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Diálogos judiciais transnacionais e a Convenção n. 87 da OIT

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22/10/2021 às 16:00

Resumo:


  • A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919 para promover a colaboração entre trabalhadores e empregadores, visando melhorar as condições de trabalho e defender os direitos humanos.

  • A Convenção nº 87 da OIT, de 1948, estabelece princípios sobre a liberdade sindical, incluindo a autonomia coletiva e a não interferência do Estado, mas enfrenta obstáculos para ratificação no Brasil devido a dispositivos constitucionais incompatíveis.

  • O princípio da liberdade sindical é essencial para equilibrar as relações de trabalho e garantir a representatividade dos trabalhadores, mas o modelo sindical brasileiro, baseado na unicidade e intervenção estatal, limita esse direito, desafiando a modernização e a efetivação dos direitos fundamentais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Criticamos o modelo sindical brasileiro classificando-o como empecilho à plena concretização da liberdade sindical nos moldes preconizados pela Convenção 87 da OIT.

INTRODUÇÃO

Constituída em 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) fundamentou-se na colaboração entre empregados e empregadores objetivando o progresso, melhoria das condições sociais e econômicas; em especial, a defesa dos direitos humanos.

Em 1948, a Conferência Geral da OIT adotou a Convenção nº 87, também denominada Convenção sobre Liberdade Sindical e Proteção ao Direito Sindical, que delimitou relevantes princípios sobre o direito da livre sindicalização, sem qualquer interferência do Estado.

O princípio de liberdade sindical é que torna possível aos trabalhadores a igualdade com o poder econômico, a qual é expressa por meio da autonomia privada coletiva.

No entanto, sabe-se que a atual Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, carrega consigo traços do período ditatorial, antigo modelo corporativista permeado pelo intervencionismo estatal. Como fruto do modelo adotado há décadas, a CF/88 foi concebida com regras incompatíveis com o diploma internacional, contento, pois dispositivos claramente obstativos à ratificação da Convenção n. 87 da OIT, tais como a existência de um sindicato único (art. 8.º, II, CF/88), a contribuição sindical determinada por lei (art. 578 e 579, CLT), a imposição da base territorial mínima de um Município (art. 8.º, II, CF/88) e a divisão por categorias (art 511 e §§, CLT). Tais dispositivos são foram um arcabouço argumentativo pela não ratificação da Convenção 87 da OIT, ainda que haja, por correntes contrárias, entendimento pela vigência da convenção.

Além do óbice acima mencionado, há ainda a coexistência de previsões antagônicas no próprio texto Constitucional, visto que, de um lado, a Constituição oferece mecanismos para a implementação e exercício da atividade sindical, vedando qualquer interferência ou imposição de entraves pelo Estado. Por outro lado, mantém alguns elementos da tradição corporativista, que restringem a efetiva liberdade sindical.

Com a evolução das relações sociais e de trabalho, novos problemas surgiram. Atualmente, a antiga estrutura sindical estabelecida na década de 30 não é satisfatória para a representação dos direitos e interesses individuais e coletivos dos trabalhadores, dentre os quais, muitos insatisfeitos com as decisões tomadas por seu ente representativo, tornam-se dissidentes, agravando ainda mais a questão da representatividade no modelo vigente.

Partindo-se da premissa de que o modelo adotado pelo Brasil é da Unicidade Sindical, o trabalhador não teria outra opção de filiação além do sindicato de sua categoria existe em sua área de atuação (base territorial). Para evitar a associação contra a própria vontade, a Constituição Federal (art. 8.º, V, CF/88) garantiu ao trabalhador o direito de sua livre escolha em filiar-se ou manter-se filiado a sindicato, saudando assim o princípio da liberdade sindical individual.

Neste contexto, destaca-se a Convenção n. 87, da OIT, a qual se mostra como uma possibilidade viável de modernização do modelo representativo sindical, no entanto, sua incompatibilidade com o texto constitucional nacional revela grave impedimento para que a norma internacional seja ratificada no Brasil.

É indiscutível que o maior dogma do “Estado de Direito” repousa na idéia de supremacia da lei, que normalmente se apresenta sob o signo de princípio da legalidade, segundo o qual todas as demais fontes normativas têm como limite de validade a adequação àquela, visto que a lei é considerada a vontade máxima do Estado soberano, que deteria o monopólio do sistema de fontes jurídicas. Vivenciamos um contexto paradigmático em que se reconhece valor normativo às regras estabelecidas pelas pessoas de direito internacional público, tais como tratados e a atribuição de competências a organismos internacionais.

Isso se potencializa quando se reconhece o fenômeno das constituições transversais, as quais demandam discussões sobre os limites e possibilidades de construção de uma racionalidade transversal mediante o aprendizado recíproco e intercâmbio criativo entre ordenamentos constitucionais diversos.

A descoberta e o desenvolvimento de novas funções dos direitos fundamentais constitui uma questão de natureza essencialmente hermenêutica, pois se encontra vinculado à possibilidade de, por meio da interpretação, serem incorporados novos conteúdos ao programa normativo dos direitos fundamentais, os quais, nesse modelo, assumem a condição de normas que incorporam determinados valores e decisões essenciais, que caracterizam seu caráter jusfundamentador, e passam a servir, na sua qualidade de normas de direito objetivo, e independentemente de sua perspectiva subjetiva, como parâmetros para o controle de constitucionalidade das leis e demais atos normativos estatais.

Sob a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais no direito comparado, por meio do diálogo das fontes constitucionais, é que defenderemos a efetividade e validade da Convenção 87, da OIT, em nosso ordenamento jurídico como instrumento apto à modernização e proteção das relações de trabalho, privilegiando, deste modo, a autonomia da vontade coletiva.

Para tanto, seguindo a hermenêutica proposta serão abordados os seguintes aspectos: 1. o ordenamento juslaboral brasileiro; 2. a convenção 87 da OIT e a Constituição brasileira de 1988; 3. o diálogo das fontes constitucionais; 4. diálogos judiciais transnacionais;  5. os direitos fundamentais aplicados ao direito do trabalho; e 6. diálogos judiciais transnacionais e a convenção 87.

1. O ORDENAMENTO JUSLABORAL BRASILEIRO

A evolução da sociedade e a modificação do ambiente socioeconômico influenciam profundamente as relações de trabalho. Deste modo, não é forçoso notar que equilíbrio das relações jurídicas e a solução de conflitos delas decorrentes são diretamente afetados pela deficiência da atualização legislativa e a resistência a uma nova hermenêutica normativa.

As relações de trabalho contemporâneas não possuem as mesmas características das relações surgidas à época da Consolidação das Leis do Trabalho no Brasil, porquanto, a sociedade evoluiu, as relações sociais se transformaram e as relações de trabalho mudaram.

Atualmente, as principais fontes jurídicas voltadas ao Direito do Trabalho no Brasil estão inseridas na Constituição Federal de 1988 e na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, criada em 1943, pelo Decreto 5.452.

Embora seja alvo de frequentes modificações com o objetivo de se adaptar às mudanças sociais, percebe-se que o modelo em que se encontra o ordenamento juslaboral impossibilita grandes avanços.

O modelo sindical adotado, conforme dito alhures, apresenta traços corporativistas, mantendo a previsão constitucional da Unicidade Sindical. O inciso II, do art. 8º da CF/88 trouxe um dispositivo que impede a criação de mais de uma organização sindical representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, a qual não pode ser inferior à área de um Município. Tal dispositivo mostra-se como elemento impeditivo da Liberdade Sindical, visto que impede a ratificação da Convenção n. 87 da OIT, a qual estimula a liberdade sindical, inclusive no tocante a adoção de um modelo de pluralidade.

No entanto, presos a um ordenamento jurídico anacrônico, magistrados e operadores do direito encontram dificuldades para interpretar as novas relações de trabalho à luz da nova condição social. Deste modo, torna-se fundamental que as leis acompanhem o desenvolvimento social, de modo a regulamentar as relações atuais, sem, no entanto, abandonar os princípios e, principalmente, tendo como parâmetro de decisão os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, a qual nem sempre se mostra suficiente para a solução dos problemas contemporâneos.

Neste trilho, válido citar a afirmação de Cristiane Mello ao destacar que “a normatização heterônoma traz a proteção de diversos direitos, no entanto, não é capaz de acompanhar os desafios das sociedades complexas”[1].

Ainda neste contexto, Cristiane Mello cita Guerra Filho (2007, p. 8) o qual assevera que a “regulação que no presente é requisitada ao direito assume o caráter finalístico, e um sentido prospectivo, pois, para enfrentar a imprevisibilidade das situações a serem reguladas, ao que não se presta ao esquema simples de subsunção de fatos a uma previsão abstrata anterior, precisa-se de normas que determinem objetivos a serem alcançados futuramente, sob as circunstâncias que estão se apresentem”.[2]

Conforme demonstrado pelos autores a regulamentação das normas trabalhistas devem atender aos fins a que se destinam, da proteção dos direitos dos trabalhadores, visando condições dignas de trabalho. No entanto, o estabelecimento de normas de regulação das relações de trabalho deve ter um alcance futurístico, fato que a torna deficitária, visto a impossibilidade de que uma norma rígida tenha previsão de flexibilização suficiente para adequação das relações de trabalho à dinâmica econômica global.

Por esse motivo, sem exclusão de outros, obviamente, é que comungo dos ensinamentos do Professor Paulo Sérgio João, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o qual entende ser salutar a mínima regulamentação das relações de trabalho para que não haja o enrijecimento e limitação da autonomia da vontade coletiva, observados, claramente, os direitos fundamentais constitucionais, em especial, o da dignidade da pessoa humana.

Nesse diapasão, citado por Renato Rua de Almeida, importa memorar o entendimento de Georges Scelle, que em 1927 já previa que no “âmbito do direito do trabalho, as relações jurídicas seriam, no futuro, reguladas pelas partes”.[3]

A crescente taxa de desemprego verificada nos últimos anos, a situação de crise econômica, o despreparo e a lenta adaptação do mercado de trabalho nacional às tendências da tecnologia mundial é fator de relevante preocupação.

Como método de solução dos modernos e complexos conflitos laborais tem-se o princípio da liberdade sindical, instrumentos fomentado pela Convenção 87 da OIT, o qual, por meio da autonomia da vontade coletiva constitui o mais eficiente mecanismo de melhoria das condições de trabalho e de promoção da paz nas relações laborais.

2. A CONVENÇÃO 87 DA OIT E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988.

Prenunciada pela Declaração de Filadélfia, aprovada em 1944, o direito à liberdade sindical tinha por finalidade a promoção da paz, da justiça social e condições mais justas e dignas de vida aos trabalhadores.

A liberdade sindical, sucintamente, é um direito que possibilita aos trabalhadores associarem-se para organizar, administrar, fundar e, com autonomia, exercer funções representativas em busca de melhores condições de trabalho.

Em 1948, a liberdade sindical foi reconhecida como direito humano na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, no mesmo ano em que foi aprovada a Convenção 87, primeiro instrumento da Organização Internacional do Trabalho a tratar de modo abrangente o exercício da liberdade sindical.

A liberdade sindical é um pressuposto imprescindível do Estado Democrático de Direito, um direito fundamental relacionado especificamente com a pessoa humana trabalhadora e que possibilita a atuação coletiva dos trabalhadores de modo que sejam alcançadas melhorias para suas condições de trabalho.

Inegavelmente a Constituição Federal de 1988 representou um marco da redemocratização da nação brasileira, tento sido instrumento de ampliação de diversos direitos fundamentais. Contudo, no tocante à liberdade sindical, restringiu-se a assegurar a liberdade de associação, a atuação do dirigente sindical e a sindicalização dos servidores públicos civis.

A Carta Magna reconhece o direito de associação sindical como direito fundamental, garantindo direitos que devem ser obrigatoriamente observados no Estado Democrático de Direito. No entanto, paradoxalmente, contrariando o caminho do desenvolvimento global, a CF/88 manteve a unicidade sindical por categoria e a contribuição sindical compulsória em favor das entidades que integram o sistema confederativo, conforme dispõem os incisos II e IV do art. 8º da Constituição. Contudo, tais dispositivos constitucionais representam nítido impedimentos do princípio da liberdade sindical, consagrada pela Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho. A Constituição de 1988 manteve os defeitos derivados do corporativismo sobrepondo uma nova ordem legal à CLT e ocasionando divergências de interpretação.

José Afonso da Silva[4] afirma que a liberdade sindical implica na liberdade de fundação de sindicato, na liberdade de adesão ao sindicato, na liberdade de atuação e de na liberdade de filiação.

Nesse sentido, a Convenção 87, da OIT, qual fomenta a pluralidade sindical, diversamente do estabelecido por nossa Constituição Federal. Essa contradição entre o sistema sindical adotado pelo Brasil e a Convenção 87, acarreta claro confronto com as normas internacionais de proteção dos direitos humanos dos trabalhadores, dentre as quais vale destacar a Declaração sobre os objetivos da Organização Internacional do Trabalho (Filadélfia, 1944), na Declaração Universal dos Direitos do Homem (Nova York, 1948) e no Pacto Social dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Nova York, 1966), a já citada Convenção n. 87 da OIT (São Francisco, 1948) e a Convenção n. 98 da OIT (Genebra, 1949).

Indubitavelmente o mais importante desses documentos é a Convenção n. 87, assim deve ser considerada, em virtude de sua especificidade e abrangência, tendo em vista a garantia da liberdade sindical. O conteúdo da Convenção 87 fundamenta-se na questão da condição da pessoa humana do trabalhador e na promoção de sua dignidade como direito fundamental, vinculada aos direitos humanos, sem a qual não se pode desenvolver plenamente a liberdade e igualdade.

A Convenção n. 87 é a principal norma protetora da liberdade sindical, entretanto, não foi ratificada pelo Brasil devido às limitações constitucionais dos incisos II (unicidade) e IV (contribuição compulsória) do art.8º, que são vestígios do fascismo que impregnaram a Constituição por décadas. Embora tal norma tenha a democracia como fundamento precípuo e o Brasil tenha sido um de seus signatários, até os dias atuais não a ratificou, bem como não poderá ratificá-la, enquanto permanecer nos dispositivos constitucionais os incisos II e IV do art. 8º.

Parte considerável da doutrina entende que para ser alcançada a plena liberdade sindical é necessária uma reforma no sistema sindical, bem como a ratificação da Convenção 87 da OIT, nos termos do art. 5.º, § 3.º, CF/88, considerando ainda que a liberdade de associação sindical é um direito fundamental assegurado no art. 8º, caput, e inciso V, o qual decorre da liberdade de associação prevista no art. 5.º, XVII a XXI, todos da CF/88.

Nesse trilho, Arion Sayão Romita[5] entende ser necessário alterar o texto constitucional a fim de viabilizar a ratificação da Convenção 87 da OIT. No entanto, reconhece, o autor, que a simples ratificação da norma internacional estaria fadada ao fracasso por conta da inconstitucionalidade que macularia o instrumento por conta da incompatibilidade com o texto constitucional vigente.

Por fim, merece destaque o fato de que a plena liberdade sindical é o caminho que, democraticamente, possibilitará a existência de uma pluralidade representativa, de modo que, conforme afirma Amauri Mascaro Nascimento[6], “a pluralidade sindical levaria os entes sindicais a um sistema que para os mesmos seria de competição entre si em prejuízo de todos os que querem manter a situação atual e das categorias de trabalhadores que representam”.

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Em outras palavras, ocorreria uma concorrência de representatividade na qual venceriam os sindicatos mais representativos e que estivessem verdadeiramente alinhados com os interesses dos seus trabalhadores representados, independente da condição de categoria.

3. O DIÁLOGO DAS FONTES CONSTITUCIONAIS

Não são poucas as teorias que buscam formas alternativas para a concretização dos direitos fundamentais. Considerando que os padrões legislativos e jurídicos não são suficientes para o enfrentamento dos problemas complexos da multicultural e dinâmica da sociedade moderna, emerge, nesse contexto, a importância dos diálogos transnacionais, os quais, notadamente, têm influenciado de maneira relevante relações sociais, políticas e econômicas contemporâneas.

O diálogo das fontes parte, sinteticamente, do princípio que as experiências de uma nação podem ser válidas para a resolução de problemas semelhantes vivenciadas por outra, de modo que a adoção de mecanismos que apresentem similitude possibilitaria uma rápida superação de determinadas dificuldades.

Nesse diapasão, vale ressaltar que a influência decorrente do diálogo das fontes tem importante papel no estabelecimento do Estado Constitucional.

Ao abordar o tema, a fim de demonstrar a transição do Estado de Direito para o Estado Constitucional, Pérez Luño reporta-se à teoria da Aproximação por Rotulação. Nesse sentido, o autor explica que a juridicidade não é intrínseca a determinados fatos ou atos, mas, sim, apresenta-se como resultado de um processo de atribuição de qualidade a estes. Segundo a teoria da Aproximação por Rotulação, a juridicidade equipara-se a um rótulo instituído por aqueles que detêm o controle social ou poderes jurídicos.[7]

A contribuição dessa teoria repousa na afirmação de que a mudança da linguagem e da aplicação do Direito não é oriunda de atos arbitrários dos juízes e governantes, mas, sim, reflexos da adequação de suas atividades às mudanças sociais, políticas e econômicas. [8]

Considerando a mencionada teoria, não é forçosa a compreensão que as mudanças que afetam a sociedade devem ser, obrigatoriamente, acompanhadas pelo Poder Legislativo e Poder Judiciário, os quais devem se manter atentos e sensíveis à dinâmica social, política e econômica, objetivando a adoção de mecanismos que promovam o desenvolvimento nas diversas áreas da sociedade, evitando, desse modo, a rigidez do ordenamento jurídico e a aplicação de dispositivos anacrônicos às complexidades da sociedade moderna.

Pelos motivos acima expostos, emerge como método de apoio à construção do ordenamento jurídico a Circulação de Idéias Constitucionais, a qual se refere à citação de decisões de cortes estrangeiras para a construção da jurisprudência constitucional doméstica.

A aplicação dessa prática não é pacifica na doutrina e jurisprudência envolvida com o debate constitucional ao redor de todo o mundo, em especial no que tange aos limites da concretização constitucional no que diz respeito à construção do âmbito de proteção dos direitos fundamentais.

Contudo, deve-se salientar que os direitos fundamentais desempenham importante papel na potencialização e facilitação desse intercâmbio de ideias, uma vez que as questões relacionadas à concretização de direitos fundamentais, seja no âmbito das cortes domésticas, seja no âmbito das cortes internacionais, apresentam-se como aquelas que impõem maior necessidade de diálogos judiciais transnacionais.

Neste ponto, necessário se faz a abordagem, ainda que sucinta, dos principais métodos de comparação constitucional.

Migração de ideias constitucionais - proposta de Sujit Choudhry, a pretexto de explicar com alguma profundidade acadêmica as transferências recíprocas de ideias entre os diversos sistemas constitucionais[9]. As migrações podem ocorrer em diversos momentos do ciclo de criação, recriação ou mutação das constituições de um determinado país, sendo o uso do direito estrangeiro ou internacional, como referência e fundamento para as decisões constitucionais domésticas, apenas um dos exemplos[10].

Insta salientar que a migração de ideias também abrange o fenômeno de interferências recíprocas entre sistemas nacionais e supranacionais[11].

A metáfora de migração de ideias constitucionais é apresentada como uma alternativa às outras metáforas[12] que tentam explicar o fenômeno das transferências recíprocas de ideias constitucionais. Tais transferências chamam a atenção dos acadêmicos e profissionais jurídicos porque o uso de princípios constitucionais e decisões sobre direitos fundamentais, para além das fronteiras de um determinado país, tem sido prática cada vez mais comum nos diversos sistemas jurídico-constitucional em âmbito mundial.

Alcançar a melhor compreensão do objeto do direito constitucional comparado e do próprio constitucionalismo comparado é o maior desafio da proposta de migração de ideias constitucionais, pois, trata-se de uma proposta que parte di princípio de que a teoria do direito constitucional não estava em sintonia com os acontecimentos dos últimos anos, fato que exigia esforços por parte da doutrina e jurisprudência com a finalidade de formular esquemas de aplicação e metodologias adequadas para enfrentar os problemas contemporâneos.

Fertilização cruzada - trata-se da prática dos diálogos transnacionais, que podem ocorrer tanto entre cortes internas e internacionais, quanto entre cortes domésticas e suas correspondentes estrangeiras.

A prática chama a atenção por conta da informalidade por meio dos quais ocorrem intercâmbios, encontros, seminários e conferências organizadas pelas mais diversas instituições para promover a troca de ideias e experiências entre magistrados. Desse diálogo entre as supremas cortes e cortes constitucionais resultam evidentes influências das decisões estrangeiras no processo de tomada de decisões constitucionais, especialmente as que se referem a direitos fundamentais.

Transplantes constitucionais - metáfora que busca explicar como ocorre a dinâmica de interação recíproca entre os sistemas legais e como as transferências ocorridas influenciam os referidos sistemas entre si.

Originalmente concebida para explicar como o direito privado evoluía, a metáfora dos transplantes legais não se adequou perfeitamente para a realidade do direito constitucional comparado[13].

Na base da metáfora, encontram-se as ideias de doadores e receptores das transferências realizadas, bem como a de sistemas ou objetos jurídicos transferidos.

Empréstimos constitucionais - ocorrem nas hipóteses em que os juízes considerem em suas decisões precedentes estrangeiros de órgãos jurisdicionais equivalentes em outros países; quando legisladores constituintes consideram a experiência comparada na ocasião da fundamentação para a elaboração do texto constitucional de um determinado país, ou quando os próprios cidadãos podem considerar as práticas internacionais para formularem suas opiniões sobre alterações constitucionais.

De modo amplo, os empréstimos constitucionais destacam-se pelo método de levantamento de marcos legais, normas ou mecanismos a serem transportados de um ordenamento constitucional para outro, em especial, quando aplicado na interpretação e aplicação de suas disposições normativas.

Por fim, aos diálogos judiciais transnacionais daremos maior destaque, visto ser o supedâneo para defesa do nosso entendimento sobre o tema proposto.

4. DIÁLOGOS JUDICIAIS TRANSNACIONAIS

Trata-se de interações horizontais entre os juízes das mais altas cortes nacionais. Tais interações caracterizam-se pela abertura das instituições e dos magistrados das cortes supremas e constitucionais com o objetivo de promover intercâmbios acerca de regras, metodologias e produções acadêmicas no campo do Direito Constitucional. Natural decorrência dessas interações são as citações recíprocas a precedentes estrangeiros como fundamentos de decisões domésticas, especificamente sobre direitos fundamentais.

Os diálogos judiciais transnacionais baseiam-se na utilização de jurisprudência estrangeira nas decisões nacionais, objetivando, com fundamento na experiência de outros países, encontrar melhores condições para efetivação dos direitos fundamentais.

Tal metáfora é uma tendência mundial, mesmo que ainda não homogênea e, portanto, apresentando resultados práticos diferentes em cada um dos países, não tem deixado de ser uma constante no processo de tomada de decisões constitucionais, especialmente naquelas que envolvem a concretização de direitos fundamentais.

A complexidade da sociedade contemporânea e as novas relações de trabalho são permeadas por interesses, por vezes, antagônicas, sem que haja uma adequada ferramenta que impeça distorções de interpretação das inúmeras fontes jurídicas, tornando-se, assim, necessária uma abordagem tão abrangente quanto às relações que as envolvem. Por esse motivo, o Brasil não se furtou de se integrar ao diálogo judicial transnacional, de forma que há diversas decisões do Supremo Tribunal Federal com registro de referencias à decisões estrangeiras, contudo, não há, ainda, uma cultura judicial que promova um diálogo em nível adequado, fato que reforça a necessidade de amadurecimento dessa metáfora como meio de proporcionar a efetividade dos direitos fundamentais.

Nesse trilho, importa mencionar a decisão do Supremo Tribunal Federal que entendeu ilícita a prisão civil de depositário infiel, por força da aderência do Brasil aos principais pactos internacionais de direitos humanos, dentre os quais a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica de 1969).

A controvérsia surgiu na medida em que os dispositivos dos tratados internacionais conflitavam com a norma do art. 5, LXVII, CF/88, a qual dispõe, in verbis: "Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel."

Tal antinomia culminou no questionamento da vigência e hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil, nos termos do o art. , § 2º da CF/88[14]. Na década de 70, o STF que os tratados internacionais de direitos humanos aderidos pelo Brasil valiam como norma ordinária. A EC n. 45/2004 , prima facie, resolveu a controvérsia ao incluir o § 3º ao art. 5º da CF[15], que atribui status constitucional aos tratados de direitos humanos que o Brasil venha a aderir, contanto que seu Decreto Legislativo submeta-se ao mesmo processo legislativo especial de aprovação de Emenda Constitucional.

Contudo, perseverou a dúvida quanto ao Pacto de São José da Costa Rica que o Brasil ratificou em 1992. Uma corrente doutrinária majoritária, liderada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho entendia que a norma internacional possui status de lei comum. Por seu turno, Flávia Piovesan, sob o argumento de que se a Constituição não exclui outros direitos advindos de pactos (art. 5, § 2º), assim, estaria o referido diploma incluído no ordenamento como norma constitucional, em especial por conta da dignidade humana e do princípio pro homine. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 466.343, situou a questão em um meio termo, atribuindo ao Pacto de São José da Costa Rica o status de norma supralegal.

Ressalta-se que o STF firmara entendimento no sentido da constitucionalidade da prisão do depositário infiel[16], todavia o mesmo Colendo STF, no RE nº. 466.343/SP, em seu voto o Ministro Gilmar Mendes asseverou entendimento de que a prisão do depositário infiel, vedada pelo art. 7º, VII do Pacto de São José da Costa Rica, também o deve ser na ordem jurídica nacional, pois, ainda que o Pacto não tenha ingressado no ordenamento pátrio com status de norma constitucional, deve ele assumir posição prevalente sobre as normas ordinárias por tratar-se de instrumento internacional de direitos humanos. Desde modo, acompanhado pelos demais ministros do STF, estabeleceu-se o entendimento do valor supralegal dos tratados de direitos humanos vigentes no Brasil.

Insta destacar que entre as correntes existentes no STF, o Min. Celso de Mello defendia o valor constitucional dos tratados.

Desde modo, verifica-se claramente que o STF tem revisto seu posicionamento quanto à hermenêutica relacionada às normas internacionais de direitos humanos , de modo que, por conta da necessidade de atualização jurídica ao contexto social, busca-se o questionamento fundamentado nas experiências internacionais, ou seja, nos diálogos judiciais transnacionais argumentos para a efetivação do direito à liberdade sindical, em outras palavras, a plena aplicação da Convenção 87 da OIT.

A metáfora dos diálogos judiciais transnacionais estabelece novo ponto argumentativo para a aplicação da Convenção n. 87 da OIT no ordenamento jurídico brasileiro, ao ponto que o conteúdo da norma internacional versa sobre os direitos humanos dos trabalhadores, o qual não pode ser objeto de limitação ou restrição pelo Estado, antes, este, deve desenvolver mecanismos para que tais direitos fundamentais sejam exercidos em sua plenitude.

Destarte, vale lembrar que a atual condição de representatividade sindical pelo modelo adotado pelo Brasil não é mais suficiente para a defesa dos interesses dos envolvidos nas relações de trabalho, condição essa agravada pela crise sindical e a crise economia que passa o país. Deste modo, sob o enfoque da hermenêutica constitucional trazida pelos diálogos transnacionais podem ser alcançados os efeitos práticos relacionados à plena liberdade sindical como instrumento de luta para a efetividade dos direitos fundamentais nas relações laborais,

5. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS APLICADOS AO DIREITO DO TRABALHO

Fatos históricos que influenciaram o processo do Direito Internacional do Trabalho, igualmente contribuíram para a internacionalização dos direitos humanos fundamentais dos trabalhadores. Ideais adotados durante a Revolução Industrial, também influenciados pela Revolução Francesa, buscavam à liberdade contratual, porém, esta foi considerada prejudicial aos trabalhadores, tendo em vista o descumprimentos dos deveres por parte dos empregadores. Esse fato contribuiu para a acentuação das condições de precariedade dos trabalhadores, os quais passaram a pressionar o governo para que fossem criados mecanismos voltados à melhoria das relações de trabalho.

Neste contexto, vale ressaltar a influência da Encíclica Rerum Novarum, publicada em 1891 pelo Papa Leão XIII, quanto à adoção de normas internacionais de trabalho, difundindo os princípios de justiça social objetivando a elevação moral, intelectual e física dos trabalhadores, bem como estabelecer uma relação de fraternidade entre operários e seus patrões.

Em 1906, durante a Conferência de Berna, realizada na Suíça, surgiu o embrião das primeiras convenções internacionais protetivas, normas voltadas a unificar direitos básicos dos trabalhadores.

Neste período merecem, ainda, destaque a Declaração Soviética do Povo Trabalhador Explorado, de 1918, prevendo na Constituição da República Soviética a soberania do povo trabalhador (autonomia privada coletiva).

Nesse contexto, surge o Direito Internacional do Trabalho, que segundo Arnaldo Süssekind[17], é uma expressão que “vem sendo empregada cada vez mais para identificar o capítulo do Direito Internacional Público que trata da proteção do trabalhador, seja como parte de um contrato de trabalho seja como ser humano [...] Normas de direitos humanos correlacionados com o trabalho, a política de desemprego, a seguridade social populacional, o exame de questões econômicas pelo prisma de seus reflexos sociais, a política social das empresas da administração do trabalho, [...] do combate ao desemprego e subemprego”.

Conforme apontado por Süssekind, temos que o Direito Internacional do Trabalho, por meio de um diálogo global, tem por objetivo a proteção de direitos mínimos da pessoa humana do trabalhador, ou seja, o estabelecimento e a efetividade dos direitos fundamentais.

Por conta da relevância das normas oriundas da Organização Internacional do Trabalho, em 1998, durante a octogésima sexta reunião da Conferência Internacional do Trabalho, foi estabelecido que os países membros devem respeitar os princípios contidos na Declaração sobre os princípios e direitos fundamentais do trabalho, em especial, as normas relacionadas à proteção da dignidade humana do trabalhador, independentemente de terem ou não sido ratificadas pelos Estados-membros. Deste modo, os Estados que aprovaram a declaração em comento estão obrigados a observar e cumprir seus princípios, mesmo que não tenham ratificado.

Nesse trilho, pode-se concluir que o Brasil se comprometeu a concretizar e promover os preceitos da liberdade sindical ainda que não tenha ratificada a Convenção 87 da OIT.

A constitucionalização do direito laboral se iniciou na Constituição de 1934, sendo mantidas as disposições nela insertas em todas as Constituições posteriores. A CF/88, fundada em um modelo democrático que visava a solução pacífica dos conflitos entre as próprias partes da relação de trabalho trouxe relevantes avanços se comparados as experiências anteriores. Ocorre que a atual Constituição contempla, nos princípios fundamentais, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Ao tratar do modelo político-econômico adotado pela Constituição de 1988, George Marmelstein aponta a adoção de um modelo econômico capitalista. "Portanto, o Brasil, por imposição constitucional, está inserido em uma economia de mercado." Acrescenta o autor, que "o constituinte buscou um capitalismo mais ético e solidário, no qual as empresas devem cumprir uma função social, valorizar o trabalho[18]".

Ingo Wolfgang Sarlet[19] assevera que os direitos fundamentais se aplicam “para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado [...] O reconhecimento dos direitos fundamentais no plano constitucional tem como argumento o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana[20]. Acrescenta o autor que “o Constituinte de 1988, além de ter consagrado expressamente uma gama variada de direitos fundamentais como normas de aplicabilidade imediata”[21].

Considerando a hermenêutica dos direitos fundamentais, põe-se em relevo a evolução trazida pelo pós-positivismo. Neste compasso, afirma George Marmelstein que “a partir do momento em que se admite a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais, o jurista obriga-se a sempre buscar argumentos na própria Constituição. Ou seja, a norma constitucional torna-se o principal parâmetro da argumentação jurídica[22].”.

Por sua vez, Julio Ricardo de Paula Amaral pontua que "os direitos fundamentais são reconhecidos como direitos constitucionais, sejam eles enunciados expressamente no texto de cada carta ou simplesmente reconhecidos, implicitamente, como parte da ordem jurídica. A Constituição brasileira de 1988 é até mesmo didática, neste ponto, a declarar que os direitos e garantias expressos não excluem outros "decorrentes do regime e dos princípios adotados" pelo seu texto do § 2º do art. 5º.[23]"

Ao elevar o princípio da liberdade sindical à categoria de direito constitucional consagrou-se a promoção e defesa dos direitos dos trabalhadores por meio da livre organização e associação, resultado do amadurecimento relativo ao respeito à dignidade da pessoa humana.

No preâmbulo constitucional depreende-se que a Constituição tem como papel central a instituição de um Estado Democrático de Direito edificado para assegurar os direitos fundamentais sociais e de liberdade, e, o bem-estar coletivo, a igualdade, a justiça e a fraternidade.

Neste sentido, Gabriela Neves Delgado defende que "Se o trabalho é um direito fundamental, deve-se pautar na dignidade da pessoa humana. Por isso, quando a Constituição Federal de 1988 refere-se ao direito ao trabalho, implicitamente já está compreendendo que o trabalho valorizado pelo texto constitucional é o trabalho digno. Primeiro, devido ao nexo lógico existente entre direitos fundamentais (direito fundamental ao trabalho, por exemplo) e o fundamento nuclear do Estado Democrático de Direito que é a dignidade da pessoa humana. Segundo, porque apenas o trabalho exercido em condições dignas é que é instrumento capaz de construir a identidade social do trabalhador"[24].

Conforme aponta George Marmelstein, direitos fundamentais possuem supremacia formal e material e, por isso, gozam de uma normatividade potencializada, traduzido no princípio da supremacia dos direitos fundamentais. Aponta ainda, o autor, que os direitos fundamentais podem gerar pretensões subjetivas, exigíveis judicialmente, cabendo ao Poder Judiciário, ao interpretar normas definidoras de direitos fundamentais, buscar a solução que mais dê eficácia ao direito em jogo, segundo o princípio da máxima efetividade[25].

Julio Ricardo de Paula Amaral faz importante apontamento ao afirmar que "somente por meio da aplicação direita e imediata dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas será possível a efetiva proteção aos direitos e liberdades públicas dos trabalhadores, em face do dinamismo destas relações[26]".

Diante do contexto exposto, embora moderno e de relevante valor, a hermenêutica constitucional baseada na metáfora dos diálogos judiciais transnacionais, obviamente, aplicável ao Direito Constitucional do Trabalho, traduz-se em atual desafio aos operadores do direito, em especial, do ramo juslaboral, pois as modernas lides justrabalhistas exigem novos meios de solução, bem como a interpretação das normas aplicáveis à situações factuais, que com fundamento nos princípios axiológicos insculpidos na Constituição da República de 1988, pode conduzir à profundas modificações no que tange à tutela e a efetividade dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

6. DIÁLOGOS JUDICIAIS TRANSNACIONAIS E A CONVENÇÃO 87

Como visto anteriormente, os diálogos judiciais transnacionais buscam a utilização da experiência internacional, de situações factuais semelhantes, para a aplicação da jurisprudência estrangeira nas decisões nacionais, objetivando, com fundamento na experiência de outros países, encontrar a melhor solução para efetivação dos direitos fundamentais no caso concreto.

A metáfora dos diálogos judiciais transnacionais surge apresenta-se como relevante instrumento de interpretação dos fenômenos sociais com uma visão renovada, partindo-se de experiências globais, bem como da percepção de outros ordenamentos jurídicos a respeito das possibilidades de solução de determinados problemas, cuja essência é envolvida por premissas indispensáveis para a defesa da efetividade dos direitos fundamentais trabalhistas, especificamente quanto a adequada hermenêutica constitucional para a concretização dos direitos fundamentais a fim de solucionar os atuais problemas decorrentes da crise do modelo de representatividade sindical brasileiro.

Nesse sentido, é de relevo o envolvimento das Cortes Supremas e Constitucionais, apresentando-se como instituições parceiras na construção de comunidades constitucionais interdependentes, ou seja, no contexto do modelo que se convencionou chamar de Estado Constitucional cooperativo, buscando a fundamentação necessária para a aplicação prática das recomendações emanadas pela Organização Internacional do Trabalho, em especial, a Convenção n. 87.

Com fundamento na teoria dos diálogos judiciais transnacionais, busca-se sedimentar o entendimento da aplicação vinculante dos direitos fundamentais às entidades privadas, conforme as teorias sobre a Drittwirkung der Grundrechte citada pelo ilustre Professor Doutor Renato Rua de Almeida em seu artigo "Eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho", convergindo para a defesa da vinculação e observação obrigatória dos direitos fundamentais e, consequentemente, possibilitar uma real tutela dos direitos dos trabalhadores contra ilicitudes nas relações de trabalho fundamentado nos princípios axiológicos da Constituição Federal de 1988.

Os direitos fundamentais da pessoa do trabalhador devem ser observados como atributos naturalmente intrínsecos ao homem, ligados aos valores da dignidade, liberdade e igualdade, decorrentes da sua própria existência, com fundamente na dignidade humana. A esse respeito Julio Ricardo de Paula Amaral, ressalta que "esses direitos não são graciosamente atribuídos pelo Estado - que deve respeitá-los, promovê-los e garanti-los -, mas apenas tem o seu reconhecimento no ordenamento jurídico-positivo[27]".

Conforme pontua Cristiane Mello, "o conceito substancial de liberdade sindical numa perspectiva democrática leva inequivocamente à idéia de que o trabalhador deve ter o direito à livre escolha entre diversas possibilidades, no sentido de sentir-se efetivamente representado[28]" Deste modo, constata-se que a liberdade sindical apresenta relevante importância no que diz respeito à representatividade do trabalhador, pois, por meio da representação eficiente são protegidos e promovidos os direitos fundamentais dos trabalhadores. Nesse aspecto é que se chama a atenção para a reflexão da doutrina quanto a possibilidade de pluralidade por meio da ratificação da Convenção 87 da OIT, a qual representa um padrão internacional da liberdade sindical.

Sob esse argumento é que se coloca a necessidade de modernização do ordenamento constitucional, a fim de que seja reconhecido um direito fundamental do trabalhador, a liberdade sindical, disseminada pela Convenção 87 da OIT e que possui o propósito da busca por condições dignas de trabalho nas relações laborais, adaptando-se, sempre que necessário, às condições econômicas, não somente no âmbito nacional, mas também local, de maneira que o trabalho e a autonomia da vontade coletiva sejam privilegiados, e assim, sejam os acordos laborais respeitados pelo Estado. Saliento que não me refiro aos acordos como meio irrestrito de pactuação, pois, estes devem sempre pautar-se pela boa-fé e pelos limites estabelecidos pelos direitos fundamentais.

Por fim, é de ressaltar que os diálogos judiciais transnacionais fundamentam-se e justificam-se na idéia central de que a concretização dos direitos humanos revela-se com a mais importante condição de possibilidade da força normativa das constituições no mundo atual, pois se já não mais se duvida da interdependência econômica entre os Estados também há que se confirmar a interdependência destes no que diz respeito à concretização dos direitos fundamentais.

7. CONCLUSÃO

A declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 elevou a liberdade sindical ao patamar de direito humano, passando a ser considerado como um elemento essencial para o desenvolvimento da democracia relacionado às relações de trabalho.

Verificamos que o direito à liberdade sindical trata-se de um direito humano e fundamental previsto nos principais instrumentos internacionais de direitos humanos, tais quais a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica), o Protocolo Adicional da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador). Como visto, amplamente protegido e alçado como direito fundamental, não pode a liberdade sindical, portanto, ter seu exercício limitado pelo Estados, os quais devem estabelecer mecanismos de proteção e estímulo ao seu pleno exercício.

Constata-se que o modelo sindical brasileiro, fundado em categoria profissional ou econômica, decorrente do corporativismo, traduz-se em nítido empecilho à plena concretização da liberdade sindical nos moldes preconizados pela Convenção 87 da OIT, sendo a previsão constitucional da unicidade sindical considerada um dos maiores entraves para a ratificação da referida Convenção.

O exercício da liberdade sindical é fundamental para a promoção da representatividade e melhoria das condições sociais dos trabalhadores e pleno gozo do Estado Democrático de Direito. Portanto, a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho se revela como o principal instrumento em matéria de liberdade sindical. Contudo, por conta dos dispositivos herdados pela Constituição Federal de 1988, os princípios defendidos pelo instrumento internacional ficam impossibilitados de atingir seu objetivo.

O reconhecimento da liberdade sindical pressupõe a garantia de um direito humano, possibilitando aos empregados e empregadores a liberdade de se organizarem livremente sem quaisquer intervenção ou limitação por parte do Estado. Tomando por base a atual condição da economia brasileira, necessário se faz a mudança da estrutura vigente de modo a permitir o crescimento e desenvolvimento do Brasil, bem como seja possibilitado aos trabalhadores o exercício pleno da democracia.

O desinteresse político representa forte empecilho para a ratificação da Convenção 87, da OIT, sendo o Brasil uma das poucas nações que não ratificaram o instrumento internacional.

É imprescindível a aplicação efetiva da Convenção 87 da OIT para que os direitos fundamentais relativos à representatividade, à liberdade de escolha e melhoria das condições de trabalho sejam possíveis nos momentos de crise econômica.

A ausência da ratificação da Convenção sobre a liberdade sindical provoca a limitação de direitos fundamentais da pessoa do trabalhador. Nesse contexto, destaco a importância dos diálogos judiciais transnacionais, os quais fundamentam-se e justificam-se na idéia central de concretização dos direitos humanos, revelando, assim, a mais importante condição de possibilidade da força normativa das constituições no mundo atual.

Por fim, o amadurecimento brasileiro no âmbito dos diálogos judiciais transnacionais, lançando mão da jurisprudência estrangeira nas decisões nacionais, representa forte ponto argumentativo, com fundamento na experiência de outros países, para que, de modo mais adequado, seja alcançada melhores condições para efetivação dos direitos fundamentais, bem como abrir caminho para as necessárias mudanças constitucionais.

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Sobre o autor
Jefferson Alexandre da Costa

Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP; Pós Graduado em Ciências Jurídicas, Pós-Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho; Graduado em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Unicsul. Consultor Jurídico. Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Jefferson Alexandre. Diálogos judiciais transnacionais e a Convenção n. 87 da OIT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6687, 22 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92008. Acesso em: 26 dez. 2024.

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