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Sentença e seus efeitos depois da Lei nº 11.232/2005

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27/11/2006 às 00:00
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As recentes reformas do processo civil, tardias diante do texto constitucional, devem ser vistas como ajuste necessário (mas não exaustivo) para que a processualística consiga mecanismos legais para tutelar os direitos.

Sumário. 1. A tutela dos direitos no atual estágio de garantias fundamentais do processo civil constitucional. O processo, útil e adequado, como mecanismo de adimplemento tempestivo do direito pretendido àquele que tem razão; 2. Requisitos processuais da sentença (art. 458 do CPC); 2.1. Classificação das sentenças de mérito. Teoria clássica (trinária). Sentenças declaratórias, constitutivas (desconstitutivas) e condenatórias; 2.2. Classificação das sentenças de mérito. Teoria moderna (quinária). Sentenças declaratórias, constitutivas (desconstitutivas), condenatórias, mandamentais e executivas (lato sensu); 3. Tutelas específicas; 3.1. Tutelas de urgência e sentença; 4. A impossibilidade da existência de "várias sentenças" no procedimento de primeiro grau de jurisdição. A sentença como ponto culminante do processo; 4.1. O processo de execução autônomo ainda existente nos termos do Código; 4.1.2. Conceito de sentença e sua dificuldade prática imediata; 4.1.2.1. A publicação da sentença e a regra da imutabilidade do decisório; 4.2. A possibilidade da resolução de mérito e o prosseguimento do processo no primeiro grau de jurisdição; 4.3. Sentença substitutiva da vontade da parte; 5. Conclusão.


1. A tutela dos direitos no atual estágio de garantias fundamentais do processo civil constitucional. O processo, útil e adequado, como mecanismo de adimplemento tempestivo do direito pretendido àquele que tem razão

            As recentes reformas do processo civil brasileiro, tardias diante do texto constitucional, devem ser vistas como ajuste necessário (mas não exaustivo) para que a processualística consiga mecanismos legais e com respaldo no texto maior (interpretando a lei ordinária conforme) para tutelar os direitos. Viu-se, com o passar dos anos e principalmente pós-Constituição de 88, que o modelo adotado à época do Código quando de sua promulgação (cujos méritos não podem ser esquecidos, evidentemente) não acompanhou os volumados anseios da heterogênea sociedade brasileira, carente de efetividade na prestação jurisdicional, sendo que foi a Constituição-dirigente seu impulso maior diante dos entraves legais vividos até então, tendo assim sido posto ao jurisdicionado na expectativa de que o processo oferecesse condições formais de aplicabilidade do direito material, útil e adequado à tutela dos direitos e satisfazendo a garantia fundamental do devido processo legal.

            Muitos fatores contribuem para o engessamento do Judiciário, tais como: i) a carência de corpo de servidores e de juízes, aliado à falta de integralização do sistema de informação (tecnologia); ii) despreparo intelectual de grande parte da população brasileira; iii) a cultura enraizada de que "... o juiz resolve!...", abalroando o Judiciário com questões menores e que poderiam certamente ser resolvidas por outros órgãos do próprio Estado ou mesmo pela arbitragem, que é ainda muito tímida entre nós; iv) um cipoal de leis que não contribuem com a segurança jurídica, e sim com conflitos de normas diante da produtividade heróica do legislador, que justifica boa produção de seu mandato na proporção em que tenha projetos de lei aprovados pelo parlamento, como se nossos problemas fossem exclusivamente criação de leis; v) a difícil conciliação entre a atividade docente dos agentes políticos com o múnus público, ainda que haja permissivo constitucional; vi) o fato de alguns advogados demandarem pleitos absurdos sob a desculpa da garantia fundamental do direito de ação, em nítida litigância de má-fé processual e com o único intuito de atravancar a máquina estatal, já tão deficiente, o que lhes garante mercado, evidentemente; vii) as enormes dimensões territoriais, dentre outros fatores de tomo.

            Vistas algumas causas que atravancam a justiça, é preciso encontrar caminhos que dêem condições para que o dever constitucional de prestação jurisdicional de tutela jurídica justa e tempestiva seja cumprido, sob pena de descrédito das instituições públicas, principalmente do Poder Judiciário, órgão do Estado que ao final diz e deve dar o direito a quem o tenha e na medida em que o tenha. Claro que essas "causas" são só exemplificativas e devem além de serem meticulosamente estudadas pelos órgãos próprios serem implantadas de forma conjunta, irrigando as deficiências do Estado não em setores estanques e sim de forma conjunta, integrada e harmônica, o que depende em muito da vontade dos outros poderes republicanos, o que talvez explique a grande dificuldade das reformas, na órbita constitucional ou infraconstitucional.

            Não é mais possível acreditar que o modelo adotado pelo Código de 73 seja ainda capaz de dar o direito e na medida de quem o tenha ao tempo ainda útil à parte. Ora, o processo é instrumento da justiça e sendo a jurisdição meio de pacificação social que encontra no processo seu meio, que é meio para que se leve ao Estado-juiz o direito pretendido, deve ele se mostrar eficiente à tutela dos direitos, o que se mostrou falho até então, sendo que algumas reformas pontuais do Código, ainda que tenham o descaracterizado em virtude da "colcha de retalhos" em que ele se transformou (Freitas Câmara), foi a saída mais emergente para o manejo com tom de célere da máquina judiciária brasileira.

            Não pode o processo civil, como foi pretendido à época da promulgação do Código vigente, achar que o rito ordinário e outros ali postos são suficientes hodiernamente para dar a cada um o que é seu de forma uniforme, como ocorria no passado e ocorre hoje com menos freqüência (diga-se de passagem) utilizando-se de mecanismos processuais que em essência têm procedimentos lentos e não condizentes com o novo mundo, dito pós-moderno pelos historiadores. Apesar de o Código trazer algumas exceções (rito sumário, cautelares e alguns procedimentos especiais), não será certamente o rito ordinário que resolverá as lides postas em juízo quando se percebe a mutação do modo de vida (moderno) e de anseios que não foram, ainda, acompanhados pelo processo civil brasileiro, que aos poucos, porém, acorda na medida das pressões populares e setoriais pela garantia do Estado em prestar serviços essenciais conforme se comprometeu, revogando a composição dos conflitos por sujeitos alheios aos quadros públicos (regra universal e imperativa da jurisdição). A maior amplitude de defesa do demandado pelo rito ordinário exclui ao mesmo tempo a maior eficiência do processo para o demandante que tem razão, tornando-se o processo civil ferramenta de postergação do direito do autor e protegendo assanhadamente o réu de má-fé e desprovido daquela, não sendo raro a expressão desconfortável de termos um "processo civil do réu".

            Era mais do que preciso encontrar uma solução para tutelas mais rápidas, efetivas. Mostrou-se ao longo desses anos de vigência do Código que teorias de outrora eram satisfatórias mas que com o passar dos anos foram arrefecidas pelo dinamismo da doutrina e jurisprudência que chegam sempre antes da lei e reconheceram há muito tempo a falência do sistema até então adotado, diferente do que se vivia quando da promulgação e início de vigência1 do diploma cuja idéia foi importada da Itália e teve como mentor entre nós Liebman, que fez Escola principalmente no Estado de São Paulo ("Escola Processual de São Paulo"2). Recentemente leis extravagantes ao Código de Processo Civil instituíram mecanismos formais de adimplemento do direito de forma mais célere, em nítido propósito de além de dividir funcionalmente a competência dos juízos, quer em razão da matéria quer em razão da competência territorial (mais próxima fisicamente do jurisdicionado), contribuíram para maior utilização do Poder Judiciário, o que de certa forma insuflou mais a sobrecarga dos pretórios, ainda que seu intuito tenha sido nobre. Foi o que se deu com a lei que criou os juizados especiais cíveis, por exemplo, no âmbito dos Estados-membros (art. 98, I, CF)3.

            O processo autônomo, de conhecimento e de execução, apesar de ainda existir no sistema (fazenda pública no pólo passivo, alimentos, títulos executivos extrajudiciais, homologação de decisões estrangeiras pelo Superior Tribunal de Justiça que devem ser executadas no Brasil et al), tende a desaparecer ou, então, cada vez mais diminuir perante o novo regime, o que já era combatido por Niceto Alcalá-Zamora y Castilho, que se rebelava contra a cisão "conhecimento-execução"4. Em boa hora veio o processo ou ação sincrética, que tem o fito de unir, como fosse um todo só – e agora em regra passa a ser, principalmente depois da lei 11.232 – as fases de conhecimento e de execução. Percebeu-se que diante do volume de processos criando teias de aranha nos depósitos judiciais, eis que a quantidade de demanda é gigante (principalmente nos grandes centros urbanos como a megalópole São Paulo) não se poderia deixar que o juiz, mesmo depois de declarado o direito da parte que tem razão, não dê a ela meios para que, ainda que não finde o processo em primeiro ou segundo graus de jurisdição, conceda meios para que a parte goze dos efeitos daquele reconhecimento depois do devido processo legal, pois não fosse assim certamente a busca pelo Estado-juiz se tornaria inútil!

            Não faria sentido, por outro lado, que a parte fosse buscar no Estado a tutela de seus direitos através da ação se a prestação jurisdicional não fosse capaz de substituir a vontade da parte que resistisse à pretensão do que tem razão de forma a reconhecer e satisfazer o bem da vida buscado em juízo de forma tempestiva ao pleno exercício do interesse almejado (direito).

            Depois das ações possessórias (que tem rito especial e admitiu medida liminar à tutela do direito de posse) e outros casos estanques de procedimentos especiais de jurisdição contenciosa previstos no Código e em leis extravagantes, veio o art. 2735 do Código de Processo Civil a consagrar a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, em substituição das cautelares inominadas (que ainda hoje servem o direito peninsular através do art. 700 do Codice di Procedura Civile italiano6, que regula as tutelas cautelares inominadas diante da ausência de dispositivo semelhante ao art. 273 do Código de Processo Civil brasileiro) até então utilizadas à época bem como outros meios instrumentais que não davam, tempestivamente, o direito a quem tinha razão.

            Criou-se, então, regra geral de ação sincrética ("ações de cumprimento" instituídas pelas leis 8.952/94 e 10.444/02) que se desaguou aos poucos perante o sistema, fulminando a dificuldade de satisfação extemporânea do direito, evolução que tentou ser reforçada recentemente pela lei 11.232/05, como complemento das reformas operadas até então e visando desse modo dar simetria ao sistema jurídico. O mérito das reformas, não obstante, deve-se à doutrina, que é sempre pré-contemporânea e aponta ao legislador o norte a ser seguido em sede de reforma legislativa, que entre nós é fonte primária na escala de interpretação do direito positivo (princípio do primado da lei).

            A resposta do ordenamento jurídico certamente encontra nas tutelas diferenciadas seu marco inicial (leis 8.952/94 e 10.444/02), pois como já dito se mostrou o rito ordinário insuficiente à tutela dos direitos perseguidos na justiça ("modelo padrão"), como se todas as situações que fazem alguém buscar o Judiciário fossem amoldadas naquele "grande procedimento" (no sentido temporal, não de eficiência!), prejudicial ao autor que tem razão e também ao réu de boa-fé, que via eternizado o processo até que conseguisse convencer o juiz da inexistência do pedido do autor, o que geralmente só vinha com a sentença de mérito (sentença material). É hora de entrar em cena o novo processo civil, processo civil constitucional, tentando a lei 11.232 e outras que derrogaram o Código recentemente (leis 11.276; 11.277 e 11.280, de 2006) contemplar a efetivação do processo mais coerente e garantidor de direitos na medida em que a sociedade não suporta mais a ineficiência do Estado-juiz!

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            Antes, contudo, de adentrar no estudo mais pormenorizado das sentenças e o novo regime criado pela lei 11.232, cabe um escorço sobre sua estrutura perante o sistema adotado pelo Código de Processo Civil.


2. Requisitos processuais da sentença (art. 458 do CPC)

            Prevê o Código - exemplificativamente, eis que outros também existem no sistema, tal como a imparcialidade do juiz, que tem natureza jurídica de pressuposto processual (positivo) de validade e valor constitucional - que o relatório, a fundamentação e a parte dispositiva são requisitos essenciais da sentença, sem o que haverá vício capaz de inclusive anular de pleno direito e de forma insanável o julgado que descurou do exigido pela lei e Constituição.

            Muito mais que formalismo estéril, tem essa práxis o objetivo de facilitar a atividade das partes e daqueles que de algum modo compulsem os autos, pois fica mais didático encontrar o caminho pelo qual o juiz conheceu, sopesou, instruiu e decidiu a lide posta à sua apreciação através da jurisdição, expressão de seu poder estatal constitucional (legítimo e imperativo no ordenamento).

            Como o próprio nome denuncia: i) o relatório (inciso I) é um breve resumo das principais ocorrências que teve o procedimento, e que logicamente teve relevância para a convicção do julgador (v.g., o juiz não precisa mencionar no relatório que os autos foram devolvidos à serventia para o cumprimento de algum ato ordinatório nos casos em que haja necessidade de se esclarecer alguma dúvida quanto ao procedimento do feito, até porque via de regra os atos de mero expediente não passam pelo crivo do juiz) e que inicia o arquétipo da decisão; ii) a fundamentação (inciso II) é onde o juiz encontra e aponta as razões de fato e/ou de direito que levou ele, naquela ocasião e com o que tinha nos autos, a decidir de tal e qual maneira, cotejando leis, fatos, produção de provas e outros incidentes processuais que por ventura ocorram durante o procedimento e que devam influir em sua convicção (que é livre, porém sempre motivada). Ressalto, todavia, que não pode o juiz na fundamentação apontar os motivos que o levaram a julgar a lide procedente para o autor, mediante as provas A, B e C e não apontar o porquê as provas X, Y e Z trazidas pelo réu não têm crédito ou tem menos do que as que ele reputou como próprias ao caso concreto e assim deu o direito ao autor, pois fatalmente esta decisão será lacônica e passível de ser esclarecida com embargos de declaração para que a parte projete eventual apelo à superior instância jurisdicional. Deve o juiz, ainda que não de modo exaustivo, cotejar todos os meios de prova (direito objetivo e subjetivo) da parte que o levaram a decidir a lide pela procedência do pedido, procedência em parte etc. No Estado democrático de direito constitucional, a regra da publicidade é princípio de cabedal importância para legitimar os atos do poder público tanto no que se refere aos atos administrativos bem como jurisdicionais; iii) a parte dispositiva (inciso III), ao fim, é o momento em que o juiz aponta segundo o direito positivo os artigos de lei que tipificam os argumentos por ele utilizados e que o levaram a tomar tal ou qual decisão, em compasso com a fundamentação e, ainda, os efeitos que ela terá dali por diante, imbuído de que seu decisório deve estar em regra previsto em lei diante do princípio do primado da lei que capitaneia o ordenamento, uma que vez que até nos casos em que o juiz tenha que decidir a lide com fundamento em fontes secundárias do direito (analogia, costume, princípios gerais de direito e eqüidade) não deixa de aplicar - ainda que por via reflexa - o direito positivo (arts. 4º da lei de introdução ao Código Civil e 126/127 do Código de Processo Civil), fruto da superinflação de leis que quer prever tudo sobre o pálido argumento da segurança jurídica.

            Fica então o juiz preso aos termos da lei (material e processual), pois se imagina que a desenfreada legislativa ainda muito onipresente nas atividades do Judiciário inaugure o "governo dos juízes", o que não me parece razoável diante do atual estágio de evolução que chegaram instituições republicanas essenciais à função jurisdicional: Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público, Advocacia Pública, Defensoria Pública; Certamente há fiscalização no cumprimento das leis (ou o critério de razoabilidade da lei interpretada) pelo Estado-juiz, sendo que eventuais abusos são corrigidos pelos órgãos hierarquicamente superiores (através do duplo grau de jurisdição, apesar de não obrigatório, o reexame necessário e os recursos voluntários).

            2.1. Classificação das sentenças de mérito. Teoria clássica (trinária). Sentenças declaratórias, constitutivas (desconstitutivas) e condenatórias

            À época em que criada, a teoria clássica (trinária) amparava os anseios da coletividade, ou ao menos estava apta para tanto em sentido formal. O Estado liberal, onde o poder público encontrava sérios limites à atuação jurisdicional, eis que não se permitia medidas judiciais às quais não estavam pormenorizadamente descritas em lei, se seguindo entre outras razões o professado por Montesquieu (onde enxergava o juiz como a boca da lei7, vendo quebra de harmonia entre os poderes do Estado se o juiz julgasse a lide além do que tipificado pelo legislador. Tal visão que encontrava, entretanto, o beneplácito na processualística da época). Os meios de execução dados ao sistema freavam o juiz aos termos precisos (literais) da lei, sendo sua atividade vista como mero cumprimento do anteposto pelo legislador e cerceando conseqüentemente medidas que poderiam melhor interpretar o direito da época, permitindo-se ao juiz tão só a aplicação vinculada da matéria ao caso concreto (subsunção normativa, que é a aplicação da lei ao caso concreto pelo juiz).

            Não podia, portanto, o juiz ir além, mesmo que esse além fosse somente meio procedimental (racional) para se alcançar prestação jurisdicional eficiente. Então ao direito da época, com as limitações que havia no sistema, era de certa forma aceito e condizente com as regras que balizavam os poderes do Estado, servindo à teoria clássica como o instrumento pensado como suficiente e que atendia aos reclamos da processualística, que, aliás, era bem mais conservadora.

            Tratava-se, portanto, de direito moldado à época (Estado liberal).

            A teoria clássica (trinária) focada nas sentenças e até hoje adotada por muitos processualistas8, principalmente sobre o argumento do conteúdo que ostentam - sendo que para essa corrente doutrinária uma coisa é seu teor, outra são seus efeitos - dividem-se em i) sentenças declaratórias; ii) sentenças constitutivas (ou desconstitutivas) e iii) sentenças condenatórias.

            As sentenças (decisões) declaratórias9 eram e continuam sendo as que menos causaram divergências entre os processualistas quanto ao seu conteúdo ou efeitos, figurando de um modo geral como as mais simples se comparada com as outras duas (constitutivas e condenatórias, principalmente).

            Tem ela o mister de declarar (como o próprio nome já indica) uma relação jurídica, seja por um ato, fato ou por um negócio jurídico qualquer, visando a obter do órgão jurisdicional que pontifique os termos do pedido e dê carga de certeza, existência, inexistência, validade, invalidade, eficácia ou ineficácia, não tendo, porém, condão de formar título executivo10 algum e se exaurindo, portanto, com a certificação judicial que irá irradiar desde já todos os efeitos pretendidos pela decisão. Essa é, em termos gerais, a natureza jurídica das decisões (sentenças) declaratórias. O que a diferencia das demais, assim - é que apesar de outras como as condenatórias também terem carga de declaração, eis que antes de condenar o devedor à prestação de algo é evidente que no meio do caminho haja certa declaração do direito alegado - é que ela exaure todo seu conteúdo e gera todos os efeitos na própria declaração, não se precisando de outro ato, fato ou negócio jurídico para que cumpra seu papel e atinja sua finalidade.

            Importante mencionar que a parte titular de tutela mais completa em outro tipo de demanda, nem por isso tem descaracterizado o seu interesse de agir mediante ação declaratória, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial 8303/SP, julgado em 25.4.96).

            Daí ser considerada, tal como ocorre com as constitutivas, decisão bastante em si (satisfativa)11. A declaração da matéria levantada já satisfaz o pedido do autor, que é justamente a declaração de algo, não se executando nada, conseqüentemente (diante de seu conteúdo simplificado em cotejo com as outras duas espécies: constitutivas/desconstitutivas e condenatórias puras).

            As sentenças (decisões) constitutivas, também conhecidas como satisfativas, são aquelas que podem criar, modificar, ou extinguir uma relação jurídica, podendo ser positiva (constitutiva) ou negativa (desconstitutiva). Então apesar de declarar algo, pois como já dito em todas as decisões judiciais há certa carga de declaração, o declarado aqui é o meio para que a decisão atinja a finalidade pretendida pelo autor da demanda, que é justamente a constituição ou desconstituição de relação jurídica mencionada, diferença que a distingue da sentença declaratória em sentido estrito, que se contenta em somente declarar o alegado ou declarar que o alegado não existe, entre outras hipóteses. Nas constitutivas, complementarmente às declaratórias em sentido estrito, há anterior declaração e posterior constituição (ou desconstituição) - mais à frente se verá que a problemática entre as teorias clássica (trinária) e moderna (quinária) encontra estrangulamento em relação às decisões condenatórias, eis que as declaratórias em sentido estrito e as constitutivas (desconstitutivas) não se diferenciam substancialmente entre ambas as teorias. Outra diferença é que as sentenças constitutivas recaem em relações jurídicas tão somente, sendo que as declaratórias em sentido estrito podem recair em ato ou fato jurídico e não necessariamente em relação jurídica (negócio jurídico)12 como na constitutiva.

            São exemplos de sentenças constitutivas: i) a sentença de interdição (art. 1.184 do Código de Processo Civil), que decreta (constitui) o estado de interdição (constitutiva positiva); ii) a sentença que dissolve (desconstitui) a relação conjugal (constitutiva negativa)13etc. Diante da satisfatividade que contém, tal como a declaratória em sentido estrito (regra), a decisão constitutiva pode ser dita também como bastante em si14, exaurindo todos os efeitos desejados após a constituição ou desconstituição de determinada relação jurídica e formando com a declaratória, assim, espécies de decisões já exauridas em seus efeitos (ou conteúdos). São decisões suficientes porque não precisam de posterior execução da matéria constituída/desconstituída como ocorre com as condenatórias puras pensadas sob a ótica da teoria clássica ou trinária.

            As sentenças (decisões) condenatórias são aquelas em que ensejam a formação de um título executivo, abrindo destarte oportunidade para a execução forçada para que possam ser cumpridas após regular processo de conhecimento mediante determinado procedimento. Seus efeitos, contudo, diante da teoria clássica e de acordo como foi concebida à época, não se irradiava imediatamente, eis que forçoso seria nova provocação ao Estado-juiz para que fosse iniciado novo processo (execução) ao fim de que o decidido na fase cognoscitiva fosse satisfeito pelo devedor/executado. Então vista em seus termos originários, não bastava à parte ter decisão condenatória, pois ficaria no meio do caminho entre obter ou não a tutela pretendida, necessitando do processo de execução, que lhe dava eficácia (realizando o direito material). Além de declararem um direito formam um título executivo contra o devedor, como ocorre, por exemplo, nas ações de cobrança (Nelton dos Santos15).

            São decisões, portanto, não-satisfativas, não-bastantes em si16 se fossemos na contramão da teoria de Pontes de Miranda. São decisões por si só insuficientes à imediata execução do direito material e que foi concebida na época em que se vivia outra realidade entre as relações sociais e o ordenamento jurídico, o que fazia da teoria clássica instrumento adequado à tutela dos direitos reclamados na concepção do Estado liberal, já extinto entre nós.

            Segundo a teoria clássica (trinária), são essas as características principais das sentenças declaratórias, constitutivas (desconstitutivas) e condenatórias, vistas de forma bem resumidas, pois maior abordagem foge do propósito aqui tratado. Note-se, contudo, que fiz questão de ressalvar se tratar de decisões judiciais, pois depois da lei 11.232, inaugurou-se nova questão à processualística brasileira: saber se essas decisões proferidas durante o procedimento, mesmo que julgando (resolvendo) o mérito da lide, total ou parcialmente, mas sem que seja extinto o processo, têm ou não natureza jurídica de sentenças... A discussão está lançada.

            2.2. Classificação das sentenças de mérito. Teoria moderna (quinária). Sentenças declaratórias, constitutivas (desconstitutivas), condenatórias, mandamentais e executivas (lato sensu)

            As características principais das sentenças declaratórias, constitutivas (desconstitutivas) e condenatórias, que formam a tríade da teoria clássica, já foram tisnadas, ainda que sucintamente (item 2.1). Serão, assim, abordadas como consectário lógico, as sentenças mandamentais e executivas lato sensu, as quais formam juntamente com as declaratórias, constitutivas/desconstitutivas e condenatórias, a classificação da teoria moderna, que superou a teoria clássica por seu atual mecanismo de tutela dos direitos da sociedade contemporânea, exigente da efetividade do processo como valor constitucional (art. 5º, XXXV).

            As sentenças (decisões) mandamentais podem ser conceituadas como as que possuem uma ordem do juiz no sentido de que o decidido por ele deve ser cumprindo em todos os seus termos (aqui e agora) sem outros requisitos (nova ação e novo processo) e sem mais delongas, pois o acertamento do direito já ocorreu e o determinado deve ser acatado sob pena de ensejar à parte que causa embaraço ao regular exercício da jurisdição17 sanções pelo seu descumprimento, tendo como pressuposto à sua aplicação uma coerção (execução indireta) que, diferentemente da expropriação ocorrida após o processo executivo (sub-rogação), serve como aviso e sobreaviso para que não deixe a parte endereçada do mandado (daí mandamental) de realizar o direito do adversário que foi acatado pelo Judiciário mesmo que em sede provisória, pois o processo pode prosseguir no segundo grau com eventual recurso voluntário do sucumbente (regra geral).

            É decisão de ameaça; Decisão que avisa antes de punir, abrindo oportunidade ao seu voluntário (mas não espontâneo) cumprimento.

            A decisão mandamental, perante o Código, e seguindo-se a forma positiva de tutelar direito, próprio do sistema civil law adotado pelo Brasil, tem previsão legal (tipicidade da forma executiva) no art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil18.

            Exemplo típico de decisão judicial mandamental é a proferida em mandado de segurança (lei 1.533/51) que, aliás, não é novidade no ordenamento jurídico e que vem desde sua instituição demonstrando a inadequação da corrente doutrinária que insiste em adotar a teoria clássica como modelo padrão do Código de Processo Civil, vindo posteriormente a Constituição de 88 a dar coerência à teoria moderna com o atual sistema.

            As sentenças mandamentais estão dentro do gênero tutelas específicas, conforme o próprio tipo descreve (art. 461, caput, do CPC), que derrogaram a teoria clássica até então vigente, pois se mostrou o rito ordinário e conseqüente processo de execução insuficiente à satisfação das tutelas buscadas em juízo, diante da diversidade dos direitos, sendo que a processualística moderna afasta o limite traçado pela lei (tipicidade) como outrora e dá ao juiz, assim, maiores poderes para atingir a finalidade do processo civil constitucional, na medida em que garante o bem da vida perseguido de forma tempestiva e justa. Note-se ainda que os termos cumprimento, tutela específica, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente, ou na sentença e multa só reforçam o quê a mais (plus) das tutelas mandamentais em cotejo com a decisão condenatória da teoria clássica. Tem ela, portanto, cunho de determinação bastante em si e suficiente (satisfativa) à execução do decidido, prescindindo de processo de execução conforme o modelo adotado pela teoria clássica e que, como visto, se apresentou nos últimos tempos insuficiente à garantia fundamental da tutela do direito, falha que a teoria moderna quer corrigir19.

            Então ainda que seja enxergada a decisão mandamental como condenatória segundo os processualistas que adotam a teoria clássica tal como Cândido Rangel Dinamarco e Humberto Theodoro Júnior20, seu conteúdo (mais abrangente e ao mesmo tempo específico) exaure efeitos não encontrados na decisão de condenação pura ou propriamente dita do modelo clássico (trinária). É peculiar e mais adequada, portanto, ao anseio de adimplemento do direito material (o novo art. 475-J do Código de Processo Civil, instituído pela lei 11.232, se liga à sentença condenatória clássica e tem conteúdo punitivo, não coercitivo, não se podendo, assim, considerá-la como decisão mandamental segundo Marinoni: http://www.professormarinoni.com.br/admin/users/36.pdf).

            As sentenças (decisões) executivas lato sensu são aquelas onde o juiz realiza meios de execução de forma direta e adequadamente ao direito pleiteado (tutela específica) no caso concreto, determinado desde a decisão que conheceu do pleito (conhecimento) o modo e como será a satisfação (material) do bem perseguido e reconhecido pelo Judiciário. Tal como as decisões mandamentais, têm carga condenatória em seu conteúdo, sendo, ainda, bastante em si e satisfativa à tutela da parte que tem razão, prescindindo-se de processo de execução (que depois da lei 11.232 é fase nos títulos executivos judiciais), pois já suficiente em seus efeitos, que são imediatos e já pré-determinados, sem o uso de ameaça (coerção) como ocorre com as mandamentais em sentido estrito. A determinação é direta e já consta nela meios executivos (satisfação) do direito. Cassio Scarpinella Bueno21 lembra que a tutela executiva não se dirige ao devedor da obrigação e efetiva-se (concretiza-se, realiza-se) independentemente e, se for o caso, até mesmo, contra sua vontade.

            O ponto de encontro e desencontro das sentenças executivas lato sensu se comparadas com as mandamentais é o fato de que sua carga (conteúdo) de "mandamentalidade" (que é condenação qualificada tal como a mandamental em sentido estrito) já é ínsita ao próprio mérito da decisão (pedido do autor), ordenando-se que o cumprimento se faça independentemente de coerção indireta, que naquela (mandamental) é tão só o meio empregado para que o mérito (pedido) seja satisfeito, não se confundindo com ele como ocorre nas executivas lato sensu. Nas sentenças executivas lato sensu coerção e mérito estão interligados diretamente, ao passo que nas mandamentais o mérito é diverso (dissociado) da forma (coerção), forma-meio, pois o juízo se utiliza do instrumento da ameaça (meio) para atingir o objetivo pleiteado (fim).

            As sentenças executivas lato sensu têm no próprio decisório os meios de sub-rogação do direito da parte, seja nas hipóteses onde o juiz determina que seus auxiliares cumpram a medida necessária ao adimplemento da obrigação descumprida pelo devedor, seja determinando que terceiros (ao processo) cumpram o decidido à custa do obrigado inadimplente, que arcará pela recalcitrância (renitente rebeldia contra dita ordem judicial de mérito!).

            A decisão executiva lato sensu, perante o Código e seguindo-se a forma positiva de tutelar direito, próprio do sistema civil law adotado no Brasil, têm previsão legal (tipicidade da forma executiva) no art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil22.

            Tal como a decisão mandamental, a decisão executiva lato sensu se insere no contexto das chamadas tutelas específicas, tão bem abordadas por Marinoni, um dos grandes responsáveis pela sua propagação entre nós.

            Os termos cumprimento, tutela específica, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente, efetivação, obtenção do resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias só reforçam o quê a mais (plus) das tutelas executivas em cotejo com a clássica decisão condenatória, outrora vista como adequada à tutela dos direitos e hoje dissonante do regime adotado pela teoria moderna (quinária), que adoto.

            Tem ela, portanto, cunho de determinação bastante em si e suficiente (satisfativa) à execução-mérito do decidido, prescindindo de processo de execução (que depois da lei 11.232 é fase nos títulos executivos judiciais) conforme o modelo clássico ainda adotado por muitos e que, como visto, se apresentou nos últimos tempos insuficiente à garantia fundamental da tutela dos direitos, cedendo espaço à evolução natural do processo civil constitucional.

            Não se pode negar, porém, que são decisões condenatórias; Mas ultrapassam o raio de efeitos das condenatórias puras pensadas sob a ótica da teoria clássica; São mais do que condenatórias... São também condenatórias!23

            Eis os motivos que diferenciam, seja pelo conteúdo em si, seja pelos seus efeitos, sejam por ambos os motivos, as teorias clássica e moderna, sendo a moderna mais condizente com a sociedade contemporânea dentre outros aspectos pela heterogeneidade dos direitos e diferentes modos de se prestar jurisdição, o que cavou a necessidade de se criar tutelas específicas do direito, as quais as mandamentais e executivas lato sensu são espécies.

            Ao mencionar tutelas específicas durante o texto e apontando que os arts. 461 e 461-A ("ações de cumprimento") e o novo regime instituído pela lei 11.232 (art. 475-I e ss. do Código de Processo Civil) reforçaram sua incidência entre nós, é preciso relembrar que tal instituto de certa forma é novo no ordenamento jurídico, tendo seu berço no direito italiano do final do século XX.

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Sobre o autor
Tassus Dinamarco

advogado, pós-graduando em processo civil pela Universidade Católica de Santos (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINAMARCO, Tassus. Sentença e seus efeitos depois da Lei nº 11.232/2005. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1244, 27 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9216. Acesso em: 22 dez. 2024.

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