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Sentença e seus efeitos depois da Lei nº 11.232/2005

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27/11/2006 às 00:00
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5. Conclusão

            A lei 11.232, tocante às sentenças e seus efeitos, em verdade se mostrou apenas como mais um passo às modificações que vêm ocorrendo no Código de Processo Civil, gradualmente (o Código virou mesmo "colcha de retalhos"!).

            A primeira grande reforma (art. 273 do Código de Processo Civil instituído pela lei 8.952, de 1994) do Código introduziu a antecipação dos efeitos da tutela pretendida (em sede provisória e juízo de verossimilhança), dando início, destarte, à ação sincrética no ordenamento jurídico ao possibilitar a execução (efeitos) do decidido mesmo durante o procedimento em primeiro grau de jurisdição; A mesma lei 8.952 instituiu as decisões mandamentais (art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil), dando início às chamadas ações de cumprimento das tutelas, que foi reforçada com a instituição das decisões executivas lato sensu (art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil instituído pela lei 10.444/02), ambas dando efetividade à decisão judicial durante o conhecimento do direito (podendo ser confirmada pela sentença material) seja em razão da coercibilidade (ameaça) da decisão mandamental seja em razão da satisfatividade imediata (mérito) da decisão executiva lato sensu, seguindo-se pela tutela específica do art. 461-A do Código de Processo Civil também instituído pela lei 10.444, ficando o bloco de reformas dessa última cunhado pela doutrina como a reforma da reforma39 ou a segunda etapa da reforma processual civil40.

            Assim, as leis 8.952 e 10.444 foram o boom processual brasileiro, pois elas é que inovaram realmente a sistemática do procedimento em primeiro grau de jurisdição visando garantir efetividade à tutela dos direitos, negando contemporaneamente o modelo adotado pela processualística encabeçada por Buzaid, que via o processo (conhecimento e execução) como compartimentos estanques (incomunicáveis), necessitando destarte de ação (módulos distintos) para a satisfação do direito pleiteado, burocratizando com isso os ritos e retirando do juiz maior poder de decisão pelo estreito raio dos meios processuais ao adimplemento da obrigação não cumprida pelo demandado.

            Temia-se o "governo dos juízes", pois ao desamarrar a corda da tipicidade das formas executivas estaria o sistema quebrando a harmonia ("checks and balances" do direito norte-americano) imaginada entre os poderes constitucionais do Estado de direito. No entanto tal entendimento se encontra defasado diante da necessidade de interpretação teleológica que deve o juiz fazer na subsunção das normas jurídicas (tanto materiais quanto processuais).

            O Estado liberal não permitia "intromissão" (na verdade interpretação) do previsto pelo legislador sob o pretexto de que somente a lei e como quis a lei seria tutelado ou não o direito, menoscabando o juiz da época (cujo poder era bem mais limitado), que se via preso pelo procedimento adotado e impossibilitado de alcançar através da inteligência da norma a satisfação do direito da parte imbuída de razão em poder usufruir o bem da vida pleiteado.

            A lei 11.232, que derrogou o art. 162, § 1º, do Código de Processo Civil, entre outros dispositivos, conformou ainda mais o atual regime adotado (antes ações e agora fases ou módulos, processo sincrético ou processo unitário) prevendo que sentença é o ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 e ciente de que as sentenças hoje são também mandamentais e executivas lato sensu, sistematizando a tutela dos direitos no sentido de que a dualidade (fases ou módulos) de processos não é mais útil à maioria dos casos vividos pelo processo civil contemporâneo porque ineficiente à garantia dos direitos constitucionais que exigem durabilidade razoável do processo e não suportam mais ineficiência do Estado (judicial e administrativo).

            Penso, destarte, que mesmo depois da derrogação do art. 162, § 1º, do Código de Processo Civil, não há possibilidade em haver duas ou mais sentenças no processo de primeiro grau de jurisdição, pois ela (sentença) continua a ser o ponto culminante do processo, podendo confirmar ou não (parcialmente ou não) os efeitos da tutela do direito satisfeito em juízo provisório de cognição (juízo de verossimilhança) durante o procedimento; Se admitirmos a existência de "várias sentenças", portanto passíveis de recurso de apelação que subisse à superior instância na forma de "instrumento" (matéria procedimental?!), teríamos que devolver ao órgão ad quem duas ou mais vezes toda a matéria atacada (ampla devolutividade), havendo supressão de instância caso o tribunal viesse a julgar alguma questão controvertida ainda não conhecida pelo juízo natural (juízo de primeiro grau de jurisdição), em evidente inconstitucionalmente material (pois subindo os autos em virtude da apelação atacando alguma sentença proferida antes de finda a instrução, o tribunal poderia conhecer da matéria alegada em sede recursal antes mesmo do juízo, sendo certo que tais hipóteses são exceções perante o sistema e jamais podem se tornarem atividade ordinária do colegiado: v. art. 515, § 3º, do Código); E, o que é pior, teria que se aceitar a odiosa paralisação do processo ao talante do demandado de má-fé que volta e meia iria recorrer de cada ato decisório praticado incidentalmente, pois todo o processado teria que subir para conhecimento do tribunal (ampla devolutividade), emperrando os feitos em detrimento da busca à celeridade constitucional da jurisdição tão sonhada pela processualística moderna. Parece-me que aí mora o principal fundamento em não se admitir "várias sentenças" durante o procedimento no primeiro grau de jurisdição, mantendo-se, assim, a natureza jurídica de "ponto culminante do processo" e tornando-se incapaz, conseqüentemente, de se desconstituir tal construção doutrinária perante o sistema diante de uma reforma pontual e assimétrica à teoria que busca a racionalidade das tutelas através do devido processo legal ("due process of law") traçado pela Constituição Federal de 88. A parte (lei 11.232) não pode prevalecer sobre o todo (sistema).

            Certamente outras emendas ao Código virão (retalhando-o ainda mais e quebrando a unidade lógica vivida à época da teoria de Liebman, o que talvez faça emergir a necessidade de outro diploma que positive com mais técnica a nova concepção do processo civil constitucional como pugna Freitas Câmara41) para que se finque de uma vez por todas e sem qualquer sombra de dúvidas a sincretude cada vez mais exigida dos procedimentos, dando maior impulso à prestação jurisdicional que deve ser efetiva à tutela dos direitos, adequando-se os procedimentos às reais necessidades do direito material perseguido pela parte que busca o Estado-juiz; A razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição, emendada pela EC 45/04) deve ser vista como norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata42, irradiando seus efeitos sem a necessidade de norma infraconstitucional para que eles sejam operacionalizados no processo (efeitos). O tímido conteúdo programático, ou a mecânica imagem de que a norma da razoável duração do processo é programática e conseqüentemente tem eficácia limitada e aplicabilidade mediata inviabilizará o rigor que o constituinte de primeiro e segundo graus43 quis ver na interpretação das normas constitucionais atinentes à garantia fundamental dos direitos (cláusula pétrea nos termos do art. 60, § 4º, IV, CF).

            Penso que um bom caminho para quebrar a morosidade do sistema existente é enxergar as garantias fundamentais afetas ao processo como normas sem conteúdo programático, não esperando a boa vontade, assim, da lei ordinária e o possível acerto do legislador infraconstitucional à boa técnica.

            Há, ao revés, a necessidade de aplicação aqui e agora do comando constitucional.

            Disso pode-se extrair, sem dúvida, de que o direito (mesmo nos sistemas civil law como o nosso) vem antes da lei positiva em sentido estrito, principalmente pela evidência constitucional dedicada à teoria geral do processo, exigindo do hermeneuta interpretação teleológica do processo civil ordinário e buscando, assim, completar eventuais lacunas causadas pelo descaso do ordenamento jurídico (sistema), que às vezes é vítima do incauto legislador.

            Interpretar norma infraconstitucional sob a égide da Constituição (interpretação conforme) exige que o processo não seja peia à aplicação das normas de hierarquia superior, mesmo quando não haja sistema harmônico de direito positivo onde se possa extrair a vontade não só do legislador ordinário, mas principalmente a vontade do constituinte, cujo poder é de aplicação obrigatória aos poderes constituídos pela força que carrega perante o sistema jurídico vigente (hierarquia constitucional). Dar condições processuais para que o juiz atinja os objetivos almejados pelo poder constituinte originário (primeiro grau) é fazer prevalecer a Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e não quebrar a independência e harmonia entre os poderes republicanos como se imaginava em passado recente pelo Estado liberal do século XIX e final do século XX, que garantia o direito sem que necessariamente pudesse realizá-lo.

            O Estado democrático de Direito que garante o processo civil constitucional tempestivo à tutela dos direitos atende à dignidade da pessoa humana como valor supremo da república, que se fundamenta pelo poder emanado do povo e que cobra celeridade dos atos jurisdicionais sem descurar do julgamento justo (art. 1º, III, e parágrafo único, da Constituição Federal).

            O juiz é o limite da legalidade perante o ordenamento jurídico. Para que se busque efetividade do processo não se pode limitar seu poder constitucionalmente previsto, pois é negar por via reflexa instrumentos de realização do direito material daquele que busca tutela do Estado através do processo44.

            São essas, em apertada síntese, as primeiras impressões que tive sobre a lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, no que se refere à sentença45 e seus efeitos.


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Sobre o autor
Tassus Dinamarco

advogado, pós-graduando em processo civil pela Universidade Católica de Santos (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINAMARCO, Tassus. Sentença e seus efeitos depois da Lei nº 11.232/2005. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1244, 27 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9216. Acesso em: 22 nov. 2024.

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