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Da possibilidade jurídica do pedido no processo penal

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No exercício do direito de ação, o autor da demanda faz dois pedidos: um imediato, contra o Estado, requerendo a prestação jurisdicional; outro, mediato, contra o réu, requerendo sua condenação. O pedido imediato sempre é possível: mesmo quando o juiz rejeita a denúncia ou a queixa, ele aplica o Direito ao caso concreto. Assim, a impossibilidade jurídica do pedido só pode se referir a seu aspecto mediato.

De todas as condições da ação, esta é a mais controversa [1]. Não há unanimidade na doutrina a respeito da sua abrangência, natureza ou mesmo sua existência.

De acordo com Afrânio Silva Jardim, a possibilidade jurídica do pedido é a "possibilidade de o juiz pronunciar, em tese, a decisão invocada pelo autor, tendo em vista o que dispõe a ordem jurídica de forma abstrata" [2]. No processo civil, o pedido é, em regra, possível e só perderá essa qualidade se o ordenamento jurídico proibi-lo. Já no processo penal, o pedido só dera possível quando a providência pleiteada for admissível, em tese, no ordenamento jurídico. "É que a condenação só é viável quando o ordenamento contiver expressamente a previsão da conduta típica" [3].

Porém, se o mérito consiste no pedido, uma decisão que o declarasse impossível, não estaria, na verdade, apreciando o mérito? A doutrina se divide a esse respeito: o próprio Liebman, idealizador das condições da ação, acabou por retirar de sua obra (Manual de Direito Processual Civil) a referência à possibilidade jurídica do pedido, considerando que se trata, na verdade, de uma decisão de mérito. A respeito da existência dessa distinção temos a seguinte decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Antonio Cezar Peluso, proferida quando era juiz do 2º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo:

"A distinção, se houver, está apenas no grau de evidência da inexistência do direito. Enquanto, nas demais hipóteses, o reconhecimento da ausência do direito material depende de apreciação [ao] menos sumária da falta de fundamento fáticos ou jurídicos, exigindo oportunidade de dilação probatória ou, pelo menos, de instauração do contraditório, e os casos de impossibilidade jurídica do pedido assoalham tão patente inexistência do direito material, assentada em categóricos preceitos, quase sempre enunciados em proposições negativas, que o ordenamento jurídico lhes autoriza a decretação liminar, no átrio do processo". [4] (CPP, art. 43, I) (itálico no original)

Além disso, a possibilidade jurídica do pedido, a despeito de prevista como condição autônoma da ação pelo Código de Processo Civil, confunde-se com o interesse de agir. Nesse sentido, quem aciona o Judiciário em busca de algo juridicamente impossível com certeza não tem interesse de agir, pois o provimento jurisdicional será de todo inútil.

Outra crítica a essa condição da ação se refere à sua denominação: possibilidade jurídica do pedido. A causa de pedir, ou seja, o fato no qual se funda a demanda, também pode estar ausente. Nesse caso, não só o pedido é impossível, mas toda a demanda. Por isso é que autores como Dinamarco, Greco Filho e Freitas Câmara preferem a expressam "possibilidade jurídica da demanda".

De acordo com a maior parte da doutrina, a impossibilidade jurídica da demanda consiste na atipicidade ou na licitude do fato pelo qual o réu é acusado, ou seja, na ausência da causa de pedir próxima [5] (CPP, art. 43, I). Alguns autores também reconhecem a inexistência dessa condição da ação nos casos de extinção da punibilidade (CPP, art. 43, II). Porém, Ada Pellegrini Grinover não reconhece essas hipóteses de impossibilidade jurídica do pedido. De acordo com ela:

"Pode-se observar, porém, que a tipicidade é matéria de mérito (art. 386, III, do CPP), de modo que sua ausência, reconhecida preambularmente, equivale a um julgamento antecipado da lide, precluindo, pela coisa julgada, a reapresentação do pedido".

"O mesmo se dá com a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107 do CP: se esta já existir a sentença deverá declará-la e será inequivocadamente decisão de mérito" [6].

Outros autores, como Marcellus Polastri Lima, José Barcellos de Souza e Frederico Marques consideram que, no processo penal, é inevitável a análise superficial do mérito quando se verifica a existência das condições da ação. A diferença entre a impossibilidade jurídica do pedido e a sentença absolutória estaria, como nas palavras do Ministro Peluso, "apenas no grau de evidência da inexistência do direito".

Acreditamos ser mais pertinente a posição anterior, sob pena de se criar uma desnecessária confusão entre o mérito da causa, isto é, a solução da controvérsia posta em juízo, e as condições da ação. Portanto, quando o juiz rejeita denúncia por inexistência do crime (art. 43, I, do CPP) ou por extinção da punibilidade (art. 43, II, do CPP) [7] ele estará realizando um julgamento imediato do mérito (ou julgamento antecipado da lide, de acordo com o art. 330 do CPC), que ocorre "nas hipóteses em que o prosseguimento do feito se revele desnecessário, o que se dá pelo fato de que todos os elementos de que precise para a apreciação do objeto já se encontrarem nos autos" (itálico no original) [8].

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Com base nessas considerações, Ada Pellegrini Grinover coloca que, no processo penal [9], a impossibilidade jurídica do pedido se refere às hipóteses de requisitos não satisfeitos para o exercício da ação. Esses requisitos são exatamente as denominadas condições de procedibilidade, como a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça nas ações penais públicas condicionadas e a autorização, pelo Legislativo, da instauração de processo por crime de responsabilidade do Presidente da República [10].


Notas

  1. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Volume 1, p. 504.
  2. In Ação penal pública – Princípio da obrigatoriedade, p. 32 apud LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal, Volume 1, p. 199.
  3. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para a ação penal. Doutrina e jurisprudência, p. 182-183.
  4. ALVIM, Eduardo Arruda, op. cit, p. 159.
  5. De acordo com Rogério Lauria Tucci, causa de pedir é a "fundamentação fática e jurídica do pedido, ou seja, da expressão conjugada do fato constitutivo da relação de direito material em que repousa a solicitação do autor [causa de pedir próxima] com o fato de que se origina o interesse de agir [causa de pedir remota]" in Teoria do Direito Processual Penal. Jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático), p. 88.
  6. As nulidades no processo penal, p. 78-79.
  7. Ressalte-se que a teoria das condições da ação foi criada por Liebman depois da edição do CPP, não havendo sentido em tentar enquadrá-la, à força, em seu art. 43.
  8. Alexandre Freitas Câmara, op. cit, p. 358.
  9. Na esfera processual civil, temos a opinião de "Thereza Arruda Alvim Wambier, verificando que o conceito de possibilidade jurídica é de difícil assimilação, e... que ‘a tendência mais moderna parece ser a de não considerar a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação’..." in FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação. Enfoque sobre o interesse de agir, p. 111.
  10. Op. cit, p. 79.
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Sobre o autor
Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar

procurador do Banco Central do Brasil em Brasília (DF), especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade Paulista (Unip) e nos cursos preparatórios Objetivo e Pró-Cursos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Da possibilidade jurídica do pedido no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1207, 21 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9067. Acesso em: 22 dez. 2024.

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