A guarda compartilhada do animal de estimação na dissolução da sociedade conjugal

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4. A guarda compartilhada do animal de estimação sob a ótica do Poder Judiciário

A dissolução da sociedade conjugal é um momento delicado na vida das pessoas. Muitos sentimentos envolvidos, recomeços, dúvidas. O emocional fica abalado, existem incertezas devido à parte financeira que será dividida, ao novo lar que será construído, enfim, é um momento delicado e de muita insegurança.

Quando o casal possui filhos menores de idade existe a preocupação em protegê-los para que o impacto seja menor e suas vidas não se alterem mais do que o necessário.

Ex-casais costumam compartilhar a guarda dos filhos da maneira que melhor atender as crianças, dividindo as responsabilidades e custos referentes aos mesmos.

A lei brasileira é clara em priorizar o bem estar dos menores. Sendo que na guarda compartilhada ambos os genitores atuam conjuntamente nas decisões sobre a vida dos filhos e compartilham a rotina.

O ideal é que haja um equilíbrio de tempo e integração nas funções, tarefas e responsabilidades.

A redação atual do artigo 1.584, § 2º Código Civil (introduzido pela Lei 13.058/14) dispõe que a guarda compartilhada dos filhos é a regra há ser aplicada, mesmo em caso de dissenso entre o casal, somente não se aplicando na hipótese de inaptidão por um dos genitores ao exercício do poder familiar ou quando algum dos pais expressamente declarar o desinteresse em exercer a guarda.

Mas falando dos seres não humanos, os animais, não existe no ordenamento pátrio leis que os resguardem nessas situações.

Supondo que seus donos se separem, como ficará a guarda dos animais?

Nota-se a necessidade de regulamentar o destino desses seres, sendo respeitados os interesses de cada um dos cônjuges, dos eventuais filhos do casal e do bem-estar do animal.

Até existe um projeto de lei, a PL nº 1058, que trata especificamente da guarda dos animais em casos de separação conjugal, sugerindo ser aplicada a modalidade compartilhada quando essa for a melhor solução, mas infelizmente essa PL continua pendente de aprovação.

No referido projeto de lei, invoca-se a ideia de que deve ser observado quem melhor tem condições de criar o animal. A guarda até pode vir a ser unilateral, mas mantendo o direito de visitação e fiscalização pela outra parte, ou realmente optar pela guarda compartilhada.

Nos casos de separação conjugal estamos diante de provável conflito de interesses, de uma lide com sentimentos exacerbados entre os envolvidos. Deve-se buscar que a dissolução conjugal promova as consequências mais tênues possíveis, mesmo que para isso seja necessário que se busque o Judiciário para auxiliar na resolução.

Muitos animais estão acostumados a dividir o lar com seus tutores, compartilhando suas rotinas e tendo a convivência e cuidados de ambos.

Ao se debruçar sobre os estudo do Direito de Família, o que aconteceria no caso de filhos humanos desse casal, quando se fala em guarda de menores? Sempre se preserva o que for melhor para a criança, visando provocar menos sofrimento e mudanças a ela, para depois, num segundo plano, pensar nos interesses dos pais.

De modo geral, observa-se quem possui as melhores condições econômicas e afetivas para criá-la, priorizando sempre que possível a guarda compartilhada, que assegura o direito fundamental da criança de conviver com ambos seus genitores, o que psicologicamente é melhor para criança e também para os seus responsáveis legais. Nas palavras do psicanalista Sérgio Nick:

Guarda compartilhada seria a possibilidade dos filhos serem assistidos por ambos os pais. Nela, os pais têm efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem-estar de seus filhos e frequentemente têm uma paridade maior no cuidado dispensado a eles do que os pais com guarda única. (NICK, 1997, p. 135)

Na jurisprudência vem se formando entendimentos de acordo com o que determina o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no sentido de aplicar o juízo de equidade, valendo-se nos casos de animais não humanos o uso da analogia aos artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil, não especificamente para reconhecer ao animal personalidade jurídica ou status de titular de direitos, mas especificamente para suprir a omissão legislativa utilizando-se dos referidos preceitos legais, dando aos casos melhor solução, diante da ausência de norma específica no ordenamento nacional.

Nesse sentido, já decidiu a jurisprudência pátria, como se depreende do julgado abaixo, proferido no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

DIREITO CIVIL - RECONHECIMENTO/DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – PARTILHA DE BENS DE SEMOVENTE - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL QUE DETERMINA A POSSE DO CÃO DE ESTIMAÇÃO PARA A EX-CONVIVENTE MULHER. RECURSO QUE VERSA EXCLUSIVAMENTE SOBRE A POSSE DO ANIMAL - RÉU APELANTE QUE SUSTENTA SER O REAL PROPRIETÁRIO - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA QUE OS CUIDADOS COM O CÃO FICAVAM A CARGO DA RECORRIDA DIREITO DO APELANTE/VARÃO EM TER O ANIMAL EM SUA COMPANHIA - ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO CUJO DESTINO, CASO DISSOLVIDA SOCIEDADE CONJUGAL É TEMA QUE DESAFIA O OPERADOR DO DIREITO - SEMOVENTE QUE, POR SUA NATUREZA E FINALIDADE, NÃO PODE SER TRATADO COMO SIMPLES BEM, A SER HERMÉTICA E IRREFLETIDAMENTE PARTILHADO, ROMPENDO-SE ABRUPTAMENTE O CONVÍVIO ATÉ ENTÃO MANTIDO COM UM DOS INTEGRANTES DA FAMÍLIA CACHORRINHO "DULLY"QUE FORA PRESENTEADO PELO RECORRENTE À RECORRIDA, EM MOMENTO DE ESPECIAL DISSABOR ENFRENTADO PELOS CONVIVENTES, A SABER, ABORTO NATURAL SOFRIDO POR ESTA - VÍNCULOS EMOCIONAIS E AFETIVOS CONSTRUÍDOS EM TORNO DO ANIMAL, QUE DEVEM SER, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, MANTIDOS - SOLUÇÃO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE CONFERIR DIREITOS SUBJETIVOS AO ANIMAL, EXPRESSANDO-SE, POR OUTRO LADO, COMO MAIS UMA DAS VARIADAS E MULTIFÁRIAS MANIFESTAÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, EM FAVOR DO RECORRENTE PARCIAL ACOLHIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO PARA, A DESPEITO DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA REGENTE SOBRE O THEMA, MAS SOPESANDO TODOS OS VETORES ACIMA EVIDENCIADOS, AOS QUAIS SE SOMA O PRINCÍPIO QUE VEDA O NON LIQUET, PERMITIR AO RECORRENTE, CASO QUEIRA, TER CONSIGO A COMPANHIA DO CÃO DULLY, EXERCENDO A SUA POSSE PROVISÓRIA, FACULTANDO-LHE BUSCAR O CÃO EM FINS DE SEMANA ALTERNADOS, DAS 10:00 HS DE SÁBADO ÀS 17:00HS DO DOMINGO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM 1. Cuida-se de apelação contra sentença que, em demanda de dissolução de união estável c/c partilha de bens, movida pela apelada em face do apelante, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer e dissolver a união estável havida entre as partes e determinou, ainda, que a autora ficasse com a posse do cão de estimação da raça Cocker Spaniel. 2. Insurge-se o réu unicamente com relação à posse do animal de estimação, sustentando, em síntese, que o cachorro foi adquirido para si, ressaltando que sempre cuidou do cão, levando-o para passear e para consultas ao veterinário, destacando, ainda, que sempre arcou com os seus custos, inclusive com a vacinação. 3. De fato, da análise do conjunto probatório infere-se que a parte autora logrou comprovar que era a responsável pelos cuidados do cão Dully, 4. Contudo, não se pode ignorar o direito do apelante de, ao menos, ter o animal em sua companhia. Questão envolvendo animais de estimação cujo destino, caso dissolvida sociedade conjugal é tema que desafia o operador. 5. Semovente que, por sua natureza e finalidade, não pode ser tratado como simples bem, a ser hermética e irrefletidamente partilhado, rompendo-se abruptamente o convívio até então mantido com um dos integrantes da família. 6. Cachorrinho "Dully"que fora presenteado pelo recorrente à recorrida, em momento de especial e extremo dissabor enfrentado pelos conviventes, a saber, aborto natural sofrido por esta. Vínculos emocionais, afetivos construídos em torno do animal, que devem ser, na medida do possível, mantidos. 7. Solução que, se não tem o condão de conferir direitos subjetivos ao animal, traduz, por outro lado, mais uma das variegadas e multifárias manifestações do princípio da dignidade da pessoa humana, em favor do recorrente. 8. Recurso desprovido, fixando-se, porém, a despeito da ausência de previsão normativa regente o tema, mas sopesando todos os vetores acima evidenciados, aos quais se soma o princípio que veda o non liquet, permitir ao recorrente, caso queira, ter consigo a companhia do cão Dully, exercendo a sua posse provisória, devendo tal direito ser exercido no seu interesse e em atenção às necessidades do animal, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, às 10:00h de sábado, restituindo-lhe às 17:00hs do domingo. NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO.

(TJRJ – 2015 - APELAÇÃO - 0019757-79.2013.8.19.0208 - Des(a). MARCELO LIMA BUHATEM - Julgamento: 27/01/2015 22ª. CÂMARA CÍVEL)

Verifica-se no julgamento relatado, ocorrido no Estado do Rio de Janeiro, que o magistrado, em respeito ao princípio do non liquet, que seria não se omitir do dever de julgar, que mesmo não encontrando no ordenamento jurídico legislação específica para resolução da lide, optou-se em priorizar o bem estar do animal ao não privá-lo da convivência com nenhuma das partes com as quais já estava acostumado, como também pela dignidade da pessoa humana considerando que ambos os litigantes mantinham laços afetivos e vínculos emocionais com o animal de estimação, motivo este o da disputa.

Em situação parecida envolveu-se uma das escritoras do presente artigo e talvez até tenha sido a motivação para externar na escrita o acontecimento vivido e a surpresa em verificar a dificuldade que o Direito tem em acompanhar as mudanças da sociedade.

Ocorreu durante separação judicial, na qual o maior motivo da demora na resolução do conflito foi a dificuldade imposta pelo Judiciário em entender, ou apenas, aceitar a relação de afeto e tensão que a falta de proteção jurídica do Estado em relação aos animais de estimação do ex-casal causava.

Em ação de separação judicial de número 5081060-68.2018.8.13.0024, ajuizada em Belo Horizonte perante uma das Varas de Família da Capital, quando ambos os interessados já estavam em concordância sobre tópicos importantes a se discutir em momentos de separação, como a dissolução da mesma e a divisão dos bens, veio o óbice do poder judiciário não aceitando homologar o acordo definido pelas partes pois incluíram a forma que concordaram em manter a guarda de dois animais de estimação do ex casal.

Uma pausa pessoal pra dizer o quão importante esses animais foram na vida do casal. Gaia e Sarah são os nomes das espécies caninas da raça Labrador, que entraram na vida do cônjuge virago em momentos de dificuldades devido a doenças, mudanças de cidades e perdas, e junto com isso a instauração de um quadro depressivo.

O amor aos animais e, especificamente nesse caso, considerando o momento conturbado de separação e retorno do cônjuge virago à sua cidade de origem, notou-se que a manutenção de alguma rotina com Gaia e Sarah ajudaria muito. E essa situação estava totalmente ligada a uma segurança em relação aos referidos animais, considerados como filhos pelo cônjuge virago.

Por sua vez, o cônjuge varão também não abriu mão da guarda dos animais, e considerando que o ex-casal passou a morar em cidades diferentes, chegou um momento que somente esse foi o gargalo para ambos oficializarem a dissolução da sociedade conjugal. E depois de muita conversa acalorada entre advogados e partes, se conseguiu chegar a um acordo e só faltava o judiciário homologá-lo, quando veio, em forma de descaso e protelação, a negação do magistrado em assinar e finalizar a lide.

Nesse ínterim, as partes voltaram a se estranhar, desconfiar das intenções um do outro, da atuação dos advogados, retornando então a falar da divisão de bens e todo um trabalho delicado e doloroso dos envolvidos que já estava a ponto de finalizar quase foi perdido devido à mentalidade de um magistrado que não acompanha ou aceita a mudança da sociedade e não quer entender que as pessoas possam amar seus animais e querer tentar manter sua rotina da maneira mais próxima de como era.

Um processo que estava quase finalizado prorrogou-se por pelo menos mais 6 meses, com muitos altos e baixos, brigas e quase desistência do acordo.

No final, as partes evoluíram no acordo. Pela via judiciária? Não tudo. Para conseguirem separar, tiveram que excluir a cláusula referente aos animais do acordo judicial, pois senão estariam até hoje sem a homologação do mesmo. Então, as partes fizeram um acordo extrajudicial, assinado pelos advogados, regulando exclusivamente a forma como os animais compartilhariam da vida de cada um dos envolvidos e as respectivas obrigações com os mesmos.

O que afinal trouxe uma paz aos litigantes para seguirem suas vidas, sabendo que a convivência e a proteção dos seus amados animais estavam resguardadas.

Diante do caso relatado, há de se questionar se é papel da justiça dizer o que um acordo entre dois ex-parceiros deverá conter? Da forma como eles devem seguir suas vidas? Por acaso casais que têm dois filhos, alguém sugeriria para cada um seguir sua vida em cidades distintas e dividirem as crianças, cada um fica com um filho e termina por isso mesmo? E se fosse somente um filho na família, qual seria a sugestão? Dividir a criança ao meio? Ou pode levar e ficar um tempo com o pai e depois um tempo com a mãe, mas sem a segurança jurídica de um acordo homologado que pudesse servir de apoio para caso uma das partes não devolvesse a criança na data acordada ou cumprisse suas obrigações com a mesma?

Enfim, questionamentos que talvez só façam sentido para quem estava envolvido emocionalmente na ação. Questionamentos que custaram ao casal quase 2 anos de um arrastamento judiciário, com vai e voltas de acordos e despachos, ajustes nos acordos e mais despachos, e um tempo perdido desnecessariamente.

Um tempo também perdido pelo Judiciário, que poderia aproveitar resolvendo outras lides ao invés de tentar moldar a sociedade ao que acha que cada um deve ser ou sentir.

O que revela imprescindível transformação de mentalidades em relação a direitos bem como à defesa dos animais, principalmente considerando a resistência dos magistrados e empatia em sair de suas zonas de conforto. Conforme brilhantemente concluiu AGUIAR:

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Há evidentemente muito que se evoluir, cabe antes de tudo, a adoção de uma postura menos rígida, antes de qualquer mudança, deve-se estar minimamente aberto a ela, e o enrijecimento de nossos comportamentos e pré-conceitos daquilo que aprendemos a pensar, e da forma que escolhemos reproduzir não nos aprimora como ser. Após estarmos abertos a pelo menos ouvir outras opiniões, e nos depararmos com outras realidades de vida, realidades essas que podem ser até distantes das nossas, mas não inexistentes; estaremos finalmente aptos a refletir, usar os juízos de valor, criticar e construir. (AGUIAR, 2018, p. 77)

E fechando o pensamento,diz AGUIAR:

Nesse diapasão é irrefutável a premência da aprovação do referido projeto, uma vez que, em vigor, os magistrados estariam respaldados pela existência da lei e vinculados à sua aplicação. Evitar-se-ia aqui, o uso do juízo de discricionariedade desmedido, o descaso ou ausência de parâmetros para a solução de conflitos, e em maior grau, o ignorar, bem como o violar dos direitos que aqui devem ser efetivados, quais sejam: o de menor sofrimento, tratamento digno aos animais e aos seus tutores, e estes também, com seu direito de igualdade de condições assegurado através da viabilidade da guarda compartilhada (desde que seja a melhor alternativa a ser adotada no caso em concreto). (AGUIAR, 2018, p. 60)

Ressaltando ainda, como barreira que intensifica a questão, a forma equivocada como os sencientes são concebidos e protegidos pelo ordenamento brasileiro.

Afinal, depender da discricionariedade, na forma de pensar e costumes de cada magistrado e contar com a sorte é uma situação de insegurança inconcebível para os “atores” dos casos concretos e sua posição perante a necessidade de tutela da justiça.

Enfim, conclui-se necessária uma atualização do nosso ordenamento jurídico. Precisamos de novas leis que regulamentem o assunto. Já se mostrou realidade que a sociedade mudou, os costumes mudaram, as relações mudaram. O Direito precisa acompanhar essas mudanças para fazer jus à sua função de ordenar as relações na sociedade.

Que se aprove o Projeto de Lei nº 1058, referente à guarda compartilhada dos animais de estimação e não dependamos mais apenas do juízo de equidade, conforme a jurisprudência vem utilizando, valendo-se nos casos de animais não humanos o uso da analogia aos artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil para suprir a omissão legislativa. E também surjam novos projetos de leis acompanhando as demandas que vão surgindo com o caminhar dos anos e que nosso ordenamento pátrio consiga acompanhar o desenvolvimento constante da sociedade.

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