A responsabilidade civil dos genitores por abandono afetivo dos filhos, em cotejo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

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O artigo discorre sobre a possível responsabilidade civil dos genitores por abandono afetivo dos filhos. O tema foi apontado para uma maior discussão acerca do ordenamento jurídico sobre o assunto proposto. O presente tópico está na rotina e dia a dia da

“amar é faculdade, cuidar é dever”, segundo a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça - STJ.

O artigo discorre sobre a possível responsabilidade civil dos genitores por abandono afetivo dos filhos. O tema foi apontado para uma maior discussão acerca do ordenamento jurídico sobre o assunto proposto. O presente tópico está na rotina e dia a dia da sociedade, por tratar-se de uma situação corriqueira, ainda que não seja o adequado a ser feito.

Para tanto, entende-se que afeto consiste em um elemento básico da afetividade, sendo esta, de acordo com Aurélio (1994) definida como: “Conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de alegria ou tristeza”.

Logo, o abandono afetivo é o ato em que o indivíduo se abstém de cuidados e atenção necessários para com seus ascendentes ou descendentes que por ele estão tutelados. Tal proteção vem disposta no art. 229, da Constituição Federal, ex vi:

Art. 229, CF.Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Assim, as relações familiares são pautadas pela solidariedade e afetividade e todos os membros da unidade familiar devem cooperar para desenvolvimento pleno de seus integrantes, isso independente de ascendência e descendência. O abandono afetivo é um conceito novo que é atribuído a ausência de afeto dos pais e filhos e estes buscam, por intermédio do Poder Judiciário, a reparação desta lacuna de afetividade existente em suas vidas.

Registre-se, por oportuno, que no caso do abandono afetivo dos filhos maiores para com os pais (ascendentes) a denominação usual é o abandono afetivo inverso, cujo conceito podemos extrair dos escólios do preclaro desembargador Jones Figueiredo Alves (Diretor Nacional do Instituto de Direito de Família -IBDFAM), que, em brilhante lição, explica: “a inação de afeto ou, mais precisamente, a não permanência do dever de cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos”.

Conforme entendimento do desembargador, a falta de cuidado é a base para indenização. Agora o vocábulo inverso é alteração do binômio da relação paterno-familiar que prevê a paternidade responsável, ou seja, o cuidado dos pais na velhice.

Em nosso país, estima-se que, aproximadamente no ano de 2025, os idosos representarão 15,1% da população brasileira, colocando o Brasil na sexta posição dos países com maior número de idosos do mundo.

Para garantir proteção integral aos idosos, o poder constituinte originário dispôs o seguinte no art. 230, senão vejamos:

Art. 230, CF. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Por outro lado, a falta de amparo, o abandono, poderá constituir no crime previsto no art. 98, do Estatuto do Idoso, bem como no abandono material previsto no art. 244, do instituto repressor, ei-los:

Art. 98, do Estatuto do Idoso. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado:

Pena– detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa.

Abandono material

Art. 244, CP. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválidoou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:

Pena- detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Por outro lado, adentrando ao escopo principal do nosso estudo, temos que o abandono afetivo possui direta influência na formação pessoal de crianças e adolescentes. A pesquisa visa corroborar com a existência de dispositivos legais que inibam o ato de abandono afetivo.

Pois bem, especificamente em relação à proteção especial dos menores, a Constituição Federal previu os artigos 227 e 229 no capítulo: “Da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso”, um resguardo e proteção legal no tocante à esfera material e o dever dos genitores de cuidar.

O Art. 227 expressa que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1988). E o Art. 229 dispõe que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (BRASIL, 1988).

Com a caracterização do abandono afetivo, têm-se que a rotina dos filhos é alterada, isto é, passa-se a ficar sem a presença de um dos pais, em decorrência, por exemplo, de uma relação em que o casal não tinha vínculos firmados ou derivado de um divórcio em que, muitas vezes, há esse distanciamento dos filhos.

O arcabouço legal existente não deixa claro se a afetividade se enquadra nos âmbitos dos deveres dos pais para com os filhos, visto que o acervo legal brasileiro impõe deveres do progenitor para com os filhos, abarcando sobre a assistência material. Assim, deixando aberto para a doutrina e a jurisprudência expenderem sobre uma possível reparação de danos aos filhos abandonados, afetivamente, por sua mãe ou seu pai.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº. 8.069/90, dispõe sobre a proteção à criança e ao adolescente e aborda conceitos pertinentes à família. Nele é reforçado os deveres expressos na Constituição Federal e, em seu art. 19, afirma que é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral (BRASIL, 1990).

Importante inovação legislativa protetiva aos menores em relação à educação e ao cuidado vieram dispostas no art. 18-A, do ECA, vejamos:

Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014).

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:

I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

a) sofrimento físico; ou (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

b) lesão; (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

a) humilhe; ou (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

b) ameace gravemente; ou (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

c) ridicularize. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

O Código Civil, por sua vez, também aborda o tema, no capítulo “Do poder familiar”, cujos artigos dispostos são:

Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

Art. 1.633. O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor.

O artigo 1.566 do Código Civil define que são deveres dos cônjuges o "sustento, guarda e educação dos filhos". Deste modo, mais uma vez, a legislação reafirma que os genitores possuem responsabilidade sobre os menores, independentemente do rompimento da relação com o parceiro, porquanto os vínculos entre pais e filhos devem ser mantidos.

Todavia, índices apontam para esta ausência, pois falta o nome do pai em milhões de certidões de nascimento de brasileiros e há crescimento vertiginoso a cada ano no Brasil, conforme informações divulgadas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019), os divórcios entre 2016 e 2017 tiveram um aumento de 8,3%. O mesmo estudo mostrou uma nova dinâmica familiar em ascensão, a guarda compartilhada, esta modalidade de guarda também teve um aumento, em 2014 era de 7,5% e, em 2017, passou para 20,9% (IBGE, 2019).

O IBGE também divulgou dados referentes ao ano de 2017, acerca da proporção de divórcios, onde 28,9%dos casais divorciados, naquele ano, eram sem filhos, 17%somente com filhos maiores de idade, 7,9%com filhos maiores e menores de idade, 46,1%com filhos menores de idade. Esses dados demonstram a ocorrência de alterações na convivência e dinâmica de vida dos indivíduos envolvidos no processo.

Os princípios que regem a família no âmbito do direito, devem ser compreendidos para um melhor entendimento do abandono afetivo. Para tanto, Dias (2015, p.40) afirma que o ordenamento jurídico positivo, compõe-se de princípios e regras cuja diferença não é apenas de grau de importância. Acima das regras legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e de valores éticos que constituem o suporte axiológico, conferindo coerência interna e estrutura harmônica a todo o sistema jurídico (DIAS, 2015).

Alguns são os princípios elencados pelos doutrinadores e a Constituição Federal os engloba. Logo, temos o princípio da dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e respeito à diferença, solidariedade familiar, pluralismo das entidades familiares, proteção integral às crianças, aos adolescentes, aos jovens e aos idosos (Lei n°. 8.069/1990) e (Estatuto do Idoso, Lei nº. 10.741/2003), proibição do retrocesso social e o princípio da afetividade. Neste sentido, este trabalho explanará acerca de alguns deles.

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No §7°, do art. 226 da CF é previsto o Princípio da Paternidade Responsável e Planejamento Familiar e dispõe: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988).

O Princípio da Afetividade é debatido por alguns doutrinadores, sendo a afetividade considerada o alicerce de um grupo familiar. Madaleno (2018, p. 97) aborda o afeto como sendo a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana (MADALENO, 2018).

Os vínculos de filiação e parentesco devem abranger a afetividade presente. Neste sentido, Madaleno (2018, p. 97) afirma que, certamente, nunca será inteiramente saudável aquele que não pode merecer o afeto de seus pais, ou de sua família e muito mais grave se não recebeu o afeto de ninguém (MADALENO, 2018).

Desse modo, para garantir o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, a convivência parental deve ser mantida, obtendo, sobretudo, um relacionamento íntimo e familiar entre pais e filhos.

O Código Civil, trata acerca da responsabilidade civil nos arts. 927 ao 954. Alguns são os doutrinadores que abordam este conceito. Silva (2018), por exemplo, afirma que: “infere-se que responsabilidade civil obriga um sujeito que causar dano a outrem a ressarcir ou reparar o prejuízo decorrente de ação ou omissão por ele praticado” (SILVA, 2018). Neste sentido, medidas devem ser aplicadas a um indivíduo para reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros.

Com o intuito de melhor apreender a responsabilidade civil, a doutrina jurídica a dividiu em algumas categorias: contratual ou extracontratual; a objetiva ou subjetiva, direta e indireta e a responsabilidade penal. Neste artigo, abordaremos a categoria objetiva ou subjetiva e a direta e indireta. A responsabilidade civil objetiva é abordada no Código Civil Brasileiro, em seu art. 927, o qual diz: Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (BRASIL, 2002). Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem.

Conforme Sérgio Cavalieri Filho, “o Código Civil, em seu artigo 186, manteve a culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva. A palavra culpa está sendo aqui empregada em sentido amplo, lato sensu, para indicar não só a culpa stricto sensu, como também o dolo” (CAVALIERI, 2007).

Ademais, ainda se tratando das categorias de responsabilidade civil, tem-se como a direta quando a própria pessoa que cometeu o dano responde por sua conduta, sendo essa considerada como regra. E indireta quando um terceiro responde pela conduta do autor do dano, isto é, por uma previsão legal, o terceiro que não é o causador do dano, responde pela conduta danosa de outrem (SILVA, 2018).

Alguns são os elementos essenciais da responsabilidade civil, e de acordo com Silva (SILVA, 2018), são três os pressupostos da responsabilidade civil, a ação ou omissão que gerou o dano, a existência do dano e o nexo causal entre a ação/omissão e o dano decorrente delas. Neste faz-se compreender:

a)existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b)ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c)nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade.

Avaliando-se os pressupostos exigíveis para gerar a obrigação de indenizar, é momento de reduzir a responsabilidade civil ao campo da família, com o fito de demonstrar a possibilidade ou não de reparação em decorrência do abandono afetivo (SILVA, 2018).

Diante dos já supracitados fatores que afastam os filhos da convivência com um ou ambos os pais. Deve-se atentar que os genitores têm o dever de proporcionar uma convivência e vínculos com seus filhos. O Art. 3º da CF dispõe que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1988).

Ante o exposto, comprovados os possíveis danos causados a filhos que cresceram tendo que lidar com a ausência de pais, podemos finalmente falar sobre a responsabilidade civil desses pais omissivos e da indenização por parte deles a filhos que se consideram lesados em razão do abandono afetivo (SILVA, 2015).

Com efeito, na primeira decisão do STJ que reconheceu o direito à indenização por dano moral na hipótese de abandono afetivo, sob a liderança da Ministra Nancy Andrighi, foi destacada a ofensa ao dever do cuidado. Em seu voto no Resp. nº. 1.159.242/SP (julgado pela Terceira Turma em 24.04.2012), a Ilustre Relatora destaca a percepção do cuidado como valor jurídico já incorporado ao nosso sistema jurídico, com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa no art. 227 da Constituição Federal. Completa a Ministra Nancy: “aqui não se fala ou discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”. E conclui: “Em suma, amar é faculdade, cuidado é dever”, senão vejamos a transcrição da ementa do referido julgado.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.

4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.

6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.

7. Recurso especial parcialmente provido.

No mesmo sentido, soa pertinente a transcrição da ementa da decisão abaixo, a qual qualifica como ato ilícito a conduta dos pais que abandonam afetivamente seus filhos. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ABANDONO MATERIAL. MENOR. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA MATERIAL AO FILHO. ATO ILÍCITO (CC/2002, ARTS. 186, 1.566, IV, 1.568, 1.579, 1.632 E 1.634, I; ECA, ARTS. 18-A, 18-B E 22). REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

1. O descumprimento da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência material ao filho, não proporcionando a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002.

2. Estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

3. Recurso especial improvido. (STJ - REsp: 1087561 RS 2008/0201328-0, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 13/06/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe. 18/08/2017).

No mais, registre-se, por obrigatório, que o prazo prescricional para ajuizar a ação de reparação pelos danos morais é de 03 (três) anos, a contar da aquisição da maioridade do filho, com fundamento legal no art. 206, § 3º, V[1], do Código Civil.

Em abono ao exposto, o Tribunal de Justiça da Paraíba retratou o seguinte entendimento: "a pretensão de reparação civil por abandono afetivo nasce quando cessa a menoridade civil do autor, caso a suposta paternidade seja de seu conhecimento desde a infância, estando sujeita ao prazo prescricional de três anos". (TJPB, Recurso nº. 0028806-67.2013.815.0011, Quarta Câmara Especializada Cível, Rel. Des. Romero Marcelo da Fonseca Oliveira, DJPB 11/04/2016).

Em sentido contrário, encontramos o posicionamento do professor Flávio Tartuce[2], que entende que, em casos de abandono afetivo, não há que se reconhecer qualquer prazo para a pretensão, sendo a correspondente demanda imprescritível.Primeiro, pelo fato de a demanda envolver Direito de Família e estado de pessoas, qual seja, a situação de filho. Segundo, por ter como conteúdo o direito da personalidade e fundamental à filiação. Terceiro, porque, no abandono afetivo, os danos são continuados não sendo possível identificar concretamente qualquer termo a quopara o início do prazo.

De outra banda, com relação ao abandono afetivo dos pais idosos, anotamos a decisão:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. MEDIDA DE PROTEÇÃO EM FAVOR DE IDOSO. ABANDONOS AFETIVO E MATERIAL COMPROVADOS. NECESSIDADE DE COLOCAÇÃO DO IDOSOEM INSTITUIÇÃO ACOLHEDORA PARA PESSOAS COM IDADE AVANÇADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS E FAMILIARES. DEVER CONSTITUCIONAL DE PRESTAR ASSISTÊNCIA AO IDOSO REFERENTE À MANUTENÇÃO DA SUA DIGNIDADE E BEM-ESTAR. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSOS DESPROVIDOS. Incumbe à famíliae aos entes Públicos a responsabilidade solidária de empreender esforços que efetivem o dever fundamental de proteção à dignidade e o bem-estar dos idosos que se encontram em situação de risco, por abandono material e afetivo, com fundamento na Constituição Federal e ao Estatuto do Idoso (Lei Federal n. 10.741/03). (TJ-SC - APL: 09000120520148240050 Pomerode 0900012-05.2014.8.24.0050, Relator: Jaime Ramos, Data de Julgamento: 10/12/2019, Terceira Câmara de Direito Público).

No mesmo sentido, na busca de coibir o abandono afetivo ao idoso é que surgiu o Projeto Lei nº. 4294/2008, de autoria do Deputado Federal Carlos Bezerra[3], MDB - MT.

A proposta é de acrescentar parágrafo ao artigo 3º do Estatuto do Idoso, com a seguinte redação: “O abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por dano moral.”, para tanto, Carlos Bezerra apresentou a seguinte justificativa:

“O envolvimento familiar não pode ser mais apenas pautado em um parâmetro patrimonialista-individualista. Deve abranger também questões éticas que habitam, ou ao menos deveriam habitar, o consciente e inconsciente de todo ser humano. Entre as obrigações existentes entre pais e filhos, não há apenas a prestação de auxílio material.Encontra-se também a necessidade de auxílio moral, consistente na prestação de apoio, afeto e atenção mínimas indispensáveis ao adequado desenvolvimento da personalidade dos filhos ou adequado respeito às pessoas de maior idade. [...] No caso dos idosos, o abandono gera um sentimento de tristeza e solidão, que se reflete basicamente em deficiências funcionais e no agravamento de uma situação de isolamento social mais comum nessa fase da vida. A falta de intimidade compartilhada e a pobreza de afetos e de comunicação tendem a mudar estímulos de interação social do idoso e de seu interesse com a própria vida. Por sua vez, se é evidente que não se pode obrigar filhos e pais a se amar, deve-se ao menos permitir ao prejudicado o recebimento de indenização pelo dano causado.

No momento, a proposta ainda segue em discussão na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, aguardando a apreciação do voto do relator.

Todavia, em que pese estar pendente a regulamentação específica por meio do Projeto Lei nº. 4.294 de 2008, o dever dos filhos de prestar auxílio financeiro aos pais já está previsto pelo artigo 1.696 do CC/02, através da prestação de alimentos, bem como o dever dos filhos maiores de ajudar e amparar seus pais na velhice está previsto no artigo 229 da CRFB/88, o que transcende os limites do que é material, tendo em vista que prestar amparo é prestar um abrigo, refúgio e proteção. Assim, a família deve tratar o idoso com o respeito e solidariedade que lhes são devidos.

É lamentável que a lei precise obrigar os filhos a cuidarem de seus pais, entretanto, sabe-se que situações assim são bastante recorrentes, não podendo o Estado fechar os olhos para esta realidade.

Portanto, pelo presente estudo, temos a compreensão que não é a falta de amor que gera o dano, não é o desamor, por si só, o ato ilícito praticado capaz de gerar o dano moral, mas, sim, a negativa injustificada em desferir amparo, assistência moral e psíquica, é desatender, sobretudo, as necessidades em prejuízo da formação de uma criança, é, em muitos casos, desfazer os vínculos de afetividade já estabelecidos, é, por derradeiro, o descumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar.

Além disso, denota-se que as recentes opiniões doutrinárias e decisões judiciais acerca do tema têm caminhado na busca de expandir a afetividade aos princípios norteadores do direito de família, inclusive com o reconhecimento do abandono afetivo como uma conduta ensejadora do dever de indenizar, ficando aos auspícios da Justiça a quantificação dos danos morais.

Logo, fica a reflexão de que as leis não têm a capacidade de modificar a consciência dos pais, entretanto, modelos punitivos de responsabilidade civil nestas situações deveriam servir de exemplo para esta prática ser abolida da sociedade, a fim de prevenir casos de negligências afetivas com os filhos ou com os pais idosos, mormente na atual situação do COVID 19.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 mar. 2021.

BRASIL. Código Civil.Lei 10.406. De 10 de janeiro de 2002. 1ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Câmera dos Deputados. Lei nº 8.069. De 13 de julho de 1990. DOU de 16/07/1990 – ECA. Brasília, DF.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas: 2007.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

DICIONÁRIO AURÉLIO. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Editora Nova Fronteira. 1 cd-rom. 1994.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Casamentos que terminam em divórcio duram em média 14 anos no país.Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/22866-casamentos-que-terminam-em-divorcio-duram-em-media-14-anos-no-pais>. Acesso em: 30 mar. 2021.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

SILVA, Annyele Priscila. Abandono Afetivo: A Possibilidade De Caracterização De Dano E Responsabilização Civil. Ceres. 2018. Disponível em: http://repositorio.aee.edu.br/bitstream/aee/1050/1/MONOGRAFIA%20FINALIZ ADA.pdf . Acesso em: 20 de mar. 2021.

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2012-mai-02/turma-stj-manda-pai-indenizar-filha-abandonada-200-mil. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.2&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=200901937019. Acesso em: 20 de abril de 2021.

TARTUCE, Flávio. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/autor/flavio-tartuce. Acesso em: 21 de abril de 2021.

Autor.

Évanes César Figueiredo de Queiroz. Advogado Criminalista, Especialista em Direito Criminal e Direito Processual Criminal, Especialista em Práticas Judicantes, Membro da Comissão de Justiça Criminal e da Comissão de Expansão Cultural da OAB/PB, Atualmente Procurador do município de Conde/PB, Advogado do Centro de Referência Especializado da Assistência Social – CREAS, Foi Assessor da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça da Paraíba TJPB, Assessor Jurídico da Diretoria Geral do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, Chefe do Setor de Finanças e Contabilidade do TJPB, Assessor jurídico da Câmara de vereadores do município de Conde/PB, professor convidado para ministrar aula sobre o tema da prescrição e sobre a Lei de Execução Penal, com ênfase no indulto e comutação de penas.

Coautor.

Carlos Eduardo Leite Lisboa,Advogado militante de 1988/1991, Juiz de Direito concursado pelo Tribunal de Justiça da Paraíba. Atualmente, Juiz Titular da 11a Vara Cível de João Pessoa/PB e Professor da Escola Superior da Magistratura - ESMA. Foi Assessor Especial da Presidência, Juiz Corregedor Auxiliar. Juiz Convocado para atuar nas Câmaras Cíveis e Criminal do TJPB. Juiz do Tribunal Regional Eleitoral e Corregedor Eleitoral da Paraíba.


[1] Art. 206, CC. Prescreve: (...)

§ 3 o Em três anos:

V - a pretensão de reparação civil;

[2] https://www.migalhas.com.br/autor/flavio-tartuce

[3] https://www.camara.leg.br/deputados/141401

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Sobre o autor
Évanes César Figueiredo de Queiroz

Advogado e Procurador do município de Conde/PB, ex assessor da Corregedoria Geral de Justiça do TJPB, ex assessor jurídico da Diretoria Geral do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba e ex Procurador da Câmara de vereadores do município de Conde/PB.

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