SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Relação entre o Direito Ambiental e o Direito Eleitoral. 3 Poluição Eleitoral. 4 Poluição Eleitoral Sonora. 5 Poluição Eleitoral Estética ou Visual. 6 Poluição Eleitoral e Espaços Territoriais Especialmente Protegidos. 7 Competência em Relação à Poluição Eleitoral. 8 Necessidade de Parceria entre os Órgãos Ambientais e os Órgãos Eleitorais. 9 Considerações Finais. 10 Referências.
Resumo: Existe uma temática comum entre o Direito Ambiental e o Direito Eleitoral, na medida em que determinadas condutas praticadas pelos candidatos e por seus auxiliares ao longo do período eleitoral chegam a colocar em risco o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O problema é que na maioria das vezes esse fenômeno tem sido estudado e enquadrado apenas sob a ótica da legislação eleitoral, o que impede uma compreensão mais correta e adequada no que diz respeito aos aspectos ambientais propriamente ditos. Existe uma interpretação segundo a qual somente a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral podem fiscalizar e tomar providências no que pertine à propaganda eleitoral, excluindo os órgãos ambientais de qualquer papel dentro dessa temática. O problema é que esse raciocínio se mostra imperfeito, na medida em que não encontra o necessário fundamento no ordenamento constitucional nem na própria legislação ambiental ou constitucional. Sendo assim, o objetivo deste texto é estudar os aspectos gerais da poluição eleitoral na tentativa de despertar uma maior atenção para o assunto pelos estudantes e operadores do Direito.
Palavras-chave: Poluição Eleitoral; Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado; Propaganda Eleitoral; Competência.
1 Introdução
Uma das questões ainda pouco enfatizadas pela Justiça Eleitoral e pelo Ministério Público Eleitoral é a poluição produzida pelos candidatos ao longo da campanha. Contudo, o pleito deste ano é marcado por um início de mudança de atitude em relação a esse aspecto, visto que em alguns Estados tanto as instituições públicas responsáveis pelas eleições quanto as responsáveis pela defesa do meio ambiente passaram a atuar em conjunto tendo em vista a pauta comum entre elas existente.
Especialmente a partir da redemocratização do país, no começo da década de oitenta, as eleições brasileiras têm sido cada vez mais marcadas pelo crescimento da estrutura das campanhas políticas. O aparato propagandístico dos candidatos, que dispunham da apresentação de atores e de cantores populares em seus comícios e propagandas, possuía uma produção comparável ao dos grandes artistas do cinema, da música e da televisão.
Recentemente, inclusive, a legislação eleitoral sofreu reformas com o objetivo de coibir tais práticas, que inquestionavelmente resultavam em desvantagem para aqueles candidatos que têm um potencial aquisitivo menor ou que não são ligados a grandes grupos econômicos. O problema é que, a despeito dessas reformas eleitorais, o uso desmedido de recursos propagandísticos por parte dos candidatos ao longo dos últimos vinte e cinco anos ajudou a sedimentar uma cultura de desrespeito à qualidade de vida dos cidadãos.
Com efeito, uma grande parte dos candidatos tem poluído o meio ambiente sob os mais variados aspectos, independentemente de corrente ideológica ou partidária, terminando por prejudicar o meio ambiente e toda a coletividade. A esse respeito, leciona Rodrigo Andreotti Musetti:
Todo ano eleitoral, ao término das eleições, a população, após cumprir seu valioso direito de votar, observa, com maior atenção e percepção, a degradação ambiental espalhada por toda cidade. O espaço público transforma-se no lixo privado. São amontoados, espalhados e rasgados, milhões de panfletos, cartazes, microcartazes, folders e todo tipo desta peculiar espécie de propaganda – a eleitoral [01].
Sendo assim, a proposta deste trabalho é fazer um estudo introdutório e geral sobre a poluição ambiental eleitoral, procurando estabelecer um denominador comum entre o Direito Ambiental e o Direito Eleitoral. Trata-se de um trabalho eminentemente bibliográfico, que pretende unicamente chamar a atenção para um tema que não tem recebido a atenção necessária dos doutrinadores dos dois referidos ramos da Ciência Jurídica.
2 Relação entre o Direito Ambiental e o Direito Eleitoral
Edis Milaré [02] classifica o Direito Ambiental como o conjunto de princípios e normas que têm o objetivo de regular aquelas atividades humanas capazes de afetar direta ou indiretamente a qualidade do meio ambiente globalmente considerado, tendo em vista a sustentabilidade das presentes e futuras gerações. Na opinião de Cristiane Derani [03] o Direito Ambiental é um sistema normativo que se propõe a tratar da proteção do meio ambiente, inclusive coordenando aquelas normas que protegiam isoladamente recursos ambientais como a água, a fauna e a flora por meio da edição de normas gerais que dispõem sobre políticas e princípios.
Logo, o Direito Ambiental é o ramo da Ciência Jurídica que regula as atividades humanas efetiva ou potencialmente causadoras de impacto sobre o meio ambiente, com o intuito de defendê-lo, melhorá-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras. Isso significa que qualquer questão que afete ou que possa afetar o meio ambiente ou algum de seus aspectos ou elementos pode e deve ser tutelado por esse ramo do Direito, já que é esse o seu objeto.
De acordo com Manoel Gonçalves Ferreira Filho [04], denomina-se Direito Eleitoral as normas que disciplinam as eleições, seja no que diz respeito ao preparo, à realização ou à apuração, como também à diplomação dos que forem eleitos. Segundo Fávila Ribeiro, "o Direito Eleitoral, precisamente, dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo a que se estabeleça a precisa adequação entre a vontade do povo e a atividade governamental" [05].
Logo, consiste o Direito Eleitoral no ramo da Ciência Jurídica que regulamenta as práticas relativas aos pleitos eleitorais e aos seus desdobramentos bem como aos partidos políticos. Isso implica dizer que todas as questões que digam respeito ou que possam dizer respeito ao pleito eleitoral fazem parte do objeto desse componente e por ele devem ser tuteladas.
É evidente que os ramos da Ciência Jurídica são essencialmente interdisciplinares, visto que, até mesmo por comporem o mesmo conteúdo científico, cada um deles guarda relações com os demais. No entanto, no que diz respeito ao Direito Ambiental essa característica se torna ainda mais acentuada, porque em diversos casos essa disciplina passa além do mero relacionamento com as outras chegando mesmo a transcender as fronteiras entre os conteúdos.
Essa transdisciplinaridade, que normalmente se manifesta quando existe coincidência entre o objeto direto de dois ou mais ramos da Ciência Jurídica, é uma decorrência da natureza horizontal ou transversal do Direito Ambiental. No caso em questão existe uma temática comum entre o referido ramo do Direito e o Direito Eleitoral, na medida em que determinadas condutas praticadas pelos candidatos e por seus auxiliares ao longo do período eleitoral chegam a colocar em risco o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Com efeito, é durante o período eleitoral que normalmente as cidades são invadidas por tais práticas abusivas, como carros de som em lugares e em horários indevidos, paredes pichadas, produção de poluição sonora, muros pintados, vias públicas saturadas de placas de propaganda, camadas de cartazes se sobrepondo umas às outras, faixas nos postes, excesso de cartazes e santinhos jogados pelas calçadas e ruas, realização de passeatas e outras manifestações políticas em locais ambientalmente frágeis etc. É claro que não se pode imputar essas condutas a todos os candidatos, já que uma grande deles parte consegue fazer propaganda eleitoral dentro dos limites da legalidade.
De qualquer forma, fica patente que existe uma pauta comum entre o Direito Ambiental e o Direito Eleitoral, na medida em que os citados abusos que ocorrem durante as eleições dizem respeito diretamente ao objeto de ambos os ramos da Ciência Jurídica. O problema é que na maioria das vezes esse fenômeno tem sido estudado e enquadrado apenas sob a ótica da legislação eleitoral, o que impede uma compreensão mais correta e adequada no que diz respeito aos aspectos ambientais propriamente ditos.
3 Poluição Eleitoral
A poluição pode ser definida como a modificação das propriedades biológicas, físicas, químicas e sociais que possa resultar em prejuízos ao meio ambiente e à qualidade de vida da coletividade. Nesse sentido, o inciso III do art. 3° da Lei n° 6.938/81 conceitua poluição como "a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos".
É em tal contexto que se encaixa a chamada poluição eleitoral, que é a poluição provocada por determinadas condutas políticas praticadas ao longo das eleições e que pode causar graves prejuízos de ordem patrimonial e extrapatrimonial a determinados indivíduos e à coletividade como um todo. As formas mais comuns de desrespeito à questão ambiental praticada pelos candidatos são a poluição sonora, a poluição estética ou visual e a poluição produzida pela pressão que carreatas, comícios, passeatas e outros eventos eleitorais exercem sobre os ecossistemas mais frágeis ou mais importantes.
A poluição eleitoral é sempre o resultado da utilização indevida ou inconseqüente da propaganda política por parte dos candidatos e de seus auxiliares, seja a propaganda política sonora e estética ou visual – ou seja na realização de eventos ou ocorrências eleitorais em que ambos os tipos de propaganda política sejam utilizados. Nesse sentido, é interessante que o combate à poluição eleitoral seja efetuado em paralelo com a fiscalização à propaganda eleitoral.
De acordo com Fávila Ribeiro [06], propaganda eleitoral é o conjunto de técnicas que se propõem a sugestionar os eleitores em suas escolhas. Já para Luís Pinto Ferreira se trata de "uma técnica de apresentação, argumentos e opiniões ao público, de tal modo organizada e estruturada para induzir conclusões ou pontos de vista favoráveis aos seus anunciantes. É um poderoso instrumento para conquistar a adesão de outras pessoas, sugerindo-lhes idéias que são semelhantes àquelas expostas pelos propagandistas" [07].
Na verdade, a propaganda eleitoral é a espécie da propaganda política que é em regra afetuada nos três meses que antecedem o pleito eleitoral e que têm como objetivo conquistar o voto do eleitor. É importante salientar que também se enquadram nesse conceito os eventos eleitorais, como carreatas, comícios, panfletagens e passeatas, que também fazem parte do conceito de propaganda eleitoral de rua [08].
Os dois principais objetivos da propaganda eleitoral são tornar o candidato conhecido junto ao seu potencial eleitorado e divulgar as idéias e propostas defendidas por este. A produção de poluição eleitoral ocorre apenas naquelas propagandas eleitorais abusivas ou irregulares, não sendo de forma alguma algo inerente a esse tipo de propaganda política.
4 Poluição Eleitoral Sonora
Edis Milaré [09] afirma que a poluição sonora é o ruído capaz de incomodar ou de gerar malefícios à saúde. No entendimento de Luís Paulo Sirvinskas [10], a poluição sonora é a emissão de ruídos indesejáveis de forma continuada e em desrespeito aos níveis legais que, dentro de um determinado período de tempo, ameaçam a saúde humana e o bem-estar da coletividade.
Logo, a poluição sonora pode ser classificada como uma perturbação no meio ambiente sonoro que causa danos à integridade do meio ambiente e à saúde dos seres humanos. No que diz respeito especificamente à poluição eleitoral, a perda da qualidade sonora ocorre por meio do som instalado em automóveis e de carrinhos de som manuais ou por meio da realização de eventos em desacordo com os limites legalmente estabelecidos para a emissão de ruídos.
A poluição eleitoral sonora pode gerar efeitos muito graves sobre a qualidade de vida dos seres humanos e sobre o meio ambiente como um todo. Celso Antônio Pachêco Fiorillo destaca o seguinte:
De fato, os efeitos dos ruídos não são diminutos. Informam os especialistas que ficar surdo é só uma das conseqüências. Diz-se que o resultado mais traiçoeiro ocorre em níveis moderados de ruído, porque lentamente vão causando estresse, distúrbios físicos, mentais e psicológicos, insônia e problemas auditivos. Além disso, sintomas secundários aparecem: aumento da pressão arterial, paralisação do estômago e intestino, má irrigação da pele e até mesmo impotência sexual.
Acrescente-se que a poluição sonora e o estresse auditivo são a terceira causa de maior incidência de doenças do trabalho. Além disso, verifica-se que o ruído estressante libera substâncias excitantes no cérebro, tornando as pessoas sem motivação própria, incapazes de suportar o silêncio
O tempo maior de exposição ao som também contribui para a perda da audição. Quanto maior período, maior a probabilidade de lesão. Psicologicamente é possível acostumar-se a um ambiente ruidoso, mas fisiologicamente não. Diz-se até que os sons mais fracos são perturbadores. Recomenda-se que o nível acústico do quarto se situe entre trinta e trinta e cinco decibéis, o que equivale à intensidade de uma conversa normal [11].
A respeito da capacidade de suporte dos seres humanos à poluição sonora discorre Dr. Fernando Pimentel Souza, professor titular de Neurofisiologia da Universidade Federal de Minas Gerais:
Os distúrbios do sono e da saúde em geral no cidadão urbano, devidos direta ou indiretamente ao ruído, através de estresse ou perturbação do ritmo biológico, foram revistos na literatura científica dos últimos 20 anos. Em vigília, o ruído de até 50dB(A) (Leq) pode perturbar, mas é adaptável. A partir de 55 dB(A) provoca estresse leve, excitante, causando dependência e levando a durável desconforto. O estresse degradativo do organismo começa a cerca de 65dB(A) com desequilíbrio bioquímico, aumentando o risco de enfarte, derrame cerebral, infecções, osteoporose etc. Provavelmente a 80dB(A) já libera morfinas biológicas no corpo, provocando prazer e completando o quadro de dependência. Em torno de 100dB(A) pode haver perda imediata da audição. Por outro lado, o sono, a partir de 35dB(A), vai ficando superficial, à 75dB(A) atinge uma perda de 70% dos estágios profundos, restauradores orgânicos e cerebrais [12].
A Resolução nº 001/90 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, ao adotar os padrões de qualidade determinados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, dispõe sobre o tema destacando expressamente a questão da propaganda eleitoral:
I – A emissão de ruídos, em decorrência de qualquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política. Obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.
II – São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior as ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.151 - Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
Os índices permitidos de poluição sonora estão estabelecidos pela Norma Brasileira Regulamentar nº 10.151 segundo a zona e horário em questão. Nas zonas hospitalares o limite é de 45 (Db) diurno e de 40 (Db) noturno, nas zonas residenciais urbanas o limite é de 55 (Db) diurno e 50 (Db) noturno, no centro da cidade o limite é de 65 (Db) diurno e 60 (Db) noturno e nas áreas predominantemente industriais o limite é de 70 (Db) diurno e 65 (Db) noturno.
O Decreto-lei nº 3.688/41 enquadrou a poluição sonora como contravenção penal quando estiver em jogo a tranqüilidade do indivíduo, tanto no que diz respeito ao seu trabalho quanto ao seu descanso:
Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda.
Pena – prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa.
É importante destacar que embora não exista um tipo penal específico, por conta da vedação do art. 59 do projeto original que tratava especificamente da matéria, causar poluição sonora é uma conduta que não deixou de ser criminalizada pela Lei nº 9.605/98, também chamada de Lei dos Crimes Ambientais:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
(...)
O combate à poluição sonora deve levar em consideração a questão do respeito aos limites do volume de som, dos horários e dos lugares permitidos. De fato, não se pode permitir que um carro de som de um candidato faça propaganda eleitoral pelos bairros madrugada adentro ou que funcione próximo a asilos, clínicas médicas, escolas ou hospitais
5 Poluição Eleitoral Estética ou Visual
Érica Bechara define poluição visual como "um tipo de impacto ambiental que está mais afeto ao ambiente urbano e que se origina a partir de várias práticas: pichações nos muros de casas e edifícios, anúncios publicitários veiculados por meio de placas, cartazes, outdoors luminosos, propaganda eleitoral, lixo espalhado pela cidade, dentre outros" [13]. A respeito desse assunto Celso Antônio Pacheco Fiorillo entende o que se segue:
Em face desse preceito e tendo em vista que o meio artificial busca tutelar a sadia qualidade de vida nos espaços habitados pelo homem, temos que a poluição visual é qualquer alteração resultante de atividades que causem degradação da qualidade ambiental desses espaços, vindo a prejudicar, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, bem como a criar condições adversas às atividades sociais e econômicas ou a afetar as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente [14].
Sendo assim, a poluição visual consiste na degradação ambiental causada por anúncios publicitários ou propagandísticos que possam ameaçar a estética urbana ou rural ou trazer prejuízos para a qualidade de vida da coletividade. Trata-se de um impacto ambiental, que consiste em qualquer modificação introduzida no ambiente capaz de alterar o equilíbrio do sistema ecológico.
A poluição eleitoral estética ou visual é o tipo de poluição mais facilmente perceptível durante as eleições, já que é nesse período que as vias públicas ficam repletas de bandeiras, banners, cartazes, faixas, folders, outdoors, panfletos, pichações, pinturas etc. Se é comum que as cidades passem a ter outra feição nessa época, a propaganda eleitoral abusiva ou excessiva pode trazer diversos tipos de problemas, inclusive o desordenamento do trânsito.
Com a edição da Lei nº 6.938/81 a paisagem passou a integrar de forma mais expressa o conceito jurídico de meio ambiente, na medida em que a alínea "d" do inciso III do art. 3º da referida lei classifica também como poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente. De qualquer forma, em alguns dispositivos legais anteriores já existia a referência direta ao direito à paisagem, a exemplo do Decreto-lei nº 25/37:
Art. 1º. Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
(...)
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana.
(...)
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto.
(...)
É o caso também, respectivamente, da Lei nº 4.717/65, também chamada de Lei da Ação Popular, e da Lei nº 7.347/85, também conhecida como Lei da Ação Civil Pública:
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
§ 1º Consideram-se patrimônio público, para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
(...)
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
(...)
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
(...)
É claro que todos os dispositivos constitucionais que versam sobre o meio ambiente também se referem ao direito à paisagem, na medida em que esta é um elemento integrante daquele. Entretanto, a Constituição Federal de 1988 consagrou em definitivo o direito à qualidade visual ao fazer expressamente referências à questão da paisagem:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
(...)
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
(...)
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
(...)
Combater a poluição eleitoral estético ou visual implica em algo mais profundo do que tratar de questões meramente paisagísticas, tendo em vista que o direito à paisagem está diretamente relacionado à auto-estima e às condições psicológicas da coletividade. É evidente que as pessoas que vivem em um meio ambiente esteticamente degradado e desarmônico tendem a sofrer mais de doenças psicossomáticas do que as que vivem em condições melhores.
Segundo Érica Bechara [15], de mesma forma que a poluição visual produz desconforto e sensação de abandono e decadência uma paisagem visualmente limpa e harmônica produz um sensação de bem-estar. Luís Paulo Sirvinskas [16] defende que a poluição sonora ao afetar as condições estéticas de um determinado lugar termina por afetar também o psiquismo dessa comunidade, produzindo uma sensação de opressão.
É importante destacar que as condutas que incidem em poluição visual ou em desrespeito ao direito à paisagem também foram tipificadas como crime pela Lei nº 9.605/98:
Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa.
Não se pode negar que a poluição eleitoral estética ou visual, entre outras questões, é certamente uma ameaça ao patrimônio arquitetônico, artístico e histórico de cada cidade. Contudo, não é qualquer propaganda eleitoral que se encaixa nessa descrição, mas somente aquela que é excessiva ou que não respeita o patrimônio coletivo ou público.