Uma das questões mais difíceis de encontrar um consenso doutrinário e jurisprudencial é a que diz respeito à responsabilidade objetiva do Estado por atos omissivos.
Cuidaremos neste breve artigo dessa responsabilidade apenas no âmbito do Poder Executivo, embora possam haver a responsabilização por omissão, também, no âmbito dos demais Poderes.
Esse tipo de responsabilização objetiva ocorre mais no âmbito do Poder Executivo porque é o Poder que presta serviços públicos essenciais à população e executa as obras de infraestrutura com vistas à expansão da capacidade produtiva do País. Por essa razão, o Executivo está mais sujeito a provocar danos a terceiros no desempenho de suas atividades.
Essa responsabilização vai desde acidentes de veículos provocados por agentes públicos até os excessos praticados por policiais em suas atividades rotineiras ou para reprimir manifestações públicas de populares.
A maior dificuldade da aplicação dessa teoria diz respeito às hipóteses de atos omissivos do Estado. Por exemplo, um assalto sofrido por alguém em via pública em plena luz do dia, por falta de serviços de segurança pública. Nessas hipóteses, a jurisprudência tem entendido, acertadamente, que cabe à vítima comprovar a culpa dos órgãos de segurança pública. Há uma inversão do ônus da prova. Do contrário, o Estado estaria sofrendo condenações diárias.
Mas é tranquila a jurisprudência dos tribunais na responsabilização objetiva do Estado por omissão da Polícia Rodoviária Federal ou Estadual, permitindo que animais invadam a pista da rodovia.
Relativamente à rodovia pedagiada, operada por uma concessionária, o TJ/SP proferiu a seguinte decisão acolhendo a tese da responsabilidade objetiva por ato omissivo:
Ementa: Acidente de veículo. Indenização. Preliminar. Ilegitimidade passiva ad causam. A concessionária de serviço público tem responsabilidade objetiva, pois detém ela o dever de fiscalizar as áreas marginais. Prejudicial rechaçada. Acidente de veículo. Indenização. Dano material. Mérito. Animal na pista. Rodovia. Responsabilidade objetiva da concessionária de serviço público. Dever de fiscalização e conservação das cercas marginais. Indenização devida. Danos materiais. Alegação de que não foram devidamente demonstrados. Descabimento. Ausência de prova neste sentido. Sentença mantida. Recurso não provido (TJSP, Apelação com Revisão nº 111.422.2008, 2009).
Em recente julgamento, a 4ª Câmara de Direito Público do TJ/SP condenou o Estado a indenizar em R$10.000,00 por ter faltado ao dever de proteger o estudante de 11 anos que sofreu bullying no estabelecimento oficial de ensino, conforme Ementa abaixo:
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006775-02.2019.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que são apelantes NGSF (MENOR(ES) REPRESENTADO(S)) e LSS (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA) (REPRESENTANDO MENOR(ES)), é apelado ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "V.U. Deram provimento ao recurso, para julgar procedente a ação, condenando a Fazenda do Estado a pagar ao autor indenização de R$10.000,00 (dez mil reais), com correção monetária a partir desta data pela Tabela Prática desta Corte e juros moratórios a contar do evento danoso, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação da Lei nº 11.960/09, além de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor total da condenação.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERREIRA RODRIGUES (Presidente sem voto), OSVALDO MAGALHÃES E ANA LIARTE. São Paulo, 19 de outubro de 2020.
Segundo o voto do Relator:
"A obrigação de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontram no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do poder público nos estabelecimentos oficiais de ensino".
E prossegue o voto afirmando que descumprido o dever de proteger, "e vulnerada a integridade corporal do aluno, tal como no caso ocorreu, emerge a responsabilidade civil do poder público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, atenção, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares".
Essa tese é aplicada, também, em relação a danos sofridos por presos que se acham sob a custódia do Estado.
Enfim, essa matéria vem sendo examinada caso a caso pela jurisprudência levando em conta as circunstâncias de cada caso concreto, em confronto com a teoria do limite do possível.
Questão bastante controvertida diz respeito às vítimas de enchentes que se repetem ao longo dos anos e sempre nos mesmos locais. Não se pode, nesses casos, alegar imprevisibilidade. Falta de recursos financeiros para executar obras de infraestrutura (canalização de córregos, construção de piscinões etc.) para conter as enchentes pode ser alegada validamente para o Município se eximir de sua responsabilidade?
Na nossa opinião, é caso de responsabilização objetiva do Município pelos danos materiais decorrentes de repetidas enchentes nos mesmos locais. É dever do Município, que cobra o IPTU incidente sobre os imóveis construídos, bem como taxas pela expedição do alvará de construção, zelar pela segurança de seus moradores protegendo-os, bem como seus bens materiais, contra as enchentes que acontecem rotineiramente.