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Reconhecimento de firma

06/12/2006 às 00:00
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Reconhecer, do latim recognoscere [01], quer dizer conhecer de novo (quem se tinha conhecido em outro tempo); confessar; admitir como certo, legítimo ou verdadeiro; constatar; verificar; declarar; afirmar; proclamar.

Assinatura é o sinal gráfico produzido por uma pessoa para representar seu nome num documento. Firma [02] é a assinatura ou rubrica, manuscrita ou gravada.

Em acepção notarial, firma é a assinatura, por extenso ou abreviada, usada para representar graficamente o nome de uma pessoa física ou a razão social de uma pessoa jurídica.

Desta feita, etimologicamente, reconheci- mento de firma pode ser definido como o ato de aceitar como verdadeira a assinatura aposta em documento.

Segundo o inciso IV do art. 7º da Lei nº 8.935 de 18 de novembro de 1994, o reconhecimento de firma é ato de competência exclusiva do Tabelião de Notas, excepcionando-se, segundo o art. 52 da mesma Lei, aos registros civis das pessoas naturais nas unidades federativas onde já existia lei estadual específica em vigor na data de publicação da lei. É o caso, por exemplo, do Estado de São Paulo e de Manaus.

O reconhecimento de firma pode dar-se das seguintes formas: semelhança ou conferição, aquele em que o notário confronta a assinatura lançada na ficha-padrão ou em qualquer outro documento arquivado nas suas notas, com a assinatura apresentada pela parte interessada, devendo entre elas haver um aspecto igualitário; semi-autêntica [03], quando a pessoa, conhecida ou identificada pelo Tabelião, lhe declara ser sua a assinatura já lançada, ou seja, a pessoa que subscreveu o documento comparece pessoalmente ao Tabelionato portando o documento já assinado; e verdadeira ou autêntica, aquela em que a assinatura constante no documento foi aposta na presença do notário e que identificando o indivíduo, através de seus documentos civis, declara que a assinatura é de quem a lançou. Há também o reconhecimento por abono [04], através do qual uma terceira pessoa abona a assinatura subscrita - fora da serventia - no documento, declarando-a como sendo do signatário. Atualmente essa espécie de reconhecimento é vedada, excepcionalmente permitida por algumas Corregedorias, no documento assinado por réu preso, quando a ficha-padrão é preenchida pelo diretor do presídio, com sinal ou carimbo de identificação.

Sendo assim, é com clareza que se vê a diferença entre as espécies de reconhecimento de firmas. As garantias do reconhecimento por verdadeira são, em regra, incontestáveis, face à fé pública do Tabelião. Já o reconhecimento por semelhança impõe ao notário apenas a obrigação de declarar a similitude das assinaturas, trazendo, em tese, insegurança jurídica pois não se impõe a esse profissional do direito a habilidade de um "expert" em grafotecnia.

Poder-se-ia dizer, então, que em uma possível ação de anulação de ato jurídico não se exigiria perícia para contestar a assinatura reconhecida como verdadeira, sob pena de ferir-se a fé pública do Tabelião, um dos princípios basilares do direito notarial; o mesmo não se poderia dizer no tocante ao reconhecimento por semelhança.

A celeuma nasce quando se questiona em que documentos o Tabelião pode ou não fazer uso de uma ou de outra modalidade de reconhecimento e se a parte interessada pode, a sua conta e risco, escolher qual delas utilizar.

É certo que o reconhecimento de firma declara apenas a data e a autoria da assinatura lançada no documento, não lhe conferindo qualquer legalidade. Como bem leciona Ceneviva [05]destina-se a autenticar a data e a assinatura do documento.

Desta forma, indaga-se: tem o Tabelião a obrigação de ler o documento apresentado?

As Normas de Serviço do Estado do Paraná, no item 11.6.9, determinam: "é vedado o reconhecimento de firma em documento sem data ou assinado em branco, ou que não contenha forma legal e objeto lícito". Grifo nosso.

A norma acima apontada leva a equivocada conclusão de que o Tabelião deve analisar materialmente o documento que lhe é apresentado.

Data venia, mas isto nos parece incoerente. Primeiro, porque o reconhecimento não valida o ato viciado e segundo, porque presumem-se verdadeiros os documentos e autênticas as assinaturas nele subscritas, representando a materialização do princípio da boa-fé, que sempre permeou as relações jurídicas. Além disso, tal exigência seria incompatível com o reconhecimento em documento redigido em língua estrangeira, que como ensina Walter Ceneviva, pode realizar-se sem a prévia tradução. Este também é o entendimento das Corregedorias de Santa Catarina [06] e Rio de Janeiro [07], opondo-se as normas do Estado do Acre [08], por exemplo.

Neste diapasão, porque exigir-se, em determinados documentos, o reconhecimento por verdadeira?

A orientação do Tabelião às partes dos riscos da contestação de uma assinatura reconhecida por semelhança já não seria suficiente para a própria parte decidir se prefere corrê-los ou não?

As Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados, que legislam sobre o tema, vêm definindo, embora divergentemente, de forma taxativa, as aplicabilidades do reconhecimento por verdadeira ou semelhança, não atribuindo ao interessado a faculdade de optá-las.

Isto porque a exigência do reconhecimento por verdadeira se faz não com o intuito de tornar o documento legal ou lícito, mas de evitar que em documentos considerados importantes seja pelo valor (valores consideráveis), seja pelo tipo da negociação (transferência de veículos) ou de quem os realiza (deficientes visuais ou relativamente incapazes), tornem-se alvo da ação de pessoas inescrupulosas.

Eis a razão pela qual não se reconhece a assinatura em documentos sem data, incompletos ou que contenham espaços em branco, para que os autores não aleguem, futuramente, desconhecimento do seu teor ou a época em que foram elaborados, homenageando assim, o princípio da boa-fé.

Certo é que os efeitos do reconhecimento de firma guardam relação apenas com seus aspectos formais, não interferindo no teor do negócio ou do ato realizado. Assim, o documento revestido de vícios continuará maculado, ainda que esteja munido do reconhecimento de firma o qual não tem o condão de superar os obstáculos advindos de um contrato ilícito ou ilegal.

Humberto Theodoro Júnior diz que "a presunção de veracidade acobertada pela fé pública do oficial só atinge aos elementos de formação do ato e à autoria das declarações das partes, e não ao conteúdo destas mesmas declarações. Pela verdade das afirmações feitas perante o oficial, só mesmo os autores delas são os responsáveis. Há, destarte, que se distinguir, como faz Chiovenda, entre a verdade extrínseca e a verdade intrínseca, em matéria de documento público [09]".

Portanto é imperioso compreender que o reconhecimento de firma, qualquer que seja as suas formas, não valida ou invalida o ato jurídico onde a assinatura tiver sido lançada. Desse modo, embora seja um ato revestido de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia no que tange à autoria do negócio jurídico, o mesmo não tem, sem dúvida alguma, a função de convalidar o ato nulo.


BIBLIOGRAFIA

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, in Dicionário da Língua Portuguesa, 3º Ed. Revista e Ampliada, editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro – 1993

BRASIL. Código Civil. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 2ª ed., São Paulo: Iglu, 2000.

BRASIL. Lei 8935 de 18/11/1994. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). 4. ed. ver. Ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

HOUAISS, Antonio(1915-1999) e Villar, Mauro de Salles(1939-). Dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa, elaborado no Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Lingua Portuguesa S/C Ltda. - Rio de Janeiro: Oetiva, 2001

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pág. 446.

VALLE Gabriel. Dicionário Latim – Português. 1º ed., SãoPaulo: Editora Thompson-Iob, 2004.

http://www.tj.ac.gov.br/

http://www.tj.sc.gov.br/corregedoria/paginas/consultas/liberada/cnfj.rtf

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NOTAS

01 VALLE Gabriel. Dicionário Latim – Português. 1º ed., SãoPaulo: Editora Thompson-Iob, 2004.

2. Houaiss, Antonio(1915-1999) e Villar, Mauro de Salles(1939-). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, elaborado no Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. - Rio de Janeiro: Oetiva, 2001

03 Seção VIII - Item 2.2. No reconhecimento semi-autêntico a pessoa conhecida ou identificada pelo tabelião, lhe declara ser sua assinatura já lançada - Normas de Serviço das Serventias Notariais e de Registro do Estado do Acre.

04 Art. 920. É vedado o reconhecimento por abono, salvo nos casos de documento assinado por réu preso, desde que a ficha-padrão seja preenchida pelo diretor do presídio ou autoridade policial equivalente, com sinal ou carimbo de identificação – Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina.

Item 11.6.1 – a firma pode ser reconhecida com verdadeira ou autêntica e por semelhança, sendo vedado o reconhecimento por abono. Normas da Corregedoria-Geral do Estado do Paraná.

Art. 410.....

§3º. É terminantemente proibido o reconhecimento de firma não depositadas na serventia, extinta a figura do abonador. – Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio de Janeiro.

Item 61.1. É vedado o reconhecimento por abono, salvo no caso de procuração firmada por réu preso e outorgada a advogado, desde que visada pelo Diretor do Presídio, com sinal ou carimbo de identificação. Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

05 CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada (Lei n. 8.935/94). 4. ed. ver. Ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

06 art. 921 ...

parágrafo único. Pode ser feito o reconhecimento de firma lançado em documento redigido em língua estrangeira.

07 Art. 410...

§5º. É permitido o reconhecimento de firma aposta em documento redigido em idioma estrangeiro.

08 Item 63 – É vedado o reconhecimento de assinaturas reprografadas (fotocópias, etc. ...), bem como de firmas em documentos sem data, incompleto ou que contenham, no contexto, espaços em branco ou não inutilizados, ou nos redigidos em outras línguas, salvo se acompanhadas de tradução oficial.

09 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pág. 446.

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Sobre a autora
Mariana Viegas Cunha

tabeliã substituta de Notas e Protestos em São José do Cedro (SC), pós-graduanda em Direito Notarial e Registral

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Mariana Viegas. Reconhecimento de firma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1253, 6 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9256. Acesso em: 19 abr. 2024.

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