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A natureza tributária e as espécies de contribuições especiais

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15/11/2006 às 00:00
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1.Introdução

            O Sistema Tributário Nacional está sustentado nos artigos 145 a 156 da Constituição Federal, além de outros como, por exemplo, o artigo 195. Em tais dispositivos se encontram os princípios gerais e norteadores do Direito Tributário Brasileiro, sendo que a sua regulamentação se dá por meio do Código Tributário Nacional, aprovado pela Lei nº 5.172, de 25.10.1966 ("CTN"), o qual foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar.

            A partir da mera leitura dos referidos dispositivos, verifica-se que a Carta Constitucional não cria tributos, mas outorga competências às pessoas jurídicas de direito público, quais sejam, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, para que esses sim possam fazê-lo. À Constituição Federal cabe dispor sobre as diretrizes e os princípios que guiarão as pessoas jurídicas do poder público para instituir e cobrar os tributos que lhes foram atribuídos, além de impor limites ao poder de tributar de tais pessoas jurídicas.


2. Espécies de tributos previstas na Constituição Federal

            Em seu artigo 145, a Constituição Federal prevê a existência de três tipos de tributos, sendo todos eles de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. A despeito de tal dispositivo trazer apenas três tipos de tributos, parte da doutrina entende que, na verdade, as normas constitucionais permitem a interpretação de que há cinco tipos de tributos, acrescentando-se aos três citados os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais.

            A definição de tributo encontra-se no CTN, mais precisamente, em seu artigo 3º, o qual prescreve que: "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada". A interpretação teleológica da Constituição Federal, contudo, permite asseverar que tal conceito não pode ser alterado, alargado ou reduzido, a não ser que por um dispositivo constitucional.

            No que se refere aos tipos de tributos, a Constituição Federal traz elementos que permitem definir – apesar de não trazer quaisquer definições – o que sejam as taxas e as contribuições de melhoria, fato esse que não ocorre para os impostos. As primeiras são prestações pecuniárias compulsória cobradas em decorrência do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição (art. 145, inc. II, CF). O artigo 145, § 2º, da Constituição, veda que as taxas tenham a mesma base de cálculo dos impostos.

            A Constituição não estabelece qualquer definição do que sejam os impostos. Apenas em seu artigo 145, § 1º, dispõe que, na medida do possível, tais tipos de tributos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Esse, aliás, é um dos princípios mais importantes do Sistema Tributário Nacional, denominado princípio da capacidade contributiva, que está intimamente ligado ao princípio da igualdade aplicado ao direito tributário, visto que busca trazer para os tributos a necessidade de que se observem as desigualdades, notadamente econômicas, existentes entre os contribuintes.

            De acordo com o professor Roque Antonio Carrazza: "O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza". [01]

            O último tipo de tributo expressamente previsto no artigo 145 da Constituição Federal são as contribuições de melhoria. De acordo com o seu inciso III, tais prestações pecuniárias decorrem de efetivação de obras públicas. Eis aqui, portanto, mais um tipo tributário vinculado a uma ação estatal. Dos três tipos de tributos mencionados, as contribuições de melhorias são as mais incomuns, tendo por objetivo "fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado" (art. 81 do CTN).

            O artigo 148 da Constituição Federal ainda prevê a possibilidade de a União instituir empréstimos compulsórios – por alguns considerados um quarto tipo de tributo –, nas seguintes hipóteses: (i) para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; ou (ii) no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.

            Já o artigo 149, caput, da Carta Magna autoriza a União a "instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo". Este mesmo artigo 149 – e o artigo 149-A inserido pela Emenda Constitucional nº 39/02 – também prevêem a possibilidade de os Estados e Municípios instituírem determinadas contribuições, as quais serão vistas mais adiante.

            Ainda a respeito das contribuições, vale destacar a previsão do artigo 195 da Constituição Federal, que trata do financiamento da Seguridade Social. É nesse dispositivo que se encontra a base para a cobrança das contribuições especiais que são destinadas à Seguridade Social, como, por exemplo, a contribuição sobre a folha de salários paga ao Instituto Nacional da Seguridade Social ("INSS").


3. Espécies de tributos conforme a doutrina

            Como afirmado no início do tópico anterior, a Constituição Federal é clara ao estabelecer que as pessoas jurídicas de direito público têm competência para instituir três tipos de tributos, quais sejam, impostos, taxas e contribuições de melhoria. De forma imprecisa, contudo, a mesma Carta Magna prevê a possibilidade, mais adiante, de tais entes instituírem a cobrança de empréstimos compulsórios – de competência exclusiva da União – e contribuições diversas que, até 2001, também eram de competência exclusiva da União.

            Essa falta de clareza das normas constitucionais acabaram por alimentar a divergência doutrinária acerca de quais são as efetivas espécies de tributos que existem no Sistema Tributário Nacional. Há, basicamente, três correntes: a bipartida, a tripartida e a qüinqüipartida.

            A corrente bipartida, sustentada por Alberto Xavier [02], Pontes de Miranda [03], Alfredo Augusto Becker [04] e Eduardo Marcial Ferreira Jardim [05], entende que há apenas dois tipos de tributos: impostos e taxas. De acordo com essa corrente, todas as demais modalidades de prestações pecuniárias compulsórias previstas na Constituição Federal acabam por se adequar nos critérios materiais dos impostos e das taxas.

            A corrente tripartida é fundada no critério tricotômico, sendo sustentada, como já mencionado, por boa parte dos tributaristas brasileiros, como Paulo de Barros Carvalho [06], Aires Barreto [07], Roque Antonio Carraza [08], Américo Lacombe [09] e Sacha Calmon Navarro Coelho [10]. De acordo com tal corrente, existem três tipos de tributos, quais sejam, impostos, taxas e contribuições, que devem seguir à classificação de vinculados (taxas e contribuições) e não-vinculados (impostos). Tal classificação refere-se ao fato de que os tributos tidos como vinculados são aqueles que decorrem de uma atividade estatal, o que não ocorre com os impostos.

            Nesse ponto, cabe mencionar que as contribuições a que se refere o critério tricotômico são exclusivamente as de melhoria. As demais, leia-se sociais, de intervenção do domínio econômico e destinadas ao financiamento da Seguridade Social, são consideradas, ou como taxas, ou como impostos, dependendo de seus critérios materiais. O professor Sacha Calmon Navarro Coelho esclarece tal ponto, quando afirma que: "Os tricotomistas apenas acrescentam que os serviços de poder de polícia e de utilidade pública são remunerados por taxas, e as obras públicas, por contribuições de melhoria. As contribuições parafiscais e os empréstimos compulsórios, dizem eles, são impostos ou são taxas". [11]

            Há, ainda, a corrente qüinqüipartida, que assevera que são cinco os tipos de tributos: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições e empréstimos compulsórios. É sustentada por Ives Gandra da Silva Martins [12], Cláudio Santos [13] e José Eduardo Soares de Melo [14]. Essa é a posição do STF. Está pacificado na doutrina e também na jurisprudência o entendimento de que as contribuições especiais têm natureza tributária, o que, por muito tempo, foi objeto de discussão no âmbito do direito tributário.


4. Tipos de contribuições

            Como já mencionado, a Constituição Federal outorga competência para as pessoas jurídicas de direito público instituírem diversos tipos de contribuições (doravante denominadas de contribuições especiais), com base no seu artigo 149. Vale destacar que apesar de receberem a denominação genérica de contribuições, podem ser separadas em: (i) contribuições sociais; (ii) contribuições para a intervenção no domínio econômico; e (iii) contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Há que se destacar, ainda, a existência da previsão constitucional das contribuições para o financiamento da Seguridade Social (art. 195), as quais podem ser facilmente incluídas no rol das contribuições especiais.

            As contribuições sociais, as de intervenção no domínio econômico e as destinadas ao financiamento para a Seguridade Social, são parcelas fundamentais para a arrecadação do Estado brasileiro. Grande exemplo disso são: a Contribuição Social sobre o Lucro ("CSL"), a contribuição ao Programa da Integração Social ("PIS"), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social ("COFINS"), entre outras.

            Como se verá adiante, tais contribuições podem estar vinculadas a uma atividade estatal. Daí decorre a afirmação da corrente doutrinária que adota o critério tricotômico de que podem ser, ora taxas, ora impostos, dependendo da sua vinculação a alguma ação do Estado.


5. A natureza tributária das contribuições especiais

            Geraldo Ataliba conceitua contribuição como sendo o "tributo vinculado cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal indireta e mediatamente (mediante uma circunstância intermediária) referida ao obrigado". [15]

            Antes de analisar as características gerais das contribuições sociais dos artigos 149 e 195 da Constituição Federal, que são objeto deste trabalho, vale dizer de que muito se discutiu acerca da natureza dessas exações.

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            Havia uma parte da doutrina, em que podemos destacar os professores Marco Aurélio Greco [16] e Luiz Mélega [17], que sustentava que as contribuições sociais, da forma que trazidas pela Constituição Federal de 1988, não tinham natureza tributária. O principal argumento de que defendia tal tese é o de que o artigo 145 da Carta Magna, ao tratar dos tributos a serem instituídos pelas pessoas jurídicas de direito público, listava apenas os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.

            Não estando no rol do artigo 145 da Constituição Federal, as contribuições especiais, para tais estudiosos, não teriam natureza de tributo, de forma a não sujeitá-las aos princípios e regramentos do Sistema Tributário Nacional.

            No entanto, tal entendimento não prevalece mais na doutrina nacional e tampouco nos Tribunais, os quais entendem que as contribuições especiais têm natureza tributária, devendo atender às diretrizes do sistema nacional tributário. Isto significa que as contribuições estão sujeitas ao princípio da legalidade, da igualdade, da anterioridade – considerando que as contribuições para a Seguridade Social estão sujeitas a uma anterioridade específica – e da vedação do confisco (art. 150 da Constituição Federal). Não é possível, portanto, ao legislador ordinário se esquivar de atender a tais diretrizes para instituir uma contribuição, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade.

            Para ilustrar o entendimento da doutrina a respeito desse assunto, vale, inicialmente, transcrever trecho da obra de Paulo de Barros Carvalho sobre a natureza tributária das contribuições especiais: "A conclusão perece-nos irrefutável: as contribuições são tributos que, como tais, podem assumir a feição de impostos ou de taxas. Excluímos, de indústria, a possibilidade de aparecerem com os caracteres de contribuição de melhoria, posto que esta espécie foi concebida em termos de estreito relacionamento co a valorização do imóvel, traço que não só prejudica como até impede seu aproveitamento como forma de exigência e cobrança das contribuições". [18]

            José Eduardo Soares de Melo ratifica o entendimento em questão: "Apesar das concepções doutrinárias constituírem importantes suprimentos para a configuração do tipo tributário, importa examinar o texto constitucional, a positividade jurídica, para se extrair o cerne da exação fiscal, e, nesse passo, vislumbro que a Constituição caracteriza as contribuições como tributos, em razão de sua natureza (receitas derivadas, compulsórias), e por consubstanciarem princípios peculiares ao regime jurídico dos tributos". [19]

            Roque Antonio Carrazza também analisou a questão: "Com a só leitura deste artigo [artigo 149 da Constituição Federal] já percebemos que a Constituição Federal prevê três modalidades de ‘contribuições’: as interventivas, as corporativas e as sociais. Todas elas têm natureza nitidamente tributária, mesmo porque, com a expressa alusão aos ‘arts. 146, III e 150, I e III’, ambos da Constituição Federal, fica óbvio que deverão obedecer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que informam a tributação no Brasil. Tal, diga-se de passagem, a jurisprudências do Pretório Excelso". [20]

            O STF também pacificou o seu entendimento de que as contribuições especiais têm natureza tributária, sob a égide da Constituição Federal de 1988. Vale destacar que, por muitos anos, enquanto vigia a Emenda Constitucional nº 8/77, a Suprema Corte manifestou, por diversas vezes, o entendimento de que a contribuição ao PIS não teria natureza tributária. Contudo, a partir do julgamento das questões atinentes às contribuições especiais com base na Constituição Federal de 1988, a jurisprudência daquele Tribunal foi revertida.

            Não há dúvidas de que as contribuições dos artigos 149 e 195 da Constituição Federal têm natureza tributária – equiparando-se, conforme a doutrina majoritária, ora a taxas, ora a impostos –, razão pela qual, em princípio, estão sujeitas ao princípios e diretrizes estabelecidos pelo Sistema Tributário Nacional.


6. A sujeição das contribuições especiais aos princípios e diretrizes do Sistema Tributário Nacional

            Por terem natureza tributária, as contribuições especiais devem obedecer aos princípios constitucionais que orientam o Sistema Tributário Nacional de uma forma geral. Estão previstos no artigo 150 da CF, sendo eles:

            (i) princípio da legalidade: é vedado às pessoas jurídicas de direito público exigir ou aumentar tributo, sem lei que o estabeleça (art. 150, inciso I, da CF);

            (ii) princípio da isonomia (ou igualdade): também é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, inciso II, da CF);

            (iii) princípio da anterioridade: é vedado, ainda, a instituição de tributos (a) relativos a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; (b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; e (c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado item (b) anterior. Nesse ponto, vale destacar, sem maiores detalhes por ora, que as contribuições destinadas à Seguridade Social (art. 195 da CF) obedecem a uma anterioridade especial; e

            (iv) vedação ao confisco: é inconstitucional a utilização de qualquer tributo como confisco.

            Esses são os princípios gerais, aplicáveis a todos e quaisquer tributos previstos na Constituição Federal. Há, contudo, princípios e regramentos previstos no Sistema Tributário Nacional que não são aplicáveis às contribuições em tela, uma vez que têm aplicação restritiva. Um exemplo disso é o já mencionado princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, § 1º, da Constituição, que se refere exclusivamente aos impostos. Assim, as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios, em princípio, não têm de respeitar tal diretriz.

            Da mesma forma, as imunidades estabelecidas pelo artigo 150, inciso VI, da Constituição, não se estendem a nenhum outro tipo de tributo, sendo aplicáveis apenas aos impostos. [21]

            Assim, o fato de as contribuições especiais não estarem sujeitas a todos princípios e diretrizes do Sistema Tributário Nacional, não exclui a sua natureza tributária, motivo pelo qual a sua instituição pelas pessoas jurídicas de direito público deve atender às regras aplicáveis aos tributos de uma forma geral, listadas anteriormente.

            Nesse ponto, vale destacar que o inverso também ocorre. Ou seja, há regras que são aplicáveis somente às contribuições especiais, e mais especificamente, às contribuições previdenciárias, previstas no artigo 195 da Constituição e que tem por finalidade o financiamento da Seguridade Social.

            A regra específica mais relevante é a anterioridade especial que o legislado constitucional atribuiu a tais tributos. De fato, as contribuições previdenciárias podem ser cobradas no mesmo exercício em que foram instituídas, desde que obedeçam ao prazo nonagesimal, isto é, que sejam cobradas depois de 90 dias da publicação da lei que as instituiu (art. 195, § 6º). Trata-se, portanto, de uma exceção ao princípio da anterioridade tributária prevista no artigo 150, inciso III, da Constituição Federal.

            Alem disso, o artigo 195, § 7º, da Carta Magna, estabelece que são "isentas" de contribuição para a Seguridade Social as entidades beneficentes de assistências social que atendam às exigências estabelecidas em lei. Como é trazida pela Constituição Federal, tal vedação de tributação pela contribuição para a Seguridade Social é uma imunidade, e não uma isenção, a qual é específica para os tributos em questão.

            Ainda no que se refere à obediência das contribuições especiais ao Sistema Tributário Nacional, cabe tecer breves comentários sobre a suposta necessidade de que tais tributos sejam instituídos por lei complementar.

            Uma primeira interpretação do artigo 149, já transcrito anteriormente, faz parecer que o legislador constitucional estabeleceu a competência de que apenas o legislador complementar poderá instituir contribuições baseadas no artigo 149 da Constituição Federal.

            Todavia, não é essa a interpretação dada pelos nossos Tribunais, especialmente pelo STF. São inúmeras as decisões da Suprema Corte que manifestam o seu entendimento de que as contribuições podem ser instituídas por lei ordinária, sendo que a eventual criação por lei complementar – como ocorreu nos casos da contribuição ao PIS e da COFINS – é mera opção do legislador.

            É importante destacar que o STJ firmou entendimento que, caso a contribuição seja instituída por lei complementar, lei ordinária não pode alterá-la, cabendo ao legislador complementar promover alterações relativas aos aludidos tributos. [22]

            É assentado na doutrina, que a referência feita pelo artigo 149 ao artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, diz respeito ao fato de que tais tributos estão sujeitos às normas do Sistema Tributário Nacional que serão estabelecidas por lei complementar, conforme exige aquele dispositivo. Basicamente, entende-se que as contribuições especiais estão sujeitas as normas contidas no CTN, quando aplicáveis a tais tributos, ou nas demais leis complementares esparsas que disporem sobre as matérias listadas nas alíneas "a" a "d" do artigo 146, inciso III, da Carta Magna.

            Assim, fica demonstrado que as contribuições especiais podem ser instituídas por lei ordinária. Mas em sendo cobradas com base em lei complementar, apenas o legislador complementar poderá promover alterações na legislação pertinente. Frise-se que a questão acerca da impossibilidade de lei ordinária alterar ou revogar lei complementar ainda será julgada pelo STF.

            6.1. Destinação constitucional

            Não é precisa uma interpretação mais aprofundada da Carta Magna para que se apure que o legislador constitucional, ao estabelecer competências para a cobrança de impostos, traz a regra-matriz de cada uma de tais exações que serão cobradas pelas diferentes pessoas jurídicas de direito público. De fato, é a Constituição Federal que estabelece a competência para a instituição de imposto sobre: a renda e proventos de qualquer natureza (IR); produtos industrializados (IPI); a propriedade de veículos automotores (IPVA); a circulação de mercadorias e serviços de comunicação, transporte e energia elétrica (ICMS); e a prestação de serviços (ISS), entre outros.

            Em outras palavras, no que se refere aos impostos, a Constituição Federal estabelece quais são os fatos da vida que serão tributados, dada a possibilidade de a União instituir outros, que não aqueles expressamente previstos. Ou seja, a regra-matriz de todos os impostos anteriormente citados é estabelecida pelo legislador complementar, cabendo ao legislador nacional, federal, estadual, distrital ou municipal, apenas instituir e regulamentar a cobrança.

            Com as contribuições especiais, o legislador constitucional agiu de forma distinta. Com efeito, a partir da leitura dos artigos 149 e 195, fica claro que não foi definida a regra-matriz das contribuições a serem instituídas, mas sim as finalidades a que são dadas. De fato, o legislador constitucional estabeleceu que serão instituídas contribuições para a intervenção do domínio econômico, para o custeio da Seguridade Social ou para atender aos interesses das categorias profissionais ou econômicas.

            Por conta disso, é que é possível que haja contribuições que tenham base de cálculo idêntica, ou muito semelhante, a de impostos. Não há vedação constitucional para tanto, visto que a Carta Magna não estabelece a regra-matriz das contribuições especiais. A Constituição Federal apenas se preocupou em vincular tais tributos a sua destinação.

            6.2. Parafiscalidade

            Característica fundamental das contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade Social e das que visam a atender os interesses de categorias profissionais e econômicas, é a parafiscalidade. Contudo, é necessário, antes de pormenorizar tal atributo, diferenciar competência tributária de capacidade tributária ativa.

            A Constituição Federal estabelece competências tributárias. Isto é, determina quais são as pessoas jurídicas de direito público que instituirão os tributos previstos na Carta Magna. A competência tributária só pode ser outorgada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, visto que são as únicas pessoas jurídicas que têm poderes de legislar e, portanto, de instituir e regulamentar a cobrança de determinado tributo. Assim, não existe a possibilidade de nenhuma outra pessoa jurídica receber competência tributária para instituir e regulamentar a cobrança de determinado tributo.

            Contudo, tais entes podem, nas respectivas leis instituidoras e regulamentadoras dos tributos, atribuir a outras pessoas jurídicas a sujeição ativa na relação jurídico-tributária. Ou seja, aqueles dotados de competência tributária podem nomear terceiros para efetuar a cobrança do respectivo tributo, atribuindo-lhe, assim, capacidade tributária ativa. Frise-se que a competência é indelegável, imprescritível, inalterável, irrenunciável e facultável. O que se outorga neste caso é a capacidade tributária ativa apenas, isto é, o direito-dever se efetuar a cobrança do tributo, cuja competência continua sendo da pessoa jurídica de direito público prevista na Constituição Federal.

            Paulo de Barros Carvalho ilustra tal situação com clareza: "Em algumas oportunidades, porém, verificamos que a lei instituidora do gravame indica sujeito ativo diferente daquele que detém a respectiva competência, o que nos conduz à conclusão de que uma é a pessoa competente, outra a pessoa credenciada a postular o cumprimento da prestação. Ora, sempre que isso se der, aprontando a lei um sujeito ativo diverso do portador da competência impositiva, estará o estudioso habilitado a reconhecer duas situações juridicamente distintas: a) o sujeito ativo, que não é titular da competência, recebe atribuições de arrecadar e fiscalizar o tributo, executando as normas legais correspondentes (CTN, art. 7º), com as garantias e privilégios processuais que competem à pessoa que legislou (CTN, art. 7º, § 1º), mas não fica com o produto arrecadado, isto é, transfere os recursos ao ente político; ou b) o sujeito ativo indicado recebe as mesmas atribuições do item a, acrescidas da disponibilidade sobre os valores arrecadados, para que os aplique no desempenho de suas atividades específicas". [23]

            Este é o fenômeno da parafiscalidade. No caso das contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade Social, a União, competente para instituí-las e cobrá-las, outorga a capacidade ativa para que o órgão administrador da Seguridade Social, qual seja, o INSS seja responsável pela fiscalização, cobrança e arrecadação das aludidas contribuições. Frise-se que a Constituição Federal, em nenhum momento, outorga competência para que o INSS institua tais tributos. Nem poderia, uma vez que competente para tanto, no caso dessas contribuições, é apenas a União.

            Entretanto, por conta da parafiscalidade, a União delega ao INSS a capacidade tributária ativa, para que gerencie e fiscalize a arrecadação das contribuições (algumas delas) previstas no artigo 195 da Constituição Federal. Roque Antonio Carrazza conceitua a capacidade tributária ativa como sendo "a aptidão de uma pessoa figurar no pólo passivo da obrigação tributária. Correlaciona-se com o sujeito que ocupa a posição de credor dentro da obrigação tributária e que detém, portanto, a titularidade do direito subjetivo à prestação tributária". [24]

            Diante disso, pode-se definir parafiscalidade como sendo o "fenômeno jurídico que consiste na circunstância de a lei tributária nomear sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos auferidos, para o implemento de seus objetivos peculiares". [25]

            Apesar de não necessariamente característica exclusiva das contribuições, a figura da parafiscalidade está intimamente ligada com tais tributos, especialmente com as contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade Social – caso do INSS – e com as que visam a atender os interesses de categoria profissional ou econômica – como exemplo, há o caso da Ordem dos Advogados do Brasil, que é responsável pela arrecadação de tal contribuição paga pelos advogados. Não são os únicos casos, contudo, haja vista que ainda há, por exemplo, os pedágios, que cuja capacidade tributária ativa é do DERSA.

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Sobre a autora
Fabiana Falcoski Ferreira

bacharelanda em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Fabiana Falcoski. A natureza tributária e as espécies de contribuições especiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1232, 15 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9140. Acesso em: 24 abr. 2024.

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