Alternativas para a defesa do ex-Ministro

10/05/2021 às 17:20
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O artigo discute sobre caso concreto envolvendo depoimento de ex-ministro Pazuello na CPI da covid-19.

Aguarda-se o depoimento do general Pazuello perante à Comissão Parlamentar de Inquérito.

É grande a expectativa desse depoimento que o ex-ministro da Saúde dará como testemunha, uma vez que são inúmeras as críticas contra a política de saúde do governo durante sua gestão no que concerne a pandemia. Assim estão o uso da cloroquina, da compra de vacinas, da crise que envolveu o Estado do Amazonas no tratamento hospitalar dos doentes etc.

Independente de não poder responder a perguntas que envolvam juízo de valor, o general irá depor como testemunha, tendo a obrigação de dizer a verdade. Caso entenda de mentir poderá ser preso em flagrante.

Ademais, poderá ser, entretanto, tratado como investigado pela própria CPI da Covid-19.

Dirá que não poderá se autoincriminar.

Bem acentua Uadi Lammego Bulos (Constituição Federal Anotada, São Paulo, Saraiva, 6ª edição, pág. 325) que há um privilégio contra autoincriminação, que retrata o princípio de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Sendo assim tal privilégio, inserido em verdadeira garantia constitucional, como se lê do artigo , LXIII, da Constituição Federal, é manifestação:

  1. Da cláusula da ampla defesa (artigo , LV, da Constituição Federal);
  2. Do direito de permanecer calado (artigo , LXIII, da Constituição Federal);
  3. Da presunção da inocência (artigo , LVII, da Constituição Federal);

O direito do acusado ao silêncio assume, como revelam Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho (As nulidades no processo penal, São Paulo, Malheiros, 1992, pág. 67) uma dimensão de verdadeiro direito, cujo exercício há de ser assegurado de maneira plena, sem acompanhamento de pressões, seja de forma direta ou direta, destinadas a induzi-lo a prestar um depoimento.

No paradigmático julgamento da ADPF 395/DF, o Plenário desse Supremo Tribunal Federal, ao assentar que a condução coercitiva, para fins de interrogatório (art. 260 do CPP), não foi recepcionada pela Constituição Federal, referiu-se ao direito ao silêncio da seguinte forma: "prerrogativa do implicado a recursar-se a depor em investigações ou ações penais contra si movimentadas, sem que o silêncio seja interpretado como admissão de responsabilidade". E acrescentou: "a legislação prevê o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório".

Daí a lição de Norberto Cláudio P. Avena (Processo Penal: esquematizado, 2014), quando disse:

“A Constituição Federal, ao permitir ao acusado calar-se diante do Juiz, demonstra que o interrogatório não é imprescindível para o deslinde da causa, devendo o réu, desde que devidamente citado, arcar com o ônus processual de seu não comparecimento. Sendo assim, o comparecimento do réu ao interrogatório, quando devidamente qualificado e identificado, constitui apenas uma faculdade e não um dever do mesmo. . ...mais do que nunca, é preciso compreender que o estar presente no processo é um direito do acusado, nunca um dever. Considerando que o imputado não é objeto do processo e que não está obrigado a submeter-se a qualquer tipo de ato probatório (pois protegido pelo 'nemo tenetur se detegere'), sua presença física ou não é uma opção dele. Há que se abandonar o ranço inquisitório, em que o juiz (inquisidor) dispunha do corpo do herege, para dele extrair a verdade real. O acusado tem o direito de silêncio e de não se submeter a qualquer ato probatório, logo, está logicamente autorizado a não comparecer.”

Para tanto, deverá o ex-ministro da Saúde ajuizar habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal, pois a autoridade coatora é o presidente da CPI, senador da República, objetivando preservar o seu direito ao silêncio

Poderá, outrossim, como militar, trazer como pauta a aplicação dos princípios da disciplina e obediência.

Ensinou, então, Ythalo Frota Loureiro(Princípios da hierarquia e disciplina aplicados às instituições militares, in Ius Navigandi):

“A hierarquia e da disciplina militares são princípios constitucionais de caráter fundamentalista, pois constituem a base das organizações militares. E como princípios fundamentalistas, condensam os valores militares, como o respeito à dignidade da pessoa humana, o patriotismo, o civismo, o profissionalismo, a lealdade, a constância, a verdade real, a honra, a honestidade e a coragem. São princípios que pretendem dar máxima eficácia às instituições militares, pois é inconteste que a hierarquia e a disciplina militares conferem melhor eficiência às instituições que lidam com o controle da violência. Para Martins, a disciplina militar é o que se pode denominar de "disciplina qualificada" se tomada em relação à disciplina exigida de servidores não militares, já que detentora de institutos próprios, "com a imposição de comportamentos absolutamente afinados aos imperativos da autoridade, do serviço e dos deveres militares, o que em regra não se exige do serviço público civil" (1996: 24).

O que melhor expressa a diferença entre a disciplina dos servidores civis a dos servidores militares, para Martins, é o rigorismo (1996: 24), que deve não ser confundido com autoritarismo. O rigorismo é a rigidez no cumprimento eficiente dos misteres militares. Não significa que a disciplina deve ser utilizada como método de incutir temeridade na tropa. A disciplina deve ser utilizada como uma forma de comando, visando corrigir o militar e redireciona-lo nos mesmos objetivos da corporação, que é dar máxima eficiência ao controle da violência e garantir a justiça, a dignidade da pessoa humana e as liberdades individuais e coletivas. Como bem ressaltou Martins, "só quando a autoridade disciplinar impõe a sanção administrativa com o comedimento necessário, obedecendo o due process of law, e objetivando a reeducação do subordinado é que os laços de disciplina se reforçam e a credibilidade do comando aumenta." (1996: 33).

A interpretação dos princípios da hierarquia e da disciplina militares se faz através de sua concretização, tendo em consideração a aceitação das práticas disciplinares pelos militares comandados e as divisões funcionais entre as instituições militares no Estado. Como ensina Diniz, "a interpretação constitucional, portanto, não é subsunção, mas concretização", revelando que o conteúdo da norma interpretada se dá através da interpretação. (2002: 261). A disciplina militar somente é auferida quando é desencadeado o processo que leva a sanção ou absolvição do militar infrator. Importante frisar que para alcançar a disciplina, necessário que o procedimento administrativo obedeça todos os trâmites legais, garantidos ao militar acusado seus direitos constitucionais, inclusive de ser defendido por advogado e ter oportunidade de produzir provas. Sem estas condições, a punição só contribui para a indisciplina, para conspiração, para a revolta e o descrédito do comando. Também devem ser consideradas as vivências dos militares de tal sorte que a aplicação da punição tenha eficiência corretiva. Ou seja, é necessária que a punição seja razoável e suficiente para a infração disciplinar cometida. Para tanto, deve-se meditar sobre as funções que as diferentes instituições militares exercem e consideradas suas vivências.”

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Poderá ele dizer que agiu porque cumpriu ordens que lhe foram determinadas, como militar, pelo chefe das Forças Armadas, o presidente da República.

Poderá dizer que cumpriu ordens, rigorosamente, por cumprir o princípio da obediência.

Gustav Radbruch, que se insere no último surto renascentista do Direito Natural, contra o antigo dogma da unidade do Direito, que recebera de Karl Bergbohm sua expressão positiva definitiva, passou a admitir, como relatou Arnaldo Vasconcelos (Teoria da Norma Jurídica, 5ª edição, páginas 251 e 252), a existência de “leis que não são Direito”, por conterem injustiça, e de “Direito por cima das Leis”, assim compreendidos os chamados direitos humanos. Desse modo, renega o lema segundo o qual “antes de tudo se há de cumprir as leis”.

Para Carl Schmitt (Legalidad y Legitimidad, pág. 162 a 163) tudo se restringiria a uma questão de legitimidade.

Volto-me às lições de Kelsen, pois, precisamente, através da invocação de sua teoria, o advogado que atuou em defesa do regime de Hitler, junto ao Tribunal de Nuremberg, fundamentou sua tese sobre a validade jurídica dos atos praticados pelo ditador deposto. Disse ele: carece de sentido a afirmação de que no desportismo não existe uma ordem jurídica e só impera o capricho do désposta... o Estado mais despótico constitui uma ordem de conduta humana. .E essa ordem é, justamente, a ordem jurídica. Negar-lhe o caráter, constitui uma ingenuidade ou uma presunção jusnaturalista.” Após asseverar que aqui o que se chama de arbítrio déspota nada mais representa do que a possibilidade jurídica de rever suas decisões normativas, Kelsen arrematou o argumento com o trecho que o advogado de defesa achou por bem desconhecer, mas que tem fundamental importância no contexto de seu pensamento. Nessa passagem, disse o seguinte: “Este Estado é um Estado de Direito, ainda quando se lhe julgue inconveniente e prejudicial”.(Teoría General del Estado, pág. 426).

Mas, o formalismo jurídico, como disse Arnaldo Vasconcelos (obra citada, pág. 253), tem um equívoco por não estabelecer a cisão entre as instâncias da validade e de valor. O Direito carece de valor.

Com o devido respeito, Kelsen confundia legalidade com legitimidade.

Norberto Bobbio (El Problema del Positivismo Jurídico, páginas 52 e 54) afirmou que a teoria da obediência fora predicada, com igual energia, tanto pelo positivismo jurídico como pelas formulações jusnaturalistas tradicionais. Distinguem-se em que, enquanto os adeptos do Direito Natural possuem uma teoria de resistência, para opor ao arbítrio em casos extremos, os positivistas dela têm prescindido, pelo menos como afirmação doutrinária. Além dessa diferença, evidencia também que “o erro de certo positivo jurídico consiste em haver elevado a ideologia da obediência a valor absoluto”, no esquecimento de que a obrigação moral de obedecer às leis positivas independe de postulações doutrinárias. Funda-se ela, antes, na verificação histórica “de que nenhuma ordem jurídica pode sustentar-se confiando unicamente em uma obediência baseada no temor da sanção”.

Disse bem Arnaldo Vasconcelos (obra citada, pág. 255), de que a legalidade para impor-se, não dispensa o atendimento ás instâncias metaempíricas e suprapositivas do valor.

A legalidade e a legitimidade se alicerçam num consenso social, como já dizia Luis Diez Picazo (Experiências Jurídicas e a Teoria do Direito, pág. 192)

A Legitimidade que impõe junto com a legalidade o direito se dá, não pelo medo de ser punido, sancionado, mas pelo consenso social.

Na órbita militar, tudo se insere na órbita do rigorismo. O rigorismo é a rigidez no cumprimento eficiente dos misteres militares e isso basta dentro daquilo que foi convencionado.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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