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Teoria dos motivos determinantes:

um ensaio sobre criminologia aplicada

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29/10/2006 às 00:00
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3 ANÁLISE DOS DIVERSOS MOTIVOS DETERMINANTES

           Dos embates doutrinários travados pelas diversas escolas criminológicas surgiram três alinhamentos básicos que buscavam definir quais seriam os motivos determinantes do aparecimento do impulso delituoso no indivíduo. Assim, vieram à luz os modelos biológicos, psicológicos e sociológicos.

           Aqueles que se enfileiravam entre os modelos biológicos de explicação do impulso criminoso, tinham em mira principalmente o chamado homem delinqüente, tão bem descrito por Cesare Lombroso, como sendo aquele que traz em si alguma anomalia morfo-fisiológica que lhe acarreta a incapacidade de portar-se de acordo com o que se espera de um indivíduo dito normal, fazendo com que tenha natural predisposição para a prática criminosa. Conforme observam Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina, para os partidários desse corrente, a conduta delitiva é "entendida como conseqüência de alguma patologia, disfunção ou transtorno orgânico" (Gomes; Molina, 1997, p. 175)

           Por outro lado, as correntes que seguem orientações de cunho psicológico enxergam na conduta delituosa uma conseqüência de processos psíquicos anormais, resultantes de transtornos no mundo das idéias do transgressor, que o tornam incapaz de possuir comportamento socialmente adequado. Dizem, ainda, os partidários desta corrente que tais anomalias psíquicas tanto podem advir de um nato desequilíbrio mental, quanto de efeitos, por assim dizer, colaterais de experiências emocionais mal sucedidas no passado remoto do indivíduo.

           Por fim, os modelos de cunho sociológico buscam o entendimento do homem no meio social em que está inserido pois, para os que levantam esta bandeira, o fato delitivo deve ser entendido como fato social, devendo os seu estudo contemplar os diversos aspectos do contexto social do indivíduo, tais como qualidade de vida, influências culturais, relacionamento etc. (Gomes; Molina, op., cit., p. 176).

           É para discorrer a sobre esses três modelos de análise dos motivos determinantes da prática delituosa que se escreverão as linhas adiante.

           3.1 Os Motivos Biológicos

           No âmbito deste trabalho, importa analisar a relação dos processos de ordem biológica com as violações ao ordenamento jurídico, em especial no que diz respeito ao direito penal.

           Por primeiro, é dever observar-se que constitui importante página do estudo da biologia aquilo que se convencionou chamar de instinto de conservação, ou tendência à auto-afirmação.

           Presente em todos os seres vivos, essa característica se define pela natural e primitiva tendência de o ser vivo permanecer em seu estado existente, de manter-se vivo, quando ameaçado de modificação desse estado por uma força qualquer.

           Nessa batalha pela sobrevivência, o ser vivo se utiliza dos mecanismos de que dispõe para fazer cessar a atuação das forças, externas ou internas, que lhe ameaçam a existência.

           Para nós da espécie humana, tal instinto de preservação adquire importância diferenciada, uma vez que o homem é única espécie que, agrupando-se em sociedade, tem capacidade de criar regras para gerir a vida dessa sociedade.

           Ocorre que, às vezes, as regras construídas pelo homem e sua sociedade, divergem das noções instintivas que temos sobre as regras naturais ou as desconsideram.

           Assim, poder-se-ia dizer que, quando um homem reage a uma agressão que lhe está sendo perpetrada vindo a matar o agressor, está ele, antes de tudo, sendo impelido por um motivo de ordem biológica, consubstanciado no instinto de auto-preservação comum a todos os seres vivos.

           Mas também poder-se-ia dizer que ele estaria cometendo um fato juridicamente relevante e, mais que isso, juridicamente proibido, já que, segundo as regras editadas pelo direito penal, matar alguém configura crime de homicídio.

           Interessante notar que, outras vezes, o ordenamento jurídico reconhece a relevância dos motivos da auto-preservação, fazendo surgir regras especiais que excluem a incidência das penalidades da lei sobre aqueles que assim agiram. São as excludentes de ilicitude, que, em nosso direito, atendem pelos nomes de legítima defesa e estado de necessidade[9].

           De outro lado, ocorrem a todo momento no interior dos organismos vivos incontáveis processos destinados à manutenção da vida, levados a efeito por células, órgãos e sistemas que trabalham incessantemente.

           Processos como respiração, digestão, circulação sangüínea e outros, quando interrompidos ou em mal funcionamento, fazem aparecer no indivíduo o instinto auto-preservacionista que o impele na busca de uma solução para afastar o perigo que o ameaça.

           Ocorre que, por vezes, a consecução desta solução, pode conter algo de antijurídico.

           Sob essa ótica, é possível, por exemplo, que um indivíduo que esteja já há vários dias sem se alimentar, venha a cometer um furto contra um supermercado, unicamente para saciar a fome que lhe esvaece as entranhas.

           Aliás, esta hipótese, conhecida como furto famélico, encontra grande acolhida entre a doutrina e a jurisprudência brasileiras. Registre-se, a título de exemplo, o seguinte julgado:

           FURTO - ESTADO DE NECESSIDADE - PROVA.APELAÇÃO CRIMINAL - CERCEAMENTO DE DEFESA MEDIANTE SUA DEFICIÊNCIA - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO CONCRETO E EFETIVO PARA O RÉU - APLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 532 DO STF E ARTS. 566 E 572, INC. II, AMBOS DO CPP - ABSOLVIÇÃO - POSSIBILIDADE - CARACTERIZAÇÃO DE FURTO FAMÉLICO EIS QUE O ACUSADO SUBTRAIU 1 SUÍNO NO INTUITO DE SACIAR FOME SUA E DO CO-AUTOR MENOR - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - ´RES DELICTA´ NO VALOR DE POUCO MAIS DA DÉCIMA PARTE DO SALÁRIO MÍNIMO - APELAÇÃO PROVIDA - Inexistindo o auferimento de vantagem ilícita, sendo a res delicta de pouco valor, utilizada para saciar a fome do apelante, tem-se a caracterização do furto famélico, e de conseqüência, a absolvição por atipicidade da conduta´. Por unanimidade de votos, deram provimento.[10]

           Como se vê, novamente o ordenamento jurídico deu acolhida à questão dos motivos de ordem biológica, reconhecendo a sua importância, e livrando aqueles que agem impelidos pelo instinto da auto-preservação da aplicação das disciplinas penais.

           Percebe-se que todo organismo vivo encerra dentro de si um conjunto de medidas instintivamente aplicadas que se destinam à conservação de seu estado de ser vivo, decorrente do equilíbrio orgânico. Essas medidas, quando concretizadas por atuações no mundo exterior, podem, conforme o caso, caracterizar infrações ao ordenamento jurídico posto, especialmente no que respeita à legislação penal.

           Conforme anota João Alfredo Medeiros Vieira:

           a ruptura do equilíbrio orgânico se faz sentir no nível psicológico como um estado de mal-estar. É uma necessidade vivida que cria, às vezes, um estado de inquietação e agitação até que o comportamento chegue a um resultado satisfatório.[11]

           3.1.2 Os métodos

           Para os modernos postulados criminológicos baseados em modelos de cunho biológico, o ponto chave está em, a partir de uma análise, em sentido biológico, de cada caso concreto, poder ministrar orientações que conduzam a uma política criminal mais acertada, tanto do ponto de vista individual, quanto do ponto de vista geral.

           Essas novas concepções representam grandes avanços no campo da moderna criminologia, que tem agora, um enfoque muito mais científico. Dentre as principais áreas de investigação biológica, podemos citar:

           a) Antropometria

           Apesar de sua origem ligada à teoria lombrosiana do delinqüente nato, que supunha uma correlação entre as formas e medidas corporais e a delinqüência, é adotada em todo o mundo pelos diversos órgãos responsáveis pelo sistema de segurança pública, como forma de se proceder à identificação do criminoso.

           Consiste a antropometria num sistema que afere e analisa as medidas das principais partes do corpo do criminoso, tais como cabeça, braços, dedos etc. anotando-se tais dados como estratégia para fácil identificação do criminoso, caso esse viesse a subtrair-se da aplicação da lei penal, aliando-se atualmente a outras técnicas mais modernas.

           b) Antropologia

           A antropologia criminal tem como postulado básico a noção de que existiria um tipo humano inferior, degenerado, evolutivamente atrasado, e com carga genética essencialmente diferente dos demais. Nessa concepção, o indivíduo delinqüente é naturalmente inferior ao indivíduo não-deliqüênte.

           Interessante notar que esta teoria foi fundada com base em sólidas análises estatísticas, baseadas na "observação direta dos indivíduos delinqüentes, deduzindo uma suposta normalidade ou anormalidade do indivíduo com base nas características morfo-fisiológicas detectadas". (Gomes; Molina, op. cit., p. 180.)

           c) Biotipologia

           Servindo-se a ao estudo do tipo humano, a biotipologia investiga a existência de alguma correlação entre as caraterísticas físicas do indivíduo e o seu comportamento.

           Igualmente fundada em avaliações estatísticas, a biotipologia analisa a predisposição de certos tipos de indivíduos, de determinada constituição física, para a prática de determinados tipos de delitos.

           d) Neurofisiologia

           O avanço tecnológico que permitiu a invenção do eletroencefalograma permitiu igualmente demonstrar a existência de uma correlação entre anomalias cerebrais e a conduta humana.

           A análise dos padrões gráficos emitidos pelo eletroencefalógrafo permitiu aos teóricos observar que certos tipos de delitos são mais comumente praticados por indivíduos com determinado padrão de atividade elétrica cerebral, o que deixa entrever a tese de que a conduta delituosa estaria ligada a enfermidades ou disfunções neurológicas.

           A partir da análise de casos concretos, os estudiosos procuraram aferir a veracidade de tal assertiva, supondo que:

           muitos dos denominados crimes violentos sem motivo aparente vinculam-se a anomalias cerebrais graves que só podem ser detectadas pelo EEG e que passariam despercebidas em um exame clínico; em segundo lugar, que existe uma determinada conexão entre concretos fatos delitivos cometidos por jovens, produto de personalidades imaturas, e singulares disfunções cerebrais.[12]

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           Interessante notar, quanto à última tese apontada, a sua acolhida por parte do legislador penal brasileiro, que adotou o critério bio-psicológico para a fixação da maioridade penal aos dezoito anos de idade[13].

           e) Endocrinologia

           É possível que, partindo-se da análise do funcionamento do sistema endócrino, se trace uma relação entre o atuar humano criminoso e eventuais falhas ou interrupções na produção de certos hormônios, dada a sua conexão com o sistema nervoso.

           É fato que a atividade hormonal tem grande influência no temperamento e no caráter do indivíduo, uma vez que esta rege todo o processo anímico humano, mas uma análise do comportamento humano em geral e, em especial o delitivo, com base exclusivamente endocrinológica estaria condenada ao fracasso, já que "grande é o número de pessoas portadoras de distúrbios hormonais que não comete atos delitivos, assim como também é grande o número de criminosos que são saudáveis do ponto de vista endocrinológico". (Gomes; Molina, op. cit., p. 199-200)

           f) Genética Criminal

           Talvez seja o campo de pesquisa mais ligado às idéias de Cesare Lombroso e seus seguidores, uma vez que tem como meta verificar como os fatores hereditários contribuem para despertar no indivíduo a sanha criminosa.

           A genética criminal se dedica basicamente ao estudos dos diversos fenômenos criminais ligados a questões hereditárias, tais como famílias com descendentes delinqüentes, irmãos gêmeos, adoção e má formação cromossômica.

           3.2 Os Motivos Psicológicos

           Ramo da ciência que se dedica ao estudo do comportamento humano, a psicologia será aproveitada neste trabalho especificamente do ponto de vista criminológico: é possível encontrarem-se os motivos determinantes do delito a partir de uma análise do conjunto de caracteres psicológicos do indivíduo?

           Como ciência que analisa o comportamento humano, a psicologia se presta ao estudo da estrutura, do nascimento e do desenvolvimento da conduta criminosa, bem como dos diversos fatores que nela interferem.

           Ao falar-se em psicologia criminal, o primeiro pensamento que vem à mente faria supor, sem maiores dificuldades, que o indivíduo criminoso é privado, total ou parcialmente, de suas faculdades mentais, sendo acometido por "algum tipo de patologia que o torna distinto do homem são e honesto e da explicação do crime como conseqüência desta patologia." (Gomes; Molina, op. cit., p. 225).

           É preciso, antes de tudo, dizer que não é possível afirmar que todo criminoso seja louco, ou que todo louco seja criminoso. O que se deve ter em mente é que anormalidades na formação da personalidade do indivíduo podem determinar nele a prática de certos atos juridicamente repudiados, sem implicar, necessariamente, uma relação de causa e efeito entre um fato e outro.

           Pode-se analisar a questão sob três ângulos diferentes: do ponto de vista psicanalítico, do ponto de vista psiquiátrico e do ponto de vista da psicologia criminal.

           a) Psicanálise

           A psicanálise tem como características marcantes a divisão da estrutura psíquica do indivíduo em partes distintas com diferentes graus de subjetividade e a concentração de todas as características e conflitos concernentes à personalidade em torno da obtenção do prazer sexual.

           Segundo esta teoria, "todos os atos do ser humano, inclusive os delituosos, são originados nas relações desses diversos graus de subjetividade em busca do prazer, constituindo respostas substitutivas ou simbólicas que direta ou indiretamente expressam a realidade do inconsciente". (Gomes; Molina, op. cit., p. 216-217).

           Entende-se o comportamento criminoso como sendo, então, o produto de experiências mal sucedidas vividas pelo indivíduo nos primeiros anos de sua vida, oriundas das repressões e traumas sofridos na sua instintiva busca pelo prazer.

           Tais experiências, após longos anos aprisionadas no inconsciente, eclodem. Geralmente sob a forma de patologias psíquicas e comportamentos socialmente inadequados, dentre os quais a prática de atos de natureza delitiva.

           Tais postulados, entretanto, acham-se atualmente superados, já que os teóricos da moderna psicanálise preferem dar ao crime uma outra explicação. Para eles, o fato delituoso cometido por determinado indivíduo é apenas e tão somente a conseqüência de uma defeituosa apropriação por parte deste das normas que regem o convívio social.

           b) Psiquiatria

           A psiquiatria tem como função precípua determinar, a partir da análise de cada caso concreto, o aspecto do comportamento ou faculdade do indivíduo que se acha alterada e o impacto que essa alteração causa em sua personalidade.

           c) Psicologia Criminal

           Estudando as diversas maneiras pelas quais a personalidade humana se manifesta e como ela interage no meio social, a psicologia criminal conseguiu elaborar alguns modelos na tentativa de encontrar explicação para o atuar criminoso. São eles: os modelos biológico-condutuais, os da aprendizagem social, os do desenvolvimento moral e os modelos dos traços variáreis de personalidade.

           Para os teóricos do modelo biológico-condutual a razão de ser do crime está no fato de que, para alguns indivíduos, existe uma certa dificuldade em reprimir os desejos internos que levam à prática de determinadas condutas consideradas social e juridicamente inaceitáveis.

           Seria o caso, por exemplo, das pessoas portadoras do distúrbio conhecido como cleptomania, as quais sentem um impulso forte e persistente que as leva à prática do furto, mesmo quando não haja qualquer motivo econômico. Ou ainda o caso do assassino em série que, movido por um impulso irresistível, não consegue refrear seu desejo de fazer uma nova vítima[14].

           Segundo esse modelo, o indivíduo não aprende a delinqüir, mas, em última análise, ele apenas não aprende a não delinqüir.

           Por outro lado, as correntes que defendem o modelo da aprendizagem social sustentam que o comportamento delitivo é apreendido e aprendido por meio de um processo baseado na observação e imitação dos padrões comportamentais das pessoas que compõem o convívio social do delinqüente. Este pensamento é bastante aproximado de algumas teorias sociológicas do crime.

           Sustenta-se, então, diferentemente de Cesare Lombroso e de Henrique Ferri, que o indivíduo não é naturalmente criminoso, mas torna-se criminoso em razão do meio que o cerca.

           De outra forma, as teorias baseadas no modelo do desenvolvimento moral atribuem o atuar criminoso do indivíduo a sua singular maneira de apropriar-se dos fatos que ocorrem a sua volta, formando a sua personalidade de maneira diferenciada.

           Acredita-se que a maneira como o indivíduo interioriza e organiza suas convicções e impressões em torno das leis e dos regramentos sociais pode gerar comportamentos delitivos. Seria o caso, por exemplo, de quem pratica determinado delito fiado na certeza da impunidade, em razão da dificuldade do aparato judiciário por-se em marcha para puni-lo.

           Por fim, de acordo com a teoria dos traços variáreis da personalidade, há certas características da personalidade, tais como extroversão, impulsividade, autocontrole etc. que se relacionam mais com a prática de determinadas espécies de delito, o que induz o pensamento a imaginar a existência de uma possível ligação entre esses elementos caraterísticos da personalidade e uma maior ou menor tendência à prática delituosa.

           3.3 Os Motivos Sociais

           Diferentemente do que se observa nas linhas escritas acima, a sociologia criminal procura a reposta para a motivação criminosa não mais no indivíduo singularmente considerado, mas no conjunto social que o cerca e influencia, direta ou indiretamente.

           Mas não é só: o principal enfoque deste entendimento está em que o crime é agora concebido como um fato social que deve ser analisado e explicado à luz de teorias pertinentes.

           Por isso, o panorama da sociologia criminal apresenta-se como vasta coletânea de posicionamentos doutrinários, dos quais os principais serão expostos nas linhas a seguir:

           a) Teorias Multifatoriais

           Analisando basicamente a questão da delinqüência juvenil, os idealizadores desta corrente foram capazes de, a partir da observação e análise de determinados fatos e dados, identificar a existência de condições variáveis de indivíduo para indivíduo que potencialmente dariam origem a um comportamento delituoso.

           Tomado determinado grupo de jovens infratores, passa-se a uma análise de sua estrutura social, coletando-se dados tais como condição econômica e social da família, convivência escolar, ausência de entes-queridos etc.

           b) Teoria ecológica

           O ponto fundamental da teoria ecológica consiste na existência de um clara relação entre a formação de grandes centros urbanos e a ocorrência de altos índices de criminalidade, criando-se o que convencionou chamar-se de criminalidade urbana.

           Para os partidários desta teoria "o aumento da violência urbana contra as pessoas e contra o patrimônio em toda a sua ascendência, da ação culposa ao dolo, desenha bem o perfil do criminoso urbano, violento, lábil". (Carvalho, 2000, p. 205)

           Um índice tão elevado de incidência criminal, dizem, só pode se dar em razão da desorganização da estrutura social dos grandes centros, favorecida pelo desmantelamento das denominadas comunidades primárias, como família, amigos etc., além da derrocada de valores morais como respeito, amizade e cordialidade.

           Ademais, a marginalização de grandes contingentes populacionais que se vêem privados dos bens de vida disponíveis à parcela mais abastada da população, além da "tentadora proximidade às áreas comerciais e industriais onde se acumula a riqueza e o citado enfraquecimento do controle social criam um meio desorganizado e criminógeno". (Gomes; Molina, op. cit., p. 246).

           c) Teorias Estrutural-funcionalistas

           Para os teóricos desta corrente de pensamento, os delitos constituem um comportamento normal e passível de ser praticado por qualquer pessoa que seja membro de uma determinada comunidade estrutura com base em regras de conduta.

           Com efeito, para aqueles que participam deste entendimento, o delito não é fruto do atuar de um sujeito anormal, e nem mesmo produto de uma sociedade mal organizada. Constitui, apenas e tão somente, o reverso da moeda, que assim seria representada, de um lado, pelo atuar não criminoso, e de outro, pela ação delituosa.

           Acolhe-se, então, o delito como sendo um fato normal da vida em sociedade, caracterizada por transgressões e não-transgressões ao ordenamento imposto pelo contexto social.

           Conclui-se, portanto, que para a teoria estrutural-funcionalista "uma determinada quantidade de crimes forma parte integrante de uma sociedade sã" (Durkheim, apud Gomes; Molina, op. cit., p. 253).

           d) Teorias do conflito

           Segundo os postulados dessa corrente, o crime caracteriza-se como uma expressão dos conflitos existentes no meio social, refletindo os dinâmicos processos de mudança e acomodação que ocorrem no interior da sociedade.

           Nesse ponto de vista, o crime representa uma tentativa de subversão da ordem jurídica imposta pelas classes dominantes aos grupos que, embora mais numerosos, não detém o poder de promover as alterações sociais que julgam necessárias pelos meios convencionais.

           e) Teorias Subculturais

           Para as chamadas teorias subculturais a conduta delitiva se origina em razão do caráter diversificado da estrutura social, que é formada por variados grupos com interesses e valores diferenciados e, até mesmo, discordantes.

           Ocorre que, em meio a essa diversidade social, nem sempre os valores e interesses de todos os grupos se coadunam com os valores e interesses oficialmente estabelecidos pelos grupos dominantes, como presumivelmente aceitos por toda a sociedade. E mais, é possível que todos os grupos tenham valores e interesses divergentes entre si.

           Tais fatores fazem surgir a necessidade de que cada grupo busque fazer valer os seus interesses frente aos oficialmente impostos e também frente aos interesses dos outros grupos sociais com que rivalizam.

           A partir desse contexto, surge, então, o crime, como expressão dos interesses e valores desses diversos grupos que compõem o mosaico social.

           f) Teorias da Aprendizagem Social

           Segundo os teóricos desta cartilha, os atos delituosos, por constituírem atos da vida humana, são normalmente aprendidos pelos indivíduos assim como os atos não delituosos, em função das diversas experiências sociais que ocorrem ao longo da vida.

           Sob esse aspecto, afirma-se que as reações do indivíduo são condicionadas, ou influenciadas, constantemente pelas reações daqueles que integram seu meio social. Para dizer em outras palavras, observando as reações das pessoas que estão à sua volta, o indivíduo passa a agir de igual maneira, refletindo, à maneira de um espelho, as condutas do meio social pelo qual está envolto.

           Assim, não se pode afirmar que o crime seja produto de uma anormalidade qualquer, seja física ou psíquica, mas sim de um processo natural de aprendizagem baseado no contexto social.

           Desta maneira entende-se ser o crime nada mais que "um comportamento ou hábito adquirido, isto é, uma resposta a situações reais que o sujeito aprende". (Gomes; Molina, op. cit., p. 279)

           g) Teorias do Controle Social

           Interessante a idéia que sugerem estas teorias: para elas, todos os indivíduos componentes de determinado ordenamento social organizado e juridicamente regulado encerram dentro de si a potencial violação desse ordenamento, mas são impedidos de fazê-los pela atuação de mecanismos de controle estrategicamente preparados para impedir tal violação. Quando algum desses mecanismos falha, o instinto criminoso, se é que assim se pode chamá-lo, vem à tona e faz com que o indivíduo cometa o delito.

           Apesar de extremamente interessante a tese, não está ela imune a críticas. Isso porque, se todos os indivíduos de um determinado ordenamento social são criminosos em potencial, por que razão não se convertem todos eles em criminosos efetivos, mas apenas alguns deles?

           h) Teorias do Etiquetamento

           Aqueles que ostentam a bandeira do etiquetamento social, vêem o crime como produto de uma sociedade marginalizante e excludente, na qual aqueles que cometem atos delituosos são rotulados como socialmente inferiores e, por conseqüência, excluídos das benesses a que fazem jus os ditos cidadãos honestos.

           Para ela, o indivíduo se converte em delinqüente não porque tenha realizado uma conduta negativa, senão porque determinadas instituições sociais etiquetaram-lhe como tal, tendo ele assumido referido status de delinqüente que as instituições do controle social distribuem de forma seletiva e discriminatória.[15]

           O enfoque principal desta corrente está na relação existente entre o crime e a reação que ele provoca no meio social. Com isso busca-se entender a prática delituosa como o produto de um interação social que acaba por selecionar e definir determinados indivíduos ou classes de indivíduos como criminosos. Tais indivíduos constituem a chamada clientela do sistema penal.

           Constitui, então, esse sistema, uma espécie de instrumento de controle usado pelas classes dominantes como forma legal e legítima de subjugar as menos favorecidas.

           Entende-se, sob esse ponto de vista, que a conduta humana é decisivamente influenciada pelos processos de interação social, sendo que o indivíduo tem de si a imagem que os outros fazem dele. Por essa razão, a natureza delitiva de uma conduta praticada por esse indivíduo não se encontra na conduta em si, e muito menos na pessoa de quem a pratica, mas na valorização que a sociedade confere a ela.

           Dessa maneira, criminalidade, em essência não existe, mas é criada pelo controle social imposto pelas instâncias oficiais, tais como a polícia e os juizes que "não detectam ou declaram o caráter delitivo de um comportamento, senão que o geram ou produzem ao etiquetá-lo". (Gomes; Molina, op. cit., p. 293)

           Ocorre que, esse etiquetamento obedece a um padrão altamente discriminatório e seletivo. Estudos e pesquisas estatísticas, levados a efeito junto à população carcerária, comprovam que a clientela do sistema penal é composta, em sua ampla maioria, por pessoas de baixo padrão social[16].

           Por fim, cumpre observar que para os defensores da teoria do etiquetamento, o sistema penal opera na contra-mão de seus pretensos objetivos, fazendo com que, ao invés de reduzirem-se os índices de criminalidade em razão da aplicação concreta da resposta penal, estes na verdade sejam aumentados.

           Isto porque, uma vez aplicada sobre o indivíduo a etiqueta social que o identifica como criminoso, será ele lançado a um círculo vicioso, onde a estigmatização e a discriminação por parte da sociedade farão com que ele assuma nova imagem de si mesmo, passando a enxergar-se como delinqüente e a agir como tal. Na prática, isso implica em anularem-se os pretendidos efeitos pedagógicos da pena.

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Sobre o autor
Cédio Pereira Lima Júnior

advogado, assessor jurídico do Município de Guaraciama (MG), procurador do Município de Montes Claros (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, Cédio Pereira. Teoria dos motivos determinantes:: um ensaio sobre criminologia aplicada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1215, 29 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9097. Acesso em: 23 dez. 2024.

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