Primeiras impressões sobre o novo crime de perseguição (Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021)

01/04/2021 às 17:18
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Análise preliminar do novo crime de "perseguição", agora tipificado no art. 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

A Lei Federal nº 14.132, de 31 de março de 2021, acrescentou o art. 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a fim de estabelecer o crime de perseguição e, na mesma toada, revogar o art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais), a qual previa a infração de perturbação de tranquilidade.

A prática de perseguição (por alguns chamada de stalking), passa agora a ser expressamente criminalizada pelo nosso Estatuto Repressivo, dando-se a ideia de que aquela, por ser mais específica que o antigo delito anão de perturbação de tranquilidade, é mais gravosa, embora seja ela de menor potencial ofensivo. O termo stalking, a título de ilustração, tem origem inglesa, e alude ao ato de perseguir, espreitar ou vigiar alguém, de forma velada ou ostensiva, de modo a desestabilizar ou comprometer a paz e o sossego da vítima.

A infração, ora erigida a condição de crime contra a liberdade individual, abrange comportamentos que, até então, eram considerados meras contravenções relativas à polícia de costumes e, como vimos, de irrisória punição.

O tipo penal passa a ser denominado de “perseguição”, e pune com reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa, o ato de perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

O crime, assim, tem três vertentes. A perseguição, reiterada, com ameaça a integridade física ou psicológica; a perseguição, reiterada, com o fim de restrição de capacidade de locomoção e, enfim – note-se que a lei usa a expressão “ou” – a perseguição, reiterada, com invasão ou perturbação de liberdade ou privacidade. 

Perseguir reiteradamente significa ir atrás de maneira insistente, acossar, ir no encalço. Para que se configure o crime, não basta o mero seguir de maneira pontual e isolada, afinal o tipo exige a condição reiterada, isto é, repetida. Cremos que tal reiteração deve ser analisada de maneira gramatical, pois, por aludir a um ato repetido, pode, em tese, emergir já numa segunda ação, isto é, na segunda perseguição, não sendo necessária, segundo entendemos, uma terceira ou quarta para que se o delito se configure. Repetir, reafirmamos, significa reiterar e reincidir um comportamento anterior, afinal o temor reverencial é uma característica individual e, por isso, deve ser analisado de per si pelos intérpretes da norma.

O meio de perseguição é amplo, já que a lei usa a expressão “qualquer meio”, daí poder ser ela presencial (via pública, local privado, etc.) ou virtual (rede social, aplicativo de mensagens eletrônicas etc.), pouco importando.

Defendemos que a expressão ameaça deva ser vista de maneira ampla, e não em simetria ao tipo penal do art. 147 do Código Penal, o qual exige mal injusto e grave. A ameaça, no delito de perseguição, deve ser encarada como sinônimo de intimidação, ainda que velada, e que dê a entender, na visão da vítima, que aquela atitude persecutória está eivada do desejo de lhe fazer mal ou prejudicar. A ameaça, assim, deve ser hábil a impingir promessa de mal físico (vis corporalis) ou mácula psicológica (que cause dano emocional), resultando em restrição de capacidade de locomoção (por medo) ou gerando perturbação (desestabilização emocional) ou invasão (ocupação por força) na esfera de liberdade ou privacidade da vítima.

Exemplos não faltam:

João, sabedor que Maria, sua ex-namorada, iniciou um novo relacionamento, põe-se reiterada e ostensivamente, defronte a residência desta, a fim de ameaçar-lhe a integridade psicológica e perturbar-lhe a privacidade.

José, sabedor que Ana, sua ex-namorada, não tenciona reatar o relacionamento, passa a segui-la reiteradamente pela via pública e, no mesmo contexto, fazer gestos ameaçadores a ela, perturbando, assim, a sua esfera de liberdade.

João, com o intuito de invadir a esfera de liberdade de Maria, sua ex-namorada, passa a persegui-la quando a mesma deixa o trabalho, obstando-lhe o caminho na via pública e usando linguagem corporal agressiva, sem contudo tocá-la.

José, ex-marido de Ana, com o escopo de perturbar a esfera de privacidade da mesma, efetua reiteradas ligações telefônicas a ela, acrescidas de inúmeros recados molestadores e acintosos por mensagem de voz.

Ana, sabedora que Maria está mantendo relacionamento amoroso com o seu ex-namorado, José, passa a persegui-la reiteradamente num grupo virtual, lançando reação de ódio (stiker ou emoticon relacionado a raiva) em toda e qualquer postagem que a mesma faz, perturbando-lhe, assim, a esfera de privacidade.

Em regra, a infração penal é tida como habitual – exige reiteração – e, em razão disso, não admitiria tentativa. Em contrapartida, o magistrado Rodrigo Foureaux[1], entusiasta da tese que reconhece a possibilidade de tentativa no delito de perseguição, ilustra o seu entendimento com um exemplo. Conforme o mestre, quando o agente, ao tentar reiterar o ato, não obtém êxito por circunstâncias alheias a sua vontade, o conatus se verifica. É o caso, segundo ele, do sujeito que persegue a vítima durante o trajeto do trabalho e, no dia seguinte (mirando a reiteração), envia, por intermédio de WhatsApp, sucessivas mensagens eletrônicas a ela, as quais não são recebidas por ter a mesma bloqueado o número telefônico do autor. Note-se que ele agiu – reiterou o comportamento – o qual só não repercutiu na esfera da vítima por ter ela bloqueado o sujeito (circunstância alheia). Configurada, assim e segundo o doutrinador, a tentativa de perseguição.    

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O delito prevê aumento de pena (metade), se cometido contra criança, adolescente ou idoso, assim definidos em lei. 

A majorante igualmente incide no crime cometido contra mulher (cremos discutível a questão do gênero, a qual não deve ser sumariamente desprezada) por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 do Código Penal, isto é, nos casos de perseguição envolvendo violência doméstica e familiar ou de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

No caso de concurso de duas ou mais pessoas ou em havendo emprego a arma, a pena também aumenta da metade. Note-se que a lei fala em emprego de arma, sem especificar o tipo. Assim, seja ela de fogo, menos letal (arma de descarga elétrica, espargidor etc.), branca (lâmina) ou até mesmo imprópria (tesoura etc., mas usada no contexto do delito), cremos que o aumento incide.

A norma, que é apenas dolosa (não há previsão da modalidade culposa) prevê cumulação de pena do delito de perseguição, a qual também é aplicável, sem prejuízo de eventual pena correspondente a violência.

O novo tipo penal requer condição de procedibilidade, no caso, a representação, a ser ofertada no prazo legal.

As práticas do caput são de pequeno porte ofensivo (lavra-se, em regra, termo circunstanciado), mas, em contrapartida, as que ultimem aumento de pena não merecerão o mesmo tratamento, sendo, em tese, passíveis, inclusive, de prisão em flagrante.

No que concerne a revogação do art. 65 da Lei das Contravenções Penais, cremos não ter andado bem o legislador pátrio, tendo em vista que tal infração se constituía em excelente elemento de controle social pelas forças policiais, as quais, doravante, terão que fazer uso de meios interpretativos outros para tipificar condutas similares que, a rigor, não se enquadrem no novo tipo penal sob estudo.

Estas, enfim, são as primeiras impressões colecionadas sobre a nova norma, as quais poderão ser alteradas e/ou aperfeiçoadas, conforme a doutrina e a jurisprudência evoluírem nesse particular.  


[1] FOUREAUX, RODRIGO. Tema polêmico, o qual tenho um posicionamento minoritário. 2 abr. 2021. Instagram: @rodrigo.foreaux. Disponível em: https://www.instagram.com/rodrigo.foureaux/. Acesso em: 3/04/2021.

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Sobre o autor
Marcelo de Lima Lessa

Formado em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos (1994). Delegado de Polícia no Estado de São Paulo (1996), professor concursado de “Gerenciamento de Crises” da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Ex-Escrivão de Polícia. Articulista nas áreas jurídica e de segurança pública. Graduado em "Criminal Intelligence" pelo corpo de instrução do Miami Dade Police Department, em "High Risk Police Patrol", pela Tactical Explosive Entry School, em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça, em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo grupo de respostas a incidentes críticos do FBI - Federal Bureau of Investigation e em "Gerenciamento de Crises", "Uso Diferenciado da Força", "Técnicas e Tecnologias Não Letais de Atuação Policial" e "Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial", pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Atuou no Grupo de Operações Especiais - GOE, no Grupo Especial de Resgate - GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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