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Sentença e seus efeitos depois da Lei nº 11.232/2005

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27/11/2006 às 00:00
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3. Tutelas específicas24

            Trata-se de teoria bem desenvolvida no Brasil por Marinoni, a qual visa adequar as diversas tutelas de direito hoje previstas no processo civil constitucional, guiada pelo anseio de prestação jurisdicional racional, útil e efetiva.

            Não será, porém, objeto de análise por ser tema evidentemente específico, tanto que não adotada por boa parte da doutrina e jurisprudência, apesar de não raro encontrarmos muitas das razões nessas fontes do direito que (entretanto) ignoram ou não destinam a titularidade ao autor, sem dúvida um de seus maiores propagadores entre nós (como já dito), seja por não adotá-la ou por adotá-la parcialmente entre outros motivos.

            Segundo Marinoni tutela específica é gênero da qual fazem parte várias espécies: i) tutela inibitória (positiva e negativa); ii) tutela inibitória individual (art. 461 do CPC); iii) tutela inibitória coletiva (art. 84 do CDC); iv) tutela inibitória executiva; v) tutela inibitória do inadimplemento; vi) tutela de remoção do ilícito; vii) tutela específica da obrigação inadimplida ou cumprida de modo imperfeito; viii) tutela ressarcitória na forma específica; ix) tutela pelo equivalente monetário; x) tutela de imissão na posse de coisa móvel; xi) tutela de imissão na posse de coisa imóvel; xii) tutela reivindicatória; xiii) tutela de reintegração de posse; xiii) tutela de restituição da coisa que depende da desconstituição do contrato et al (um estudo aprofundado a respeito certamente pode ser encontrado nas monografias do dileto doutrinador).

            3.1. Tutelas de urgência e sentença

            Até que seja legislada norma que trate das tutelas de urgência de forma mais detalhada, seguindo-se os anseios da doutrina que vem há muito tempo construindo a estrutura do atual sistema moderno de procedimentos específicos para dar conta da multiplicidade dos direitos, funciona o art. 273 do Código de Processo Civil como a espinha dorsal do instituto, traçando linhas gerais de aplicabilidade (dispositivo instituído pela lei 8.952/94 e derrogado pela lei 10.444/02), identificando-se com as sentenças condenatórias-mandamentais e condenatórias-executivas lato sensu, ficando até difícil de explicar, via de regra, as sentenças condenatórias em sentido estrito, que hoje em dia estão quase defasadas por completo do atual regime do Código na medida em que aquelas podem (também) antecipar os efeitos da tutela pretendida mesmo que através de um juízo provisório de cognição e de verossimilhança, podendo ou não ser confirmado ao final do procedimento o decidido com ou sem a conseqüente extinção do processo no primeiro grau de jurisdição mediante julgamento (resolução) de mérito da lide em primeiro ou segundo grau (art. 269 do Código de Processo Civil derrogado pela lei 11.232, de módulo sincrético).


4. A impossibilidade da existência de "várias sentenças" no procedimento de primeiro grau de jurisdição. A sentença como ponto culminante do processo

            Mesmo diante da nova redação dada ao art. 162, § 1º, do CPC (lei 11.232), a sentença encerra o processo em primeiro grau de jurisdição, decidindo a lide quer pelo mérito ou não, instante em que se abre às partes oportunidade aos recursos voluntários como meios de impugnação (devolutividade) ao órgão hierarquicamente superior para tentar a reforma perante o colegiado do decidido na instância ordinária. Entendo assim pois não defendo a possibilidade de existirem diversas sentenças durante o procedimento. Sentença continua sendo uma só, vindo a lei 11.232 a trazer certa confusão ao dizer menos do que pretendeu. Apesar de existirem agora hipóteses em que o juiz aprecie todo o mérito da lide, necessariamente não terá de extinguir o processo no primeiro grau, pois as diversas tutelas hoje postas à disposição da parte que aparentemente tem razão (tendo a garantia da satisfação de seu direito mediante juízo provisório de cognição e verossimilhança) podem ser, ao final, revogadas acaso o réu-executado consiga demonstrar depois da regular instrução dos autos que aquela fumaça de direito e o perigo da demora alegados pelo autor-exeqüente na verdade não existia. Então sentença é, em meu entender (repito), a decisão final, e final porque conhece e resolve o mérito depois de todos os meios de prova dado às partes para fundamentarem suas alegações, não se podendo, assim, amesquinhá-la e confundir qualquer decisão incidental como sentença. É ela o ponto culminante do processo justamente por possibilitar a revisão depois de todo o contraditório e ampla defesa dada às partes e principalmente ao demandado, onde recairá eventual determinação judicial de constrição de seu patrimônio à satisfação do direito do autor violado, daí que somente nas sentenças é que se apela, pois a matéria devolvida ao tribunal será mais ampla do que eventual recurso atacado antes ou durante a instrução dos autos, que continuam sendo atacados pelo recurso de agravo (nos termos da lei 11.187/05). Marinoni e Arenhart negam a possibilidade de existirem "várias sentenças" (de mérito ou material) durante o procedimento em primeiro grau de jurisdição: "... o ato judicial que trata do mérito no curso da fase de conhecimento do processo não pode ser admitido como sentença. O ato judicial que implica alguma das situações do art. 269 somente pode ser definitivo com sentença quando extingue o processo ou quando encerra a fase de conhecimento..." 25, sendo acompanhados por Freitas Câmara: "... deve-se, a meu juízo, continuar a considerar que a sentença definitiva é o ato de resolução final do mérito da causa. Resoluções parciais ou provisórias de mérito devem ser consideradas decisões interlocutórias... Se a cada vez que uma ‘sentença’ proferida fosse interposta uma apelação (que se recebe com efeito suspensivo e se processa nos mesmos autos em que a sentença tenha sido proferida), este processo jamais terminaria..." 26.

            4.1. O processo de execução autônomo ainda existente nos termos do Código

            Ainda assim é correto falarmos em processo de execução (autônomo) porque o novo regime não revogou por completo a necessidade do processo executivo como meio instrumental à expropriação (execução forçada) em razão do descumprimento do direito violado e reconhecido judicialmente via ação.

            Há situações em que o processo executivo (iniciado através de ação) será necessário e continuará vigente perante o sistema processual brasileiro, seja pelo conteúdo ou origem do direito previamente conhecido e agora executado.

            Foi a opção do legislador ordinário, justificada em algumas hipóteses.

            Cito exemplos: i) fazenda pública quando é demandada (ré); ii) alimentos, que tem rito especial (a ação de alimentos imbuída de título executivo judicial não deixa de ser uma execução por quantia certa contra devedor solvente "especial"); iii) execução de título executivo extrajudicial; iv) execução da sentença arbitral; v) execução de decisão judicial estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; vi) execução de quantia certa contra devedor insolvente; vii) execução da decisão criminal condenatória transitada em julgado com o objetivo de reparação do dano causado pelo delito (et al).

            4.1.2. Conceito de sentença e sua atual dificuldade prática imediata

            Depois de verificar que a nova lei 11.232 não alterou a natureza jurídica da sentença, creio que sua conceituação continua nos contornos do que já havia boa parcela da doutrina definido como sendo o ato processual exclusivo do juiz que tem o objetivo de compor a lide em primeiro grau de jurisdição (nos casos em que aprecia o mérito: sentenças materiais ou definitivas), ou ainda que não componha a lide, mediante rejeição (liminar ou não) do pedido do autor, ou extinção prematura do processo por algum vício que impede o processamento regular do feito e portanto conhecimento do mérito (carência de ação ou ausência de pressuposto processual positivo ou negativo, de existência e validade: sentenças processuais ou terminativas). Assim, não houve alteração no conteúdo das sentenças; Continua ela em substância a ser o ponto culminante do processo em primeiro grau de jurisdição, creio.

            O que houve é que a lei tentou adequar as diversas tutelas previstas no ordenamento à teoria moderna do instituto com a Constituição (duração razoável do processo instituído recentemente pela emenda constitucional 45/04) - tal como ocorrera com a antecipação dos efeitos da tutela pretendida (art. 273 do Código de Processo Civil nos termos da lei 8.952 e 10.444) e depois com as ações de cumprimento (arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil nos termos da lei 10.444) - onde não se admite mais delongas processuais que atravancam a pretendida celeridade do Poder Judiciário em virtude do excesso de formalismo, contrário à instrumentalidade do processo civil brasileiro como muito bem defendeu em excelente monografia Cândido Rangel Dinamarco27.

            Tentou a nova lei que emendou o Código, então, dar meios executivos às decisões judiciais, unindo fase de conhecimento e executiva (tendência a ser regra geral nos títulos executivos judiciais) para que o direito reconhecido seja usufruído pela parte que tem razão e que a atividade jurisdicional seja útil e tempestiva e cumpra seu dever de garantia fundamental criado pelo constituinte.

            A dualidade dos processos (conhecimento e execução) trazia muita lentidão no sistema por burocratizar o caminho até o juiz. Quis-se, assim, encurtar os instrumentos da técnica processual de tutela dos direitos à satisfação do bem da vida pretendido mesmo durante o caminho natural do processo em primeiro grau de jurisdição (através do procedimento, comum ou especial).

            Críticas à parte, o objetivo da lei 11.232 em unir em fases o conhecimento e posterior execução do direito amolda o juiz compromissado com a prestação de tutela jurisdicional tempestiva, permitindo que ele dê ordens (se valendo do poder de império do Estado) e não se contente em somente proclamar as palavras da lei como ocorria durante o auge da Escola Sistemática.

            Diante do novo regime instituído pela lei 11.232, por outro lado, a dificuldade prática imediata reside em: i) resolver a problemática de tutelar os direitos com a rapidez que todos esperam do processo sem afetar os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, que devem sempre ser abrigados sob irremediável inconstitucionalidade material (deve-se conciliar então tempestividade com oportunidade de defesa, à luz da Constituição); ii) a manutenção da lei ordinária em não tutelar os direitos segundo o princípio da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição), pois ainda há inúmeras distorções no sistema que permitem que alguns demandados alonguem o procedimento sem que o privilégio se estique aos demais (fazenda pública no pólo passivo); iii) adequar o novo regime com a sistemática recursal, pois ficou confusa a nova redação do Código (art. 162, § 1º do Código de Processo Civil), dando margem a sérias dúvidas (objetivas) sobre qual o recurso cabível à espécie de decisão atacada, devendo dessa forma ser prestigiado mais do que nunca o princípio da fungibilidade recursal (desde que presente seus requisitos, obviamente), apesar de não ter mais previsão legal (o Código de 39 o previa), pois tem valor jurídico superior à lei positiva e deve ser aplicado nas hipóteses (excepcionais) em que a lei não conseguiu ser clara o suficiente para que as partes saibam quando e como devem utilizar de tal ou qual meio de impugnação contra o decidido pelo juiz durante ou após a produção de provas e mérito da lide no primeiro grau de jurisdição, abrindo-se o momento processual do recurso voluntário às partes28.

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            Pelo que foi visto sobre o texto novo e sua manutenção quanto à natureza jurídica da sentença, cabe mencionar que não há diferença entre resolução e julgamento. O texto antigo (julgamento), todavia, era mais técnico que o novo (resolução), pois entendo que se resolve questão incidente e se julga questão afeta ao mérito da lide, ainda que o processo não seja necessariamente extinto.

            De qualquer modo o texto novo não influi no conteúdo do ato decisório sentença, mas traz certamente mais confusão no que atine à matéria recursal, inegavelmente. Daí a desembocada que virá nos pretórios invocando o recorrente o princípio da fungibilidade recursal, plausivelmente.

            Tentou dizer a lei, ademais, que resolução não se atém, necessariamente com a extinção do processo e mesmo que houvesse decisões de mérito durante o procedimento seria ela sentença mesmo que várias fossem proferidas, tudo por causa da vinculação do art. 162, § 1º, com os arts. 267 e 269 do CPC, abolindo a palavra julgamento e colocando em seu lugar resolução.

            Mesmo assim continuo afirmando que sentença no procedimento de primeiro grau é uma só e que resolução e julgamento possuem o mesmo conteúdo, muito embora acredite que a confusão está lançada e abrirá sanha justificável aos que defenderão a modificação quanto à natureza jurídica das decisões judiciais apreciadoras do mérito da lide e seus correlatos recursos.

            Pondero, entretanto, com uma afirmação peremptória de Marinoni sobre o novo regime trazido pela lei 11.232: "... Não há racionalidade em exigir duas ações para a obtenção de uma tutela..." (Tutela Inibitória, Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2006, p. 459). Ora, se não é racional exigir duas ações para a obtenção de uma tutela, não é racional, por identidade de razão, se exigir que uma só ação provoque na lide várias sentenças incidentes ou sentenças interlocutórias no procedimento de primeiro grau de jurisdição, absolutamente.

            4.1.2.1. A publicação da sentença e a regra da imutabilidade do decisório

            O fato do novo art. 46329 (derrogado pela lei 11.232) dizer que publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: i) para lhe corrigir, de ofício, ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo; ii) e por meio de embargos de declaração, só reforça o caráter de unicidade da sentença no primeiro grau de jurisdição, não se permitindo que "várias sentenças" existam durante o procedimento. Se a lei afirma peremptoriamente que depois de publicada a sentença só algumas hipóteses excepcionais é que justificam sua alteração e desde que não se modifique seu cunho decisório (mérito), quis justamente, mesmo após o novo regime emendado ao Código, reafirmar o caráter preponderante da sentença sobre as decisões interlocutórias, não podendo ela descer seu grau de hierarquia e conviver com outras decisões incidentes ocorridas eventualmente durante o procedimento em primeiro grau.

            Tanto é assim que a lei não previu a regra geral da imutabilidade das decisões interlocutórias, pois justamente elas têm natureza de decisão incidental e por isso podem sofrer modificações até o final do procedimento em primeiro grau de jurisdição. Para o Código a sentença é vista com muito mais rigor do que as decisões interlocutórias, pois essas têm mesmo um caráter bem menos abrangente e menos cognoscitivo do que a decisão final, aquela que julga depois de toda da produção de provas ao longo da instrução dos autos (mérito).

            Não poderia o Código logicamente prever a regra da imutabilidade à decisão interlocutória, pois ela pode sofrer superveniente alteração ao final; Daí sentença só poder ser uma só, não se podendo afirmar existir "sentenças interlocutórias" ou "sentenças incidentes" durante o procedimento em primeiro grau de jurisdição!

            E a locução "ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional..." (antiga redação do art. 463, antes da lei 11.232) tem o condão de dizer que a sentença proferida pelo juiz, julgando (resolvendo) ou não o mérito da lide, não pode ser modificada, salvo nas hipóteses em que a própria lei prevê (não somente naquelas hipóteses exemplificativas do art. 463 do Código, como já demonstrado).

            O texto derrogado se referia somente às "sentenças definitivas" (de mérito), não mencionando sobre as "sentenças terminativas" (processual), deixando à primeira vista a impressão de que somente incidia a regra da imutabilidade nas "sentenças definitivas" (materiais).

            Agora ficou mais claro o texto legal derrogado pela lei 11.232 porque independentemente da decisão proferida (com resolução ou não do mérito da lide) incide de forma expressa a regra da imutabilidade (interpretação literal), consertando a lei a omissão quanto às "sentenças terminativas" (processuais) ao utilizar termo genérico e abrangente (quando se aprecia ou não o mérito da lide).

            Boa a nova redação, pois ainda que haja o acerto da doutrina e jurisprudência sobre determinado instituto, é saudável quando a lei espanca eventual dúvida de interpretação, embora acredite que não deve a lei ser extremamente conceitual, pois o papel do comando normativo não é esse.

            4.2. A possibilidade da resolução de mérito e o prosseguimento do processo no primeiro grau de jurisdição

            As diversas tutelas hoje existentes ao alcance do jurisdicionado muitas vezes acabam sendo decisões incidentais (juízo provisório de cognição e verossimilhança), passíveis desse modo de reversibilidade durante o procedimento, pois o pedido (mérito) apreciado de forma superficial e precário tem que ser revisto mediante regular instrução dos autos para dar ao juiz a possibilidade de conhecer a defesa do demandado e decidir destarte com mais certeza de convicção eventual efeito da tutela concedida em sede provisória, pois na realidade o direito alegado pela parte nem o juiz nem o tribunal conhecem com verdade absoluta; Ambos formam sua convicção e decidem com o que consta nos autos, e, portanto, imbuídos de juízo de verossimilhança, ainda que bem maior na sentença do que naquela decisão que eventualmente satisfez um alegado direito antes ou durante a instrução dos autos mediante juízo bem menos cognoscitivo, evidentemente30.

            4.3. Sentença substitutiva da vontade da parte

            Seguindo o objetivo do que pretendeu a lei 11.232, a sentença substitutiva da vontade da parte, espécie das tutelas específicas, está agora corretamente prevista no Livro I do CPC em razão de sua inegável natureza de conhecimento da matéria alegada, recaindo sua executividade como satisfação (efeito) da anterior cognição mediante sub-rogação do juízo (v. art. 512 do Código sobre a substituição da sentença ou da decisão recorrida pelo tribunal).

            Os arts. 466-A (regra geral), 466-B (regra especial) e 466-C (regra especialíssima)31, substituíram os revogados arts. 639/641 do Código (revogação expressa)32. Foi perspicaz e racional a alteração da lei com o sistema hoje adotado recaindo a máxima de que ninguém é todo mau ou todo bom, o que ocorreu com a lei 11.232!

            Além disso, por ser sentença em sentido estrito (de natureza condenatória-executiva), não deveria estar em outro lugar senão onde foi posta (no capítulo que trata da "sentença e da coisa julgada"). Alexandre Freitas Câmara faz o seguinte apontamento sobre a sentença substitutiva da vontade da parte: "... não há sentido em incluir o trato dessa matéria após o art. 466 do CPC, que trata da hipoteca judiciária. A obrigação de emitir declaração de vontade é espécie de obrigação de fazer, razão pela qual o melhor seria que esses três artigos que saíram do Livro II do CPC viessem para logo após o art. 461 do Código de Processo Civil. Deveriam esses artigos, então, ter sido numerados como art. 461-A, 461-B e 461-C, passando-se o atual art. 461-A a ser o 461-D. De toda maneira, ficaram resolvidos os dois maiores defeitos que a doutrina apontava na sistemática original do CPC. Perdeu-se, porém, a oportunidade de corrigir outra falha (o que talvez se justifique pelo fato de haver controvérsia doutrinária a respeito do ponto): continua a lei a falar em condenação a emitir declaração de vontade, quando tal sentença tem natureza constitutiva (...)"33

            Não posso concordar, contudo, que a sentença substitutiva da vontade da parte tenha natureza constitutiva, como defende Freitas Câmara. Tem ela natureza condenatória-executiva; A constitutividade da relação jurídica declarada através da intervenção judicial é a própria condenação da promessa de emitir declaração de vontade que foi descumprida pelo demandado e daí sub-rogada pelo juízo através de seu poder estatal imanente a todos que detêm jurisdição, sendo que inexoravelmente jungida à condenação do demandado abrir-se-á o momento processual para dar-se satisfação ao direito pleiteado (a declaração de vontade sub-rogada pelo juízo). As sentenças constitutivas (desconstitutivas) são auto-suficientes (satisfativas), não precisando de posterior execução da relação jurídica constituída (ou desconstituída) conforme já expus alhures (2.1.). Fica difícil, assim, sustentar a natureza jurídica de constitutiva da sentença substitutiva da vontade da parte se é imprescindível posterior ato executivo do juízo para a cabal satisfação do pleiteado, que aliás ocorrerá na mesma fase do processado nos termos da novel lei 11.232. Se fosse constitutiva, o ato judicial de constituição (desconstituição) se bastaria por si (sentença bastante em si segundo a doutrina do sempre contemporâneo Pontes de Miranda34), diante de sua satisfatividade (exauriente), o que não ocorre na espécie porque o juízo determina meios de sub-rogação executiva à vontade da parte demandada inadimplente pelo descumprimento da não declaração de vontade a que se obrigou perante o demandante ou mesmo determina que terceiro o faça à custa do devedor (determinando averbação ou registro imobiliário sobre determinado imóvel objeto de contrato preliminar ou contrato-promessa, por exemplo).

            Os que defendem a constitutividade dessas sentenças se baseiam no fundamento de que o ato executivo determinado pelo juízo tem cunho extraprocessual, não sendo propriamente efeito ou ato de condenação (substância), argumento o qual não concordo (com toda a vênia).

            Vale mencionar, ainda, que a incidência da sentença substitutiva da vontade da parte encontra óbice no direito material se este contemplar a possibilidade do direito de arrependimento35 entre as partes contratantes: se há cláusula no contrato preliminar (contrato-promessa) possibilitando o direito de arrependimento aos contratantes, fica excluída a ação judicial tendente a compelir o obrigado a adimplir com sua obrigação, pois já reparada em sede extrajudicial nos termos do contrato como prévia reparação (presumida) em danos e/ou perdas, imperando destarte a máxima da lei entre as partes (pacta sunt sevanda)36 e obstando eventual provocação ao Poder Judiciário.

            As arras penitenciais37 afastam, portanto, o interesse de agir (processual) e mesmo a possibilidade jurídica do pedido de substituição da vontade da parte não cumprida (mas amparada pela hipótese de indenização como prévia reparação de danos e perdas presumida ou mesmo exclusão dela em se arrependendo a parte e desde que haja expressa menção e concordância da outra parte quando da formação do contrato no sentido da concomitância do arrependimento e exclusão da indenização antecipada), tornando eventual ação que vise substituição nesse sentido passível de ser rejeitada liminarmente pelo juízo, de ofício, em razão da natureza de ordem pública que reveste as condições da ação (art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil)38.

            Aliado ao sistema, a sentença substitutiva da vontade da parte é espécie do gênero tutelas específicas, hoje largamente albergadas não só pelo Código mas também por leis extravagantes tal como o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), o Código do Consumidor (lei 8.078/90), a Locação dos Imóveis Urbanos (lei 8.245/91), o Estatuto do Idoso (lei 10.741/03), entre outros diplomas que consagram cada vez mais no ordenamento jurídico a adoção dos microssistemas (Gonçalves, Carlos Roberto. Principais Inovações no Código Civil de 2002, Saraiva, São Paulo, 2002).

            O direito positivo não pode ser obstáculo para a aplicação das teorias elaboradas pela processualística moderna, que sempre vem antes da lei e que por tal motivo não pode esperar a vigência de determinado instituto para que possa irradiar efeitos no processo. Absolutamente; Devem sim as mais diversas tutelas (direito material), mesmo que não existentes ou não mencionadas perante o direito formal (positivo), serem prestigiadas se forem capazes de harmonizar o sistema e contribuir para o bom funcionamento da máquina estatal, tão deficiente e em mora com a eficiência que se espera do poder público (e a eficiência cobrada pelo art. 37, caput, da Constituição também se estica e se exige nos atos do Poder Judiciário sob pena de privilégio deste último sobre a Administração Pública em sentido lato, ferindo a igualdade!).

            Não é demais lembrar que o direito vem antes da lei (em sentido estrito), e quando o direito é previsto como garantia fundamental do Estado segundo a Constituição vigente, que exerce, aliás, papel de lei em sentido lato, soa injurídico negar aplicabilidade ao pensamento dos teóricos da técnica processual diante do formalismo do direito positivo ordinário, pois em verdade se esta negando senão diretamente vigência à própria Constituição Federal, incorrendo-se, assim, em irremediável inconstitucionalidade material.

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Sobre o autor
Tassus Dinamarco

advogado, pós-graduando em processo civil pela Universidade Católica de Santos (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINAMARCO, Tassus. Sentença e seus efeitos depois da Lei nº 11.232/2005. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1244, 27 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9216. Acesso em: 6 mai. 2024.

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