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O papel do ombusdman no direito brasileiro

23/10/2006 às 00:00
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1. Introdução

          Ombusdsman ou Justitieombudsman – instituição criada na Suécia, significa Delegado do Parlamento para fiscalizar atos da administração. Seu início remonta ao século XVI, tendo sido consagrado pela Constituição sueca de 1809, que, através do ombudsman, admitiu a todos os cidadãos o direito de reclamar contra atos de funcionários do rei, inclusive juízes.

          Hoje, é instituição identificada com a proteção dos direitos individuais e constitui influência dos ideais da burguesia revolucionária francesa na Suécia, país onde o feudalismo, apesar do relativo enfraquecimento da monarquia e da nobreza, perdurou ainda por muitos anos após 1809 (com a deposição do rei Gustavo IV e da convocação de uma assembléia nacional constituinte).

          Nas últimas décadas, o ombudsman difundiu-se nas democracias ocidentais de cunho liberal, atraídas por suas peculiaridades, por sua atuação pouco formal, porque foge à clássica divisão montesquiana dos três poderes.

          Pode-se destacar, como funções relevantes do ombudsman[1]:

  • Sendo uma instituição intrinsecamente democrática, constitui-se numa das possíveis vias de intermediação entre o cidadão e o Estado;
  • Monitorando o impacto da burocracia governamental sobre o público, estreita os laços com o cidadão;
  • Humaniza a ação do governo, limitando eventuais excessos de burocracia.

          O reconhecimento dos direitos humanos básicos, particularmente após o flagelo das duas guerras mundiais do século XX, encontra na instituição do ombudsman uma das faces mais visíveis de sua materialização. Sua concepção vai ao encontro do moderno ideário liberal que continua centrado na liberdade, na conquista e na ampliação das franquias individuais, extrapolando a proteção meramente jurídica do cidadão, estendendo-se a outras formas de garantias igualmente fundamentais.


2. O ombudsman sueco

          O ombudsman sueco é eleito pelo Riksdag (Parlamento), por uma comissão constitucional encarregado de escolhê-lo e eleita pelos parlamentares. O rei não pode interferir na escolha, que deve recair sobre um jurisconsulto de notório saber e de integridade particular.

          Possui um mandado de quatro anos, revogável a qualquer tempo por decisão do Parlamento. Todavia, possui um amplo grau de autonomia em relação a este último, podendo agir de ofício ou mediante provocação de um particular para a averiguação de irregularidades ou abusos praticados pela administração.

          Tendo em vista a diminuta função dos ministérios dentro do governo sueco, cabe somente ao rei o controle sobre os ministros, podendo o ombudsman exercer o controle sobre os juízes e os funcionários do Reino. Em sua função, deve apresentar um relatório anual ao Parlamento, no qual apontará as falhas da administração, o estado da administração da justiça no país, indicando soluções para sua eventual correção. Em anexo, é formulada uma lista negra dos maus funcionários do reino e as respectivas faltas cometidas.

          Qualquer particular, inclusive crianças, poderá apresentar queixa ao ombudsman, que deverá investigar sempre que considere a matéria relevante. O ombudsman pode apreciar qualquer matéria, exceto aquelas consideradas pela Comissão Constitucional como de segurança nacional em matéria militar.

          Para que consiga uma correta instrução de sua investigação, o ombudsman deverá ter livre acesso a todos os documentos e arquivos do Estado. Após a investigação, pode o ombudsman:

  • Acusar judicialmente o funcionário investigado;
  • Fazer-lhe recomendação direta;
  • Fazer-lhe recomendações ou sugestões para a realização de um melhor serviço, sem nenhum caráter sancionador;
  • Sugerir mudanças de normas ao governo, a fim da adequá-las a eventuais direitos reconhecidos pelo ombudsman.

          Na Suécia, além do ombudsman para a administração civil, existe o ombudsman para assuntos militares e judiciários, o ombudsman dos consumidores, o ombudsman para a liberdade econômica e o ombudsman da imprensa.


3. O ombudsman dinamarquês

          O ombudsman é eleito pelo Folketing (Parlamento), a cada nova eleição legislativa, podendo ser destituído a qualquer momento se deixar de merecer a sua confiança. Todavia, isto não implica nenhum tipo de submissão do ombudsman ao Parlamento, sendo garantido pelo direito dinamarquês total independência do ombudsman em relação ao Folketing e ao governo.

          Desse modo, não pode o Folketing impor ao ombudsman nenhum tipo de inquérito ou mesmo impedi-lo de examinar qualquer assunto que lhe desperte interesse. O ombudsman dinamarquês também está obrigado a emitir relatório anual de suas atividades, identificando os casos de maior interesse para o Parlamento e propondo alterações na legislação e preenchimento das lacunas da lei.

          O ombudsman não é competente para fiscalizar a atividade do Parlamento, princípio que se estende a todos os seus membros. Também não pode apreciar matéria relativa à atividade administrativa dos órgãos judiciários.

          Possui a faculdade de agir de ofício sempre que considerar que determinado assunto administrativo seja de interesse. Além disso, qualquer particular pode formular queixa ao ombudsman, no prazo de um ano do fato ocorrido ou da última decisão administrativa.

          As funções do ombudsman são:

  • Se entender que um ministro ou ex-ministro haja incorrido em responsabilidade civil ou penal, pode apresentar recomendação ao Folketing para que seja processado;
  • Quando entender que qualquer outra pessoa sob sua fiscalização deve responder por falta criminal, pode ordenar à autoridade acusadora que realize investigação preliminar ou que acuse essa pessoa perante os tribunais;
  • Quando considerar que há razões suficientes para iniciar procedimentos disciplinares, pode ordenar às autoridades administrativas competentes que iniciem tais procedimentos contra os serviços públicos;
  • Pode fazer conhecer suas opiniões à pessoa a qual se destinar a queixa apresentada.

4. O ombudsman português

          Chamado "provedor de justiça", é um órgão público independente, eleito pela Assembléia da República, com garantias de independência, inamovibilidade e imunidade.

          Pode atuar de ofício ou mediante recebimento de queixas contra qualquer funcionário da administração pública, visando à correção dos erros e atos administrativos ilegais e a melhoria dos serviços. Tem ainda a atribuição anual de prestar informações à Assembléia.

          Os poderes de apreciação do provedor de justiça foram restringidos à atividade administrativa (incluindo a administração militar), porém não lhe cabe somente a defesa da legalidade, mas também providenciar e reparar injustiças praticadas por ilegalidade, parcialidade ou má-administração.


5. O ombudsman espanhol

          O defensor do povo é designado pelas Cortes (Parlamento), para um mandado de quatro anos, podendo ser destituído mediante manifestação de três quintos de cada Câmara. É eleito indiretamente, pois sua escolha é feita pela Comissão Especial para o defensor do povo, sendo necessário também que a pessoa indicada consiga aprovação de três quintos do Congresso pleno.

          Cabe a ele controlar toda a administração pública e "entes públicos personificados", inclusive o militar, excetuando-se o Comando de Defesa Nacional. Além disso, embora a magistratura encontre-se fora do controle do ombudsman, os juízes administrativos poderão ser objeto de sua fiscalização.

          O defensor pode sempre agir de ofício ou mediante provocação de "pessoa natural ou jurídica que invoque interesse legítimo". Ao receber a queixa, deverá comunicá-la à autoridade incriminada para que se defenda. Finalizando o procedimento, o defensor buscará a revisão do ato, se considerar que o reclamante possui razão, ou determinará seu arquivamento, por razões infundadas.


6. Principais características do ombudsman

          Como pode ser observado, em todos os casos o ombudsman:

    • É eleito direta ou indiretamente pelo Parlamento ou Congresso;
    • Possui mandado por tempo determinado;
    • Tem como função fiscalizar as atividades da administração (variando sua amplitude para cada país);
    • Possui a obrigação de emitir relatório anual sobre suas atividades, com suas críticas e sugestões;
    • Recebe queixas ou reclamações de qualquer pessoa, dando início, deste modo, a investigações de atos da administração.

          Segundo definição de Laguardia, o ombudsman ou defensor do povo "ouve queixas apresentadas pelo público, sem formalidades especiais, contra a atividade defeituosa ou injusta da administração. Suas faculdades limitam-se à investigação, à crítica, à recomendação e à publicidade de sua atividade, que não tem caráter jurisdicional. Nesse sentido, suas resoluções não obrigam os funcionários e não chegam a produzir anulações ou revogação dos atos das autoridades administrativas."[2]

          Algumas desvantagens do ombudsman, que foram constatadas em alguns países:

  • Politização do ombudsman, que era escolhido pelo Legislativo de acordo com a vontade do Executivo;
  • Ineficiência de suas ações, tendo em vista a falta de coercitividade de suas decisões;
  • A impossibilidade de possuir um quadro efetivo de funcionários, para não impedir o trabalho do ombudsman, mas que acaba por limitar o número e a qualificação das pessoas do quadro do ombudsman.

7. O caso do Brasil

          No Brasil, a instituição do ombudsman foi descartada durante os trabalhos constituintes porque o Ministério Público pleiteou e ocupou o espaço que se abriu para a criação de órgãos fiscalizadores do Estado, na defesa dos interesses da sociedade. A partir da década de 80, o Ministério Público veio acumulando atribuições que lhe permitiram, na constituinte de 1987-1988, reivindicar também o papel de ombudsman.

          Esta opção constitucional levou a uma judicialização de conflitos que, na idéia tradicional de ombudsman, receberiam tratamento político ou administrativo. Ou seja, a utilização de um órgão do sistema de justiça – o Ministério Público – como defensor do povo teve o efeito de canalizar as demandas contra a administração e outras relativas a direitos coletivos para o Judiciário, com as vantagens e desvantagens daí decorrentes.

          Por um lado, a Constituição Federal de 1988 parece ter apostado na idéia de que a fiscalização do poder público e a realização de direitos difusos ou coletivos teriam mais chances de se efetivar caso fossem deslocadas do sistema político stricto sensu para o sistema de justiça, em função do grau elevado de institucionalização do Ministério Público e do Judiciário no Brasil, da aparente neutralidade política destes órgãos e, principalmente, pela capacidade de fazer cumprir suas requisições e sentenças, como órgãos que partilham da força coercitiva monopolizada pelo Estado.

          Todavia, as referidas vantagens do Judiciário converteram-se em obstáculos à efetividade das ações almejadas pelos próprios integrantes do Ministério Público. A lentidão do método judiciário e os parcos resultados processuais das ações coletivas comprometeram decisivamente o êxito do novo modelo constitucional e têm levado o Ministério Público a privilegiar a fase pré-processual: procedimento administrativo, inquérito civil e termo de ajustamento de conduta.

          Como afirma Rogério Arantes[3]:

          "O paradoxo das conseqüências gerado pela evolução do modelo de 1988 é que o hoje o Ministério Público tenta evitar o quanto pode a arena judiciária e, por essa via torta, aproxima-se da figura do ombudsman tradicional ao supervalorizar sua atuação em sede administrativa. Todavia, restam diferenças fundamentais entre os dois sistemas: o Ministério Público exerce parcela significativa do poder coercitivo do Estado, mesmo na fase pré-processual ou dita administrativa; o ombudsman não tem tanto poder. Ele é, na maioria dos casos, designado pelo Legislativo e tem geralmente mandado fixo, numa fórmula que combina independência e controle políticos; o Ministério Público não está submetido a mecanismo externo de controle, é instituição permanente e seus membros gozam de vitaliciedade."

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8. Principais características do Ministério Público

          Como bem afirma a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 127: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."

          Entre as suas funções podemos destacar:

  • Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
  • Promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
  • Expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los.

          Assumindo, portanto, as funções do ombudsman no Brasil, o Ministério Público apresenta, em nossa opinião, as seguintes vantagens:

  • Força coercitiva das decisões proferidas nas suas investigações, seja em sua fase administrativa ou judicial;
  • Membros escolhidos por concurso, não havendo, assim, qualquer ligação com os outros poderes, ao contrário do ombudsman, que é escolhido pelo Legislativo;
  • Instituição presente em todo o país e com maior possibilidade de atender a grande população, até pelas distâncias geográficas do Brasil.

          Há, todavia, desvantagens para esta solução. Como apontava Capelletti, a semelhança com o juiz faz do promotor um agente incapaz de apresentar o dinamismo que a defesa judicial dos direitos supraindividuais requer. Além disso, sua ligação histórica com o Poder Executivo o desqualifica para a proteção de interesses que muitas vezes são lesados pelos próprios órgãos políticos e administrativos do Estado. Por último, falta ao Ministério Público recursos humanos e materiais para representar e defender adequadamente os interesses civis com relação a fenômenos sociais e econômicos de grande complexidade [4].


9. Conclusão

          Diante das vantagens e desvantagens apresentadas por cada instituto, e diante do pouco aprofundamento da aluna com relação ao tema, é difícil escolher qual opção seria a mais adequada para o Brasil.

          A idéia do ombudsman é realmente muito interessante e possui significativas vantagens com relação ao Ministério Público, todavia, diante do sistema político existente entre nós, considero muito provável a possibilidade de "captura" do ombudsman pela Administração, devido à influência do Executivo sobre o Legislativo.

          Todavia, com os problemas que enfrentamos no Brasil, a impossibilidade do Ministério Público e também do Tribunal de Contas em enfrentar e solucionar todos os problemas que seriam atribuição do ombudsman, nos leva a acreditar que o sistema adotado pela Constituição Federal de 1988 não é suficiente para assegurar a democracia e os direitos dos cidadãos.

          Diante disso, entendo ser importante a criação de uma função como a do ombudsman ou defensor do povo, ainda que sem a diminuição das funções do Ministério Público, para aumentar a participação da sociedade civil na solução destes problemas, diminuir a burocracia estatal e possibilitar uma melhor fiscalização dos atos administrativos.


Notas

          1. Conforme Marcos J. T. do Amaral Filho, O Ombudsman e o Controle da Administração, São Paulo, Edusp: Ícone, 1993.

          2. Jorge Mário Garcia Laguardia, Os defensores do povo e os direitos humanos na América latina, citado por Rogério Bastos Arantes, em Ministério público e política no Brasil, São Paulo, EDUC: Fapesp, 2000.

          3. Rogério Bastos Arantes, em Ministério público e política no Brasil, São Paulo, EDUC: Fapesp, 2000.

          4. Mauro Capeletti, Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil, citado por Rogério Bastos Arantes, em Ministério público e política no Brasil, São Paulo, EDUC: Fapesp, 2000.


          Bibliografia

          Amaral Filho, Marcos Jordão Teixeira. O Ombudsman e o Controle da Administração, São Paulo: Edusp: Ícone, 1993.

          Arantes, Rogério Bastos. Ministério Público e Política no Brasil, São Paulo, EDUC: Fapesp, 2002.

          Araújo, Luiz Alberto David e Nunes Júnior, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2001.

          Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14a Ed., São Paulo: Atlas, 2002.

          Guerra Filho, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição, São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000.

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Sobre a autora
Juliana Almenara Andaku

advogada em São Paulo (SP), mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDAKU, Juliana Almenara. O papel do ombusdman no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1209, 23 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9077. Acesso em: 5 nov. 2024.

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