Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Sexta Turma, julgou o Habeas Corpus 628647/SC, de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, onde, por maioria de votos, não concedeu a ordem para negar o pedido da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, a qual pretendia que fosse oferecido o acordo de não persecução penal (ANPP) a um homem preso em flagrante pela prática dos crimes de portar armamentos e munições de uso restrito, cometidos antes da Lei Anticrime entrar em vigor.
Conforme se verifica na decisão, a Ministra Laurita Vaz em seu voto-vista teria justificado o não acolhimento do pedido por entender que “[...]embora haja decisões em sentido contrário da própria Sexta Turma, alguns julgados da Quinta Turma do STJ afirmaram que o acordo de não persecução penal, por ser instituto da fase pré-processual, pode alcançar fatos ocorridos antes da vigência da lei, mas desde que a denúncia não tenha sido recebida – mesmo entendimento adotado em um precedente do Supremo Tribunal Federal.”
Pois bem, a questão acerca da natureza híbrida e da consequente retroatividade do instituto do ANPP deverá ser objeto de apreciação pelo Plenário do STF em data futura, já que o Ministro Gilmar Mendes no julgamento do Habeas Corpus 185913/DF, teria decidido que “[...] a retroatividade e potencial cabimento do acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP) é questão afeita à interpretação constitucional, com expressivo interesse jurídico e social, além de potencial divergência entre julgados”.
Ocorre que enquanto o STF não pacificar a questão, a insegurança jurídica deverá prevalecer. Neste sentido, a Sexta Turma do STJ ao julgar o Habeas Corpus 628647/SC teria mudado o seu entendimento porque, até então, entendia que o ANPP poderia retroagir em processos não transitados em julgado. ( AgRg no HC 575.395/RN - Min. Rel. Nefi Cordeiro)
Sem a pretensão de esgotar o tema, ousamos questionar o acerto da fundamentação estampada nesta decisão da Sexta Turma da Corte Superior. Isso porque, havendo identidade de essência jurídica do ANPP com a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/05), não há como se sustentar o limite temporal da retroatividade ao oferecimento da denúncia por força da Súmula 337 do próprio STJ, a qual enuncia que “É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.”
Aqui se questiona: Havendo identidade de essência com a suspensão condicional do processo, qual a razão impeditiva de retroação na persecução com denúncia já recebida em hipótese de cabimento do ANPP?
Ora, nos termos da Súmula 337 do STJ, por exemplo, se um magistrado ao sentenciar um processo envolvendo acusação de furto qualificado e ali decidir pela desclassificação para a modalidade simples, deverá remeter os autos ao órgão do Ministério Público para se manifestar a respeito do sursis de maneira retroativa.
A jurisprudência do STJ há tempo é pacífica para admitir a anulação de sentenças penais em casos de desclassificação ou mesmo de procedência parcial da acusatória inicial sob o entendimento de que não há como suprimir ao réu a proposta retroativa de suspensão condicional do processo quando preenchidos os seus requisitos legais. (HC 24.677-RS, HC 32.596-RJ, HC 39.021-DF, HC 28.663-SP).
Com o devido respeito e salvo melhor juízo, as recentes decisões do STJ parecem demonstrar a formação de uma jurisprudência equivocada, a qual não justifica a razão de distinção de tratamento entre o ANPP e a suspensão condicional do processo, especialmente daquilo que consta na Súmula 337 daquela Superior Corte.
Por estas breves razões, verifica-se que o cenário de insegurança jurídica e de violação do princípio da legalidade ainda prevalece atualmente, porquanto um investigado se tornará réu ou não conforme a orientação jurisprudencial adotada pelo órgão julgador. Disso se extrai que, ainda que o instituto do acordo de não persecução penal tenha essência nos critérios de economia e celeridade processual, bem como na política criminal de despenalização, a sua efetivação ainda encontra forte resistência por conta da cultura punitivista arraigada no Poder Judiciário brasileiro.