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Teoria da aparência

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15/11/2006 às 00:00
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Trata-se de acórdão em ação de anulação de negócio jurídico praticado por preposto que não tinha, isoladamente, poderes para firmar o negócio em nome da sociedade.

Sumário:1. Apresentação do caso concreto; 2. A teoria da aparência, 2.1. Fundamentos da teoria da aparência, 2.2. Configuração da situação de ‘aparência’, 2.3. Posição jurisprudencial; 3. Adequação da solução dada ao caso concreto.


            ATO JURÍDICO – Ação de anulação – Ato praticado, isoladamente, por Diretor-Presidente, resultando responsabilidade comercial para a sociedade – Conduta contrária ao designado nos estatutos – Prévio conhecimento da outra parte contratante sobre a exigência estatutária de que a representação fosse feita por dois diretores – Nulidade do ato – Inaplicabilidade da tória da aparência – Recomendada apuração de eventual responsabilidade penal – Inteligência dos arts. 17 e 82, do CC – Procedência decretada.

            2ºTACSP, 7ª Câm. – Ap.-rev. 420.019-00/5 – Rel. Luiz Henrique – j. 16/05/1995; v.u..


            1.Trata-se de acórdão em ação de anulação de negócio jurídico (aditivo de contrato de locação) praticado por preposto que não tinha, isoladamente, poderes para firmar o negócio em nome da sociedade locadora.

            O instrumento originário havia sido firmado por dois prepostos de cada uma das sociedades contratantes, conforme exigido pelos estatutos.

            Já expirado o prazo daquele contrato, e havendo valores relativos a aluguéis vencidos pendentes, foi firmado aditivo contratual, onde, pela empresa-requerente, somente um preposto seu assinou. É de se ressaltar que neste aditivo foram incluídas diversas cláusulas prejudiciais à empresa locadora.

            Com base na Teoria da Aparência, a empresa locadora defendeu a validade do negócio jurídico, alegando que, ainda que não preenchidos os requisitos estatutários para validade do contrato firmado, deveriam ser validados os efeitos produzidos em razão da imagem de aparência de validade do negócio que justamente criou.

            2.Apesar de ser um tema já estudado há alguns decênios, doutrina e jurisprudência ainda seguem tratando sob o manto da Teoria da Aparência assuntos diversos, tais como a simulação e a putatividade. [01]

            A legislação civil traz expressamente alguns casos de relações aparentes, tais como o herdeiro aparente e o mandato aparente; na seara do Direito Administrativo há os atos do funcionário de fato considerados válidos em relação aos terceiros de boa-fé.

            Uma pessoa é tida, não raras vezes, como titular de um direito, quando não o é, na verdade; aparenta ser portadora de um valor ou um bem, agindo como se fosse proprietária, por sua própria conta e sob sua responsabilidade; mas na verdade não representa o verdadeiro titular, e nem se encontra gerindo os negócios alheios. [02]

            Assim, são produzidas declarações de vontade que não correspondem à realidade. Firma-se, v.g., a cessão de um direito como seu, levando o cessionário à convicção honesta de que adquire direitos. Surge uma situação de fato cercada de circunstâncias tais que o contratante de boa-fé é levado a tomar como válidos os atos assim praticados. [03]

            Isto é o que denominamos teoria da aparência: uma pessoa, considerada por todos como titular de um direito, embora não o sendo, leva a efeito um ato jurídico com terceiro de boa-fé. Ela se apresenta quando os atos são realizados "por una persona engañada por una situación jurídica que es contraria a la realidad, pero que presenta exteriormente las características de una situación jurídica verdadera", pois, "quien ha dado lugar a la situación engañosa, aunque haya sido sin el deliberado propósito de inducir a error, no puede hacer que su derecho prevalezca por en cima del derecho de quien ha depositado su confianza en aquella apariencia" [04].

            2.1.A exigência da preservação da segurança das relações jurídicas e o resguardo da boa-fé de terceiros, manifestada através da confiança depositada na aparência, justificam a teoria da aparência.

            A boa-fé é exigida na formação dos contratos e protegida quando conduz à aquisição de um direito; ela "exerce função de adaptação quando os atos jurídicos se formam ou executam, e função criadora em matéria de posse (...); fixa as condições da responsabilidade e obsta ou restringe os efeitos das nulidades" [05]. A boa-fé que decorre de erro plenamente justificado pelas circunstâncias supre as nulidades, remove os defeitos, antecipa os prazos da prescrição aquisitiva, consolida o domínio,. ... Error communis facit ius, ou nas palavras de Demogue: "Celui qui a traité avec une personne ayant toutes apparences d’avoir un droit ne doit pas être trompé, l’apparence raisonnable du droit, dans les rapports avec les tiers, produit les mêmes effets que le droit lui-même" [06].

            Procura-se fazer reinar a justiça, impondo-se a existência de certo grau de credibilidade mútua nos relacionamentos sinalagmáticos, para tornar possível a vida social dentro de um padrão médio de honestidade e moralidade. [07]

            Mário Moacir Porto [08], tratando especificamente do herdeiro aparente, lembra que à aplicação da teoria da aparência são opostos os princípios do nemo legem ignorare censetur (LICC 3º) e do nemo transferre potest quod non habet nec plus quam habet, ou ainda que ela atenta contra a liberdade do consentimento [09], forçando o verdadeiro titular a respeitar uma operação realizada em seu prejuízo e sem o concurso de sua vontade, razões essas que levariam à nulidade dos negócios realizados sob o manto da aparência. Mas, adverte o citado autor, os princípios absolutos quando lidos com rigorismo, conduzem, invariavelmente, a conseqüências iníquas.

            Uma coisa é o princípio de que a lei se aplica tanto aos que a conhecem como aos que a ignoram, e outra coisa é a escusa por ignorância ou erro de direito. [10] Um terceiro de boa-fé que contrata com o aparente possuidor de um direito não ignora que somente o proprietário pode dispor de seus bens; o que ele ignora é que a pessoa que se apresenta como proprietário não seja, em face da lei, o verdadeiro dono. Se o erro é invencível e generalizado, equipara-se, para todos os efeitos, ao erro de fato. [11]

            "O princípio de que a lei, transcorrido o tempo da

vacatio, é obrigatória para todos os cidadãos, independentemente do conhecimento que tenha qualquer pessoa, deve entender-se, unicamente, no sentido que a ignorância da lei não pode ser alegada para escusar a ignorância dela, e fugir às conseqüências; mas o erro e a ignorância do direito podem ser invocados, a par do erro de fato, quando se trata de mostrar a existência de um pressuposto, do qual a própria lei faz depender a admissão ou a exclusão de determinados efeitos jurídicos; isto é, quando a alegação de erro se destina a tornar sem efeito atos em que foi ele que determinou a vontade, ou a aproveitar os efeitos legais da boa-fé" [12].

            Para os que dizem que o erro de direito não pode ser comum, o que bastaria para excluir a manutenção do negócio aparente, Mário Moacir Porto [13] responde que é irrecusável que o erro de direito pode ser generalizado, que a interpretação de um texto de lei pode ser feita, durante um certo tempo de um modo, alterando-se posteriormente; os exemplos são fartos, e desnecessários no âmbito deste trabalho.

            O argumento de que "ninguém transfere direitos que não tem ou mais do que tem" também deve ser entendido dentro de limites razoáveis. Não há como se sustentar que o possuidor aparente do direito transmite ao terceiro os direitos do verdadeiro proprietário, uma vez que tal transferência é, na verdade, irrealizável. A venda a non domino é inexistente em relação ao verdadeiro dono, ainda que válida em relação aos contratantes. Quando se conclui pela validade da alienação realizada ao terceiro de boa-fé sustenta-se que o interesse do proprietário deverá ceder ao interesse maior do terceiro adquirente. Pretende-se, apenas, consolidar uma situação de fato, frente à consideração de que a resolução do negócio é mais nociva ao interesse social que a sua manutenção. [14] Segundo Henri Mazeaud:

            "La securité sociale est assurée dès que les actes faits sous l’empire d’une erreur invencible sont maintenus. Il importe donc de ne point donner à l’adage une portée qu’il n’a pas:

Error communis facit jus, signifie simplement qu’une situation de fait contraire au droit est mantenue lorsqu’elle est née d’une erreur invencible. C’est ce que M. Loniewski a heuresement exprimé en remarquant que l’error comunis crée non pas ‘le droit objectif’ mais ‘des droits subjectifs’". [15]

            A boa-fé do adquirente, nos termos de nossa lei, vale mais que os direitos do verdadeiro proprietário. A regra é que na aplicação da lei o intérprete deverá atender, sobretudo, ao interesse mais relevante. Savatier assim expressa esse pensamento ao tratar do herdeiro aparente:

            "Ce qui légitime les effets de l’apparence, c’est la necessité de la protection des tiers de bonne foi. Le problème se resume ici à choisir entre deux intérêts, l’un e l’autre respectables, mais inégalement: celui de l’héritier véritable et longtemps inactif; celui des tiers trompées par sa passivité. On comprend parfaitement que le premier de ces intérêts soit sacrifié au sécond. D’abord, l’intérêt des tier de bonne foi a une portée genérale: admettre, malgré l’erreur commune, la nullité des aliénations de l’héritier apparent ce serait enlever toute sécurité aux acquérons de biens ayant fait l’object d’une hérédité depuis moins de trente ans; une suspiction générale serait aussi jetée sur le commerce des biens et compterait le crédit de presque tous les propriétaires. Au contraire de l’intérêt de l’acquéreur, qui se confond ainsi avec l’intérêt générale, celui de l’héritier véritable reste purement privé. Il faut ajouter que son inaction s’explique souvent par sa négligence, et que l’atteinte qu’il est question de porter à ses droits se resume, tout au plus, en un

lucrum cessans, tandis que l’acquéreur lutte pour éviter un damnum emergens". [16]

            A rapidez e a segurança do comércio, a quantidade de negócios comuns que se impõem diariamente, os compromissos que se avolumam constantemente, o condicionamento da vida a uma dependência de relações contratuais inevitáveis, entre outros fatores, formam as causas que levam o homem a não dar tanta importância ao conteúdo dos atos que realiza, prendendo-o ao aspecto exterior dos eventos que se apresentam. [17]

            As necessidades sociais e o interesse público tornam impossível conhecer a situação jurídica exata de uma pessoa ou de um bem, ou se a situação jurídica exterior corresponde, efetivamente, à interior. Quando todos pensam e tudo permite pensar que a realidade aparente é uma manifestação exterior da situação jurídica, não é correto esquecer que a ação é determinada com base em tais dados. [18]

            Neste sentido é a lição de Rizzardo [19], ressaltando que na vida dos negócios, não se pode imputar ao contratante a obrigação de reclamar a prova da qualidade da pessoa com a qual contrata; não é costume impor-se, e.g., a um caixa de estabelecimento comercial a exibição de seu contrato de trabalho, ou, em uma repartição pública, o ato de nomeação do funcionário que atende e assina um documento.

            Há uma grande quantidade de situações ordinárias que nos levam a um comportamento de confiança e crença franca diante de si. Estamos costumeiramente diante de eventos cotidianos que a necessidade determina a crença naquilo que os outros representam. Criar-se-ia um estado de coisas caótico, de verdadeiro tumulto, se, a cada passo, reclamarmos a comprovação da qualidade de pessoa com a qual nos relacionamos. [20]- [21]

            Em outras (poucas) palavras: a praxe precedente e o costume de longa data fazem presumir a realidade do negócio. [22]

            2.2.Na aplicação da teoria da aparência, sobressai-se sempre a boa-fé, determinante da decisão tomada pelo agente. Esta a razão que leva a se atribuir valor ao ato perpetrado por alguém enganado por uma situação jurídica contrária à realidade, mas revestida exteriormente por características de uma situação jurídica verdadeira. [23]

            Assim, elaborando tal premissa, podemos apresentar uma enumeração dos requisitos para que se configure a situação de aparência tutelada pelo Direito:

            a)uma situação de fato cercada de circunstâncias tais que manifestamente a apresentem como se fosse uma situação de direito;

            b)legitimação formal do aparente titular do direito, de forma a criar em terceiros uma aparência de titularidade do direito (que na verdade é de outrem, ou que é inexistente), dispensando-se a existência de causalidade, de acordo com as regras da boa-fé objetiva;

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            c)a incidência em erro escusável – i.e., comum – de quem de boa-fé toma a situação de fato como situação de direito, apreciada segundo a situação pessoal de quem nele incorreu;

            d)nexo de causalidade baseado na confiança legítima;

            e)capacidade civil das partes;

            f)economicidade da relação jurídica [24].

            "La loi et la jurisprudence fournissent de nombreuses applications de cette idée. Elle est particulièrement féconde en matiére d’apparence, où elle empêche le créateur de la apparence trompeuse de pouvoir utilizer la nullité des actes dont le vice provient précisemente de l’erreur provoquée, chez les tiers, par cette apparence. Ainsi, le mandant ne peut opposer au tiers contractant la nullité de l’acte du mandataire apparante; celui qui s’est donné l’apparence d’un domicile ne saurait prétendre nulles les significations qu’il y reçoit; le tuteur de fait n’est pas admis à se prévaloir de l’irregularité des actes qu’il a passé en se présentant comme tuteur; la femme separée de fait qui contracte en se présentant comme jeune fille ne peut attaquer le contracte pas plus que le mineur qui a manouevré de maniére a faire croire qu’il était majeur (...)."

[25]

            Vemos assim, que de especial relevância é a configuração da boa-fé subjetiva do terceiro, bem como sua incidência em erro considerado comum.

            Daí que a inexistência de qualquer desses elementos, torna inaplicável a teoria da aparência, impondo-se a nulidade do ato jurídico. E neste sentido temos a seguinte lição vinda da Corte de Cassação francesa:

            "Si les tiers peuvent valablement acquérir de l’héritier apparant un immeuble de la succession, c’est à la condition qu’ils aient été de bonne foi, et, en outre, qu’ils aient traité sous l’influence de l’erreur commune (civil 777 et suiv., 1.599, 2.182, §2). Leur bonne foi individuelle est présumée; par contre, ils doivent le cas échéant, prouver l’erreur commune. Lorsque leur mauvaise foi, dont les juges du fond sont souverains appréciateurs, est établie, cette circonstance suffit à justifier la nullité de la vente consentie par l’héritier apparent, sans qu’il y ait à rechercher et à prendre en considération soit l’erreur commune, soit toute autre circonstance de la cause. Les raisons d’équité et d’intérêt générale qui ont conduit à reconnaître la validité des ventes passées par un héritier apparent n’autorisent pas à faire état des conditions dans lesquelles celui qui est regardé par tous comme le sucesseur du défunt s’est emparé de la succession; seule doit être prise en considération la bonne ou mavaise foi du tiers acquéreur."

[26]

            2.3.Os tribunais têm enfrentado diversas situações sob o manto da aparência. Algumas, como já apontamos supra, são na verdade situações de simulação ou de putatividade, que são situações substancialmente diversas da aparência, possuindo efeitos diferentes.

            Uma simples pesquisa nos repositórios de jurisprudência mostra que a ampla maioria das situações refere-se ao mandato aparente. [27]

            A dificuldade mais comum que parece existir é a do terceiro provar que não agiu com culpa, que tomou todas as precauções de praxe, agindo de acordo com o que lhe era exigível na dada situação, de modo a demonstrar a escusabilidade de seu erro.

            Direito Civil. Pagamento. Teoria da Aparência. Código Civil, art. 935. Não incidência no caso. Recurso não conhecido.

            I - A incidência da Teoria da Aparência, em face da norma do art. 935 do Código Civil, calcada na proteção ao terceiro de boa-fé, reclama do devedor prudência e diligência, assim como a ocorrência de um conjunto de circunstâncias que tornem escusável o erro do devedor.

            II - Se as notas fiscais, nas quais se arrimou o devedor para efetuar o pagamento, expressamente consignavam que o negócio somente seria quitado pela empresa vendedora, lícito não era ao adquirente pagar a concessionária, especialmente quando reconhecidamente insolvente.

            STJ 4ªT. – Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira – REsp 2584/ES – j. 17/12/1991 - DJ 24/02/1992, p. 1871; RT, n. 686, p. 190.

            Processual Civil. Consórcio. Teoria da Aparência. Letigimidade passiva reconhecida.

            A empresa que, segundo se alegou na inicial, permite a utilização da sua logomarca, de seu endereço, instalações e telefones, fazendo crer, através da publicidade e da prática comercial, que era responsável pelo empreendimento consorcial, é parte passiva legítima para responder pela ação indenizatória proposta pelo consorciado fundamentada nesses fatos.

            Recurso conhecido e provido.

            STJ, 4ªT. – Rel. César Asfor Rocha – REsp 139400/MG – j. 03/08/2000 – DJ 25/09/2000, p. 103; RT, n. 785, p. 181.

            Consórcio. Teoria da Aparência. Publicidade. Responsabilidade civil. Legitimidade passiva.

            A empresa que, segundo se alegou na inicial, permite a utilização da sua logomarca, de seu endereço, instalações e telefones, fazendo crer, através da publicidade e da prática comercial, que era a responsável pelo empreendimento consorcial, é parte passiva legítima para responder pela ação indenizatória proposta pelo consorciado fundamentada nesses fatos.

            Recurso conhecido e provido.

            STJ 4ªT. – Rel. Ruy Rosado de Aguiar – REsp 113012/MG – j. 18/03/1997 – DJ 12/05/1997, p. 18819; RSTJ, n. 100, p. 215; RT, n. 744, p. 204.

            Mandato. Renúncia inoperante em relação a terceiros de boa-fé. Teoria da Aparência.

            A situação peculiar do negócio jurídico celebrado ensejou ao tribunal ´´a quo´´ a aplicação do disposto no art. 1.318 do Código Civil, assim como a incidência da Teoria da Aparência.

            Imputação de ma-fé a terceiros, que exige, todavia, o reexame de matéria probatória, defeso na instancia excepcional (Súmula n. 07/STJ).

            Agravo improvido.

            STJ, 4ªT. – Rel. Barros Monteiro – AgRg no AG 18784/PR – j. 17/02/1993 - DJ 05/04/1993, p. 5841.

            Processo civil - Recurso especial - Prova: cerceamento de defesa.

            1. O STJ, quando julga Recurso Especial, está restrito ao exame de teses jurídicas, não podendo analisar provas (Súmula n. 07).

            2. Considera-se autorizada a representar a empresa administrativamente aquele que se apresentar ao Fisco como empregado encarregado da contabilidade: Teoria da Aparência (art. 17 do CC e art. 12 do CPC).

            3. Para realizar provas em audiência não basta requerer. É preciso demonstrar a necessidade e indispensabilidade das mesmas (art. 330 do CPC).

            4. Recurso especial improvido.

            STJ, 2ª T. – Rel. Eliana Calmon – REsp 65484/SP – j. 16/06/2000 – DJ 01/08/2000, p. 218.

            Civil e Comercial. Compra e venda de gado. Contrato "Fica". Relação de trabalho. Mandato mercantil. Teoria da Aparência. Recurso desacolhido.

            I - O pecuarista que de forma habitual compra e vende gado com objetivo de lucro qualifica-se como comerciante, ficando, nessa condição, obrigado por alienação de bovinos realizada pelo gerente-geral da fazenda a terceiros de boa-fé.

            II - O contrato de trabalho, alem de constituir e estabelecer as condições do vínculo empregatício, pode, quando celebrado entre comerciante (empregador) e comerciário (empregado), revestir-se de natureza híbrida (laboral e comercial), consubstanciando também mandato mercantil.

            III - A Teoria da Aparência mostra-se aplicável nos casos em que vendedor, gerente ou pessoa equiparada, por expressa ou tácita permissão do comerciante, vende mercadorias, salvo se comprovado erro inescusável ou ma-fé do adquirente.

            STJ 4ªT. – Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira – REsp 12811/MS – j. 31/05/1993 – DJ 30/08/1993, p. 17294; LEXSTJ, n. 54, p. 154; RSTJ, n. 58, p. 218.

            Duplicata. Compra e venda mercantil. Mercadoria recebida na sede da empresa por funcionários. Alegação de falta de poderes de representação. Teoria da Aparência.

            – Não ofende os arts. 17 do Código Civil de 1916 e o art. 144 da Lei nº 6.404, de 15.12.1976, o julgado que, em face das circunstâncias da causa (recebimento da mercadoria na sede da compradora por seus funcionários, com a participação do ‘supervisor de vendas’) dá prevalência à boa-fé da vendedora e à ‘teoria da aparência’, em oposição ao aspecto meramente formal (empregado desprovido de poderes de representação).

            – Pretensão da recorrente, ademais, de modificar a base fática da lide. Incidência da Súmula nº 7-STJ.

            Recurso especial não conhecido.

            STJ, 4ªT. – Rel. Barros Monteiro – REsp 135306/SP – j. 07/10/2003 – DJ 19/12/2003, p. 465.

            Processual Civil. Recurso Especial. Art. 267, IV, do CPC. Art. 535, II do CPC.

            1. Não há violação ao art. 267, IV, c/c o art. 12, VI, do CPC, quando o acórdão, aplicando a Teoria da Aparência na elaboração dos atos processuais, aceita como perfeita representação de pessoa jurídica sem que tenham sido apresentados os estatutos. O fato do outorgante da procuração vir praticando atos contínuos em nome da empresa, defendendo-a até em procedimento administrativo, caracteriza uma presunção que a representa de modo legítimo e tem, portanto, poderes para constituir advogado.

            2. Não há violação ao art. 535, II, do CPC, quando o acórdão repele a tese dos embargos, não obstante, ao final, registre que os rejeita. Alegação de fato superveniente que, na verdade, se acolhida, implicaria em desconstituir a decisão, dando-lhe efeito rescisório.

            3. Recurso especial improvido.

            STJ 1ªT. – Rel. José Delgado – REsp 147030/AM – j. 23/10/1997 – DJ 15/12/1997, p. 66304.

            É sempre importante ressaltar, que o comportamento do terceiro será sempre verificado no caso concreto, não havendo como se determinar um padrão a priori. De acordo com os usos e costumes daquela determinada prática, naquele determinado local, será possível aferir quais as diligências eram esperadas do terceiro; não se admite que o terceiro deixe de diligenciar uma providência que lhe incumbia, e, depois, descobrindo-se prejudicado, venha invocar a proteção dada pela teoria da aparência.

            Direito comercial e direito processual civil. Cheque. Irregularidade dos endossos. Responsabilidade do banco intercalar. Divergência entre julgados das Turmas que compõem a Segunda Seção.

            I – O banco apresentante do cheque à câmara de compensação tem o dever de verificar a regularidade da sucessão dos endossos. Deve, pois, tomar a cautela de exigir prova da legitimidade do endossante, como, por exemplo, cópia do contrato social da empresa, quando o título for nominal a pessoa jurídica.

            II – Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados.

            STJ, 2ªSeç. – Rel. Nancy Andrighi; Rel. p/ acórdão Antônio de Pádua Ribeiro – EREsp 280285/SP – j. 25/06/2003 – DJ 28/06/2004, p. 182.

            Nota promissória. Avalista. Mandatário. A validade do aval está condicionada à assinatura do próprio punho do avalista ou do mandatário especial, isto é, do que exibe mandato por escrito, com poderes expressos para a prática de atos cambiais. O simples fato do filho dizer-se mandatário do pai para, em seu nome, assinar como avalista nos títulos de dívida em que ele filho ou sua empresa figuravam como devedores principais, não basta para o reconhecimento de que estava assumindo pelo outro a relação cambial do aval. Cabia ao credor exeqüente exigir a procuração, no momento do ato, e, depois, quando da cobrança, fazer a prova do mandato, com base no qual foram os títulos assinados. Violação ao disposto no artigo 14, combinado com o artigo 56, do Dec. 2044/1908, e 333, I, do CPC.

            Penhora. lei 8009/90. A proibição da lei 8009/90 incide sobre a penhora formalizada antes de sua vigência, conforme e da jurisprudência do STJ. Recurso conhecido e provido.

            STJ, 4ªT. – Rel. Ruy Rosado de Aguiar – REsp 50841/RJ – j. 09/08/1994 – DJ 12/09/1994, p. 23770; RSTJ, n. 65, p. 489.

            Teoria da Aparência. Investimento. Agente captador de recursos. Terceiro de boa-fé.

            Comprovado que o emitente do recibo de aplicação no mercado financeiro era notoriamente agente autorizado a captar recursos para aplicar em certa instituição financeira, responde esta pelo desvio do numerário, uma vez que a teoria da aparência protege o terceiro de boa-fé.

            Recurso conhecido e provido.

            STJ 4ªT. – Rel. Ruy Rosado de Aguiar – REsp 276025/SP – j. 12/12/2000 – DJ 12/03/2001, p. 148; RSTJ, n. 147, p. 339.

            Contrato - Teoria da aparência de direito.

            Ajuste firmado em nome de pessoa jurídica por quem tinha poderes outorgados por procuração pública. Poderes bastantes para firmar contratos, emitir cheques, autorizar débitos. Limitação aos poderes de gerência que não pode ser oposta a terceiros de boa-fé. Ato praticado para assinar nota promissória. Validade. Carência da ação por ilegitimidade passiva ad causam afastada. Recurso provido para este fim.

            1ºTACSP, 5ª Câm. – Rel. Sebastião Alves Junqueira – Ap. 1.153.536-5 – j. 26/2/2003; v.u. – BAASP, 2365/861-e, de 3/5/2004.

            Com mais razão, a comprovação de que houve má-fé do terceiro na celebração do negócio jurídico, impede de forma absoluta a aplicação desta teoria em seu benefício.

            Locação. Ação de despejo por falta de pagamento. Credor putativo. art. 935, cc. Teoria da Aparência. Recurso desacolhido.

            I - Demonstrado que o locatário teve inequívoca ciência da alienação do imóvel e de que deveria pagar os locativos daí por diante ao novo proprietário, não se há como reputar válido o pagamento realizado ao alienante.

            II - A incidência da Teoria da Aparência, em face da norma do art. 935 do Código Civil, calcada na proteção ao terceiro de boa-fé, reclama do devedor prudência e diligência, assim como a ocorrência de um conjunto de circunstâncias que tornem escusável o seu erro.

            STJ, 4ªT. – Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira – REsp 12592/SP – j. 23/03/1993 – DJ 26/04/1993, p. 7212.

            Quando todos pensam e tudo permite pensar que a situação aparente é a manifestação anterior da situação jurídica, não se pode desconhecer a situação criada nesta base, nem atingir a segurança dos negócios e a livre circulação de bens. [28]

            3.No aresto em exame, o Tribunal negou a aplicação da teoria da aparência com base na ausência de boa-fé do terceiro (empresa locatária), visto ter conhecimento de que o negócio havia sido firmado de forma incompatível com os estatutos da empresa locadora.

            Assim, não haveria razão alguma para a aplicação da teoria da aparência, que visa justamente a resguardar a boa-fé e a preservar a segurança das relações jurídicas normais. [29]

            A forma cautelosa (duas assinaturas) de representação de sociedade comercial é comum, mais ainda em sociedades de economia mista (como in casu), porque é de confiança o cargo de diretor, órgão da sociedade que apresenta, por meio da qual a pessoa jurídica exprime sua vontade. [30] Concluiu ainda que, não havendo manifestação de vontade na forma expressa nos estatutos, nulo é o negócio jurídico celebrado em nome da pessoa jurídica por quem isoladamente não é seu órgão de presentação para contrato que importe em responsabilidade comercial, ainda mais se os limites de atribuições e poderes deste eram do pleno conhecimento da outra parte; daí não ter como se falar em aparência de verdadeira e legítima representação, como invocado pela requerida. [31]

            Em outra situação, também em ação onde se pleiteava a nulidade de contrato em razão da falta de capacidade para celebrar o negócio jurídico daquele que estava à testa dos negócios e aparentava capacidade para a conclusão da avença. Afirmou-se que "a pessoa que não tem poder de representação pode, em certas circunstâncias, ter de ser considerada como se o tivesse, se aquele com quem trata há de entende-la como tal", e que "escapa da ineficácia contrato firmado em nome da pessoa jurídica por quem não tinha, sozinho, poderes para contratar em seu nome uma vez praticado o ato por titular aparente do direito, eis que, além de sumamente nocivo à rapidez com que devem realizar-se, em cada caso, de terceiros que examinem, nas Juntas Comerciais, os contratos ou estatutos das sociedades com que tratam". [32]

            Claramente se trata de situação diversa, pois no caso em estudo, o terceiro, pelo que tudo indica, sabia da irregularidade, e não só sabia, como se aproveitou da situação, buscando criar situação jurídica extremamente favorável para si.

            E mesmo que não soubesse, agiu, no mínimo, com imprudência, pois ante a praxe dos negócios, deveria saber que alguma irregularidade havia naquela celebração. E, "L’imprudence apparait autant plus que l’agent avait pu être mis en garde, soit par des experiences anterieures, soit par les avertissements reçus, contre les dangers de son actes". [33] A só existência de culpa na conduta do terceiro, já impede a configuração da essencial boa-fé subjetiva.

            Destarte, irrepreensível a decisão do Tribunal em anular o negócio jurídico, optando pela não aplicação da teoria da aparência em face da inexistência de um de seus requisitos essenciais, qual seja, a boa-fé subjetiva do terceiro.

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Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. Teoria da aparência: (acórdão comentado). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1232, 15 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9137. Acesso em: 25 dez. 2024.

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