De acordo com Orlando Gomes, dá-se a evicção quando o adquirente vem a perder a propriedade ou a posse da coisa em virtude de sentença judicial que reconhece a outrem direito anterior sobre ela.
Evicção é, pois, a perda da coisa por sentença judicial, que a atribui a outrem.
Evicção, etimologicamente, vem do latim “evincere”, que significa vencer, colocar de lado, excluir.
Fundamenta-se no princípio de garantia, segundo o qual o alienante deve responsabilizar-se pela propriedade e posse da coisa alienada. Mesmo que o contrato seja omisso, o alienante responde pela evicção, independentemente de culpa; subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.
Saliente-se, porém, que a evicção não constitui direito real, de modo que a responsabilidade recai apenas sobre o alienante. O adquirente não pode acionar o proprietário anterior, por força do princípio da relatividade dos contratos. Todavia, o alienante poderá acioná-la, exercendo, destarte, o seu direito de regresso.
Para que o alienante se responsabilize pela evicção, são necessários os seguintes requisitos:
a) aquisição onerosa. A evicção só tem incidência nos contratos onerosos, como a compra e venda, a permuta, a parceria pecuária, a dação em pagamento etc. Nos contratos gratuitos, como, por exemplo, a doação, o alienante não responde pela evicção, a não ser que as partes tenham estipulado expressamente essa garantia. Saliente-se, contudo, que na doação onerosa (com encargo) o doador se responsabiliza pela evicção até o limite do encargo, outrossim, na doação remuneratória, feita em pagamento de serviços prestados e não cobrados. Nas doações para casamento com certa e determinada pessoa, o doador ficará também sujeito à evicção, salvo convenção em contrário (art.552 do CC).
b) perda total ou parcial da propriedade ou posse da coisa alienada. Vê-se assim que a evicção pode ser total ou parcial. Como por exemplo dessa última, vale a pena citar a perda de uma servidão. Observe-se ainda que a perda da posse também caracteriza evicção.
c) sentença judicial transitada em julgado, reconhecendo a evicção, atribuindo o bem ao evictor. Certos casos, porém, a jurisprudência considera evicção, não obstante a ausência de sentença judicial, a saber: a) apreensão do bem pela polícia ou outra autoridade administrativa, por ser o mesmo produto de furto, descaminho etc. ocorrido anteriormente à sua aquisição; b) quando houver perda do domínio do bem pelo implemento de condição resolutiva; c) remissão hipotecária, em que o adquirente do bem efetua o pagamento da dívida para cancelar a hipoteca, em tal situação, não se dá a perda da coisa, pois o próprio adquirente evitou esse fato, todavia, ele poderá voltar-se contra o alienante, como se fosse evicto.
d) anterioridade do direito do evictor. Assim, a causa da perda da coisa deve ser anterior ao contrato celebrado entre o alienante e o adquirente evicto. No tocante à venda de um bem, sobre o qual já havia sido expedido o decreto expropriatório, subsiste a responsabilidade pela evicção, se o alienante silenciou acerca desse fato. Se, ao revés, o decreto expropriatório for expedido após a celebração do contrato, não há falar-se em responsabilidade pela evicção.
e) denunciação da lide. Dispõe o art. 456 do CC que “para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo”. Assim, o adquirente, para obter a indenização com base na evicção, deverá denunciar a lide ao alienante. Se não o fizer, afirma Maria Helena Diniz, perderá os direitos decorrentes da evicção, não mais dispondo de ação direta para exercitá-los. Como se vê, a ilustre civilista, seguida pela maioria dos autores pátrios, considera obrigatória a denunciação da lide, que deverá ser exercida sob pena de preclusão do direito material. O STJ, porém, tem admitido o pedido de indenização em ação direta de evicção, sendo que, nesse caso, o alienante poderá safar-se da indenização mediante a comprovação de que se houvesse sido feita a denunciação da lide ele teria neutralizado os argumentos do evictor, impedindo, destarte, a evicção. A meu ver, é perfeitamente cabível a ação direta de indenização baseada na evicção. Primeiro porque seria injusto atribuir à falta de denunciação da lide o drástico efeito da preclusão do direito material de indenização. Segundo, porque semelhante formalismo é incompatível com o princípio da operabilidade ou praticidade no novo Código Civil. Terceiro, porque o art. 199, III, do CC prevê a suspensão da prescrição na pendência de ação de evicção, deixando entrever, de forma nítida, a possibilidade de o evicto, após o trânsito em julgado, mover a ação direta de indenização, com base na evicção. Finalmente, porque na pendência de ação movida pelo evictor em face do evicto ainda não há evicção, mas tão-somente uma expectativa de esta vir a ocorrer com a prolação da sentença, tornando-se ilógico negar o direito de ação, após o trânsito em julgado, e aceitá-lo no curso da ação, pela via da denunciação da lide. Ora, se o pedido indenizatório pode ser formulado em denunciação da lide, quando há apenas expectativa de direito com maior razão após o trânsito em julgado, quando já se reconheceu definitivamente a violação do direito.
Acrescente-se ainda que a ação direta de indenização com base na evicção é tranquilamente cabível naquelas hipóteses mencionadas na alínea c, de caracterização da evicção sem sentença judicial, outrossim, quando o alienante foi também citado como parte no litígio.
Observe-se também que o parágrafo único do art. 456 do CC preceitua que “não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos.”
Em havendo denunciação da lide, denota-se, no processo, a existência de duas lides, uma entre o evictor e o evicto, outra entre o evicto e o alienante, que serão julgadas na mesma sentença. Se a primeira for improcedente, fica prejudicado o julgamento da segunda. Se, ao revés, for procedente, reconhecendo-se, portanto, o direito do evictor, daí, então, será julgada a segunda lide entre o evicto e o alienante, cujo pedido é referente às verbas indenizatórias. Acrescente-se ainda que a denunciação da lide por salto é admitida pelo Enunciado 29 do CJF/STJ: “A interpretação do art.456 do novo Código Civil permite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício”. De fato, o art.456 permite ao adquirente notificar do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. Todavia, o tema é polêmico, pois o art.73 do CPC veda a denunciação per saltum, devendo portanto recair apenas sobre o alienante imediato.
Por outro lado, no tocante à renúncia da evicção, consistente na cláusula de irresponsabilidade do alienante pela eventual perda judicial da coisa, cumpre salientar que só surtirá efeito se preencher três requisitos:
a) cláusula expressa de exclusão da responsabilidade pela evicção;
b) ciência específica do risco da evicção pelo evicto;
c) assunção desse risco por parte do evicto.
Presentes esses três requisitos, o alienante não responde pela evicção, estando, pois, isento de qualquer responsabilidade.
A primeira cláusula, isoladamente ou em conjunto com apenas uma das outras duas, não elimina, por completo, a responsabilidade do alienante pelos riscos da evicção. Com efeito, dispõe o art. 449 do CC que “não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu”. Ainda assim, o alienante é beneficiado, porque terá apenas a obrigação de restituir o preço recebido, ao passo que, nas hipóteses em que não há essa malsucedida renúncia, a sua responsabilidade é pelo valor da coisa ao tempo do trânsito em julgado da sentença de evicção, e não apenas pelo preço recebido.
Anote-se ainda que o art. 457 do CC dispõe que “não pode o adquirente demandar pela evicção se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa”. De fato, se adquiriu cientemente uma coisa alheia, não merece a proteção legal, porque ninguém pode alegar a própria torpeza. Se, por sua vez, adquiriu um bem litigioso, isto é, sub-judice, é porque renunciou tacitamente à garantia da evicção. Nesse aspecto, aliás, cumpre esclarecer a distinção entre coisa litigiosa e a ciência específica do risco da evicção. Entende-se por litigiosa a coisa que é disputada por dois litigantes, em ação reivindicatória ou possessória. Em contrapartida, na ciência específica dos riscos da evicção, não há ainda qualquer ação judicial em andamento, mas apenas a expectativa de o processo ser instaurado futuramente por determinada pessoa, que se julga também com direitos sobre a coisa alienada.
Cumpre esclarecer que a simples ciência do adquirente, de que a coisa alienada é litigiosa, exclui a responsabilidade do alienante pela evicção, ao passo que a mera informação dos riscos específicos da evicção não elimina a responsabilidade do alienante pela evicção, a não ser que no contrato ainda conste expressamente a exclusão dessa garantia e a assunção pelo adquirente do risco de que foi informado. Ressalta-se que para Maria Helena Diniz, o adquirente que tinha ciência de que a coisa era litigiosa terá ainda direito de reaver o preço que desembolsou, se vier a perder o bem. Ora, o art.457 do CC o proíbe de demandar pela evicção, sem qualquer ressalva, de modo que, a meu ver, não terá ele direito a nada.
No concernente aos direitos do evicto, são os seguintes:
a) obter a restituição integral do preço, ou das quantias que pagou, com juros legais e correção monetária. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o valor da coisa, na época em que se venceu, isto é, ao tempo do trânsito em julgado da sentença (parágrafo único do art. 450).
b) indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir ao evictor;
c) indenização das despesas do contrato;
d) reembolso das custas judiciais e honorários advocatícios;
e) ressarcimento de todos os prejuízos que diretamente resultaram da evicção.
Essas verbas indenizatórias acima, que deverão ser pagas pelo alienante, subsistem ainda que a coisa alienada esteja deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente. “Se o adquirente tiver auferido vantagens das deteriorações, e não tiver sido condenado a indenizá-las, o valor das vantagens será deduzido da quantia que lhe houver de dar o alienante”. Nada obsta, porém, que as partes, por cláusula expressa, reforcem ou diminuam essa responsabilidade pela evicção, convencionando, por exemplo, o pagamento em dobro ou a redução pela metade. Sobre a exclusão total dessa responsabilidade, conforme salientamos acima, só é possível mediante cláusula expressa de exclusão da garantia mais conhecimento específico do risco da evicção mais assunção desse risco por parte do adquirente. Se houver a cláusula de exclusão da garantia, isoladamente ou juntamente com apenas uma das outras duas, a responsabilidade não é excluída, mas atenuada, pois, nesse caso, o adquirente só terá direito a receber o preço que pagou.
Em relação aos direitos do evicto, convém salientar que poderá obter do evictor o valor das benfeitorias necessárias, ainda que de má-fé, e úteis, se de boa-fé. Quanto às benfeitorias realizadas no curso da ação, cumpre distinguir: as necessárias serão indenizadas pelo evictor; as úteis, pelo alienante. Com efeito, o evicto que realiza benfeitorias úteis no curso da ação, age de má-fé em relação ao evictor, sendo certo que essas benfeitorias só são indenizáveis quando houver boa-fé. Todavia, não há má-fé em face do alienante, porquanto a posse da coisa lhe fora transmitida normalmente. Em relação às benfeitorias realizadas pelo alienante, se o evicto houver sido reembolsado pelo evictor, por força da sentença, o valor delas será levado em conta na restituição devida, isto é, o alienante terá o direito de deduzí-las do montante da indenização. Se a sentença não condenou o evictor a pagar ao evicto o valor dessas benfeitorias, o alienante poderá cobrá-las do evictor, em ação autônoma. A rigor, essas benfeitorias devem ser pagas ao alienante, pois foi ele quem as fez. Observe-se que o art. 454 do CC usa a expressão “abonadas” para referir-se a reembolsadas.
Se, ao revés, a sentença for omissa quanto à obrigação de o evictor reembolsar o evicto, das benfeitorias necessárias ou úteis que este fez, seus respectivos valores devem ser cobrados do alienante. Este, porém, terá direito de regresso contra o evictor.
Acrescente-se, também, que o alienante deduzirá da indenização a ser paga ao adquirente evicto o valor das vantagens das deteriorações auferido por este último. Assim, se o adquirente vendeu o piso do quarto deteriorado, o alienante, ao indenizá-lo, deduzirá esse valor, a não ser que o evicto tiver sido condenado a pagar essa importância ao terceiro evictor.
Por outro lado, no concernente à evicção parcial, consistente na perda de uma parcela do bem ou de um acessório deste ou ainda na limitação do direito de propriedade, como, por exemplo, a obrigação de suportar uma servidão, o Código Civil abre duas opções ao evicto, a saber:
a) pleitear a rescisão do contrato. Essa opção só é cabível quando a evicção for considerável. Nesse caso, o evicto requer a rescisão do contrato, entregando o restante da coisa ao alienante, recebendo a respectiva indenização.
b) pleitear a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido calculado de acordo com o valor da coisa ao tempo da evicção. Essa opção é sempre possível, ainda que não seja considerável a evicção.
Convém observar que, na evicção total, não há essas duas opções, restando ao evicto apenas o direito de receber a restituição do preço integral e outras indenizações previstas em lei. De fato, diante da evicção total, a rescisão do contrato, cujo escopo é devolução da coisa ao alienante, não é mais possível, porque a sentença a atribui ao terceiro evictor.
Finalmente, vimos que subsiste a garantia de evicção ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública, seja esta judicial ou extrajudicial. Nesse caso, a ação é movida pelo arrematante ou adjudicante em face do credor ou credores que se beneficiariam, ou contra o executado, se esse recebeu saldo remanescente, cujo pedido consistirá na devolução do preço pago.
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