A princípio, convém assentar que a Constituição Federal da República Federativa do Brasil estatuiu, como garantia fundamental, o direito à plena observância da igualdade entre os cidadãos e entre estes e o Estado.
Logo em seu preâmbulo, assim dispõe:
"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."
A seguir, no Título II, dedicado aos Direitos e Garantias Fundamentais, no art. 5°, caput, reiterou:
"TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"
Portanto, ao menos perante a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
A verdade é que tal princípio se encontra espraiado por toda a Constituição Federal, seja por dispositivos onde é previsto expressamente, seja por outros onde se assegura o fim ou a redução das desigualdades (art. 3°, inciso III; art. 4°, inciso V; art. 7°, inciso XXXIV; art. 37, inciso XXI; art. 43, caput; art. 43, § 2°, inciso I; art. 165, § 7°; art. 170, inciso VII; art. 206, inciso I; art. 227, § 3°, inciso IV).
Todavia, a mesma Lei Fundamental, em seu art. 37, inciso XI, com a redação atribuída pela Emenda Constitucional nº 41/2003, passou a instituir uma gritante desigualdade, eis que, no âmbito de uma mesma esfera, à exceção da federal, onde o limite é o mesmo para os servidores de quaisquer dos três Poderes (os subsídios dos Ministros do STF), criou tetos diversos para aqueles dos Estados e Municípios. Convém conferir:
"Art 37. (...)
(...)
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)"
Depreende-se desse dispositivo constitucional, o qual mais se assemelha a uma colcha de retalhos, que, no âmbito estadual ou distrital, criaram-se quatro categorias de servidores, a saber:
1ª) servidores do Poder Executivo, com remuneração limitada ao subsídio do Governador;
2ª) servidores do Poder Legislativo, com remuneração limitada ao subsídio dos Deputados Estaduais;
3ª) servidores do Poder Judiciário, com remuneração limitada aos subsídios dos Desembargadores do Tribunal de Justiça; e
4ª) membros do Ministério Público, que não estão ligados diretamente a nenhum Poder, mas com estreitas relações com o Executivo, e os Procuradores e Defensores Públicos, estes sim, vinculados ao Poder Executivo, mas com limite idêntico ao do Poder Judiciário.
Vê-se, de plano, flagrante antinomia que se afere entre esse texto, que é fruto da atuação do Poder Constituinte Derivado, e o texto outorgado pelo Poder Constituinte Originário ínsito no inciso XII do mesmo art. 37, que assim dispõe:
"XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;"
Parece não dar ensejo a dúvidas a intelecção segundo a qual, se a Constituição Federal (texto original) assegura igualdade de vencimentos dos cargos dos três Poderes, não poderia, por emenda, como se fez, o legislador constituinte reformador dispor de forma adversa, criando odiosas desigualdades ao fixar limites remuneratórios diversos.
Pelo que se infere do art. 37, inciso XI, da CF/88, a remuneração dos cargos do Poder Judiciário é inquestionavelmente superior aos pagos pelo Poder Executivo, bastando verificar, por exemplo, que o Governador de Alagoas percebe subsídios fixados em R$11.500,00 (onze mil e quinhentos reais), enquanto os Desembargadores em torno R$22.000,00 (vinte e dois mil reais).
Assim, é fácil concluir que há flagrante conflito entre normas constitucionais, razão por que deve aquela estatuída pelo Poder Constituinte Derivado ceder em favor do Originário, que deve sempre prevalecer, segundo e melhor doutrina e a mais abalizada jurisprudência.
Entretanto, nada obstante o reprovável novel texto do inciso XI supratranscrito, fruto da indesejada Emenda Constitucional n° 41, de 2003, aquele Poder, observando o monstro que fecundou e pariu, como tentativa de amenizar os deletérios efeitos daquele ato, por conduto da Emenda n° 47, de 2005, que incluiu o § 12 no art. 37 da CF/88, teve o desvelo de FACULTAR ao Poder Constituinte Derivado dos Estados e do Distrito Federal a instituição do LIMITE ÚNICO, tendo como parâmetro os subsídios dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, e o fez nos seguintes e justos termos, verbis:
"§ 12. Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo, fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)"
Analisada a questão por outro ângulo, a limitação remuneratória é inconstitucional por si só, isto é, independentemente de toda a fundamentação até aqui deduzida, uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 37, inciso XV, expressamente assegura a IRREDUTIBILIDADE GLOBAL DE SUBSÍDIOS E VENCIMENTOS:
"Art. 37. (...)
(...)
XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;"
CONCLUSÃO
Em face de todo o exposto, notadamente em virtude dos princípios de envergadura constitucional da ISONOMIA e da IRREDUTIBILIDADE de vencimentos, vê-se que a Emenda Constitucional nº 41/2003 é claramente inconstitucional, ao menos no excerto em que impõe limites remuneratórios diversos para servidores de uma mesma pessoa de direito público, seja porque ofende ao princípio constitucional da irredutibilidade global ao decretar uma abrupta redução dos vencimentos na parte em que exceder o malsinado limite – ou teto constitucional –, seja porque permite que os vencimentos pagos pelo Estado ou Distrito Federal aos servidores do Poder Judiciário sejam superiores, e muito superiores, aos pagos àqueles do Poder Executivo e também do Poder Legislativo.