Capa da publicação Renovação automática de contratos: armadilha para amarrar consumidores
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A cláusula da renovação automática:

Uma potencial armadilha fabricada para amarrar consumidores?

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10/05/2021 às 17:20

Resumo:


  • A cláusula de renovação automática em contratos de consumo é frequentemente considerada abusiva, favorecendo empresas em detrimento dos consumidores, o que pode levar a um desequilíbrio contratual e vulnerabilidade do consumidor.

  • Legislação consumerista, como o Código de Defesa do Consumidor no Brasil, e iniciativas internacionais buscam proteger os consumidores de práticas abusivas, incluindo cláusulas de renovação automática que não contam com consentimento expresso e informado.

  • Algumas jurisprudências têm reconhecido a ilegalidade da renovação automática sem a anuência expressa do consumidor, reforçando a necessidade de proteção contra práticas que podem levar a cobranças indevidas e limitação da liberdade contratual.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A cláusula da renovação automática deve ser alvo de reflexões e sérias preocupações no direito privado, sobretudo, no campo do direito do consumidor.

SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. A abusividade da cláusula da renovação automática no contrato de consumo: uma leitura enérgica a partir da gramática constitucional e consumerista. 3. A cláusula da renovação automática no contrato de consumo e o repositório jurisprudencial. 4. Conclusão. Referência bibliográfica.   

RESUMO: O presente escrito avista a cláusula da renovação automática sob o viés do Direito do Consumidor. Adotada por diversos países, tal disposição contratual vem se mostrando cada vez mais problemática por banalmente vulnerar o consumidor. Isso ocorre, notadamente, porque algumas empresas subvertem a legislação consumerista para obter lucros à custa da ruína dos clientes. Diante desse grave panorama, ressurge a necessidade de salvaguardar, de modo eficaz, esse grupo vulnerável contra possíveis abusos de direitos decorrentes do mau préstimo da renovação automática na relação de consumo. Em linhas gerais, rabiscamos as bases para informar os consumidores acerca dos riscos da <<clauses automatiques de renouvellement de contrats>>.  

Palavras-chave: Cláusula da Renovação Automática. Direito do Consumidor. Relação de Consumo. 


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos últimos anos, a cláusula da renovação automática vem se alastrando cada vez mais no universo privado, sobretudo no mundo dos contratos consumeristas. Tal artefato, que inclusive é bastante manuseado pelas escolas de idiomas, informática, academias de ginásticas, editorias de jornais e revistas, pelo setor de telecomunicações, de serviços de internet, dentre outros, acaba dando margem para que a inércia do consumidor seja interpretada como uma <<carta branca>> para a continuação dos serviços ou fornecimento de produtos. 

Ocorre que, corriqueiramente, o consumidor desatento e desinformado celebra o contrato sem se dar conta do quão nocivo a seu interesse tal cláusula pode se revelar, eis que concedem, inconscientemente, poderes para que as empresas atuem trivialmente como for mais conveniente ao interesse delas. Daí que alguns desacostumados com a prevalência dos princípios éticos nas relações de consumo, ávidos por lucros, se valem da cláusula da renovação automática para promover interpretações vetustas que desmerecem as regras protetivas ao consumidor. 

Diante desse lamentável episódio, cabe aos Estados escudarem o consumidor contra práticas abusivas, desleais, que se desviam da boa conduta nas relações de consumo, sobretudo, por ferir princípios como a boa-fé e a lealdade. Tudo isso nos leva a miramos alguns países que adotam iniciativas de regulamentar a cláusula da renovação automática para evitar possíveis abusos de direito. A título de exemplificação, recordamos os EUA, através da Lei de Renovação Automática do contrato de Illinois que exalta a necessidade de transparência contratual, sobretudo, no tocante à duração e rescisão do contrato, no intento de livrar o consumidor de iminentes danos. A despeito disso, vale trazer à baila que: 

[…] (b) Qualquer pessoa, firma, parceria, associação ou corporação que vende ou oferece a venda quaisquer produtos ou serviços a um consumidor nos termos de um contrato, onde tal desfecho contratual remete um prazo especificado de 12 meses ou mais, e onde tal contrato é renovado automaticamente por um período especificado de mais de um mês, deverá notificar o consumidor por escrito da renovação automática, exceto se o cliente cancelar o ajuste. A notificação por escrito deve ser fornecida ao consumidor no mínimo 30 dias e no máximo 60 dias antes do prazo de cancelamento conforme a cláusula de renovação automática. Tal notificação por escrito deve divulgar de forma clara e visível: (i) que a menos que o consumidor cancele, o contrato será renovado automaticamente; e (ii) onde o cliente pode obter detalhes quanto a determinação da renovação automática e o procedimento de cancelamento (exempli gratia, contatando a empresa em um número de telefone ou endereço especificado, ou consultando o contrato) […]  (Vide: 815 ILCS 601/1)

Em 1 de outubro de 2015, o Reino Unido instituiu a lei de direitos do consumidor no afã de proteger a parte vulnerável da relação negocial contra cláusulas contratuais desleais, bem como notificações tidas como injustas, consignando que:  

(1) Uma cláusula abusiva de um contrato de consumo não vincula o consumidor. (2) Um aviso injusto ao cliente não o vincula.(3) Isso não impede o consumidor de confiar no termo ou aviso caso opte por fazê-lo. (4) Uma cláusula é abusiva se, ao contrário do princípio da boa-fé, provocar um desequilíbrio significativo dos direitos e obrigações das partes ao abrigo do contrato, em detrimento do consumidor.(5) Se um termo é justo deve ser determinado: (a) levando em conta a natureza do objeto do contrato, e (b) por referência a todas as circunstâncias existentes quando o termo foi acordado e a todos os outros termos orquestrado ou de qualquer outro ajuste do qual dependa. (6) Uma notificação é injusta se, ao contrário do princípio da boa-fé, provocar um desequilíbrio significativo dos direitos e obrigações das partes em detrimento do consumidor. (7) Se um aviso é justo deve ser determinado: (a) considerando a natureza do assunto do aviso, e (b) por referência a todas as circunstâncias existentes quando o termo foi acordado e  todas as outras disposições do contrato ou de qualquer outro contrato do qual dependa  […] (CONSUMER RIGHTS ACT, 2015). 

Nesse compasso, descortina-se que o grande efeito da “automatic renewal clause” consiste em vincular a parte contratual por determinado lapso de tempo, sem exigir o consentimento expresso para essa renovação. Por essa razão, é imperioso alertar o consumidor para que não caiam na cilada de pactuar um mau negócio jurídico, eivado de itens prejudiciais ao seu interesse. 

Deveras a cláusula da renovação automática, conhecida noutros países como “opção negativa”, “cláusula perene”, vem despertando uma série de controvérsias quanto a sua legalidade. Daí que, alguns juristas internacionais não enxergam de bom grado essa categoria de cláusula, apregoando a necessidade de se fortalecer a proteção do consumidor contra tal artifício.

Infelizmente, um segmento considerável das empresas não opera, de modo louvável, a cláusula da renovação automática. Como pano de fundo, algumas alvitram essas cláusulas para aumentar suas receitas e lucros, ainda que para isso tenham que se valer de práticas desleais, enganosas, abusivas, enriquecimento sem justa causa, fraude ao consumidor, em suma, condutas incompatíveis com a boa-fé, sem deslembrar a mácula a transparência, já que as empresas, em grande peso, não comunicam como deveriam os consumidores, fornecendo informações vagas, insuficientes, implícitas e imprecisas quer sobre o consentimento, quer sobre o aviso prévio da cláusula da renovação automática. É por causa disso que os consumidores, com mui razão, se sentem injustiçados e ludibriados quando o seu contrato passa a ser automaticamente renovado sem a sua anuência expressa. 

Num texto seminal publicado pelo Brennan Law Partners, há uma advertência para que as empresas sejam prudentes no emprego da cláusula da renovação, adotando as seguintes medidas: 

1. Tornar a cláusula relevante, proeminente e transparente no contrato; 2. Chamar a atenção do consumidor / cliente para a cláusula no momento da celebração do contrato e em um tempo razoável antes do término do período de aviso; 3. Dar ao cliente / consumidor a opção de cancelar a renovação automática; 4. Fazer com que o período de notificação antes da renovação automática seja razoável - quanto mais longo o prazo do contrato, mais longo deve ser o período de notificação; 5. Garantir que as consequências da rescisão antecipada após uma renovação automática não sejam excessivas ou indevidamente opressivas para o consumidor (Brennan Law Partners,  2019).

No entanto, a realidade mundial e brasileira não vêm sendo tão alentadora, de fato, poucos empresários são atenciosos com o emprego dessa cláusula, o que é uma lástima, visto que correntemente, tal renovação automática se demonstra como uma limitação ao direito do consumidor, roborando para aumentar a vulnerabilidade perante a relação de consumo, pondo em evidência o desequilíbrio entre as partes contratuais e comprometendo a segurança jurídica da relação, afora o desrespeito ao princípio da função social do contrato. 

Em síntese, depreende-se que a renovação automática é abusiva quando concede ao consumidor um ínfimo lapso temporal para apresentar sua intenção de vontade de rescisão contratual; logo que estabelece multa rescisória excessivamente onerosa e à medida que vulnera o consumidor. 

 Ao quadro que acabamos de esboçar, defendemos a tese de que, amiúde, o mau préstimo da cláusula da renovação automática sinaliza uma artimanha a favor do polo mais forte da relação contratual em detrimento do consumidor.  Afinal, o pêndulo da balança tende mais bem-aventurança para o lado das empresas, do que para o do consumidor. Ora, não podemos ignorar que a renovação automática propicia um fluxo constante de receita para as empresas, protege-as da evasão dos consumidores, corroborando para as sobrevivências delas, mas, quanto ao consumidor, quais são as reais vantagens contratuais? Será que a automatic renewal introduz um elemento de certeza na relação jurídica, trazendo segurança jurídica tanto para a empresa, quanto para o consumidor? 

Há quem doutrine que a cláusula em comento oportuniza ao contratante procurar, em tempo hábil, novo parceiro para a garantia da continuidade do objeto contratual, enquanto autoriza ao contratado programar sua demanda e logística. Será que esse seria mesmo um benefício regiamente justificável para consumidor aderir, per se, à renovação automática? 

Sucede que alguns escoltam a bandeira de que a renovação automática seria conveniente em algumas circunstâncias, mormente quando o consumidor deseja se comprometer com algo de longo prazo e está feliz com o contrato firmado. Todavia, cabe aqui indagar o que ocorre quando os consumidores estão arrependidos e infelizes por aderirem à renovação automática? Além disso, sobreleva meditar, se o maior número de consumidores têm realmente a intenção de se comprometer com a aquisição, a longo prazo, de um serviço ou bem que não é essencial, correndo os riscos de arcar com o ônus da rescisão? Noutras palavras, se essa cláusula teria ou não pertinência em se tratando de contratos de prestação de serviços e fornecimento de bens não essenciais? 

De mais a mais, entre nós, parece que se, por um lado, o contrato renovado sem termo, traz consequências mínimas ao consumidor, dado que cabe-lhe rescindir o vínculo quando quiser (a qualquer tempo). Por outro lado, o contrato renovado a termo certo, deixa o consumidor vulnerável, por aprisioná-lo a uma relação, já que não lhe resta outra escolha senão aguardar o fim do prazo ou então, costumeiramente, arcar com um excessivo ônus pela quebra contratual.

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De modo cortante, acreditamos piamente que a mencionada cláusula no contrato de consumo fragiliza, em grande parte dos casos, o consumidor. Além disso, reiteradamente, vem se demonstrando mais prejudicial do que vantajosa para o polo fraco do contrato que, algumas vezes, chegam até a buscar socorro do Judiciário, mas não encontram, em algumas circunstâncias, o amparo que mereciam.

Para o desgosto do consumidor, quando o assunto é renovação automática, um segmento dos tribunais ainda acaba adotando uma interpretação menos favorável ao abraçar a retórica de que a cláusula em tela é lícita no campo dos contratos de consumo, em menoscabo ao princípio do reconhecimento da vulnerabilidade. Alguns deixam de lado, algumas peculiaridades: se houve multa com valor proporcional e razoável; se o prazo dado ao consumidor quanto ao prosseguimento do acordado respeita a proporcionalidade e a razoabilidade; bem como se houve uma comunicação prévia e justa da empresa rememorando, numa linguagem clara e transparente, o cliente para se manifestar no momento oportuno quanto a renovação automática. 

 Em que pese, constar um considerável repositório jurisprudencial, acompanhado de uma doutrina que legitima a renovação automática, permita-nos discordar dessa percepção. A prima facie, a renovação automática poderia até ser tida como conveniente em algumas hipóteses. No entanto, sabemos o quão a cláusula em questão vem se revelando bastante problemática. Na prática, ela vem apresentando poucas vantagens ao consumidor, ao passo que assegura maiores benefícios aos empresários.  Repetidamente empresas manipulam o contrato para alcançar seus objetivos, e interpretam a cláusula da renovação automática para subjugar o consumidor a interesses particulares atrozes.

Trata-se, pois,  de uma tática negativa que corrobora para prender consumidores. Note que quando eles, por inúmeras razões, não estão mais contentes com o contrato e querem encerrar, acabam se deparando com um enorme empecilho, a resistência do polo mais forte. De fato, as empresas que deveriam facilitar o cancelamento do contrato, são as que mais dificultam a vida do consumidor, seja por não se mostrarem abertas a negociação, seja, por ainda tentarem frustrar o direito de acesso do consumidor à justiça. 

Nessa ocasião, em meio a tribulação, vários consumidores recobram a sua sã consciência e se dão conta de que não leram cuidadosamente o contrato, ou que mesmo que tenham lido, por inexperiência, não conseguiram identificar uma das maiores vilãs ao interesse deles. 

A cláusula da renovação automática é uma grande inimiga à liberdade do consumidor, de maneira por vezes despercebida, tem um potencial de acorrenta-los ao contrato, isto, é a uma relação com um fornecedor de serviço ou produto indesejados. 

Convém rememorar que a cláusula da renovação automática, geralmente, traz consigo um teor punitivo, eis que vem seguido, na maioria esmagadora dos casos, de uma multa rescisória com valor desproporcional e intimidador, de maneira que poucos têm coragem de romper com o contrato. Muitos, quando pesam o ônus da rescisão, compreende que não tem condições de se abjugar. Noutras palavras, ao colocar na balança, descobrem o quanto é alto o preço da liberdade desejada. 

Não podemos, pura e simplesmente, sofrer de amnésia, desconhecendo o fato de que, a duração do acordo renovado quando é longa, faz com que a não apresentação da notificação de cancelamento da prestação de serviço, em momento oportuno, se torne mais custoso do que se possa imaginar. 

Como repetidamente vemos, a <<popularização>> da renovação automática no mundo dos contratos de consumo vem dando azo para o cometimento de uma série de abusos de direito, colocando o consumidor em situação de patente desvantagem. 

Não raramente, os usuários, ocupados com suas atividades diárias e até mesmos exaustos com a sua rotina, perdem o prazo para se manifestar perante a continuidade ou não do serviço. Assim, quando o cliente desatento deixa passar o prazo de cancelamento dos serviços contratados ou produtos fornecidos, as cobranças começam a valer automaticamente. 

Infelizmente, a desatenção e desinformação do consumidor, antes e após a assinatura do contrato, pode colocá-los numa situação impossível ou difícil de se contornar. Tal contrato se torna um pesadelo e sua vulnerabilidade é exposta, quando pagam uma importância alta ao ser prejudicado pela sua própria inércia. O polo forte do contrato simplesmente se aproveita do silêncio do consumidor, eis que o mais razoável seria que o prestador de serviço ou fornecedor de produto arcasse com o ônus da renovação automática, conquanto, para o próprio conforto, acabam rompendo com tal lógica, passando a transferir seu ônus típico ao consumidor, de modo a tornar os clientes mais vulneráveis ainda. De fato, é uma trama difícil de se desvencilhar, uma vez que o consumidor se vê numa verdadeira arapuca em razão de sua incapacidade de antever o quão trágico pode se demonstrar a renovação automática. 

Nem todos tem o espírito sensível de se colocar no lugar do consumidor e enxergar como a cláusula da renovação automática no contrato de consumo pode ser abusiva. Se o consumidor, de modo lamentável, comunica, intempestivamente, seu desejo de não mais prosseguir com o contrato, acaba sendo punido mesmo que não consuma os serviços e os bens ajustados, correndo o risco de pagar uma multa exorbitante sem qualquer contrapartida. É, assim que várias empresas  acabam recebendo sem sequer prestar serviços e fornecer produtos. Por essa razão, nos filiarmos a vertente doutrinária que preleciona que a cláusula da renovação automática configura-se um “recurso de opção negativa” para bens ou serviços adquiridos. 

Cabe aqui indagar quantas vezes as empresas reputaram a cláusula da renovação automática do modo que mais lhe aprazem, atendendo aos seus interesses particulares, a uma função individual do contrato, invés de uma função social? No mais, quando e quais são as empresas que levam realmente em conta as necessidades, a dignidade e a proteção econômica do consumidor? 

Enfim, perante tal rasgo, cabe ainda refletir até quando parte da doutrina e jurisprudência formarão uma aliança inquebrantável com o polo mais forte da relação de consumo, relegando as demandas de inúmeros consumidores (demandas essas que clamam pela proteção do interesse econômico, por dignidade, por melhoria na qualidade de vida, por reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor) contra os abusos de direito praticado em decorrência do mau aproveitamento da cláusula da renovação automática? 

2.  A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA DA RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA NO CONTRATO DE CONSUMO: UMA LEITURA ENÉRGICA A PARTIR DA GRAMÁTICA CONSTITUCIONAL E CONSUMERISTA. 

A Carta Cidadã de 1988 consignou expressamente, em seu art. 5.º, XXXII que <<o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor>>. A despeito disso, importa grifar que o Estado deve colaborar para construir um cenário mais favorável, de sorte a auxiliar o consumidor a ter acesso a relações de consumo transparentes, que sejam menos carregadas de surpresas ou problemas. Em síntese, há um dever em proteger adequadamente a população de consumidores, sobretudo, os mais desfavorecidos. 

De modo certeiro, o Código de Defesa do Consumidor estampa, em seu art. 4.º, que: 

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

Em grande dose de medida, o Código de Defesa do Consumidor, mediante o estabelecimento da Política Nacional das Relações de Consumo, almeja velar pelos direitos que atendam as necessidades dos consumidores, de sorte a reverenciar a dignidade da pessoa humana nas relações consumeristas. 

 Não podemos desconhecer que a vulnerabilidade é um dos predicados ínsitos aos clientes que adquirem serviços e bens. Como se sabe,  tais consumidores, em decorrência de sua capacidade reduzida ou impotência para agir em seu próprio interesse, podem ser considerados vulneráveis. Essa vulnerabilidade pode ser de cariz técnica, jurídica ou científica, informacional, fática, psicossocial, situacional. 

Geralmente, ao celebrar o contrato, o consumidor, não possui poder de negociação quanto ao conteúdo orquestrado. Do mesmo jeito, a ausência de experiência é um dos fatores que contribui para que o consumidor, alienado de seus direitos, aceite o avençado sem se dar conta que tal postura pode submetê-lo a termos que não cumpre com a função social do contrato.

Com efeito, não é à toa que, a lídima Assembleia Geral das Nações Unidas, mediante resolução 39/248, reconheceu, em 1985, que os consumidores se deparam com desequilíbrios de conotação quer econômica, quer em níveis educacionais, sem olvidar o decorrente de poder de negociação. 

À vista disso, a órbita internacional exorta que os Estados realizem e mantenham uma proteção adequada a população de consumidores, encorajando, inclusive, um elevado nível de conduta ética para a relação de consumo, objetivando dar assistência aos países para refrear práticas abusivas realizadas pelas empresas, na conjuntura nacional ou internacional, que afetem prejudicialmente os consumidores. Em síntese, abrem-se caminhos para se saudar o protagonismo do consumidor, tal qual firma-se o princípio da vulnerabilidade do consumidor, aclamando a promoção e proteção dos interesses econômicos desse grupo vulnerável na relação de consumo, bem como apregoando o acesso aos consumidores a uma informação adequada. 

Pelo exposto, passamos a propugnar que a cláusula da renovação automática, na maioria das vezes, desnuda a fragilidade do consumidor perante as Empresas, expondo, de um lado, o quão oportuno e vantajoso é para as Empresas manter o consumidor preso a um contrato indesejável. No avesso do que muitos defendem, aprendemos que o direito do consumidor não caminha, lado a lado, com a cláusula da renovação automática. Na verdade, tal cláusula macula o princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, além de colocar em xeque preceitos relevantes do direito do consumidor.

Começamos então por sondar o teor do art. 170 da gramática constitucional:  

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

V - defesa do consumidor;

Desse modo, Magna Carta estampa a defesa do consumidor como um princípio geral da ordem econômica. Para além, flui do dispositivo acima que incumbe a dita ordem assegurar a todos uma vida digna, compatível com a Justiça Social. A existência digna não remete tão somente aos empresários, mas ao grupo vulnerável da relação de consumo. 

Veja, pois, que as empresas que deveriam observar as regras da função social do contrato na relação de consumo, acabam, muitas vezes, buscando atender seus interesses particulares em detrimento do consumidor, optando por seguir a função individual do contrato, finda lançando o consumidor a uma situação de vulnerabilidade. 

Em se tratando de cláusula de renovação automática no contrato de consumo, o oportunismo de alguns empresários se torna mais notório, eis que se aproveitam da vulnerabilidade do consumidor,  beneficiando-se, ao renovar o contrato, da própria inércia do usuário mesmo que o acordado seja prejudicial ao polo mais fraco da relação de consumo. 

Noutro giro, numa observação prévia que se tem que fazer, o Código de Defesa do Consumidor deixou nítido, em seu art. 47, ao se debruçar sobre a proteção contratual que <<as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor>>. Destarte,  ovaciona uma leitura menos fecunda no tocante ao polo mais forte da relação de consumo, haja vista que este estipulou o teor do contrato. Tal estado de coisas tem um propósito louvável, que é atingir a justiça, bem como a equidade contratual. 

Apesar disso, na praxe, muitas cláusulas contratuais não são interpretadas pró-consumidor. Uma amostra disso é a má proficuidade da renovação automática pelas empresas que podem colocar em xeque princípios éticos da humanidade, tais como justiça, boa-fé, liberdade, isonomia e solidariedade.

O ideal assente numa leitura que mais se coaduna com a gramática consumerista, ou seja,  seria àquela que enxerga que qualquer serviço ou fornecimento de produto por um período predeterminado, gratuito ou não, seja continuado somente se houver autorização expressa do consumidor. O silêncio jamais deveria ser lido como uma anuência expressa, notadamente, porque os interesses em jogos envolvem, de algum modo, a qualidade de vida do consumidor, podendo trazer impactos negativos ao bem-estar dele. 

A despeito disso, o Código de Defesa do Consumidor consigna que

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Mais acertado seria que a renovação automática de qualquer tipo de serviço fosse considerada nula por ser uma opção negativa. Não podemos descartar o fato de que essa categoria de cláusula contratual oferece um potencial risco de lesão ao consumidor, aliás, quando mal empregada por determinados empresários, pode até concorrer para macular princípios cruciais ao ordenamento jurídico, tais como transparência, equidade contratual, justiça, boa-fé, função social do contrato, liberdade, solidariedade, justiça social.

Muitos consumidores não têm sequer a noção do que seja aderir a um contrato com cláusula de renovação automática e que o ônus pode se revelar desproporcional. Movidos pelo calor da emoção, deixam de calcular como se deve o percentual decorrente da quebra do contrato renovado e mal sabem que sua liberdade está em jogo por não conseguirem antever os prejuízos.

Não nos parece nem um pouco justo que àquele que não tem mais interesse na continuidade do serviço seja cobrado excessivamente por um serviço que não consumiu. Se assim for, restara franqueada a vantagem indevida do serviço.

O Código de Defesa do Consumidor declara que

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

A renovação automática deixa o consumidor num estado passível de sofrer prejuízos, de modo que autoriza a parte forte da relação de consumo a tirar vantagem da parte fraca. Num breviário, há uma peculiar predisposição a afetar o consumidor. Da renovação automática as cobranças começam a valer automaticamente, além do mais, a rescisão do contrato renovado importa em multa rescisória. Ocorre que, muitas vezes, o custo da quebra contratual do serviço renovado pode ser desproporcional, colocando o consumidor em situação de grande desvantagem, sobretudo àqueles consumidores que por razões financeiras ou mesmo por infelicidade com os serviços prestados não querem mais continuar. 

Poucas são as opções  disponíveis: pagar a multa desproporcional, onerosa ou opressiva, ainda que não consuma os serviços nem utilize dos produtos, ou então permanecer no curso, tendo sua liberdade tolhida por um determinado lapso de tempo em decorrência de uma fidelização indevida.  E assim, o consumidor, na maioria das vezes, não tem outra escolha a não ser permanecer afivelado ao indesejado fornecedor de serviço. 

3. A CLÁUSULA DA RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA NO CONTRATO DE CONSUMO  E O  REPOSITÓRIO JURISPRUDENCIAL

Afortunadamente, alguns julgados se coadunam mais com os anseios do consumidor, deixando-se contagiar pelo caráter principiológico do Código de Defesa do Consumidor. São esses, portanto, que vamos nos ocupar a escandir. 

Em suma a vanguarda jurisprudencial se preocupa mais com a necessidade e proteção econômica da parte vulnerável na relação de consumo, de sorte que: 

RECURSO INONIMADO. CONSUMIDOR. CURSO DE INGLÊS SEM AUTORIZAÇÃO. CLÁUSULA ABUSIVA. ART. 39, III, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ILEGALIDADE MANIFESTA DA EXIGÊNCIA DE CANCELAMENTO FORMAL DA MATRÍCULA. COBRANÇA INDEVIDA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES COBRADOS. REQUISITOS DO ART. 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PREENCHIDOS. ENGANO JUSTIFICÁVEL NÃO DEMONSTRADO. MÁ-FÉ EVIDENCIADA. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. COBRANÇA INDEVIDA NÃO GERA, POR SI SÓ, DANO MORAL. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL A ENSEJAR ABALO ANÍMICO. RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO PARA AFASTAR OS DANOS MORAIS. A renovação automática de curso de inglês, por ausência de expressa desistência pelo consumidor, é ilegal ante as disposições do Código de Defesa do Consumidor, sendo cláusula abusiva contratual que exige o cancelamento formal da matrícula […]. (TJ SC. RI 00053360720168240090 Capital - Norte da Ilha 0005336-07.2016.8.24.0090, relator: Marcelo Pizolati, data de julgamento: 09/05/2019, Primeira Turma de recursos- capital).

RECURSO INONIMADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. DIREITO DO CONSUMIDOR. ASSINATURA DE REVISTAS. RENOVAÇÃO CONTRATUAL AUTOMÁTICA. AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA EXPRESSA E ANTECIPADA DO CONSUMIDOR. COBRANÇA INDEVIDA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEVER DE RESTITUIR[…]. (TJ BA. RI 80007085320178050049. Relator: Ana Conceição Barbuda Sanches Guimarães Ferreira, 6ª turma recursal, data de publicação: 08/12/2018.)

Por conseguinte, reanimando o truísmo de que o consumidor que não tem interesse pela renovação do contrato não pode ser cobrado por um serviço que não consumiu, colacionamos o seguinte: 

CIVIL - RESCISÃO CONTRATUAL-CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS - RESTITUIÇÃO DE VALORES -MULTA ABUSIVA. 1.O ALUNO PODE RESCINDIR A QUALQUER TEMPO, O CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS, DESDE QUE PAGUE PELOS SERVIÇOS EFETIVAMENTE UTILIZADOS. 2. O MATERIAL DIDÁTICO PODE SER COBRADO PELA INSTITUIÇÃO DE ENSINO DESDE QUE COMPROVADO O FORNECIMENTO AO ALUNO. 3. A MULTA RESCISÓRIA PREVÊ O PAGAMENTO DE 16,66% DO VALOR DO CONTRATO É EXCESSIVAMENTE ONEROSA, PORQUE PROVOCA ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO QUE OBTÉM VANTAGEM ECONÔMICA SEM A DEVIDA CONTRAPRESTAÇÃO. LOGO É NULA DE PLENO DIREITO, NOS TERMOS DO ART.52, INCISO IV, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR […] (TJ DF. ACJ 45654820088070004 DF 0004565-482008807004. Relator: Maria de Fátima Rafael de Aguiar Ramos. Data de Julgamento: 17/02/2009.  Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF. Data de Publicação:16/03/2009).

Por fim,  assistimos, pouco a pouco, nos últimos anos, a construção e consolidação de uma jurisprudência protetiva ao consumidor. Essa ainda, de modo tímido, considera a cláusula da renovação automática como ilegal quando não se encontra consoante aos ditames da legislação consumerista. Vemos, pois, uma anteguarda, com sede de renovação, que busca assegurar a proteção do cliente contra os abusos cometidos pela parte forte da relação de consumo que frequentemente desvirtua o uso da cláusula da renovação automática para obtenção de vantagem excessivamente onerosa de maneira a causar prejuízos ao consumidor.

4. CONCLUSÃO 

Em poucas linhas, deixamos aqui nosso lembrete de que a má serventia da cláusula da renovação automática impulsiona o aumento da vulnerabilidade do consumidor, tendo em vista que afeta o equilíbrio contratual na relação negocial. Tal cláusula carrega por si uma grande predisposição a ser interpretada pró-interesse empresarial. Desse modo, não se observa a função social do contrato, mas aos interesses particulares de quem redigiu e ditou as normas do acordado. Convém rememorar que a renovação automática pode dar margem a práticas abusivas, principalmente quando não há reais benefícios ao consumidor. Afinal, o que tem a oferecer ao consumidor se trouxer consigo tão somente o tempo de “fidelização” e a multa rescisória?

Com efeito, a renovação automática sem contrapartida ao consumidor resulta em notório desequilíbrio contratual, havendo, pois, uma extrema vantagem para a empresa. Enquanto o lado frágil do contrato passa a se ver aprisionado a um contrato excessivamente oneroso, sem qualquer benefício que fundamente a pacta sunt servanda. Ora um contrato injusto, que não cumpre com sua função social, engessado a ponto de propiciar o desequilíbrio contratual e fidelização indevida não devem prosperar. 

Assim chegamos ao final dessa labuta, com a esperança de que nossos esforços não tenham sido em vão, que de algum jeito, possamos contribuir para alertar os consumidores dos riscos quanto a aceitação da cláusula da renovação automática.

O ordenamento jurídico não deve ser conivente com quem negocia com o consumidor (seja nas preliminares -se houver tal possibilidade-; seja na formação do contrato; ou ainda após a formação), mas que não procede com as regras da boa-fé, sobrecarregando o polo mais indefeso. Simplesmente, é presumível que não faz parte da intenção do consumidor se colocar em situação de extrema desvantagem. Quem, em sã consciência, assina algo que é excessivamente oneroso a si?

A inexperiência ou mesmo a vulnerabilidade psicossocial, informacional, jurídica são um dos principais alicerces para que a cláusula da renovação automática tenha se tornado uma sucedida armadilha para prender consumidores. Sem informação, muitos continuarão desarmados contra cláusulas opressivas, sem qualquer condição de lutar contra uma possível <<escravidão contratual>>.  De fato, a informação é um dos melhores instrumentos para evitar que, mais à frente, o consumidor fique prostrado e de mãos atadas a uma incurial e inarmônica relação contratual.

Portanto, no afã de dar cabo a esta triste realidade, o maior prêmio do nosso labor seria, sem sombra de dúvida, instigar a comunidade, especialmente, os consumidores a se defenderem de práticas e cláusulas abusivas, fornecendo as ferramentas necessárias para evitar sofrer lesões, ou quando não possível a prevenção, estimulando-os a lutar por seus direitos no Judiciário. 

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Sobre a autora
Karhen Lola Porfirio Will

Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar. Mestre em Direito Internacional Público e Europeu pela Universidade de Coimbra.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WILL, Karhen Lola Porfirio. A cláusula da renovação automática:: Uma potencial armadilha fabricada para amarrar consumidores?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6522, 10 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90349. Acesso em: 28 dez. 2024.

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