1. Introdução ao tema
O presente artigo visa à discussão acerca da legalidade da ausência de previsão de isenção de taxa para os comprovadamente pobres nos editais de concursos para o provimento de cargos públicos, fato este que vem se tornando regra nos editais dos últimos certames realizados.
Analisarei, em primeiro lugar, se o Ministério Público Federal possui legitimidade para a interposição de ação civil pública com o fito de defender os interesses referidos, pleiteando a obrigatoriedade de previsão da isenção de taxa de inscrição nos editais de concursos públicos.
Ainda num plano preliminar, abordarei o problema de saber se o Poder Judiciário está autorizado a modificar regras editalícias ou se estaria adentrando indevidamente no mérito administrativo.
Posteriormente, será examinado o mérito da matéria em apreço, tecendo as nossas considerações e conclusões a respeito da questão posta.
2. Legitimidade do Ministério Público Federal à propositura de ação civil pública para tutela dos interesses em questão
A pergunta inicial que se faz é se o Ministério Público Federal possui legitimidade para a interposição de ação civil pública com o fito de defender os interesses referidos, ou seja, pugnando pela inclusão, no edital do concurso, da isenção de taxa de inscrição.
Percebe-se, de logo, que o direito discutido não é individual homogêneo, mas sim um interesse difuso. Vejamos.
Faz-se de extrema relevância trazermos a doutrina de Hugo Nigro Mazzilli sobre a matéria [1]. Segundo o renomado autor, interesses difusos compreendem grupos menos determinados de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas, são pessoas indetermináveis) entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos.
A expressão interesses coletivos, por sua vez, refere-se a interesses transindividuais, de grupos, de classes ou categorias de pessoas. Interesses individuais homogêneos, por fim, são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato.
Ora, eventual procedência de ação ajuizada pelo Parquet beneficiaria a quem? Às pessoas comprovadamente pobres que desejarem se inscrever em concursos para o provimento de cargos públicos. Esse grupo é formado, como se vê, de pessoas indetermináveis. Não há como saber quantos indivíduos carentes no Brasil desejam se inscrever em concursos públicos e que serão beneficiados pela ação referida.
Daí se aduz que a lide trataria de interesses difusos, para cuja defesa o Ministério Público está incontestavelmente legitimado.
E mesmo que assim não fosse, entendo que o Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos – e não só dos que tratem de relações de consumo - que tenham significação fundamental para a coletividade (significação que está presente no caso versado, que trata do acesso de pessoas carentes ao emprego público), isto é, quando for atendida a finalidade institucional e social do órgão ministerial, com espeque no art. 127 da Constituição Federal.
Nesse sentido, trago à baila novamente a lição autorizada de Hugo Mazzilli, in verbis [2]:
"No tocante aos interesses difusos, em vista de sua natural dispersão, justifica-se sua defesa pelo Ministério Público. Já no tocante à defesa de interesses coletivos e interesses individuais homogêneos, é preciso distinguir. A defesa de interesses de meros grupos determinados ou determináveis de pessoas só se pode fazer pelo Ministério Público quando isso convenha à coletividade como um todo, respeitada a destinação institucional do Ministério Público.
Exatamente dentro dessa linha, assim dispõe a Súmula n. 7, do Conselho Superior do Ministério Público paulista: ´O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como (...)´.
Negar o interesse geral da sociedade na solução de litígios coletivos de larga abrangência ou repercussão social, e exigir que cada lesado comparecesse a juízo em defesa de seus interesses individuais, seria desconhecer os fundamentos e objetivos da ação coletiva ou da ação civil pública.
(...).
Convindo à coletividade como um todo a defesa de um interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, não se há de recusar ao Ministério Público assuma sua tutela."
(grifos constantes no original)
Assim, vislumbra-se a legitimidade do Ministério Público Federal para figurar no pólo ativo da lide hipoteticamente referida.
3. O Poder Judiciário, as regras editalícias e o mérito administrativo
É necessário verificar-se se a atuação do Poder Judiciário no caso em pauta ocasionaria intromissão indevida no mérito administrativo.
Entendo que o pleito de obrigatoriedade de previsão de isenção de taxa para os comprovadamente pobres nos editais de concursos para o provimento de cargos públicos não interfere em qualquer juízo de conveniência ou oportunidade da Administração Pública. O que se pretende é a obtenção da máxima eficácia de normas constitucionais em benefício de indivíduos carentes que pretendam ingressar no serviço público.
Portanto, reputo inaplicável ao caso em pauta o argumento de que o Poder Judiciário não poderia intervir na matéria referida sob pena de ingerência no mérito administrativo.
4. Enfrentamento da questão meritória
O cerne do artigo reside em saber se é lícita a realização de concursos públicos com previsão editalícia que proíba a concessão de isenção total ou parcial do valor da taxa de inscrição, ou mesmo em que não exista previsão editalícia prevendo a isenção para os comprovadamente pobres.
Sobre a acessibilidade aos empregos, cargos e funções públicas, a Constituição Federal dispõe o seguinte:
"Art. 5º. (...).
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...).
VIII - busca do pleno emprego;"
(grifou-se)
Vê-se, portanto, que a Carta Magna exalta, em diversos dispositivos, a importância do trabalho, erigindo-o como direito social e garantindo a todos os cidadãos o livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas.
Contudo, o acesso a cargos e empregos públicos só se dá por meio de aprovação em concurso público. Faz-se necessário, portanto, para imprimir eficácia ao comando constitucional, assegurar que todos os cidadãos possam prestar concurso público.
E foi precisamente com a intenção de prover essa garantia de acesso aos cargos e empregos públicos a todos os cidadãos que o legislador editou o artigo 11 da Lei nº 8.112/90, in verbis:
"Art. 11. O concurso será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)"
(grifou-se)
Tal comando legal prevê de forma explícita que o edital disporá sobre o pagamento de taxas para a inscrição, ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas. Há, portanto, a obrigação legal de fixarem-se no edital as hipóteses de isenção da taxa de inscrição para o concurso público.
Ademais, não é razoável a argumentação de que a possibilidade de isenção de taxa de inscrição ocasionaria prejuízo econômico que inviabilizaria a realização dos concursos públicos, à medida em que: 1) já foram executados, sem qualquer problema, inúmeros certames com a previsão de isenção para as pessoas carentes; 2) o valor da taxa de inscrição a ser fixada já levaria em consideração um número estimado de isenções.
Acresce a todo o afirmado a necessidade de consideração, no caso em pauta, dos fundamentos constitucionais da República Federativa do Brasil, in verbis:
"Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...).
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
(...).
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;"
A vedação de isenção de taxa de inscrição em concurso público afronta literalmente tais princípios. A fim de ressaltar a força normativa dos princípios, trago à baila a lição de Luís Roberto Barroso [3]:
"Os princípios, como se percebe, vêm de longe e desempenham papéis variados. O que há de singular na dogmática jurídica da quadra histórica atual é o reconhecimento de sua normatividade."
(grifou-se)
Corroborando toda a fundamentação expendida, passo a transcrever os seguintes julgados dos Tribunais Regionais Federais da Primeira e Quinta Região sobre o tema versado:
"ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TAXA DE INSCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO, NO EDITAL, DAS HIPÓTESES DE ISENÇÃO.
1. A cobrança de taxa de inscrição para realização de concurso público está prevista no art. 11 da Lei nº 8.112/90, que ressalva hipóteses de isenção previstas no edital.
2. Garante-se isenção ao candidato que não tem condições econômicas de arcar com referida taxa, se omisso o edital a respeito.
3. Remessa oficial improvida."
D ecisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento à remessa oficial.
(Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO, Classe: REOMS - REMESSA EX OFFICIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 200434000006051, Processo: 200434000006051 UF: DF Órgão Julgador: QUINTA TURMA, D ata da decisão: 5/11/2004 Documento: TRF100204294,
Fonte DJ DATA: 25/11/2004 PAGINA: 48, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, grifos nossos)
"ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TAXA DE INSCRIÇÃO. LEGALIDADE (LEI N. 8.112/90, ART. 11). ISENÇÃO.
1. Embora seja legal a cobrança de taxa para inscrição em concurso público (Lei n. 8.112/90, art. 11), ilegal se mostra disposição editalícia que veda a concessão de isenção, "seja qual for o motivo alegado", por contrariar não apenas o dispositivo legal mencionado, que prevê, expressamente, casos de isenção, mas, também, preceitos constitucionais que asseguram a todos igualdade de livre acesso aos cargos públicos.
2. Segurança concedida.
3. Sentença confirmada
4. Apelação e remessa oficial, desprovidas."
Decisão A Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial.
(Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO, Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 199934000023686, Processo: 199934000023686 UF: DF Órgão Julgador: SEXTA TURMA, D ata da decisão: 14/9/2001 Documento: TRF100120259, F onte DJ DATA: 14/11/2001 PAGINA: 308, R elator(a) JUIZ DANIEL PAES RIBEIRO, grifos nossos)
"ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR. CARÊNCIA DE AÇÃO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE. PROCESSO. UTILIDADE RECONHECIMENTO. CONCURSO PÚBLICO. TAXA DE INSCRIÇÃO. ISENÇÃO. CANDIDATO CARENTE. POSSIBILIDADE.
1. Interesse processual e por conseqüência a utilidade do processo que se reconhece, em razão da necessidade de provimento jurisdicional a amparar o bem jurídico pleiteado.
2. A isenção de taxa de inscrição aos candidatos carentes é assegurada pelo princípio do amplo acesso aos cargos públicos (inciso I, do art. 37 da CF/88).
3. Precedentes jurisprudenciais deste Tribunal.
4. Preliminar de carência de ação não acolhida.
5. Apelação improvida."
(Origem: TRIBUNAL - QUINTA REGIAO, C lasse: AC - Apelação Civel – 330816, P rocesso: 200181000169262 UF: CE Órgão Julgador: Terceira Turma, Data da decisão: 25/11/2004 Documento: TRF500091375, Fonte DJ - Data::28/02/2005 - Página::598 - Nº::39, Relator(a) Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro, D ecisão UNÂNIME, grifos nossos)
"CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. ESTADO DE POBREZA. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DE TAXA DE INSCRIÇÃO. ISENÇÃO GARANTIDA POR DECISÃO JUDICIAL.
I - O princípio constitucional da acessibilidade aos cargos e empregos públicos garante a inscrição em concurso público de candidato reconhecidamente pobre, sem que para tanto possa ser exigido o recolhimento de taxa de inscrição.
II - Agravo de instrumento a que se nega provimento."
(Origem: TRIBUNAL - QUINTA REGIAO, C lasse: AG - Agravo de Instrumento – 34847, Processo: 200105000082540 UF: CE Órgão Julgador: Terceira Turma, Data da decisão: 27/05/2004 Documento: TRF500083752, Fonte DJ - Data::20/08/2004 - Página::1066 - Nº::161, Relator(a) Desembargador Federal Manuel Maia, D ecisão UNÂNIME, grifos nossos)
Destarte, impõe-se reconhecer a obrigatoriedade de previsão de isenção de taxa para os comprovadamente pobres nos editais de concursos para o provimento de cargos públicos.
5. Limites da eficácia do decisum
Ainda resta uma relevante questão a ser abordada: quais os limites da eficácia de julgado que viesse a reconhecer a obrigatoriedade de isenção de taxa várias vezes citada?
A Medida Provisória n° 1.570-5/97 (posteriormente convertida na Lei nº 9.494/97), alterou a redação do artigo 16 da Lei nº 7.347/85, passando a estabelecer o seguinte:
"Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."
Tal dispositivo, entretanto, é flagrantemente inconstitucional, como será demonstrado.
Em primeiro lugar, referida norma encontra-se eivada de inconstitucionalidade formal, uma vez que foi veiculada por meio de medida provisória sem urgência e sem relevância, até porque se trata de alteração processual na Lei de ACP, que vigia desde 1985, não sendo razoável aceitar-se que a urgência teria surgido repentinamente em 1997.
Em segundo lugar, o dispositivo em questão é materialmente inconstitucional, pois viola, dentre outros, o direito constitucional de ação e o acesso à justiça, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade das leis e, especialmente, o princípio da isonomia, uma vez que estaria criando discriminações entre indivíduos, quanto aos efeitos da coisa julgada, sem qualquer razão plausível. Analisemos o que alguns doutrinadores pátrios lecionam a respeito do tema.
José Marcelo Menezes Vigliar escreve o seguinte a esse respeito [4]:
"Se o interesse é essencialmente indivisível e o da modalidade difuso, como limitar os efeitos da coisa julgada a determinado território? Ainda: quando o dano for de proporção tal (como por exemplo o chamado dano regional, ou seja, aquele que atinge mais de uma comarca ou até mais de um Estado-membro) que vá além dos limites de uma determinada comarca (foro, já que é a isso que a medida deve estar se referindo), como se aplicaria o preceito?". (grifou-se)
Francisco Antônio de Oliveira, por sua vez, afirma que viu na alteração do art. 16 :[5]
"um retrocesso inominável, uma vez que se pretende dar à ação civil pública o mesmo tratamento que é dado à defesa dos direitos individuais. É evidente que os interesses transindividuais não poderão ter seus efeitos circunscritos à base territorial, sob pena de neutralizar os efeitos da ação civil pública, posto que, v. g., num derramamento de petróleo em Santos, com o espraiamento dos danos por todo o litoral, a ação deveria ser proposta em cada comarca, o que é um absurdo, com a possibilidade de sentenças diversas sobre o mesmo tema". (grifou-se)
Em acréscimo, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam que [6]:
"De outra parte, o Presidente da República confundiu limites subjetivos da coisa julgada, matéria tratada na norma, com jurisdição e competência, como se, v. g., a sentença de divórcio proferida por juiz de São Paulo pudesse valer no Rio de Janeiro e nesta última comarca o casal continuasse casado! O que importa é quem foi atingido pela coisa julgada material. (...). Qualquer sentença proferida por órgão do Poder Judiciário pode ter eficácia para além de seu território. Até a sentença estrangeira pode produzir efeitos no Brasil, bastando para tanto que seja homologada pelo STF. Assim, as partes entre as quais foi dada a sentença estrangeira são atingidas por seus efeitos onde quer que estejam no planeta Terra. Confundir jurisdição e competência com limites subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do direito". (grifou-se)
Por fim, Rodolfo de Camargo Mancuso, argumenta [7]:
"Tudo assim reflui para que a resposta judiciária, no âmbito da jurisdição coletiva, desde que promanada de juiz competente, deve ter eficácia até onde se revele a incidência do interesse objetivado, e por modo a se estender a todos os sujeitos concernentes, e isso, mesmo em face do caráter unitário desse tipo de interesse, a exigir uniformidade do pronunciamento judicial". (grifou-se)
Outrossim, mesmo que a alteração do artigo 16 da Lei da ACP fosse constitucional, restou inócua e sem qualquer eficácia, porque o legislador não alterou outro artigo que rege a eficácia subjetiva da coisa julgada nas ações coletivas, qual seja, o art. 103 do CDC. Este último dispositivo, por força do art. 117 do CDC, aplica-se a todas as ações civis públicas e não somente àquelas que versem sobre relações de consumo.
Nesse exato sentido, Hugo Nigro Mazzilli :[8]
"A Lei 9.494/97 confundiu competência com coisa julgada. A imutabilidade erga omnes de uma sentença não tem nada a ver com a competência do juiz que profere a sentença. A alteração legislativa que a Lei 9.494/97 provocou no art. 16 da LACP é inócua e incoerente, até mesmo porque o CDC não foi alterado nesse particular, e sua disciplina é de aplicação integrada e subsidiária em matéria de ação civil pública. Além do mais, o juiz tem que ter competência absoluta para decidir uma ação civil pública; não se trata de competência territorial". (grifou-se)
Rodolfo de Camargo Mancuso sustenta idêntico posicionamento [9]:
"Felizmente, como antes acenado, o sistema processual que rege a jurisdição coletiva em matéria de interesses metaindividuais forma um todo integrado e intercomplementar: na parte processual do CDC distinguem-se as eficácias erga omnes e ultra partes da coisa julgada, em função do tipo de interesse metaindividual objetivado (art. 103, incisos e parágrafos, e art. 104) e, bem assim, faz-se o discrímen entre os danos local, regional e nacional (art. 93 e incisos), autorizando-se, por fim, o traslado de todo esse conjunto para o âmbito da Lei 7.347/85 (cf. art. 117 do CDC, que para tal acrescentou um artigo – n. 21 – à Lei 7.347/85)."
Resulta do afirmado, portanto, que a decisão judicial que reconhecesse a ilegalidade de edital sem a previsão de isenção de taxa de inscrição para as pessoas comprovadamente pobres, seria válida e eficaz em todo o território nacional, sem quaisquer limitações.
6. Conclusão
Diante de todo o exposto, chegamos às seguintes conclusões, com os quais encerramos nosso trabalho:
o Ministério Público Federal é legitimado para figurar no pólo ativo da lide em que se discuta a legalidade da ausência de previsão de isenção de taxa para os comprovadamente pobres nos editais de concursos para o provimento de cargos públicos;
é inaplicável ao caso em pauta o argumento de que o Poder Judiciário não poderia intervir na matéria referida sob pena de ingerência no mérito administrativo;
existe a obrigatoriedade de previsão de isenção de taxa para os comprovadamente pobres nos editais de concursos para o provimento de cargos públicos;
a decisão judicial que reconhecesse a ilegalidade de edital sem a previsão de isenção de taxa de inscrição para as pessoas comprovadamente pobres, seria válida e eficaz em todo o território nacional, sem quaisquer limitações.
NOTAS
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 48-52.
MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit. Pp. 92-94
Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 6, setembro, 2001. Disponível em: <jus.com.br/artigos/3208>. Acesso em: 30 de novembro de 2005.
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação civil pública. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 112-113.
OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Da ação civil pública: instrumento de cidadania. Revista LTr, vol. 61, n. 7, jul. 1997, p. 895.
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 8. ed., nota 13 ao art. 16 da Lei nº 7.347/85, p. 1456.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 8. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 296.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 287.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 299.