A juíza de Direito da 6ª vara Cível de Nova Iguaçu/RJ, acolheu embargos à execução e declarou a inexigibilidade de título executivo extrajudicial. Ao decidir, a magistrada considerou que no documento firmado entre as partes não há a assinatura de duas testemunhas, como previsto no CPC.
Veja o que diz o Código de Processo Civil:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
(...)
III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
O exequente alegou que as partes criaram sociedade empresarial em março de 2013 e que, por problemas de ordem pessoal, em 2016, vendeu sua cota parte da sociedade por R$ 200 mil, a serem pagos em 27 parcelas.
Argumentou, ainda, que há saldo devedor de R$ 147.823,12, acerca do qual as partes teriam feito novo acordo de parcelamento, o qual supostamente não teria sido pago, restando suposto saldo devedor de R$ 168.296,47, o que ensejou a interposição da execução em questão.
Conforme afirmou o proponente dos embargos, tal pretensão não merece prosperar, pois o tal documento firmado entre as partes não é título executivo extrajudicial, tendo em vista que se trata de documento particular, assinado apenas pelas partes.
"Ora, no "título" em questão não há a assinatura de duas testemunhas, o que lhe retira a característica de título executivo extrajudicial, evidenciando a inadequação da via eleita no presente caso", diz trecho da petição.
Na análise do caso, a juíza salientou que os documentos carreados à execução pelo embargado, apontando as prestações supostamente inadimplidas, por si só, não tem o condão de perfazer os atributos de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo.
"Certo, portanto, o embargado pretende por meio de execução de título extrajudicial executar a título que não apresenta certeza, liquidez e exigibilidade, nos termos da lei."
Assim, acolheu os embargos para declarar a inexigibilidade de título executivo extrajudicial a amparar a pretensão executória do embargado e julgou extinta a execução.
Processo: 0104055-53.2018.8.19.0038.
Dissertando sobre a decisão primeira do Juízo da 6ª Vara Cível de Nova Iguaçu:
Inicialmente, no artigo 783 do CPC, quer dizer: nenhum título executivo, seja ele judicial, seja extrajudicial, estará completo se não contiver representação documental de obrigação líquida, certa e exigível.
Indo ao Artigo 786. A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo.
O título executivo é o documento necessário e basal para instauração do processo de execução (seja execução de título judicial ou extrajudicial).
Aliás, é necessário que esse título contenha os requisitos primordiais para que se processo a execução.
Nessa caminho, aproveitando da sabedoria do saudoso Teori Zavaski: “O título executivo como “requisitos necessários para realizar qualquer execução”. Segundo a doutrina liebmaniana[1], toda a execução tem um pressuposto prático, o inadimplemento, e um pressuposto legal, o título executivo. “A situação de fato que pode dar lugar à execução”, escreveu ele, “consiste sempre na falta de cumprimento de uma obrigação por parte do obrigado. Só quando se verifica uma situação dessa espécie é que surge a razão de ser, o interesse prático concreto para fazer-se a execução”. E acrescentou: “a existência de um crédito insatisfeito não é, porém, suficiente para que possa pedir-se a execução. É ainda necessária a existência de uma sentença legalmente pronunciada, verificando esse fato e condenando o devedor. Tal ato tem eficácia de título executório e funciona como condição necessária e suficiente da execução, segundo o princípio tradicional: nulla executio sine título”.
E especificamente o artigo 784, do CPC no Inciso III, quer dizer:
III - Documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas.
O documento particular há de ser assinado pelo devedor e por duas testemunhas.
Não se reclama reconhecimento das firmas. Assinatura a rogo não é assinatura do devedor. É de terceiro.
Quem não sabe assinar (analfabeto) ou não pode, por qualquer razão, fazê-lo, deve ser representado no título por mandatário constituído por instrumento público. Testemunhar significa confirmar que o fato existiu.
A fidelidade do testemunho de que o instrumento assinado espelha a realidade do que se passou, supõe a presença da testemunha ao ato de assinatura. Embora a lei não refira expressamente, é intuitivo, portanto, que o testemunho referido no inc. III seja de quem presenciou o ato, não de quem dele tomou conhecimento por terceiro. Havendo dúvida razoável, é legítima a exigência de identificação das testemunhas do contrato[2].
Pode ocorrer, todavia, que, utilizado o crédito, o devedor venha a reconhecer formalmente o valor devido. É comum na prática bancária, com efeito, a assinatura, nesses casos, de instrumentos de confissão de dívida. Ora, em tal ocorrendo, embora o primitivo contrato de abertura de crédito não seja considerado título executivo, certamente o será o documento superveniente, desde que formalizado por um dos modos previstos no inc. III dos artigos 784 (v.g., quando, sendo documento particular, for assinado pelo devedor e duas testemunhas).
Os contratos eletrônicos têm sido, modernamente, objeto de controvérsia sobre se constituem título executivo ou não. Embora a jurisprudência do STJ seja no sentido da interpretação restritiva do dispositivo, há precedente incluindo no rol do inciso III o contrato eletrônico de mútuo assinado digitalmente[3].
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTIVIDADE DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO ASSINADO DIGITALMENTE (CRIPTOGRAFIA ASSIMÉTRICA) EM CONFORMIDADE COM A INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA. TAXATIVIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. POSSIBILIDADE, EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ART. 585, INCISO II, DO CPC/73 (ART. 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. PRECEDENTES. 1. Controvérsia acerca da condição de título executivo extrajudicial de contrato eletrônico de mútuo celebrado sem a assinatura de duas testemunhas. 2. O rol de títulos executivos extrajudiciais, previsto na legislação federal em "numerus clausus", deve ser interpretado restritivamente, em conformidade com a orientação tranquila da jurisprudência desta Corte Superior. 3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual. 4. Nem o Código Civil, nem o Código de Processo Civil, inclusive o de 2015, mostraram-se permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico. 5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados. 6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. 7. Caso concreto em que o executado sequer fora citado para responder a execução, oportunidade em que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de pré-executividade, seja em sede de embargos à execução. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (STJ - REsp: 1495920 DF 2014/0295300-9, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 15/05/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/06/2018).
A falta de alguma das testemunhas ou a sua incapacidade não invalida o contrato ou o documento, mas nega a eficácia executiva do título (STJ, 4.ª Turma, REsp 1.453.949/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15.08.2017).
Como se vê, o título executivo só terá sua eficácia se assinado por duas testemunhas. No caso, não importa, aliás, não é preciso o reconhecimento da firma das assinaturas, basta apenas as assinaturas no termo.
Evidente que este documento particular deva preencher todos os requisitos (obrigação certa, líquida e exigível).
Obrigação certa é aquela que, diante do título, existe – da qual não se duvida a partir do título a respeito da existência. A obrigação é líquida quando determinada quanto ao seu objeto. Não retira a liquidez da obrigação o fato de estar sujeita à correção monetária ou ao acréscimo de juros. Exigível é a obrigação atual, que pode ser imediatamente imposta. A regra está em que a obrigação é exigível quando em mora o devedor. Por isso, não existindo mora do devedor, não é viável iniciar-se o processo de execução (STJ, 3.ª Turma, AgInt nos EDcl no REsp 1.538.579/PE, rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 19.05.2017).
Por fim, estando o título executivo desprovido da assinatura de duas testemunhas o título é válido, nas não é eficaz, como diz o artigo 917 do CPC. O título padece de inexequibilidade, por lhe faltar as características de título executivo.
[1] Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 6. No mesmo sentido, Manual de direito processual civil, cit., p. 205 (citado por Comentários ao Código de Processo Civil: (arts.771 ao 796) [livro eletrônico]/ Teori Zavascki. -- 2. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018. – (Coleção comentarios ao Código de Processo Civil; v. XII / direção Luiz Guilherme Marinoni; coordenação Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero) 6 Mb ; e-PUB 2. ed em e-book baseada na 2. ed. impressa rev. e atual).
[2] Comentários ao Código de Processo Civil: (arts.771 ao 796) [livro eletrônico]/ Teori Zavascki. -- 2. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018. – (Coleção comentarios ao Código de Processo Civil; v. XII [3] STJ, REsp 1.495.920/DF, 3ª Turma, Rel. Min, Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/05/2018, DJe 07/06/2018.