Ao iniciar este artigo, peço a devida vênia aos leitores para (re)lembrar dois fatos que são truísmos - ao menos para o autor destas linhas -, os quais, infelizmente, não são dados a devida importância nos dias atuais: 1º.)o empregado é um ser humano e, enquanto tal, não pode ser lesado em seu patrimônio material ou imaterial, aí incluindo a sua imagem e honra, tanto pessoais, quanto profissionais; 2º.)os nossos magistrados e cortes trabalhistas não estão, via de regra, acostumados a lidar com os eventuais ilícitos penais que ocorrem nas relações laborais e, nessa medida, não conferem a devida importância, sobretudo no âmbito social e pessoal, à ocorrência dos ilícitos penais que eventualmente chegam ao seu conhecimento quando do julgamento das ações postas sob a sua apreciação.
O fato da Justiça do Trabalho não ser competente, pelo menos até a presente data, para conhecer e julgar os crimes ocorridos no decorrer da relação laboral não exime em absoluto o juiz e/ou o tribunal trabalhista, em verificando a existência de indícios da materialidade desse ou daquele crime contra a honra do empregado, de dar imediata ciência do mesmo ao Ministério Público para as providências que entender de direito. (1) Isto porque tal situação, não raro, vem acoplada com outros ilícitos penais e, via de regra, violações a direitos trabalhistas capitulados na legislação consolidada e legislação correlata.
No cotidiano das relações laborais o empregado se vê, não raro, ultrajado pelo empregador ou pelos respectivos prepostos mediante a emissão de injúrias verbais ou escritas sem qualquer fundamento, injúrias essas muitas vezes praticadas na frente de outros empregados ou mesmo na presença de clientes da empresa.
O empregado tem o sagrado direito de ser tratado com urbanidade por seus colegas de trabalho e pelo empregador e, neste diapasão, a sujeição dos trabalhadores a insultos ou a escárnios de toda ordem por parte dos prepostos da empresa ou pelo próprio empregador é fato a merecer o mais veemente repúdio da Justiça do Trabalho e particularmente entendo que tal situação, a par de resultar na possibilidade do obreiro pleitear rescisão indireta do contrato de trabalho, a teor do artigo 483, "e", da CLT, constitui, salvo melhor juízo, crime tipificado no artigo 140 do vestuto Código Penal.
Ressalte-se que o principal patrimônio do empregado, em termos profissionais stricto sensu, é o seu conceito adquirido perante o mercado de trabalho, conceito esse desenvolvido, não raro, com muito sacrifício ao longo de muitos anos e, neste sentido, não pode o empregado se sujeitar a ver a sua imagem profissional ser maculada por injúrias que, regra geral, não tem qualquer fundamento fático.
Com fulcro na escorreita doutrina, importa lembrar que o crime de injúria sujeita-se, via de regra, à ação pública condicionada (art. 145 do Código Penal vigente). A ação em epígrafe, deve ser ajuizada perante a Justiça Estadual Comum.
Na esteira do magistério dos eminentes juristas Luís Regis Prado e Cezar Roberto Bitencourt, a injúria deve chegar ao conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa, podendo ser praticada de qualquer forma, seja verbal, seja escrita ou até mesmo mediante gestos obcenos que venham a denegrir a imagem ou a honra do empregado ou de algum parente seu.
Pessoalmente entendo que a injúria não precisa ser praticada no ambiente de trabalho para que esteja configurada a ofensa à dignidade ou a imagem do trabalhador. Basta que o ato ofensivo ou os atos ofensivos esteja(m) relacionado(s) à atividade profissional do obreiro e que seja praticado pelo empregador ou por algum preposto seu.
O ajuizamento da ação penal na hipótese de ofensa a honra ou imagem do obreiro, salvo melhor juízo, não exclui o ajuizamento da ação de danos morais.
In casu, a referida ação deve ser apreciada e julgada na Justiça do Trabalho e a indenização por dano moral deve ser sempre fixada em um quantum razoável de molde a traduzir não só uma compensação para o empregado como também punir patrimonialmente o empregador, a fim de coibir a prática do ato.
A sentença penal transitada em julgado que condena o empregador ou o preposto por injúria ao empregado é documento hábil a instruir o pleito rescisão indireta do contrato de trabalho com fulcro no artigo 483, "e", da CLT.
Finalizo este artigo postulando a tese de que a absolvição do empregador ou do preposto da empresa no juízo criminal do crime de injúria não impede que o obreiro venha a pleitear judicialmente a rescisão indireta do pacto laboral, na medida em que a resolução do contrato pelo empregado, na ocorrência da hipótese do artigo 483, "e", consolidado deverá sempre avaliada pelo juiz ou tribunal tomando por base as circunstâncias concretas que envolvem o fato. A decretação da inocorrência da tipicidade legal do crime de injúria pelo juízo criminal não significa, a priori, que o ato do empregador ou do preposto da empresa não tenha causado lesão à honra ou a imagem do empregado, dando azo, portanto, ao pleito de rescisão indireta do pacto laboral por parte do empregado.
Nota
(1)O artigo 40 do Código de Processo Penal determina que as autoridades judiciais, ao verificarem a existência de crime de ação pública, deverão cientificar o Ministério Público do fato ou fatos, para as providências legais cabíveis.
Referências bibliográficas
I.Legislação
Decreto-Lei nº. 2.848, de 07.12.1940. Código Penal.
Decreto-Lei nº. 3.689, de 03.10.1941. Código de Processo Penal.
Decreto-Lei nº. 5.452, de 01.05.1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
II.Doutrina
PRADO, Luís Regis e BITENCOURT, Cezar Roberto: Código Penal Anotado e Legislação Complementar. 2ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.
SAAD, Eduardo Gabriel: CLT Comentada. 38ª. ed. atualizada. São Paulo: Ed. LTr., 2005.
SÜSSEKIND, Arnaldo et all: Instituições de Direito do Trabalho. 22ª. ed. atualizada. 2 volumes. São Paulo: Ed. LTr., 2005.