O Código Civil de 2002 aborda, em seu Capítulo XV, dos artigos 757 ao 777, as disposições gerais do contrato de seguro, dando-nos uma extensa e abundante margem de entendimento sobre o conceito de seguro, os riscos cobertos, a forma como se dá o contrato de seguro, a perda do direito de indenização securitária etc.
Conduzido pelos artigos supracitados, o professor Sergio Cavalieri Filho, em sua obra intitulada Programa de Responsabilidade Civil (2020, p. 472), ao conceituar o seguro, esclarece que é "o contrato pelo qual o segurador, mediante o recebimento de um prêmio, assume perante o segurado a obrigação de pagar-lhe uma determinada indenização, prevista no contrato, caso o risco a que está sujeito se materialize em um sinistro".
A definição propiciada pelo brilhante professor, em sua obra, decorre da compreensão do artigo 757 do Código Civil, que dispõe:
“Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.”
Portanto, verifica-se que o segurador possui, pelo contrato de seguro e após o pagamento (recebimento) do prêmio, a obrigação de garantir interesse legítimo do segurado, seja relativo à pessoa, seja relativo à coisa, contra riscos predeterminados.
Como o nosso objetivo é difundir o entendimento sobre a negativa de indenização securitária, em razão de ingestão de bebida alcoólica, não abordaremos, nesse artigo, o conceito de riscos predeterminados e as suas implicações de forma exaustiva.
Delineado o conceito de seguro, assim como clareado a obrigação de que o segurador possui frente ao segurado. Resta-nos informar, antes de entrar no tema, que o Código Civilista, impõe ao segurado várias obrigações e deveres e, dentre elas, a possibilidade de o segurado perder à garantia (ou seja, a perda da indenização securitária) se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.
Percebe-se, portanto, que ocorrendo o agravamento do risco, de forma intencional, o segurado “pode” não receber a indenização securitária.
Assim, com base no agravamento intencional do risco, os nossos tribunais pátrios, inclusive o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm sedimentado o entendimento de que a negativa de indenização securitária em razão de ingestão de bebida alcoólica é devida, desde que seja a causa determinante do sinistro.
Nesse sentido, em decisão recente do STJ (REsp: 1602690), o Ministro Relator Luís Felipe Salomão enfatiza que "as turmas da Segunda Seção é firme no sentido de que a embriaguez, sendo causa determinante do sinistro, agrava intencionalmente o risco contratado".
E aqui, ressalta-se a peculiaridade, a negativa se consuma caso a embriaguez tenha sido determinante para ocorrência do sinistro. Ou seja, se o segurado demonstrar os fatos constitutivos de seu direito – conforme dispõe o artigo 373, inciso I, do CPC – de forma a justificar que o infortúnio ocorreria independentemente do estado de embriaguez, o segurador é obrigado a indenizá-lo, caso não apresente à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor – ônus que lhe cabe.
Portanto, em que pese a jurisprudência do STJ mencionar a exclusão da cobertura securitária, faz-se necessário mencionar a possibilidade de o segurado receber a indenização securitária, caso demonstre que o infortúnio ocorreria independentemente do estado de embriaguez (p. ex. imperfeições na pista, animal na estrada).
E, nesse sentido, é o entendimento do STJ,
(...) tal suposição será afastada, tornando devida a indenização securitária, caso o segurado demonstre que o infortúnio ocorreria independentemente do estado de embriaguez (v.g., culpa do outro motorista, falha do próprio automóvel, imperfeições na pista, animal na estrada). (...)
(STJ - AgInt nos EDcl no REsp: 1602690 PE 2016/0125349-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 27/11/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/12/2018)
Acrescenta-se, é ônus do segurador a prova da alcoolemia do condutor do veículo, que, uma vez demonstrada, ensejará a presunção relativa de que o risco da sinistralidade foi agravado, conforme dispõe o artigo 756 do Código Civil de 2002.
Sendo assim, é possível a negativa de indenização, contudo, faz-se necessário a prova, por parte do segurador, de formar a demonstrar que a recusa à indenização se deu por agravamento intencional do risco por parte do segurado.
Ressalta-se, o agravamento do risco, cabalmente provado, não se dá somente quando o próprio segurado se encontra alcoolizado na direção do veículo; também abrange os condutores principais (familiares, empregados e prepostos), já que, em situações como essa, o segurado tem o dever de vigilância e o dever de escolha adequada daquele a quem confia a prática do ato, conforme REsp: 1818452.
Portanto, eis, de forma sintética, os contornos jurisprudenciais e normativos que limitam a indenização securitária em casos que envolve a embriaguez do segurado na condução de veículo automotor.
Por fim, resta-nos demonstrar algo que foi demasiadamente controverso e hoje é o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça.
O fato de o segurado estar embriagado e, sendo provada a exclusão da cobertura, o terceiro envolvido no acidente não será prejudicado, ou seja, a cláusula de exclusão de cobertura pelo agravamento do risco em seguro de responsabilidade civil é ineficaz perante o terceiro inocente, vítima do sinistro, conforme REsp. de nº 1835675.
Esta tese, de forma pontual e acertada, ajusta-se à própria natureza do contrato de seguro, isto porque o seguro de responsabilidade civil tem como objetivo reparar os danos causados pelo segurado, culposa ou dolosamente, a terceiros, maiores vítimas da tragédia do trânsito.
Assim, conclui-se que a negativa da indenização securitária ao segurado se dará apenas e tão somente se restar demonstrado o agravamento intencional do segurado e, além disso, que a embriaguez foi determinante para ocorrência do sinistro e, finalmente, quanto ao terceiro, vítima da tragedia, é abusiva a cláusula de exclusão de cobertura pelo agravamento do risco em seguro de responsabilidade civil.