Prática penal: efeito devolutivo da apelação e a vedação ao non reformatio in pejus

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O tribunal de justiça só pode julgar a matéria que lhe é devolvida.

Entendo que este assunto de hoje é muito importante para quem atua na área criminal no cotidiano e, principalmente, para quem advoga rotineiramente nos tribunais superiores.

O efeito devolutivo da apelação, em apertada síntese, é entendido da seguinte forma: o tribunal que for julgar o recurso interposto deve se limitar ao teor dos pedidos que foram ventilados na apelação.

Ou seja, a apelação devolve a matéria ao tribunal, para que possam ser avaliados tão somente os pedidos formulados em sede de recurso de apelação, não podendo o tribunal decidir fora do que foi aventado na apelação.

Eugênio Pacelli ensina o seguinte:

“Vimos que o efeito devolutivo da apelação é, como regra, o mais amplo possível, desde que assim demarcado no recurso: tantum devolutum quantum appellatum. No entanto, como a apelação pode ser interposta até mesmo por termo nos autos, bastará a manifestação da vontade de recorrer para que a devolução da matéria seja completa. Quando, ao contrário, a parte pretender impugnar apenas parte do julgado (art. 599, CPP), o efeito devolutivo se limitará àquela matéria impugnada”. (Curso de Processo Penal, 2018, p. 997).

Se o Ministério Público interpuser recurso de apelação contra sentença de primeiro grau de jurisdição, o tribunal de justiça ficará limitado a julgar os pedidos realizados no recurso manejado pelo órgão acusatório.

Caso contrário, haverá julgamento além do que foi pleiteado em recurso de apelação, prejudicando o réu.

É cediço que o recurso de apelação possui efeito devolutivo! Tal assertiva é indiscutível. E, sobre o efeito mencionado, temos que a matéria discutida pelo juízo a quo é devolvida ao juízo ad quem, para que este órgão profira nova decisão. Inconteste!

Ocorre que o efeito devolutivo somente devolve ao juízo ad quem a matéria ventilada em sede de razões de apelação (no caso do recurso ora discutido). Não se pode falar aqui em efeito devolutivo amplo. O tribunal não pode se manifestar sobre um assunto que não foi objeto do recurso.

Há que se respeitar a regra do tantum devolutum quantum appellatum. Citada regra define, nas palavras do mestre Aury Lopes Jr., “que ao tribunal é devolvido o conhecimento da matéria objeto de recurso” (Direito processual penal, p; 1042, 2017).

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO.RECENTE ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LATROCÍNIO.PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO DEVOLUTIVO. PRINCÍPIOS DA DIALETICIDADE E DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM. LIMITES NAS RAZÕES. MATÉRIA VENTILADA SOMENTE EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. COMPENSAÇÃO ENTRE REINCIDÊNCIA E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 3. "O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos,garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal" (HC nº 214.606/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, DJe3.10.12). 4. Com efeito, não se pode falar em omissão a ensejar a oposição de embargos de declaração, quando a matéria somente foi aventada em sede de aclaratórios, e não estava, então, o Tribunal estadual obrigado a examiná-la. 5. Entretanto, na hipótese, vislumbra-se flagrante ilegalidade apta a autorizar a concessão da ordem de ofício, pois segundo a atual orientação da Terceira Seção desta Corte, não há preponderância entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência. 6. Habeas corpus não conhecido, por ser substitutivo do recurso cabível. Ordem concedida, de ofício, para redimensionar a dosimetria da pena.” (HC 155766 MG 2009/0237185-0 Orgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Publicação DJe 16/04/2013 Julgamento 11 de Abril de 2013 Relator Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR) - GRIFAMOS).

Se houver reforma da decisão de primeira instância e, ainda, prejuízo ao réu, haverá violação, em meu entendimento, ao princípio do non reformatio in pejus, ainda que não tenha havido recurso exclusivo da defesa, visto que houve prejudicialidade ao réu, pois a reforma que agrava a pena, por exemplo, em matéria não ventilada pelo Ministério Público em sede de apelação, prejudica o acusado.

O STJ, em decisão no HC 413195/SP, impetrado por mim, proferiu a seguinte decisão:

“Ante o exposto, concedo, parcialmente, a presente ordem de habeas corpus a fim de, reconhecendo a violação ao non reformatio in pejus, reduzir a pena do paciente para 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão mais 13 (treze) dias-multa, bem como para alterar o regime inicial para ao semiaberto. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 14 de novembro de 2017. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Relator.”.(STJ - HC: 413195 SP 2017/0209500-8, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Publicação: DJ 17/11/2017).

Assim, caso a defesa se depare com uma situação semelhante, deverá impetrar habeas corpus (e demais recursos cabíveis), a fim de sanar a decisão que violou o efeito devolutivo do recurso, bem como o princípio do non reformatio in pejus.

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Sobre o autor
João Gabriel Desiderato Cavalcante

Advogado criminalista, membro da Associação dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), membro do International Center of Criminal Studies (ICCS), pós-graduado em Advocacia Criminal, consultor em direito penal, processual penal e execução penal.

Informações sobre o texto

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