4) DEVERES ANEXOS OU LATERAIS
A boa- fé objetiva também é fonte das denominadas obrigações anexas ou laterais, também denominados deveres anexos. A doutrina os divide em três grupos a saber: deveres de lealdade e cooperação, deveres de proteção ou cuidado e deveres de informação ou esclarecimento.
Conforme antes referido, o enfoque a ser conferido ao contrato não mais é aquele que tem em perspectiva o interesse exclusivamente individual. Também como já mencionado, é hoje inegável que contrato repercute indiretamente também em relação a terceiros. Disto decorre que deve ser aplicado o princípio da eficácia dos contratos, de forma que se busque sempre a solução que permita a validade e eficácia da relação negocial, preservando-a. Em função disso, cumpre as partes cooperarem na busca deste desiderato, cientes de que é a manutenção da avença que, em linha de princípio melhor atende aos seus interesses, e permite que os objetivos secundários do contrato na distribuição de riquezas sejam alcançados.
Diante desta constatação, cumpre as partes colaborarem em auxílio mútuo para que a o contrato atinja sua finalidade, ainda que, eventualmente, tenham um, ou mesmo os dois lados, de ceder, de fazer concessões tendo em mira a razoabilidade e a proporcionalidade.
O dever de proteção e cuidado dirige-se imediatamente ao objeto da prestação, mas a ele não se limita, incidindo também em relação aos próprios contratantes.
Por fim, há o dever de esclarecimento e informação, que pode ser invocado ainda que a hipótese não se amolde ao artigo 147, pois a informação a respeito do objeto da prestação ou da forma como esta se executará é elemento imprescindível para que o contratante possa fiscalizar o cumprimento da avença.
A violação dos deveres anexos caracteriza a quebra positiva do contrato, ou seja, o chamado "adimplemento ruim", que é fonte de obrigação, embora não contamine a validade do contrato.
5- CONCLUSÕES
O direito civil passa por uma reformulação de sua matriz, objetivando adaptar seu conteúdo a uma nova realidade social e jurídica. Esta reformulação perpassa pela constitucionalização do direito civil. Daí não se deve extrair, contrario sensu, a ilação de que o direito civil estivesse à margem da Constituição.
Como cediço, todo o arcabouço legislativo infraconstitucional encontra fundamento de validade na Constituição, e o direito civil, ou mesmo o direito privado, não refoge a esta premissa. O que se quer dizer com a constitucionalização do direito civil é que este ramo da ciência jurídica passa a ter sua disciplina conduzida pelo prisma da preocupação em dar concretude e efetividade aos valores constitucionais. No atual momento, a influência destes valores no âmbito do direito civil tem por conseqüência a inserção de uma perspectiva publicista, permeada pela ética e pela consideração das repercussões múltiplas dos atos negociais no estame social.
Especificamente na área das obrigações e especialmente na disciplina dos contratos, a aplicação do princípio da boa-fé objetiva representa uma das mais visíveis manifestações desta constitucionalização, derrogando, por vezes, o princípio da ampla liberdade contratual que ancestralmente norteou o regramento dos contratos.
A doutrina e a jurisprudência criaram e sedimentaram institutos através dos quais a boa-fé objetiva encontra sistematização e aplicação efetiva. Infelizmente, tais institutos não são tratados com a freqüência e profundidade que deveriam nos meios jurídicos.
Foi objetivo do presente trabalho, sem pretensões maiores, exatamente trazer à lume estes institutos e tecer algumas considerações sobre eles. É preciso que não olvidemos sua importância, pois é certo que sua aplicação será cada vez mais comum, e é dever do jurista estar atento do seu tempo.
NOTAS
- A propósito, ver o meu "Conhecendo o novo Código Civil". Série completa (3 partes). Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 826, 7 out. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7234>
- Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2a edição, Editora revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 910.
- Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, Leis Civis Comentadas, Editora revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, p. 213.
- Novo Código Civil Comentado, Coordenador Ricadro Fiuza. 1aedição, 8a tiragem, Editora Saraiva, São Paulo, 2003, p. 374.
- Julgado em 19/07/2005.
- Código Civil Anotado, 3a edição, editora Saraiva, São Paulo, 1997, p. 108.
- Agravo de Instrumento nº 70010323012, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, julgado em 22/11/2004.
- Diretrizes Teóricas do novo CC brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 217-219.
- Apelação Cível nº 70003607231, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Armando Bezerra Campos, Julgado em 18/10/2002.
- Apelação Cível nº 70005342332, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Helena Ruppenthal Cunha, Julgado em 14/05/2003. No mesmo diapasão: Apelação Cível nº 70001911684, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 04/12/2000.
- Da Boa Fé no Direito Civil, Livraria Almedina: Coimbra, 1984, v. II, p. 821/822
- Nery Júnior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 236.
- A boa-fé no Direito privado: Sistema e Tópica no Processo Obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 469
- Julgado em 09/08/2006.
- Julgado em 28/03/2006.
- Julgado em 13/12/2005.