lhe seja acessível e que o ente estatal lhe garanta o exercício dessa prerrogativa por meio de profissional da advocacia que tenha especialização específica na área penal, sob pena de não se cumprir tecnicamente a finalidade para o qual foi concebido esse irrenunciável preceito de nível constitucional.

Partindo da premissa dignidade da pessoa humana, que tem íntima relação com o Direito Penal da ofensividade (garantista), faz-se necessário entender que num Estado Democrático de Direito, um fato punível deve ser encarado tendo em vista a finalidade do Direito Penal, que é a proteção de bens jurídicos penais.

Para o entendimento do que seja o valor bem jurídico, não basta a leitura gramatical da figura típica, ou seja, a compreensão da tipicidade, porque esta não se esgota na literalidade da lei. O que o intérprete precisa descobrir é o que está por trás do tipo penal, isto é, na norma, porque é ela quem revela a percepção que necessitamos ter do bem jurídico protegido. Concluindo, podemos afirmar que o que pune o infrator não é a lei, e sim a norma.

O saudoso penalista Luís Flávio Gomes[30], relacionando a dignidade humana com o Direito Penal, nos transmite a ideia de que, sendo a dignidade humana o fundamento máximo do modelo de Estado de Direito, parece não haver dúvida de que a sanção penal só deve incidir quando há uma concreta lesão ou perigo para o bem jurídico protegido pela norma. O princípio da ofensividade, destarte, decorre naturalmente dos fundamentos do Estado Constitucional e Democrático de Direito, a partir das garantias e dos princípios assegurados pela Constituição do país. Na incensurável ensinança do penalista Argentino Eugênio Raúl Zaffaroni[31]:

“El derecho penal tiene la función de prover a la seguridad jurídica mediante la tutela de bienes jurídicos, previniendo la repetición o realización de conductas que los afectan en forma intolerable, lo que ineludiblemente, implica una aspiración ético- social. Cabe consignar que en este sentido usamos "ético” para denotar lo que hace al comportamiento social, expresión que nada tiene que ver con la moral, que la entendemos como cuestión que incumbe a la conciencia individual y que, por ende, es autónoma. En este sentido, la "aspiración ética” del derecho, es la aspiración que éste tiene de que no se cometan acciones prohibidas por afectar bienes jurídicos ajenos. La coerción penal busca materializar esta aspiración ética, pero la misma no es un fin en sí misma, sino que su razón, su "por qué" (y también su "para qué") es la prevención especial de futuras afectaciones intolerables de bienes jurídicos.”

 

 Com efeito, dispõe a Constituição Federal Brasileira, em seu art. 1.º, inciso III, verbis:

Art. 1.º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: 

III – a dignidade da pessoa humana;

 

Notória, portanto, a consagração do valor da dignidade da pessoa humana como princípio máximo, diga-se, fundamental do Estado Brasileiro, lançado no pórtico da Carta Magna (art. 1.º, III). Segundo José Afonso da Silva[32], "a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos  fundamentais do homem, desde o direito à vida". O constitucionalista J. J. Gomes Canotilho[33], também entende que “concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-se nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana.”

Vê-se, a partir desses ensinamentos, que a dignidade da pessoa humana é um conceito que permeia todo o ordenamento jurídico, em todas as suas formas, em todos os ramos do Direito, até por não ser apenas um direito fundamental, mas um fundamento do nosso próprio modelo de Estado Democrático de Direito.

Os penalistas são unânimes em afirmar que a história da pena coincide com a história da humanidade. Desde os tempos primitivos, cada povo ou agrupamento humano, não importando a raça, governo ou origem étnica, tinha sua forma de aplicação da pena, ainda que rude ou degenerada, onde era permitida a inflição de variados suplícios ao condenado, todos corporais, por autoridades públicas ou por pessoas investidas de autoridade familiar, numa verdadeira barbárie em que se destacava uma espécie de Direito Penal do terror e do martírio instituído ao alvedrio do executor.

Assim, eram aplicadas, sem qualquer critério, penas cruéis e desumanas que levavam a homicídios decorrentes de apedrejamentos, enforcamentos, sufocamentos[34], torturas, crurifrágios, castrações, crucificações, tudo em defesa de um poder punitivo que os arcontes julgavam possuir, proveniente de uma moral divina que autorizava a prática de tais horrores sem a instauração de processo justo e sem a concessão do direito de defesa ao acusado, muito menos da concepção de fraternidade e dignidade humana.

Como não se permite, entre nós, condenação judicial tendente ao sacrifício corporal do réu, alguns Juízes de coração empedernido aplicam penas excessivas, que chegam a centenas de anos de reclusão, sem darem a devida importância aos aspectos educativo e ressocializador da sanção penal. Partem de conclusões deturpadas de suas consciências, violando os parâmetros mínimos e máximos do preceito legal para, numa atitude de ostentação pessoal, cominarem reprimendas recheadas de citações doutrinárias nacionais e estrangeiras, assim como de jurisprudências escolhidas ao seu talante com o propósito de abrilhantarem suas imagens na sentença. Numa atitude de puro arbítrio esquecem que estão julgando seres humanos, vale dizer pessoas com nome, idade, profissão e família, pervertendo os interesses da sociedade que as querem de volta regeneradas, promessa que o cárcere não pode cumprir. Tais magistrados julgam como Deus e entregam a execução da pena ao Diabo, mantendo-se tranquilos e regozijados em seus refrigerados gabinetes, durante o longo período de cumprimento da pena imposta, sem sequer fazerem alguma visita à enxovia para averiguarem o estágio de recuperação do condenado.     

Vivemos, atualmente, um período de humanização da pena. O Direito Penal moderno concebe a pena como fator de recuperação do infrator condenado, considerando que a reprimenda não deve ter caráter apenas retribuitivo, mas principalmente ressocializador. Dessa forma a Constituição Federal aboliu as denominadas penas aflitivas e infamantes[35]. Na atualidade, sua aplicação adquire especial destaque, conquanto é sabido que a nenhum julgador é permitido a inflição de pena ao acusado sem o devido processo legal ou acima dos parâmetros da proporcionalidade e da razoabilidade.

Essa assertiva decorre da confirmação de vários aforismos jurídicos, dentre os quais, na concepção de seus idealizadores, se destacam o nullum crimen, nulla poena sine praevia lege poenali, assim como o nulla poena sine judicio, ou o apotegma nulla poena sine culpa, posto que o princípio da humanidade das sanções proíbe a imposição de penas sem processo e de caráter desumano.

 

8. DIGNIDADE HUMANA NO PROCESSO PENAL

 

O processo penal existe no ordenamento jurídico da maioria dos países com a finalidade de assegurar uma série de garantias ao acusado, que vão desde o direito de defesa até a aplicação de pena proporcional ao dano causado. Cada país tem suas próprias leis, as quais variam conforme o bem jurídico a ser protegido ou de acordo com sua cultura e costumes. Por isso mesmo, algumas condutas que são punidas em determinados países não guardam qualquer importância para outros. O certo, no entanto, é que com os olhos voltados para o mundo inteiro a ONU e outros organismos internacionais têm lutado pela uniformização do procedimento processual de todas as nações, integrantes ou não da organização, principalmente em matéria de direitos humanos.   

O jus puniendi estatal tem como seu contrapeso natural o jus libertatis do indivíduo. Aliás, deve ser interesse do próprio Estado garantir ao acusado o direito ao justo processo legal, por força do contrato social celebrado com o povo, que lhe outorga o monopólio da jurisdição.

Valor básico fundamentador de todos os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana[36] tem sido violada constantemente em prol de uma pretensa segurança e da busca frenética pela verdade real no âmbito do processo penal, sonho pueril que à realidade compete negar, posto o Juiz sempre julga com base na verdade processual. Enquanto persistir essa busca incessante pela autonomia da sociedade, ou um rigor excessivo do Direito Processual Penal existir, a função primordial deste como instrumento de distribuição de justiça e pacificação social é que será afistulada.

Se o Direito brasileiro é fundado na fraternidade e na dignidade da pessoa humana, como o processo penal pode, para conseguir a verdade real, por exemplo, violar o binômio fraternidade/dignidade em prol de outros princípios que orientam a colheita da prova? Aqui, temos uma colisão de princípios, que deverá ser resolvida, em último caso, por uma ponderação.

Tratando dessa questão, afirma J. L. Mackie, citado pela jurista Argentina Mirta F. Bokser[37], ipsis verbis:

“La colisión entre reglas produce el efecto de excluir una, porque el resultado de aplicar las dos es incompatibile [...]. En estos casos, la actividad de intérprete consiste en una opción: o una o la outra. En cambio, cuando se trata de princípios y valores, no hay opción, sino ponderación. [...] No se trata entonces de una antinomia en el sentido tradicional, sino de un campo de tensión. El coflicto entre princípios se soluciona mediante un juicio de ponderación de intereses opuestos. Se trata de cuál de los intereses abstractamente del mismo rango, tiene mayor peso en el caso concreto. Si se entiende a los princípios como mandatos de optimización, como aspiraciones a algo que encierran una referência a la ideia del dererecho justo, debe estimarse en qué medida se puede realizar en el caso concreto [...]. Los principios son normas que tienem una estructura deóntica, ya que establecen juicios de deber ser; son normas prima facie sin una terminación acbada, y por lo tanto flexibles, susceptibles de ser completados [...]. Los principios son normas que receptan valores y como tales no pueden ser sino aspiraciones cuyo grado de concreción varía según los sistemas jurídicos, los períodos históricos, y la relación com las reglas. De manera que el juego de los principios jurídicos de rango constitucional aporta la determinación de valores necesaria para llenar de contenido la cláusula general, conforme a un criterio normativo [...]. Desde nuestro punto de vista, los principios como normas son fundamentales cuando están reconocidos en  una de lãs fuentes constitucionales y son susceptibles de argumentación iusfundamental.”

 

Por sua vez, o penalista Luís Flávio Gomes[38], em bem lançada assertiva obtempera:

“Considere-se, de outro lado, que é da essência da lei contemplar casos genéricos, não casos concretos, podendo estabelecer regras favoráveis a um ou outro dos princípios em eventual conflito, mas nunca desvirtuar a priori nenhum deles, porque isso equivaleria à violação da Constituição. O legislador, em suma, pode orientar a ponderação do juiz, mas, ainda que queira, por sua própria posição, carece de faculdades para substituí-lo nesse trabalho, determinando a decisão que proceda (em cada caso concreto) à vista do jogo conjunto dos preceitos constitucionais e das circunstâncias do caso (dado que precisamente não pode ter essa ‘visão’).

Dito de outro modo: os conflitos entre princípios são resolvidos pelo juiz no caso concreto, e jamais podem ser definitivamente cancelados pelo legislador, pois eliminar a colisão (entre princípios), como regra geral, requereria postergar um princípio em benefício de outro e, com isso, estabelecer, por via legislativa, uma hierarquia entre preceitos constitucionais que, simplesmente, suporia assumir um poder constituinte que o legislador não ostenta.”

 

A interpretação acadêmica a respeito da resolução dos conflitos entre princípios jurídicos é invariável, quer ela proceda do jusfilósofo, quer do constitucionalista, quer do civilista, quer do penalista ou do processualista, visto que a ciência do Direito não pode vulgarizar seus conceitos em relação a institutos que devam ser aplicados de forma equânime, isto é, na exata medida de sua importância e relevância jurídica.

O intérprete imparcial deve ser justo em suas conclusões e fiel à comunidade que acredita em suas percepções. Daí porque deve trabalhar com extremo rigor a mensagem que é empregada em cada palavra da lei, fazendo uma investigação sistêmica de sua aplicação, a fim de fornecer subsídios àqueles que necessitam utilizá-la no dia-a-dia forense.

A mesma regra aplica-se ao Juiz isento, posto que não deve agir como um servo da lei. Ao contrário: se a regra da lei exige uniformidade de tratamento para aqueles que estão sob o seu império, o Juiz pode romper com essa concepção e aplicar, de acordo com o modelo de conduta que achamos razoável ser praticada em sociedade, quer em relação a nós ou a nossos semelhantes, os corretivos que o legislador não editou e que editaria, se tivesse tido conhecimento do caso em questão, para garantia da segurança jurídica, ainda que, para isso, tenha que recorrer à equidade.

O Juiz não pode ser um leguleio. Devemos sempre conceder a ele o poder da interpretação, porque não é a lei que representa a noção que devemos ter da palavra Justiça, e sim o resultado de sua intelecção frente às peculiaridades do caso concreto. Destarte, por não ser a lei um produto fabril, pronto para consumo, compete ao Juiz interpretá-la, alheio a qualquer paixão, sopesando as provas apresentadas e a pretensão deduzida para encontrar a justa medida da Justiça.   

No entendimento lapidar de Raphael Boldt:

“Mesmo em períodos de grande clamor popular por penas mais severas e maior repressão à violência, inexiste qualquer justificativa para afronta aos ideais democráticos e humanitários, cuja preservação é imprescindível. De acordo com Rodrigo Boldrini (2006), "[...] essa preservação não impede nem a realização da prevenção geral positiva nem o combate ostensivo ao crime [...]”[39]

 

A visão autoral no final do texto transcrito, por mais justificável que possa parecer, se nos afigura míope e equivocada. É que, no âmbito dos direitos fundamentais, por mais acertada ou definitiva que pareça uma posição, ela sempre deve ser posta em debate em caso de colisão com outro princípio. Como dissemos alhures, a dignidade humana ainda é um conceito por demais abstrato, que não podemos tomar como certo e definitivo; ela se analisa caso a caso. E caso a caso, mesmo que a opinião manifestada goze de valor altíssimo, em face de quem a tenha emitido, ela representa sempre um ponto de vista que deve ser aferido na medida de sua razoabilidade.

Um ponto de vista diferente do esposado pelo doutrinador pode ser ponderado, qual seja: o balanceamento da dignidade da pessoa humana com o princípio da verdade substancial no processo penal. Em cada caso se fará uma ponderação levando em conta: 1) o nível de agressão à parte demandada; 2) o bem jurídico protegido; 3) o interesse público em jogo; 4) a possibilidade de meios alternativos de aplicação da pena, entre outros, à vista do caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal.

O Juiz, como agente político que conduz e resolve o processo, deve ter as condições necessárias para analisar e decidir sobre tais questões. Afinal, além de administrador do processo, ele é o destinatário da prova e se encontra investido de poderes legais para interpretar a norma vigente e emitir a prestação jurisdicional (em nome do Estado), na forma que melhor atenda aos fins previstos no ordenamento jurídico.

Mas essa prestação jurisdicional não pode ser realizada de maneira leviana e improvisada. É indispensável que o Juiz vasculhe a intenção da lei, vale dizer, interprete a norma conforme a gramática da Constituição, cuidando para que sua sentença seja a fiel radiografia da realidade concreta da vida a partir dos fatos noticiados; para que a decisão declare o que o dinamismo social espera, e não aquilo que a letra fria e inerte da lei estabelece em abstrato, pois do contrário qualquer pessoa ou até mesmo uma máquina poderia emitir o que a literalidade da lei informa, e não necessitaríamos de Juízes para interpretá-la.

A nenhuma autoridade, muito menos ao Juiz, é conferido o direito de aplicar a lei de maneira iníqua. Processo sem garantias é o mesmo que vida sem liberdade. Não há injustiça maior do que a promovida pelo próprio Judiciário. É como se, de repente, o mundo desabasse sobre a cabeça do indivíduo e, num passe de mágica, perdesse todo o patrimônio e sua liberdade, tornando-se um desprezível arremedo de figura humana.

Um dos exemplos mais significantes desse absurdo vem da literatura. Na clássica obra “O Processo” de Franz Kafka[40], encontramos a descrição perfeita do que significa um processo sem garantias. Um homem acorda pela manhã na pensão onde reside e, antes do desjejum, é visitado por desconhecidos que o avisam sobre sua detenção. Embora tenha tentado, o prisioneiro não conseguiu apurar qual o crime que lhe fora imputado? Quem eram os homens que o detiveram e a serviço de qual autoridade estavam? Quem era o seu acusador? Qual o conteúdo da acusação? Para onde seria levado?

Sem contato com qualquer autoridade governamental ou judicial e sem direito a defender-se em qualquer processo, esse homem tem um fim trágico. Levado como um animal cativo ao local da execução, por ruas escuras e tortuosas, ainda no trajeto, foi morto com uma profunda facada no coração, aplicada impiedosamente por um dos carrascos. Antes, porém, a caminho do cadafalso, abstraído em seus pensamentos, teve a ilusão de haver avistado a figura da mulher amada, mas logo prescindiu dela e curvando-se à sua triste realidade questionou-se: “Onde estava o Juiz que nunca tinha visto? Onde estava o alto tribunal ante o qual nunca comparecera? Elevou as mãos e separou todos os dedos.” 

Sabemos que ainda hoje fatos dessa natureza acontecem em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, não obstante inúmeros setores da sociedade, na mais completa pervigília, se esforcem para evitar essa prática espúria. A lógica do processo visa a pacificação social, mediante a composição da lide. Todos nós caminhamos em busca dessa satisfação. Por isso, não se pode consentir a violação dessa lógica inquebrantável, sob pena de permitirmos a desordem e a anarquia sociais.          

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, guardião de nossa Constituição, em vários de seus julgados, tem tomado posições semelhantes. No Habeas Corpus n.º 97.346/SP, Relator Min. Eros Grau, foi decidido que a dignidade da pessoa humana é fundamento suficiente para proibir a prisão provisória fundada apenas na gravidade do crime, que não é critério hábil para essa decisão:

 

(...) 4. Entendimento respaldado na inafiançabilidade do crime de tráfico de entorpecentes, estabelecida no artigo 5.º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. (...) 6. A inafiançabilidade não pode e não deve --- considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal --- constituir causa impeditiva da liberdade provisória.[41]

 

Ainda segundo o STF, também ofende a dignidade da pessoa humana a duração excessiva da prisão cautelar, como defende o Min. Celso de Mello, na ementa de seu voto:

 

"HABEAS CORPUS" - PRISÃO CAUTELAR - DURAÇÃO IRRAZOÁVEL QUE SE PROLONGA, SEM CAUSA LEGÍTIMA - CONFIGURAÇÃO, NA ESPÉCIE, DE OFENSA EVIDENTE AO "STATUS LIBERTATIS" DOS PACIENTES - INADMISSIBILIDADE - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE. - O excesso de prazo, mesmo tratando-se de delito hediondo (ou a este equiparado), não pode ser tolerado, impondo-se, ao Poder Judiciário, em obséquio aos princípios consagrados na Constituição da República, a imediata devolução do "status libertatis" ao indiciado ou ao réu. - A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1.º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5.º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7.º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.”[42]

 

A partir de tais precedentes, concluímos que o Estado Democrático de Direito, que preza pelas liberdades e direitos dos seus cidadãos, não pode estar dissociado do princípio da dignidade da pessoa humana, posto ser fundamento basilar para a proteção de qualquer ser humano que esteja sob seu poder. Na verdade, esse princípio essencial abrange não só a proteção das pessoas, ou de classes sociais, mas especificamente do ser humano, porque esse deve ser um dos fins precípuos do Estado moderno.

Essa garantia constitucional, de caráter inalienável, não pode ser negada a qualquer ser humano, ainda que se encontre despido da própria dignidade; mesmo que desconheça ou ignore a noção a respeito do conceito de dignidade humana, ou que seja autor da mais atroz conduta criminal, tendo em vista o fato de que toda pessoa deve ser protegida pela ordem jurídica estatal.

O processo penal, que regula a aplicação do Direito Penal, e que atinge diretamente o ser humano, é intimamente e intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, não podendo dele se divorciar, sob pena de regredirmos a um tempo em que apenas a vontade do soberano prevalecia; em que tudo girava em torno das coisas que interessavam somente ao monarca, sob a égide do Estado totalitário.

Na mesma categoria de importância se localiza a fraternidade humana, como princípio constitucional essencial, considerando que funciona como ponto de equilíbrio, porque a sanção penal não impede, segundo Reynaldo Soares da Fonseca[43], a “construção de uma Justiça restaurativa que não ignora as exigências de reparação da ordem violada”, posto que “a pena humanizada não é, em rigor, violência destinada a dominar quem é punido” (...) nem “a execução da pena pode inviabilizar a possibilidade de reconciliação.”

 

9. CONCLUSÃO

 

A vida do Direito não é diferente da vida das pessoas. Ao longo da sua existência, o homem vai polindo aquele diamante bruto que ele é quando nasce, sendo, por isso, joalheiro de si mesmo. O Direito também necessita desse constante polimento, a fim de que possa conferir utilidade social àqueles que labutam nas relações sociais do dia-a-dia.

Os princípios do Direito são dogmas que se estabeleceram socialmente desde o surgimento do homem sobre a face da terra e existem independentemente de sua previsão em normas ou preceitos escritos, pois assim já demonstrou a história no exemplo de Antígona, clássica peça de Sófocles, que bem representa o atendimento a direito não escrito, vale dizer o respeito a princípio que não estava previsto em nenhuma norma ou lei do Estado.

Por conseguinte, podemos afirmar, sem o menor exagero, que os princípios são postulados derivados do Direito Natural e que antes de se tornarem preceitos dogmáticos já existiam, porque têm sua sede na natureza e independem de qualquer fórmula escrita para se tornarem estáveis.

A lei envelhece, cai em desuso; o princípio a tudo resiste, vence o túnel do tempo, sobrevive a todos os regimes jurídicos e enfrenta todas as espécies de governo, mesmo que não seja contemplado no ordenamento legislativo do País. Por isso, resulta de fundamental importância seu estudo, como fonte basilar de tudo.

Expostas essas considerações, é imperioso reconhecer que a dignidade da pessoa humana está reconhecida na legislação brasileira, como princípio fundamental, e se encontra preservada em nossa ordem jurídica processual penal, gozando de status constitucional, ao lado de uma série variada de outros princípios, de igual importância, porém de menor grandeza, que asseguram o direito ao exercício do ius postulandi do jurisdicionado, não importando a posição que ocupe na relação processual.

Alguns exemplos da real preservação desse princípio podem ser enumerados para a aplicação no plano processual penal, como garantia do acusado[44], a saber: 1) o direito à citação; 2) o direito à ampla defesa; 3) o direito ao contraditório; 4) o direito de ter respeitada sua dignidade como pessoa humana; 5) o direito à apresentação de provas perante os tribunais; 6) o direito à assistência judiciária gratuita, provada sua condição de pobreza ou não; 7) o direito ao processo justo, onde sejam respeitadas garantias mínimas; 8) o direito a julgamento pelo juízo natural; 9) o direito a uma pena proporcional ao mal causado com o delito; 10) o direito à interposição de recursos às instâncias superiores; etc.   

A análise da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental do Direito Constitucional, se traduz em algo da maior importância para a sua aplicação no campo do Direito Penal (e o processual penal) constitucional. Por isso é que, a cada dia, se torna mais frequente e fascinante o estudo desse instituto pelos juristas de nosso tempo, visando sempre a que se descortinem novos horizontes onde a sua temática deva fincar profundas raízes.

Mas não basta investigar e descobrir a imensa utilidade do princípio da dignidade da pessoa humana. É curial que haja uma política criminal voltada para o respeito à sua efetividade no processo penal como conditio sine qua non para o exercício do sagrado direito de defesa do acusado, desde o primeiro momento da privação de sua liberdade, pois do contrário faremos tábula rasa do mesmo e ficaremos apenas pregando no deserto como dantes faziam os sermonistas inveterados. 

Não se deve descurar, por outro lado, que o Direito Penal e o Processual Penal possuem outras insígnias tão significantes quanto o princípio da dignidade da pessoa humana, que reclamam aplicação simultânea, no decurso da tramitação processual, a exemplo do que ocorre com os ingredientes que se misturam para temperar uma saborosa comida. O desrespeito a qualquer formalidade processual pode ensejar a nulidade insanável do ato, assim como a ausência de qualquer condimento pode tornar a refeição insípida.

Daí porque se espera que a vida do Direito, pós-pandemia da Covid 19, seja inspirada em princípios transindividuais, tais como a fraternidade e a dignidade humana, a fim de que seja possível a solução dos conflitos processuais com o olhar voltado para a finalidade precípua da pena, qual seja a certeza da punição, porém com a garantia da recuperação do condenado, pois essa é a expectativa da coletividade e deve ser a missão indeclinável dos órgãos encarregados da execução penal, considerando que a pena não se fundamenta essencialmente no fato de punir, mas na garantia de devolver o condenado recuperado à sociedade.

Na verdade, deveria haver, na entrada das penitenciárias, uma frase escrita num grande portal, onde se possa ler “Aqui pratica-se Fraternidade e Dignidade Humana”. Não seria essa frase uma carta de seguro para o condenado, muito menos um favor penitenciário, mas um alerta para os visitantes e, principalmente, para os agentes públicos que aí trabalham de que suas instalações abrigam pessoas que, não obstante tenham praticado delitos, devem ser tratadas com fraternidade e dignidade, posto que o objetivo primordial da pena não é embrutecer o recluso, mas reeducá-lo para a convivência entre seus semelhantes, o que somente será possível se o mesmo for tratado sem discriminação no cárcere. 

Mas essa reinserção social passa também pelo dever de conservação da sociedade, o qual é obrigação de todos, principalmente do egresso penintenciário, considerando que somente a piedade, como consectário jurídico da fraternidade humana, não é capaz de assegurar a transformação ética do homem na reconstrução dos bons valores que permitirão sua virtuosa interação social. Nisto tudo está refletida a ideia de responsabilidade solidária, como um dever de natureza jurídica.

 

 

 

 

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Sobre o autor
José Eulálio Figueiredo de Almeida

Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Juiz de Direito Titular da 8.ª Vara Cível em São Luís. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Especialização em Processo Civil pela UFPE. Especialização em Ciências Criminais pelo UNICEUMA. Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

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