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O julgamento do "meritum causæ" pelo juízo "ad quem"

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24/10/2006 às 00:00
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4. EXAME DA ADMISSIBILIDADE E DO MÉRITO DA APELAÇÃO PELO TRIBUNAL

No âmbito da apelação, em paralelo ao que ocorre com a ação, é necessário se verificar o preenchimento dos requisitos do ato processual e seus fundamentos. Prejudicialmente deve-se examinar se o recurso interposto tem condições de ser julgado, analisando-se sua pertinência, legitimidade, além do atendimento às exigências impostas pelo processo.

No caso específico da apelação, no juízo de admissibilidade se objetiva examinar os pressupostos recursais, associados às condições da ação e aos pressupostos processuais, sendo que aqueles são reflexos destes no segundo grau de jurisdição.[78]

Se o juízo de admissibilidade for negativo, o recurso não é conhecido, mantendo-se, desta forma, a decisão recorrida, passando a surtir os efeitos que eventualmente estivessem suspensos.

Sendo positivo o juízo de admissibilidade, segue-se adiante, julgando-se o mérito recursal. Deve ser ressaltado que o juízo de admissibilidade e o de mérito da apelação são absolutamente independentes; aquele antecede a este, pois não se poderia julgar o mérito do recurso que não possui condições de sê-lo.

No sistema brasileiro atual, tal juízo de admissibilidade é feito tanto pelo órgão a quo como pelo ad quem, sendo que aquele primeiro não é definitivo e nem vincula o segundo. Da decisão do juízo a quo que não conhece do recurso resulta que ele nem mesmo é remetido ao órgão destinatário, daí que a parte prejudicada deve recorrer de tal decisão a fim de ter seu recurso destrancado, sob pena de ver transitada em julgado a decisão que visava ver impugnada.

4.1 Conhecimento do recurso

No juízo de admissibilidade, analisam-se pressupostos subjetivos (legitimidade e interesse para recorrer) e objetivos (cabimento, tempestividade, preparo, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer).[79]

Somente se justifica a interposição de recurso por quem, de alguma forma, sofre um gravame com a decisão prolatada. Destarte, é possível que o sucumbente (seja total ou parcial) apele, assim como a parte de processo de jurisdição não-contenciosa também pode apelar da sentença homologatória se houver algum vício a ser impugnado ou se houve alguma outra decisão gravosa além da homologação. Também tem legitimidade para recorrer o terceiro que vier a sofrer prejuízo com a decisão, além do próprio Ministério Público, mesmo que tenha atuado apenas como custus legis. Deve-se analisar também a necessidade e a adequação da via eleita, é dizer, a utilidade do novo provimento. Assim, o réu que foi beneficiado com a extinção do processo sem julgamento do mérito tem interesse em recorrer a fim de ver decretada a improcedência daquela, julgando-se o mérito e formando-se coisa julgada material.

É necessário que o recurso interposto seja o apropriado para o fim que se objetiva, isto é, reformar ou anular a decisão impugnada. No caso específico da apelação, já vimos que é cabível face decisões que põem fim ao processo.[80]

Não se admite recurso de quem renuncia ao direito de recorrer (CPC 502) ou aceita a sentença de forma expressa ou tácita (CPC 503), pois tais comportamentos são incompatíveis com a vontade de recorrer. De forma similar, se o recorrente desiste do recurso interposto (CPC 501), não há nem que se falar em apreciação da peça, cessando-se o processamento do recurso, pois o recurso torna-se inexistente. É importante ressaltar que, assim como a impugnação, também a desistência pode ser parcial, desde que cindíveis os pedidos.[81]

Também não é admitido o recurso interposto após esgotado o prazo para recorrer. O prazo de interposição de apelação – que no sistema atual, via de regra, é de 15 dias – flui a contar da ciência da decisão, podendo ser suspenso por inúmeros motivos (CPC 179; 180; 538; ...). À Fazenda e ao Ministério Público conta-se em dobro o prazo para recorrer (CPC 188), assim como quando os litisconsortes tiverem procuradores diferentes (CPC 191) e também para o defensor público ou quem exerça cargo equivalente (LAJ 5º, §5º; Lei Complementar 80/94, art. 128, I)[82].

O ato processual deve também estar de acordo com os preceitos formais prescritos pela lei processual (CPC 514). O recurso deve ser interposto por escrito, através de petição dirigida ao próprio órgão judicial que proferiu a sentença, contendo nome e qualificação das partes, fundamentos de fato e de direito e pedido de nova decisão.

Como derradeiro pressuposto temos o preparo recursal (CPC 511), que são as custas devidas ao Estado, relativas ao processamento do recurso. Não comprovado o recolhimento, via de regra, resultará na deserção do recurso, que não será conhecido, determinando-se o trânsito em julgado da decisão recorrida.[83]

O juízo negativo de admissibilidade proferido pelo órgão ad quem tem por efeito programado encerrar o procedimento recursal sem a apreciação do mérito, sendo que tal não ocorrerá somente pela interposição de outro recurso, seja de natureza ordinária ou extraordinária. Não sendo conhecido o recurso, a decisão impugnada permanece intacta. Diz-se que a decisão que nega conhecimento do recurso é declarativa negativa de ter mesmo havido recurso.[84] Não havendo novo recurso que leve à apreciação do mérito deste primeiro, consuma-se o fenômeno da preclusão sobre aquele ato que havia sido impugnado, ocorrendo a coisa julgada.

4.2 Exame do mérito recursal

Uma vez proferido juízo de admissibilidade positivo e, portanto, conhecido o recurso, consuma-se por completo o efeito devolutivo deste, devendo o órgão ad quem decidir o recurso pelo mérito, pronunciando a existência ou não do defeito apontado pelo recorrente no ato judicial recorrido.[85] Em outras palavras, passa-se ao exame do mérito recursal, ou seja, o exame de suas razões e de seu pedido.

Conhecida a apelação, a decisão que reexaminar a matéria decidida irá substituir ou anular a decisão recorrida, nos termos do pedido. O mérito recursal sempre se confundirá com o da causa quando houver sido proferida decisão no juízo a quo e o recorrente pedir novo julgamento. Tal coincidência não ocorrerá quando, decido ou não o mérito, o recorrente pedir a anulação do julgado, e nem quando extinto sem julgamento de mérito o processo não preencher as condições para que o juízo ad quem julgue o mérito da causa.

Havendo o exame do mérito recursal, a decisão recorrida é rescindida, sendo retirada do mundo jurídico e tolhida de efeitos, impedindo-se que os produza ou cerceando-se os que estejam em curso de produção. Ressalte-se que tal efeito se dá por força de disposição legal (CPC 512), confirmando-se ou não a decisão recorrida, ou mesmo que seja determinado que novo julgamento seja proferido pelo juízo a quo.

Quando o acórdão se limita a decretar a nulidade da decisão recorrida, não há substituição, pois não há um novo julgamento para ocupar o lugar da decisão cassada. Ocorre, em geral, em decorrência de vícios formais. A anulação de um ato processual sempre resulta na sua repetição, daí que, em geral, deverá o juízo a quo proferir nova decisão. Nestes casos, o tribunal julga o mérito do pedido recursal, não adentrando no meritum causæ.

Ao analisar o mérito da causa, provendo ou mesmo desprovendo[86] o recurso, o acórdão substitui a decisão cassada. Com a publicação do acórdão este passa a ser o ato julgador da causa (ou incidente) e a responsabilidade por ele é do órgão julgador do recurso e não mais do juízo a quo. Assim, eventual novo recurso deverá ser interposto contra o acórdão e não contra a decisão cassada e esvaziada de eficácia. Se nenhum recurso for interposto, é o acórdão que será imunizado pela preclusão e, eventualmente, pela coisa julgada material, e não o ato decisório inferior, já previamente retirado do mundo jurídico pelo julgamento superior.[87]


5. PRESSUPOSTOS PARA APLICAÇÃO DO §3º, DO ART. 515

Com a introdução do §3º no art. 515, do CPC, passou a existir permissivo legal expresso autorizador do julgamento do meritum causæ pelo tribunal ad quem mesmo quando o juízo a quo não o tenha feito.

Quanto ao vocábulo ‘poder’ utilizado no texto legal, doutrina avalizada tem entendido se tratar na verdade de um dever do órgão jurisdicional, tendo o significado de ‘competência’ ou ‘poder para atuar’, desde que presentes as condições para se julgar o processo no estado.[88] Porém, há de se entender que este poder não é completamente arbitrário, estando submetido às regras do art. 2º, do CPC (princípio da demanda) e do próprio 515, caput, do mesmo diploma legal (efeito devolutivo da apelação), pois o magistrado está limitado a decidir a lide nos limites daquilo que lhe foi proposto.[89]

Já em relação à utilização da partícula ‘e’ ("questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento"), é de se entender que não possui função aditiva, mas antes alternativa, tal como é utilizada, por exemplo, no art. 475, I, do CPC. Não se vê necessidade alguma em cumular simultaneamente ambas condições para se dar acesso ao julgamento do meritum causæ, pois, em ambos os casos, de seu exame pode ser desde logo obtido o resultado.[90]

Anteriormente a esta inovação legislativa, a posição dominante da jurisprudência vinha sendo a de não permitir o julgamento da questão de fundo pelo tribunal quando este afastasse a improcedência por questão anterior ao mérito.[91]

Agora a aplicação deste dispositivo se encontra em vias de pacificação,[92] restando apenas algumas trincheiras de entendimento contrário, embora se tenha a impressão de que a não aplicação desta norma se dá mais por desconhecimento da alteração legislativa do que efetivamente uma tomada de posição contra o texto legal, uma vez que nestas situações ele não é sequer mencionado.[93]

5.1 Extinção sem julgamento do mérito

No processo de conhecimento existem pressupostos gerais do provimento jurisdicional, que são os pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito[94] ou ainda de existência da relação jurídica processual[95]. Daí resulta a alternativa entre duas espécies de sentenças: a de mérito e a terminativa.[96] Esta determina a extinção do processo por falta de algum pressuposto, sendo proferida quando a outra não pode. A sentença de mérito tem como efeito pôr fim ao processo com o julgamento da pretensão do demandante, a pretensão a um bem da vida que foi levada ao órgão jurisdicional.[97]

Os pressupostos para o provimento sobre o mérito incluem requisitos referentes ao hipotético direito a obtê-lo (condições da ação), à iniciativa de parte (demanda), à capacidade e personalidade dos litigantes, à regularidade de todo o processo e procedimento etc..[98] Todos são preliminares ao julgamento do mérito e a ausência de qualquer um deles impede o seu proferimento, seja determinando a extinção do processo sem julgamento do mérito ou retardando-o mediante a exigência de certas providências corretivas. Em nosso sistema, os pressupostos estão agrupados em quatro grupos, quais sejam: 1) os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; 2) as condições da ação; 3) os requisitos de regularidade do processo mesmo, em sua concreta realização; e 4) a inexistência dos chamados pressupostos negativos extrínsecos ao processo, tais como litispendência, coisa julgada, etc..[99]

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5.1.1 Condições da ação

Falamos em condições da ação (CPC 267, VI) quando nos referimos: à possibilidade jurídica da demanda – pretensão[100] que exista em tese na ordem jurídica;[101]-[102] ao legítimo interesse de agir – a necessidade de recorrer ao Judiciário, utilizando a forma adequada; e à legitimidade ad causam – poder de demandar determinado objeto de determinado ente[103]. Tais requisitos são considerados como sendo prévios à própria instauração do processo e devem estar presentes já na propositura da ação, sob pena de indeferimento de plano da petição inicial. No entanto, não se infere automaticamente que existindo os três o autor tenha um direito concreto à sentença de mérito. Tal direito depende da implementação dos demais pressupostos processuais.[104]

Pontes de Miranda, defendendo posição contrária à letra da lei (CPC 267, VI), defende que a legitimação ad causam é questão de mérito, acrescentando que a falta de interesse na ação ou na defesa entra na mesma classe, arrematando que "quando se diz que alguém é carecedor de ação, também se decide mérito".[105] Tal posicionamento não se coaduna com o moderno entendimento que dá à ação autonomia em relação ao direito material; é melhor se entender que legitimados ao processo são os sujeitos da lide, os titulares dos interesses em conflito.[106] Também Arruda Alvim segue seu estudo pelo mesmo caminho de Pontes de Miranda, acrescentando que, ao decretar a impossibilidade jurídica do pedido, o magistrado estaria afirmando a inexistência do direito subjetivo do autor, julgando, portanto, o mérito.[107]-[108] Apesar de ainda ser um debate válido, perdeu-se muito do fim de tal discussão, uma vez que, de acordo com a redação do novo §3º, do art. 515, passou a ser expressamente permitido ao tribunal ad quem julgar o mérito em processo extinto sem o julgamento deste, pois que o objeto de se colocar tal ou qual fundamento como de mérito ou não se refere sobretudo ao entendimento adotado por parte da doutrina de que não havendo julgamento de mérito o órgão ad quem não poderia se manifestar sobre a questão.

5.1.2 Pressupostos processuais

Os pressupostos processuais são essenciais para que haja um processo viável, para que ele se forme de modo válido e regular, ou seja, que haja regularidade da propositura,[109] capacidade de demandante e demandado de estar em juízo[110]-[111] (CPC 267, IV). Ressalte-se que quando falamos em validade, já está superada a questão da existência da relação processual, pois esta precede àquela.

Alfredo Buzaid[112], não se aprofundando no estudo das questões retro levantadas, ensina que recusar o julgamento da lide (extinguir com base em questão preliminar) ou reconhecê-lo possível, não é ainda propriamente julgar, mas atividade que por si só nada tem de jurisdicional e somente adquire tal caráter por ser uma premissa necessária para o exercício da verdadeira jurisdição.

A falta de um pressuposto processual não leva necessariamente à extinção do processo, pois, dependendo do caso, pode haver uma regularização. O processo é extinto sem que se chegue a julgar o mérito quando faltar uma das condições da ação (CPC 267, VI). Também se extingue da mesma forma quando houver vício na petição inicial (CPC 267, I c/c 295), pela intercorrência de fatores externos incompatíveis com a demanda (CPC 267, V, VII, IX e X), quando o demandante desiste da ação, ou abandona o processo (CPC 267, II, III, VIII), etc..

5.1.3 As prejudiciais de mérito

Quando a sentença extingue o processo acatando tese de prescrição, perempção ou decadência, há julgamento do mérito da causa, pois concerne diretamente à existência do direito subjetivo ou da possibilidade de seu exercício; enquanto na extinção sem julgamento do mérito da causa, somente são apreciadas questões formais; daí se falar em coisa julgada formal ou em coisa julgada material, conforme o caso.

Assim, quando se apela de decisão que julga a ação improcedente por acolher tese de prescrição ou decadência, é entendimento majoritário da doutrina que os julgadores, afastando a matéria prejudicial, podem julgar o restante do mérito da causa em função do disposto no art. 515, §2º, do CPC, desde que em condições para julgamento.[113]

No mesmo sentido, inobstante a redação legal que restringe a aplicação do novo dispositivo objeto do presente estudo às causas julgadas extintas sem julgamento de mérito, Theodoro Júnior defende o entendimento de que, extinto com julgamento de questão de mérito, tal como prescrição, estando o processo devidamente instruído, poderá o julgador o órgão ad quem adentrar nas demais questões de mérito. O processualista mineiro argumenta que não haveria impedimento algum em fazê-lo, uma vez que o mérito (a prescrição ou a decadência) já tenha sido explorado no juízo a quo, podendo muito bem se prosseguir examinando as demais questões meritórias.[114]

Da mesma forma, nos casos em que o julgador de primeiro grau extingue a ação, declarando esta extinção como terminativa, mas sendo ela na verdade de mérito (as chamadas ‘falsas carências da ação’ e ‘falsas ilegitimidades ad causam’),[115] não há nem necessidade de se aplicar o dispositivo em estudo, pois, inobstante o nome dado, o mérito da causa foi julgado, não havendo óbice para que o juízo ad quem prossiga analisando as demais questões de mérito existentes.

5.2 Questão de direito

No novo §3º, do art. 515, do CPC, há uma limitação para o julgamento pelo órgão ad quem, restringindo o permissivo para os casos em que a causa verse exclusivamente sobre questão de direito, havendo um claro impedimento para qualquer caso em que haja questão de fato pendente, isto é, que dependa de produção de prova para que seja esclarecida.

É incontestável que o direito nasce dos fatos (ex facto oritur ius) e, portanto, não existe ponto que seja ‘exclusivamente de direito’. Sempre se tratará sobre uma matéria de direito aplicada a um caso concreto. Assim, poderá se falar em questão ‘exclusivamente de direito’ quando os fatos forem incontroversos, havendo divergência somente em relação à tese jurídica a ser aplicada.[116]

Apoiados no escol de Dinamarco, ao desenvolver os conceitos de Carnelutti e Menestrina, podemos obter uma melhor compreensão do texto legal. O mestre diferencia ponto de questão. Assim, as afirmações que as partes têm o ônus de fazer no processo, referem-se a fatos e a normas jurídicas, como pressupostos da demanda endereçada ao juiz. Cada afirmação constitui o que se chama ponto; cada ponto é um fundamento da demanda. Já questão é um ponto controvertido de fato ou de direito. Diz-se ainda que pontos são os precedentes lógicos da decisão; surgindo na mente do julgador uma dúvida sobre a verdade de uma circunstância de fato que deva ser examinada ex officio ou sobre a aplicabilidade da norma legal proposta, tem-se um quesito. Já questão, pressupõe a contestação de um ponto que haja sido proposto por uma das partes ao raciocínio do julgador. Em outras palavras, ponto é todo fundamento, enquanto questão é o fundamento entorno do qual surgiu dúvida. Quando a dúvida não surge, o ponto permanece como ponto mesmo e não se erige em questão (e voltamos aos fatos incontroversos a que nos referimos acima). Conclui-se que quanto aos pontos que permaneceram como tais, nada julga o juiz, ele simplesmente os aceita, independentemente de ter ou não formado convicção a respeito (CPC 302 e 319).[117] Destarte, quando o texto normativo diz "questão exclusivamente de direito", entendemos "ponto controvertido exclusivamente de direito".

Uma corrente significativa da doutrina[118] entende que este dispositivo também é aplicado quando houver questão de fato – correlacionando-se ao 330, I, do CPC (julgamento antecipado da lide) –, desde que seja incontroversa, notória ou que provada documentalmente tenha havido o devido contraditório. Ressalve-se que se não há controvérsia em relação ao fato, não chega a haver uma ‘questão’ propriamente dita. Desta forma se faz valer o télos da lei: a economia processual, impingindo-se maior celeridade à prestação jurisdicional.

Arruda Alvim segue este mesmo entendimento, ainda que de maneira reticente, ao interpretar o art. 515, § 3º à luz do art. 330, I. Diz que foi objetivo do legislador imprimir maior celeridade ao processo, não se determinando que o processo retorne ao primeiro grau quando possível o julgamento de mérito pelo tribunal. É dizer, mesmo que a questão não seja exclusivamente de direito, mas que as questões de fato sejam dirimíveis por uma cognição exauriente já existente, e nada mais obste o julgamento, nada impediria o julgamento pelo órgão ad quem.

Os que defendem que somente é aplicável este dispositivo quando for discutida questão estritamente de direito dizem que ao decidir se o processo está apto a receber decisão de mérito, com uma apreciação das provas apenas em segunda instância, vai de encontro ao entendimento de que aquele que as colhe possui melhores condições para a análise.[119] Dizem ainda que o texto legal é claro[120] e não admite equívocos interpretativos.[121] Porém, como já dito, este não parece ser o entendimento que aplica de modo mais completo o objetivo da lei, entendido como de combater a morosidade do andamento processual e evitar a existência de mais de uma apelação no mesmo processo.

5.3 Condições para julgamento

Ultrapassado o quesito anterior, resta analisar se o processo se encontra em condições para julgamento. Isto é, se o tribunal pode proceder imediatamente ao julgamento do mérito da causa.

O estabelecimento do contraditório é essencial, devendo ser assegurada a oportunidade do demandado rebater as questões de mérito para que o processo possa por fim ser considerado em condições para julgamento. Não basta que suscite a liminar e esta seja acolhida, deve ter havido oportunidade de se manifestar sobre o mérito, pois somente assim poderá o julgador se manifestar sobre tais questões, tendo o processo alcançado o momento adequado para o julgamento de mérito.

No ensinamento de Dinamarco, é frisado que, no Estado de direito, tem-se por indispensável fator legitimamente das decisões in fieri a participação de seus futuros destinatários, a quem se assegura a observância do procedimento adequado e capaz de oferecer-lhes reais oportunidades de influir efetivamente e de modo equilibrado no teor do ato imperativo que virá. Tal é considerado o primeiro significado da exigência democrática do contraditório; e trata-se de postulado que invade todo e qualquer processo, por força de suprema garantia constitucional (não somente o de jurisdição).[122]

Logo, se ainda não tiverem sido esclarecidas a questões de fato, ou for necessária a produção de provas ou a manifestação das partes quanto a estas, a causa não estará em condições para ser julgada, e deverá ser anulada a decisão impugnada, remetendo-se os autos ao juízo a quo, para que lá seja feita a instrução processual e prolatada nova sentença.[123]

No caso de indeferimento de plano da petição inicial (CPC 295), o tribunal ao afastar a preliminar não poderá analisar matéria de mérito, decidindo-a, pois inexistiria o contraditório, uma vez que nem mesmo foi dada oportunidade ao demandado de se manifestar no processo. Porém, há entendimento de que o juízo ad quem poderia adentrar na matéria de mérito e a julgar desde que o faça a favor do demandado, pois, nesse caso, a inexistência de contraditório não traria qualquer prejuízo ao réu, tal como no caso do juiz decretar ex officio a decadência ou a prescrição (CPC 219, §5º c/c 295, IV).[124] Tal posicionamento nos parece ser razoável somente na medida em que a produção de provas for desnecessária (tal como para a decretação de prescrição, etc.) ou manifestação expressa do autor de que não as utilizará, pois assim inexistiria prejuízo para qualquer das partes.

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Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. O julgamento do "meritum causæ" pelo juízo "ad quem". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1210, 24 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9078. Acesso em: 25 abr. 2024.

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