O objetivo deste artigo é demonstrar que a falta de regulamentação do Airbnb prejudica a isonomia tributária no setor hoteleiro. A dinâmica do modelo “p2p” e a inércia fiscalizatória da Receita Federal podem promover uma grave erosão da base de arrecadação de tributos.
Segundo o site El Economista, em 2015, o Airbnb administrou 35.000 imóveis na Espanha e recolheu apenas 81.000 euros em impostos locais. O enquadramento como empresa de marketing e a ausência de tributação sobre os lucros permitem uma carga fiscal reduzida no país hispânico.
A notícia acima representa uma realidade global. Os países não possuem mecanismos regulatórios dinâmicos e eficientes, capazes de conter a erosão da base tributária. Além disso, há grande dificuldade técnica no enquadramento jurídico da atividade exercida pela plataforma.
No Brasil, o setor hoteleiro tem alertado, desesperadamente, sobre a concorrência desleal promovida pelo Airbnb. É fato público e notório que os hotéis possuem uma carga tributária excessiva em comparação à hospedagem promovida pela economia colaborativa.
Os preços vantajosos do Airbnb decorrem de duas causas fiscais:
1) alta sonegação do IRPF pelo anfitrião;
2) enquadramento equivocado da plataforma como mero prestador de serviços, o que atrai apenas a incidência do ISS.
Vejamos.
Sabemos que o anfitrião, ao receber os valores pagos pelo Airbnb, deve recolher IRPF via carnê-leão. A tributação incide de forma semelhante aos rendimentos de aluguéis convencionais, com alíquota de até 27,5%. Ocorre que os valores do IRPF podem ser alvo de sonegação tributária em larga escala. O contribuinte, até por boa-fé, sequer compreende que a operação é tributada como rendimento. Neste ponto, há uma informação pública do Airbnb no sentido de que os rendimentos do anfitrião não são informados à Receita Federal. Tal propaganda, maliciosa por sinal, pode induzir o contribuinte a erro, levando-o a acreditar em uma possível isenção tributária.
De todo modo, para evitar a sonegação, existe a IN 1.115/2010, que dispõe sobre a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (DIMOB). Trata-se de uma obrigação tributária acessória imposta às pessoas jurídicas que promovem a intermediação de aluguéis de imóveis. Essa norma obriga as imobiliárias a informarem à Receita, anualmente, as transações que envolvam locações de imóveis.
“Art. 1º A Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (DIMOB) é de apresentação obrigatória para as pessoas jurídicas e equiparadas:
II - que intermediarem aquisição, alienação ou aluguel de imóveis.”
Por interpretação literal, o Airbnb, ao promover a hospedagem, tipificada como contrato de locação de temporada (art. 48. da Lei 8.245/91), deveria apresentar a DIMOB. Por força de lei, a plataforma deveria informar à Receita as transações entre anfitrião e hóspede.
Assim, o anfitrião, ao saber que há o cruzamento de dados com a Receita, poderia estar mais propenso a pagar o IRPF. O temor de cair na malha fina previne, parcialmente, a sonegação. Dessa forma, o contribuinte passaria a recolher uma alíquota de até 27,5% sobre os rendimentos recebidos pela plataforma. É certo que esse ônus impacta diretamente no valor da hospedagem.
O segundo motivo fiscal decorre de uma interpretação sistemática sobre o enquadramento da atividade do Airbnb. No Brasil, a plataforma é tipificada como prestadora de serviços digitais e apenas recolhe o ISS (alíquota de 5%) sobre a sua respectiva atividade, e não sobre o valor da hospedagem.
No nosso entendimento, o Airbnb não é um prestador de serviço, mas sim figura como o próprio locador do imóvel. Em ato simultâneo, a empresa loca o imóvel do anfitrião e o subloca ao hóspede. Assim, é realizado um contrato de locação atípico, e os serviços digitais são apenas condições acessórias.
Os argumentos que permitem o enquadramento da plataforma como locatária são os seguintes:
A ação de despejo só pode ser movida contra o Airbnb e não contra o hóspede;
A plataforma garante o pagamento da hospedagem e o seguro contra danos;
A empresa pode reter, unilateralmente, o pagamento ao anfitrião e não devolver o valor ao hóspede;
O Airbnb limita o número de hóspedes, mesmo que o anfitrião autorize de forma contrária;
Não há, na prática, um contrato firmado entre hóspede e anfitrião.
As condições supramencionadas revelam o típico contrato de locação e sublocação de imóvel. É inegável que a posse indireta do imóvel pertence ao Airbnb, que, após locar o imóvel do anfitrião, promove outra locação (sublocação) ao hóspede, garantindo inclusive o pagamento.
Caso essa perspectiva, que envolve a primazia da realidade, fosse considerada, a plataforma deveria reter na fonte o IRPF do anfitrião, com alíquota de até 27,5%. A presente tese não trata de analogia tributária, vedada por lei (art. 108. do CTN), mas sim do correto enquadramento do fato gerador.
Sabemos que o pagamento de aluguel realizado por uma pessoa jurídica gera a obrigação tributária acessória de descontar o valor do Imposto de Renda do locador. No caso, o Airbnb, sendo uma empresa constituída no Brasil (cidade de São Paulo), com CNPJ próprio, ao realizar o pagamento ao anfitrião (locador), deveria reter o IRPF devido. O fundamento legal está no art. 22, inciso VI, da Instrução Normativa 1.500/2014 da Receita Federal.
As duas proposições mencionadas não aumentariam a carga tributária do contribuinte que já paga regularmente o seu IRPF. Também não haveria qualquer ônus para o Airbnb, que apenas recolheria o IRPF do anfitrião, declararia a DIMOB e continuaria pagando ISS normalmente.
A falta de regulamentação específica provoca distorções no sistema tributário, gerando problemas jurídicos intermináveis e ininteligíveis1.
Atentos à perda de arrecadação tributária, os municípios de Caldas Novas e Ubatuba (Lei 4.050/2017 e LC 99/2017) instituíram a cobrança de ISS sobre o anfitrião. Nesses casos, o ISS incide sobre o serviço do locador, pois ele exerce a atividade de “promover a hospedagem”. A constitucionalidade dessas leis é discutível. Teoricamente, não poderia haver incidência de ISS sobre a locação de imóvel, dada a taxatividade do rol de atividades da LC 116/2003. Além disso, a Súmula Vinculante 31 proíbe a incidência do referido tributo sobre a locação.
Registre-se que os 5.568 municípios existentes no Brasil, em 2021, possuem competência legislativa para legislar sobre o ISS (art. 156. da CF). Com o afinco, a criatividade e a técnica costumeira dos nossos legisladores locais, poderíamos criar, tranquilamente, 5.568 legislações diferentes sobre ISS e Airbnb no Brasil, resultando em um caos tributário completo, numa guerra fiscal sem precedentes.
Essa confusão sobre a regulamentação tributária da economia colaborativa não é exclusividade do Brasil. A Agência Reuters informa que o Airbnb fechou novos acordos nos EUA e na França sobre arrecadação tributária e cumprimento de obrigações fiscais. Os mais recentes acordos, formalmente anunciados, foram firmados em oito cidades e condados norte-americanos, no Texas, e em 31 cidades na França, somando um total de 275 transações. Segundo o porta-voz da empresa, Nick Papas, o valor de recolhimento de impostos seria equivalente aos pagos por hotéis.
Podemos concluir que a ausência de legislação específica promove a erosão da base tributária e a concorrência desleal no setor hoteleiro. Todavia, o sistema fiscal brasileiro possui mecanismos indiretos que podem atenuar a perda de arrecadação por meio do cruzamento de dados sobre os rendimentos da pessoa física.
No nosso modesto entendimento, a Receita Federal poderia aplicar a IN 1.115/2010 e obrigar o Airbnb a fornecer a DIMOB. Dessa forma, os rendimentos percebidos pelo anfitrião seriam informados pela plataforma ao órgão fazendário. Tal medida garantiria isonomia tributária, com a incidência de alíquotas de até 27,5% sobre os rendimentos do anfitrião. Causa perplexidade a falta de interesse arrecadatório do fisco, sobretudo considerando o volume gigantesco de impostos possivelmente sonegados.
Nota
1 Tramitou na Justiça Federal um processo no qual o CRECI/SP acusava o Airbnb de atuar como corretor de imóveis (Autos n° 5016668-76.2017.4.03.6100; 5ª Vara Cível SP/SP). Em outra ação judicial, a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) contestou a reduzida tributação das plataformas digitais (ADI 5.764). (Nota do Editor: ambas as ações foram julgadas improcedentes).