Sumário: I.Introdução. II. Da isonomia antes e depois da Emenda Constitucional 19/1998. III. Da similitude entre as carreiras de Defensor Público e Promotor de Justiça, inscritas nas Constituições Federal e Estadual. IV. Da forma de equiparação dos vencimentos do Ministério Público e da Defensoria Publica, atualmente.
I.Introdução:
O presente estudo trata da possibilidade e da maneira de equiparar o vencimento dos membros da Defensoria Publica com o dos membros do Ministério Público, iniciando pela apresentação constitucional do tema antes e depois da Emenda Constitucional nº 19/1998, passando pela similitude entre as carreiras, de acordo com os textos constitucionais, para finalizar no entendimento de que tal equiparação atualmente tem como fonte exclusiva a ampla autonomia constitucional da Defensoria Pública.
II.Da isonomia de vencimentos antes e depois da EC 19/98:
A isonomia de vencimentos para cargos públicos assemelhados esteve expressamente prevista na Constituição Federal, na redação anterior do §1º do artigo 39 da Constituição Federal, nos seguintes termos:
"§ 1º - A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho."
Especificamente para a Defensoria Pública, a própria Constituição Federal, na anterior redação do artigo 135, fez aplicar o princípio isonômico de vencimento pela equiparação ficta entre as carreiras inscritas naquele Título.
"Art. 135. Às carreiras disciplinadas neste Título aplicam-se o princípio do art. 37, XII, e o art. 39, § 1º."
Dessa forma, numa primeira leitura até mesmo a Magistratura estaria incluída nesta equiparação de vencimentos com a Defensoria Pública, pois presente no Título constitucional em referência.
E, ainda com mais razão, o Ministério Público, pois enquadrado no Capítulo constitucional das Funções Essenciais à Justiça, tal como a Defensoria Pública.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal definiu, em julgados sucessivos [01], o alcance desta isonomia, afastando tanto a Magistratura, de forma unânime, como o Ministério Público, por pequena maioria de votos, da equiparação de vencimentos com os Defensores Públicos, Procuradores do Estado e Delegados de Polícia.
Veja-se ementa [02] modelo:
ISONOMIA DE VENCIMENTOS DAS "CARREIRAS JURIDICAS" (CF, ARTS. 135, 241, 37, XIII E 39, PAR. 1.): INTELIGENCIA E ALCANCE. 1. RECUSA DO ENTENDIMENTO DE QUE O SENTIDO DO ART. 135 CF, NÃO SERIA O DE VINCULAR RECIPROCAMENTE A REMUNERAÇÃO DAS DIFERENTES CARREIRAS A QUE ALUDE, MAS APENAS O DE EXPLICITAR QUE A CADA UMA DELAS SE APLICA O ART. 39, PAR. 1.: SENDO CERTO QUE OS PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS GERAIS ATINENTES AOS SERVIDORES PUBLICOS, INCLUIDO O DA ISONOMIA DO ART. 39, PAR. 1., SE APLICAM, SALVO DISPOSIÇÃO EM CONTRARIO, AS CARREIRAS ESPECIAIS PREVISTAS NA PROPRIA CONSTITUIÇÃO, A INTERPRETAÇÃO PROPOSTA, ALÉM DE REDUZIR A NADA O SENTIDO DO ART. 135, CONTRARIA A SIGNIFICAÇÃO INEQUIVOCA QUE LHE ADVEM DA CONJUGAÇÃO COM O ART. 241 DA LEI FUNDAMENTAL. 2. PARA NÃO SUBTRAIR-LHES O EFEITO UTIL, O SIGNIFICADO A EMPRESTAR AOS ARTS. 135 E 241, CF, HÁ DE SER O DE QUE, PARA OS FINS DO ART. 39, PAR. 1., AS CARREIRAS A QUE SE REFEREM SE CONSIDERAM ASSEMELHADAS POR FORÇA DA CONSTITUIÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DA SIMILITUDE REAL OU NÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS QUE AS COMPOEM OU DE SUAS CARACTERISTICAS FUNDAMENTAIS. 3. DESSA ASSIMILAÇÃO FICTA, IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO, A CONSTITUIÇÃO MESMA, ENTRETANTO, IMPÕE QUE, MEDIANTE REDUÇÃO SISTEMATICA DO ALCANCE APARENTE DO ART. 135, SE EXCLUA DO SEU CAMPO NORMATIVO A CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: ALÉM DE SEU INCONFUNDIVEL PERFIL CONSTITUCIONAL, A INICIATIVA RESERVADA AO PROPRIO MINISTERIO PÚBLICO PARA A PROPOSITURA DA FIXAÇÃO DOS VENCIMENTOS DOS SEUS MEMBROS E INCOMPATIVEL COM A PRETENDIDA REGRA DE COMPULSORIA EQUIPARAÇÃO DELES AOS DE SERVIDORES CUJA REMUNERAÇÃO E FIXADA EM LEI DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO PODER EXECUTIVO. 4. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 273 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, NO QUE ASSEGURA A ISONOMIA DE VENCIMENTOS ENTRE AS CARREIRAS DE PROCURADOR DO ESTADO E DA FAZENDA ESTADUAL, DE DEFENSOR PÚBLICO E DE DELEGADO DE POLICIA, REDUZIDA A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE A ALUSAO, NA MESMA REGRA, A DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A interpretação dada pelo Supremo, portanto, à isonomia de vencimento entre carreiras foi no sentido de equiparar Defensores Públicos, Procuradores do Estado e Delegados de Polícia, independentemente de uma similitude real das atribuições destes cargos, excluindo, no entanto, os membros do Ministério Público, pelo "inconfundível perfil constitucional" e autonomia gerencial desta Instituição [03].
E mais, restou pacificado na Corte Suprema que "Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia." (SÚM. 339)
Ou seja, mesmo que fosse reconhecida, na vigência anterior, a isonomia de vencimentos entre as carreiras da Defensoria Pública e do Ministério Público, somente poderia ser viabilizada através de processo legislativo próprio, pois esta autonomia constitucional não seria auto-aplicável.
A seguir, um resumo desta interpretação constitucional:
"A Constituição Federal não concedeu isonomia direta às carreiras jurídicas. Essa isonomia deve ser viabilizada mediante lei." (RE 226.874-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 23/4/04)
"O princípio da isonomia dirige-se aos Poderes Executivo e Legislativo, a quem cabe, mediante avaliação de conveniência e oportunidade, estabelecer a remuneração dos servidores públicos, permitindo a sua efetivação. Vedado ao Judiciário elevar os vencimentos de um servidor para o mesmo patamar de outro com base nesse postulado, nos termos da Súmula STF nº 339." (RE 395.273-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 06/08/04)
"O art. 39, § 1º, da Constituição — ''A Lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições assemelhadas do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (...)'' — é princípio explicitamente dirigido ao legislador e, portanto, de efetividade subordinada à sua observância recíproca pelas leis de fixação dos vencimentos dos cargos de atribuições iguais ou assemelhadas: é que a Constituição mantém a proibição, vinda de 1967, de vinculações ou equiparações de vencimentos (CF 88, art. 37, XIII), o que vasta para elidir qualquer ensaio — a partir do princípio geral da isonomia — de extrair, de uma lei ou resolução atributiva de vencimento ou vantagens determinadas a um cargo, força bastante para estendê-los a outro cargo, por maior que seja a similitude de sua posição e de suas funções. Daí que, segundo a invariável orientação do STF, o princípio constitucional da isonomia do art. 39, § 1 não elide o da legalidade dos vencimentos do servidor público, mas, ao contrário, dada a proibição pelos textos posteriores da equiparação ou vinculação entre eles, reforça a Súmula 339, fruto da jurisprudência já consolidada sob a Constituição de 1946, que não continha tal vedação expressa." (ADI 1.776-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 26/05/00)
"A isonomia de vencimentos assegurada aos servidores da administração direta só pode ser concedida por lei." (ADI 1.782, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 15/10/99)
"O parágrafo 1º do artigo 39 da Constituição Federal é preceito dirigido ao legislador, a quem compete concretizar o princípio da isonomia, considerando especificamente os cargos de atribuições iguais ou assemelhadas. Como a concretização da isonomia salarial depende de ato legislativo específico, a fixar idênticos vencimentos ''para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário'', almejado pelos recorrentes, pois que se trata de norma que repete, no plano infraconstitucional, o enunciado genérico do § 1º do art. 39 da Constituição Federal." (RMS 21.512, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 19/02/93)
Assim, para a concretização da isonomia de vencimentos entre carreiras públicas, reconhecidas constitucionalmente, caso da Defensoria Pública e da Procuradoria do Estado, por exemplo, lei específica seria necessária, impossibilitado o recurso direto ao Poder Judiciário para tanto, a não ser através de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, exatamente para obrigar a edição de tal lei, conforme o seguinte precedente [04]:
EMENTA: Servidor público. Isonomia. Artigo 39, § 1º, da Constituição Federal. Súmula 339 do STF. - Esta Corte, como demonstram os precedentes invocados no parecer da Procuradoria-Geral da República, tem entendido que continua em vigor, em face da atual Constituição, a súmula 339 ("Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de isonomia"), porquanto o § 1º do artigo 39 da Carta Magna é preceito dirigido ao legislador, a quem compete concretizar o princípio da isonomia, considerando especificamente os casos de atribuições iguais ou assemelhadas, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao legislador. Contra lei que viola o princípio da isonomia é cabível, no âmbito do controle concentrado, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que, se procedente. dará margem a que dessa declaração seja dada ciência ao Poder Legislativo para que aplique, por lei, o referido princípio constitucional; já na esfera do controle difuso, vício dessa natureza só pode conduzir à declaração de inconstitucionalidade da norma que infringiu esse princípio, o que, eliminando o beneficio dado a um cargo quando deveria abranger também outros com atribuições iguais ou assemelhadas, impede a sua extensão a estes. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido.
Porém mesmo esta última alternativa, da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, não é mais possível, pois a Emenda Constitucional 19/98, retirou do texto constitucional a isonomia salarial dos agentes públicos.
Em lugar da isonomia, passou a dispor o artigo 39, §1º da CF que a fixação dos padrões de vencimentos deve observar a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira, o que, se por um lado reduz os pleitos judiciais baseados diretamente na isonomia, por outro alarga a liberdade do Estado para proceder tais avaliações remuneratórias [05].
Assim, mesmo a reconhecida isonomia constitucional de vencimentos entre as carreiras da Defensoria Pública, Procuradoria do Estado e Delegados de Polícia não tem mais força para ser legislada, reduzindo-se a discussão sobre a equiparação remuneratória de cargos assemelhados ao princípio constitucional da isonomia contido no "caput" do artigo 5º
Sendo que tal argumento da isonomia não tem mais o poder de servir como fundamento imediato, inscrito na ficção da norma legal, para o pleito da equiparação de vencimentos entre carreiras, ficando reservado a uma justificativa de princípio (fundamento mediato) atrelado à realidade presente.
Por isto que, principalmente com a recém adquirida ampla autonomia da Defensoria Pública, reabre-se a discussão sobre a equiparação desta Instituição com o Ministério Público, não mais como uma vinculação legal obrigatória, mas como um princípio constitucional de justiça concreta.
III. Da similitude concreta entre as carreiras de Defensor Público e Promotor de Justiça, inscritas nas Constituições Federal e Estadual
Como acima referido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tendo como objeto a isonomia inscrita na redação anterior do §1º do artigo 39 da Constituição Federal, construiu, sem unanimidade de seus integrantes, a interpretação de que o Ministério Público não estaria equiparado, ficta ou realmente, à Defensoria Pública, especificamente pelo "inconfundível perfil constitucional" e autonomia de fixação remuneratória do Parquet.
Não obstante interpretação construída antes da EC 19/98, com base em disposição constitucional então existente da isonomia entre cargos públicos, é deste entendimento do Supremo que se deve partir para um novo foco, da tese da fixação da equiparação como um princípio de justiça concreta, entre duas Instituições constitucionalmente de igual importância.
Não mais como uma imposição legal, baseada em norma expressa da Constituição Federal, mas como uma justificativa da política remuneratória e de orçamento da Defensoria Pública, a partir do parâmetro consolidado do Ministério Público.
E neste sentido, quanto ao primeiro argumento, verifica-se forte disparidade de tratamento entre funções constitucionalmente de igual importância.
Isto porque, como princípio, não pode existir diferença de importância entre Instituições constitucionalmente essenciais à Justiça, inscrita no Capítulo IV do Título IV da Constituição Federal, a saber, o Ministério Público, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública.
Ou seja, possuem uma função comum, igual e uma ligação fundamental que é servir à Justiça, sendo que a semelhança se faz pela substância e não pelas peculiaridades dos serviços.
Neste sentido, vale a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto [06]:
"Observe-se, porém, que não se trata de funções auxiliares, mas de funções essenciais, vale dizer, tão imprescindíveis quanto as demais reguladas no mesmo Título IV, da Organização dos Poderes.
Essa essencialidade à Justiça, ressalte-se, não se deve entender que seja referente apenas à ação do Poder Judiciário, ou seja, à ‘Justiça’ no estrito sentido orgânico, referida especificamente à função jurisdicional do Estado, mas, na verdade, estendida à ação de todos os Poderes do Estado, enquanto digam respeito à legalidade e à legitimidade. Está entendida a ‘Justiça’, portanto, no seu sentido mais amplo, com a finalidade última do Estado Democrático de Direito, sem nenhum qualificativo parcializante que possa restringir o âmbito de atuação da advocacia geral dos interesses constitucionalmente garantidos.
A essencialidade deve entender-se, assim, como dirigida à totalidade das instituições que atuam no Estado, tanto as propriamente estatais quanto as de vigência na sociedade.
Como se verá a seguir, no cerne dessas funções essenciais à Justiça, está a defesa intransigente das múltiplas variedades de interesses que o homem desenvolve, individual ou coletivamente, dentro ou fora do Estado, mas que necessitam e necessitarão sempre de proteção: do Estado, pelo Estado, para o Estado e até contra o Estado. São, em conseqüência, tipos variados de ministérios da advocacia dos interesses."
Seguindo, o citado doutrinador, informa que a Constituição Federal regulou, nas três Seções do Capítulo IV em questão, o que se tem denominado de procuraturas constitucionais, considerando as categorias de interesses defendidos e a constitucionalização dos órgãos para sua atuação.
Anota, nesse sentido, que cada uma de tais procuraturas exerce "atribuições consultivas e postulatórias, todas bem definidas nos arts. 127, 129, 131, 132 e 134, da Constituição".
E acrescenta, com razão, o citado doutrinador:
"O primeiro conjunto de interesses abrange, basicamente, dois importantes subconjuntos: os interesses difusos da defesa da ordem jurídica e do regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, ‘caput’, da Constituição), detalhados em rol de funções (art. 129 da CF), em relação aberta, pois pode ser acrescida de outras funções desde que compatíveis com a finalidade institucional (art. 129, IX). Para esse conjunto, a função essencial à Justiça que lhe corresponde é a advocacia da sociedade, e a procuratura que a tem a seu cargo é o Ministério Público, em seus ramos federais, distrito federal e estaduais.
O segundo conjunto de interesses são os interesses públicos, assim entendidos os estabelecidos em lei e cometidos ao Estado, em seus desdobramentos políticos (União, Estados e Distrito Federal). Para esse conjunto, a função essencial à justiça que lhe corresponde é a advocacia do Estado (art. 131, para a União, e 132, para os Estados e Distrito Federal) e as procuratura que a têm a seu cargo são Advocacia Geral da União (órgão coletivo) e os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (órgãos singulares).
O terceiro conjunto de interesses são individuais, coletivos e até difusos, mas todos qualificados pela insuficiência de recursos daqueles que devam ou queiram defende-los: são os interesses dos necessitados (art. 5º, LXXIV, da Constituição). Para esse conjunto, a função essencial à justiça que lhe corresponde á a advocacia dos necessitados e a procuratura que a tem a seu cargo é a Defensoria Pública, federal, distrital federal e estadual (art. 134, da C.F.)"
(...)
"Nenhum interesse tem supremacia absoluta sobre os demais: a prevalência de um interesse qualquer, público, difuso, coletivo ou mesmo individual, depende da natureza de cada relação. Não se justifica, tampouco, sob esse óptica, nem que se discrimine, em termos de prerrogativas e garantias, seja a advocacia privada da advocacia pública e, nesta, que se discrimine funcionalmente qualquer da procuraturas públicas. Ao contrário: o aperfeiçoamento institucional das funções essenciais à justiça há de seguir a linha adotada pelos princípios dessumidos do ordenamento constitucional, de modo a que se obtenha o máximo de prestância na afirmação de um Estado de Justiça."
Assim, dentre os princípios comuns às funções essenciais à Justiça, o referido doutrinador aponta a igualdade, que "decorre da inexistência de hierarquia entre os interesses cometidos a cada uma das funções essenciais à Justiça; a igual importância das funções determina a igualdade constitucional das procuraturas que as desempenham"
Em resumo, não há elementos, na Constituição, a afastar os cargos do Ministério Público daqueles da Defensoria Pública, disciplinados no mesmo Capítulo, cada qual com a incumbência da defesa de interesses relevantes, sem hierarquia de um sobre outro. Dessa forma, seus agentes atuam em igualdade formal e efetiva, ou como autor, ou representante do autor ou do réu, desempenhando, além disso, extrajudicialmente, cada um, em âmbito consultivo, funções igualmente relevantes.
Enfim, a Constituição colocou no mesmo patamar do seu interesse todas as funções que cometeu às Procuraturas. O interesse acusatório não pode preponderar sobre o interesse defensivo, também constitucionalmente assegurado, ou, ainda, sobre o interesse do próprio Estado. Do contrário, haveria supremacia da defesa de um dos interesses constitucionais, em detrimento dos demais.
Quanto ao segundo argumento, da iniciativa reservada do Ministério Público para a propositura da fixação dos vencimentos dos seus membros, perdeu totalmente sua força com a recém consagrada autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública, e a iniciativa de sua proposta orçamentária, conferidas pela Emenda Constitucional 45/2004, ao acrescentar §2º ao artigo 134 da Carta Magna.
Texto que foi seguido pela Constituição Estadual, com a Emenda Constitucional 50/2005, com a ressalva expressa da competência da Defensoria Pública de propor à Assembléia Legislativa "a fixação dos vencimentos de seus membros e servidores" (artigo 121, §1º, inciso III).
Portanto, há evidente e real similitude entre as carreiras do Ministério Público e da Defensoria Pública, o que deve traduzir num tratamento igualitário na política remuneratória e de orçamento de seus agentes e Instituições, sob pena de desrespeito ao princípio da isonomia consagrado no artigo 5º da Constituição Federal.
IV. Da forma de equiparação dos vencimentos do Ministério Público e da Defensoria Publica na atualidade
Por tudo o que acima exposto e adiantado, a equiparação dos vencimentos dos agentes do Ministério Público e da Defensoria não pode mais se dar pela isonomia ficta e anteriormente imposta pela Constituição Federal, mas, sim, através de uma justificativa de princípios, mediatizando a igualdade de tratamento que deve ser concretizada aos órgãos responsáveis pelas funções essenciais à justiça, no caso entre Defensoria Pública e Ministério Público.
Ou seja, deve-se buscar a conscientização e o amadurecimento dos órgãos legislativo e executivo, sobre a importância constitucional de igualar o tratamento remuneratório e de orçamento da Defensoria Pública com o Ministério Público, tarefa hoje fortemente resguardada pela recém consagrada ampla autonomia conferida à Instituição, com competência expressa de propor a fixação dos vencimentos de seus membros.
Concluindo, falar hoje em isonomia para equiparação de vencimentos é buscar tão-somente uma justificativa de princípio, como um embasamento de convencimento sobre a importância do respeito à igualdade de tratamento entre os órgãos responsáveis pelas funções essenciais à justiça, sem qualquer tentativa de vinculação imediata entre as carreiras.
Pelo contrário, o fundamento imediato para fixação dos vencimentos de seus membros, é exclusivamente a própria autonomia de gestão garantida constitucionalmente à Defensoria Pública, o que não a impede de utilizar um parâmetro real para tal determinação remuneratória.
Notas
01 ADI 761/RS, ADI 465/PA
02 ADI 171/MG
03 Interpretação constitucional que deixa transparecer certa contradição, pois ao mesmo tempo que, para a equiparação entre as carreiras de Defensor Público, Procurador do Estado e Delegado de Polícia, o Supremo utilizou-se de uma assimilação ficta entre as carreiras, para afastar desta equiparação o Ministério Público, teve que "descer" a uma análise real, mesmo que genérica, das atribuições e características fundamentais dos cargos em confronto.
04 RE 173252
05 "Se as disparidades já existiam com o princípio da isonomia, parece-nos irreversível que se tornarão mais profundas e injustas com o novo sistema, sabido que as Administrações não apenas se têm mostrado deficientes para tal avaliação, como também porque, constantemente, têm sido pressionadas pelo impulso provocado por determinados interesses escusos de certas autoridades, situação de imoralidade que só se extinguirá com a mudança de consciência dos administradores públicos." (José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 14ª edição, Lúmen Júris Editora, página 585)
06 CONSTITUIÇÃO E REVISÃO – Temas de Direito Político e Constitucional, ed. Forense, págs. 24/243