SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Pontos controvertidos do contrato de gestão; 3. Considerações finais; 4. Referências das fontes citadas.
1. Introdução
O contrato de gestão é um instituto do direito administrativo-constitucional, ex vi do artigo 37, § 8º, da Constituição da República, que deve ter o mister de proporcionar a transparência e a racionalidade estatal.
Tal contrato é criticado em face de permitir que a Administração Pública amplie sua liberdade de ação, com a flexibilização do regime jurídico administrativo.
Por outro lado, é enaltecido por propiciar que a Administração Pública se aproxime, na prestação dos serviços públicos, da eficiência tida pelas empresas particulares.
Vejam-se alguns entendimentos acerca da temática.
2. Pontos controvertidos do contrato de gestão
A Lei nº 9.637/98 cuida do tema no tocante às atividades das organizações sociais.
Para Lopes Meirelles cuida-se mais "de um acordo operacional" pelo qual é estabelecido o programa de trabalho, com a fixação de objetivos a alcançar, cronograma da liberação de dotação orçamentária, critérios de avaliação de desempenho, prazos de execução e limites para despesas. [01]
O contrato de gestão, como salienta referido doutrinador, "não é fonte de direitos", sendo simplesmente o instrumento jurídico que permite a aplicação de determinados benefícios previstos em lei. [02]
Colaciona-se o escólio de Bandeira de Mello a respeito do tema, in verbis:
"(...) É que neles não entra em pauta qualquer ampliação de competências de entidades estatais, pois são vínculos jurídicos travados com pessoa de Direito Privado alheia ao aparelho estatal.
Seriam, pois, em princípio, pura e simplesmente "contratos administrativos", figura jurídica perfeitamente conhecida. Deveras, aqui nada mais haveria senão – como é corrente no Direito Administrativo – um relacionamento de natureza contratual entre o Poder Público e um outro sujeito encartado no universo privado.
Todo questionamento que possa caber – e cabe, diga-se, desde já – não diz respeito à viabilidade de um contrato entre Estado e um terceiro, mas a alguma particularidade de disciplina que se lhe queira outorgar. No caso, o tema se propõe porque a lei disciplinadora das "organizações sociais" pretendeu, inconstitucionalmente, permitir que travem contratos administrativos com o Poder Público sem licitação e sem qualquer cautela, mesmo a mais elementar, resguardadora dos princípios constitucionais da impessoalidade (prestante para assegurar o princípio da moralidade) garantidora dos interesses públicos." [03] (Destacou-se).
Outrossim, o jurista Marcos Juruena salienta que, na ausência de dispositivo legal, o contrato de gestão poderá prever que não dependerão de autorização prévia do Poder Executivo os seguintes atos de gestão administrativa e empresarial, verbis:
-seleção, admissão, remuneração, promoção e desenvolvimento de pessoal, bem como a prática de todos os demais atos próprios de gestão de recursos humanos;
-negociação e celebração de acordos coletivos de trabalho, de natureza econômica ou jurídica, bem como sua defesa ou postulação judicial por meios próprios;
-realização de viagens ao exterior de administradores e empregados;
-contratação e renovação de operações de crédito de quaisquer espécies com instituições financeiras e com fornecedores de bens e serviços, nacionais e internacionais, inclusive arrendamento mercantil, bem como a emissão de obrigações e de quaisquer outros títulos nos mercados nacional e internacional, previamente submetidos a uma análise de classificação de risco e observados os limites de endividamento fixados pelo Senado Federal;
-contratação e renovação de operações de empréstimos e financiamentos, títulos descontados, adiantamentos, arrendamento mercantil e garantias de qualquer natureza, realizadas pelas instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, livremente escolhidas;
-elaboração, execução e revisão do planejamento e dos respectivos orçamentos, em consonância com as orientações gerais do planejamento federal;
-cessão de ativos com objetivo de ampliar garantias e reduzir custos de emissões. [04]
Já a Lei nº 9.649/98 prevê que pelo contrato de gestão a Administração Pública concede às agências executivas maior autonomia, inclusive com a dispensa de determinados controles.
Ali é previsto que há o repasse regular de recursos em contrapartida do cumprimento por essas agências de determinado programa de atuação.
Porém, como anota Bandeira de Mello, competências não se transacionam, e muito menos por contrato, dada que a autonomia das autarquias e fundações decorre de lei e estas não podem ultrapassar o que nela se dispõe, tornando o contrato de gestão "uma figuração juridicamente inconseqüente, um nada perante o Direito." [05]
Sobre a matéria arremata Lopes Meirelles, ipsis verbis:
Note-se, contudo, que não será o contrato de gestão que concederá as vantagens adicionais à autarquia ou fundação qualificada como agência executiva. Como na Administração Pública domina o princípio da legalidade, o contrato de gestão não é fonte de direitos. Ele é simplesmente um fato jurídico que permite a aplicação de determinados benefícios previstos em lei. A ampliação da autonomia e outras vantagens a serem concedidas às agências executivas devem estar previstas em lei. (...). [06]
Assim, segundo essa corrente doutrinária, dado o princípio constitucional da estrita legalidade, não poderá o contrato de gestão, sem amparo em lei, determinar a ampliação da liberdade de ação da agência executiva, sob pena de sua nulidade.
Justen Filho, sobre a natureza jurídica do contrato de gestão, apresenta a seguinte ensinança, verbis:
O ato apresenta natureza consensual, mas não contratual. Não se trata de um acordo de vontades destinado a gerar direitos e obrigações para uma ou ambas as partes, com natureza ampliativa do universo de relações jurídicas de que participam.
Os partícipes da avença não podem sequer ser considerados como partes distintas e autônomas. São sujeitos integrantes de uma mesma órbita jurídica, sem qualquer contraposição ou dissociação de interesses. [07]
Mais adiante, aludido doutrinador reverencia o contrato de gestão, notadamente por considerá-lo instrumento de: transparência governamental; ampliação da racionalidade estatal; controle e avaliação da atuação estatal; assim como de soft-law, na medida que "representa uma espécie de formalização de compromissos políticos. As promessas (inclusive as de campanha) são colocadas no papel e podem (devem) ser acompanhadas por toda a comunidade." [08]
Os contratos de gestão celebrados pelo Poder Público com entidades particulares são distintos daqueles celebrados com as agências, pois, como adverte Di Pietro, enquanto nestes há verdadeira flexibilização do regime jurídico administrativo, naqueles, de modo contrário, "exige-se da entidade a obediência a determinadas normas e princípios próprios do regime jurídico publicístico, colocando-as na categoria de entidades paraestatais." [09]
Já Alexandre de Aragão prevê que a União e os Entes da Federação prescindem da lei regulamentadora do § 8º, do artigo 37, da Carta Magna para, "dentro dos lindes da Constituição, mas sem alcançar as potencialidades propiciadas pelo dispositivo, exercer a sua competência de estabelecer normas de organização interna, dando maior ou menor autonomia aos seus órgãos ou entidades da Administração Indireta." [10]
Assim sendo, apesar dos pontos controvertidos que giram em torno da matéria, os contratos de gestão objetivam que a Administração Pública pelo menos se aproxime, em determinadas áreas do serviço público, da eficiência tida pelas empresas particulares, a fim de que, em última instância, tudo seja revertido em prol do bem estar e interesse públicos.
Isto posto, entende-se plenamente possível a celebração de aludidos contratos, notadamente para o estabelecimento de normas de organização interna, contudo, qualquer outra norma que excepcione os ditames constitucionais somente terá validade jurídica após a edição da lei expressamente prevista no artigo 37, § 8º, da Lex Mater.
3. Considerações finais
O contrato de gestão é um instituto do direito administrativo-constitucional, ex vi do artigo 37, § 8º, da Constituição da República, que deve ter o mister de proporcionar a transparência e a racionalidade estatal.
A Lei nº 9.637/98 cuida da temática no tocante às atividades das organizações sociais.
Já a Lei nº 9.649/98 prevê que pelo contrato de gestão a Administração Pública concede às agências executivas maior autonomia.
Dado o princípio constitucional da estrita legalidade, não poderá o contrato de gestão, sem amparo em lei, determinar a ampliação da liberdade de ação da agência executiva, sob pena de sua nulidade.
Os contratos de gestão celebrados pelo Poder Público com entidades particulares são distintos daqueles celebrados com as agências, eis que aquelas devem se submeter ao regime jurídico publicista, enquanto que as últimas já o obedecem, sendo apenas flexibilizado.
Isto posto, entende-se plenamente possível a celebração de aludidos contratos, notadamente para o estabelecimento de normas de organização interna, contudo, qualquer outra norma que excepcione os ditames constitucionais somente terá validade jurídica após a edição da lei expressamente prevista no artigo 37, § 8º, da Lex Mater.
4. Referências das fontes citadas
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 509p.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública – concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. 328p.
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. 639p.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 790p.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 918p.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização – privatização, concessões, terceirizações e regulação. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. 870p.
Notas
01 Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 256.
02 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 257.
03 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 211.
04 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização – privatização, concessões, terceirizações e regulação, p. 531.
05 Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 159-160.
06 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 344.
07 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes, p. 409.
08 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes, p. 410.
09 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública – concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, p. 211-212.
10 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico, p. 310.