Artigo Destaque dos editores

O vendedor empregado e a base de cálculo de suas comissões

28/08/2021 às 11:30
Leia nesta página:

As comissões dos vendedores empregados devem ser calculadas sobre o valor bruto das vendas efetuadas, permitindo-se descontos apenas no caso de previsão em lei ou em negociação coletiva.

As atividades dos vendedores empregados, viajantes ou pracistas, além de serem regulamentadas pelas disposições da Constituição Federal de 1988 e da Consolidação das Leis Trabalhistas, também ganha roupagem através da Lei n. 3.207/1957.

A figura do empregado vendedor não se confunde com a do representante comercial, porquanto este último obtém para com o tomador de seus serviços um contrato de natureza cível, ou seja, sem a existência de vínculo empregatício, além disso, suas atividades são regulamentadas pela Lei n. 4.886/1965.

Quanto à forma de remuneração do empregado vendedor, podemos diferencia-los em: comissionista puro e comissionista misto. O primeiro percebe a remuneração exclusivamente na forma de comissão calculada sobre as vendas que efetuar. Já o segundo, além da comissão, tem garantido um salário fixo mensal.

O presente artigo busca esclarecer as controvérsias jurisprudenciais sobre a base de cálculo utilizada para a quantificação das comissões do empregado vendedor, viajante ou pracista e fornecer aos jurisdicionados e advogados trabalhistas subsídios para melhor compreensão da matéria. 

O art. 2º da Lei n. 3.207/1957 prevê o seguinte:

Art. 2º O empregado vendedor terá direito à comissão avençada sôbre as vendas que realizar. No caso de lhe ter sido reservada expressamente, com exclusividade, uma zona de trabalho, terá êsse direito sôbre as vendas ali realizadas diretamente pela emprêsa ou por um preposto desta.

Mesmo com tal disposição legal, a jurisprudência vem oscilando quanto à matéria da base de cálculo das comissões do empregado vendedor.

De um lado defende-se a possibilidade de cálculo das comissões sobre o valor líquido das vendas para a empresa, desde que haja previsão no contrato individual de trabalho, ou seja, neste caso desconta-se da base de cálculo os impostos que recaem sobre os produtos e serviços comercializados e outras quantias, como encargos financeiros de vendas realizadas mediante financiamento.

Neste sentido, o Tribunal Superior do Trabalho proferiu os seguintes julgamentos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI Nº 13.015/2014. JUNDADA POSTERIOR DE DOCUMENTO. SÚMULA N.º 8 DO TST. O acórdão está em conformidade com a Súmula n.º 8 do TST, no sentido de que "a juntada de documentos na fase recursal só se justifica quando provado justo impedimento para sua oportuna apresentação ou se referir a fato posterior à sentença". Agravo de instrumento a que se nega provimento. COMISSÕES. BASE DE CALCULO. VALOR LÍQUIDO DA VENDA. VALIDADE. Não há vedação legal ao desconto do valor dos impostos e do frete para efeito de cálculo de comissões, devendo prevalecer o estipulado entre as partes. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento" (AIRR-112500-98.2012.5.13.0002, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 17/03/2017).

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. COMISSÕES. BASE DE CÁLCULO SOBRE O VALOR LÍQUIDO DAS VENDAS. PREVISÃO NO CONTRATO DE TRABALHO. VALIDADE, NOS TERMOS DO ARTIGO 444 DA CLT. No caso dos autos, o contrato individual de trabalho firmado entre as partes previu o pagamento das comissões sobre as vendas tendo como base de cálculo o valor líquido delas mesmas. Observa-se que não existem fundamentos legais de que as comissões sobre vendas devam incidir necessariamente sobre o valor bruto das vendas efetuadas. As comissões se referem apenas a um percentual da remuneração e podem ser pactuadas livremente entre as partes, desde que não sejam contrariadas as normas legais, e constitucionais e coletivas de proteção ao trabalho, nos precisos termos do artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho. Isso significa que a previsão contratual de que o valor das comissões seja calculado com base no valor líquido das vendas não representa, em si mesma, violação de direito do reclamante, sendo válida a cláusula do contrato individual de trabalho que assim dispõe. Precedentes da SBDI-1 e de Turmas desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA ADESIVO DO RECLAMANTE. MULTA DO ARTIGO 467 DA CLT. Na hipótese em discussão, verifica-se que o mérito da demanda diz respeito ao direito ou não do reclamante às comissões sobre o valor bruto das vendas. Portanto, a aplicação da citada multa está diretamente relacionada à eventual condenação da reclamada ao pagamento das diferenças de comissões pleiteadas. Assim, tendo em vista o provimento do recurso de revista da reclamada, que reconheceu a validade da cláusula do contrato individual do trabalho que fixou a base de cálculo das comissões sobre as vendas líquidas, não há falar em aplicação da multa prevista no artigo 467 da CLT. Prejudicada a análise do tema. MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT. No caso dos autos, como o mérito da demanda diz respeito ao direito ou não do reclamante às comissões sobre o valor bruto das vendas, a aplicação da multa prevista no artigo 477 da CLT está diretamente relacionada à eventual condenação da reclamada no pagamento das diferenças de comissões pleiteadas. Entretanto, foi dado provimento ao recurso de revista da reclamada, reconhecendo-se a validade da cláusula do contrato individual de trabalho, que fixou a base de cálculo das comissões sobre as vendas líquidas, logo não se cogita de aplicação da referida multa. Prejudicada a análise do tema" (RR-183700-81.2008.5.02.0045, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 31/05/2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI Nº 13.015/2014. COMISSÕES. BASE DE CÁLCULO. VALOR LÍQUIDO DA VENDA. VALIDADE. O Tribunal Regional reformou a sentença para considerar válido o pagamento de comissões incidentes sobre o valor líquido da venda, excluindo a carga tributária. Consignou ainda que o critério de cálculo das comissões foi previamente acordado pelas partes. Não há que se falar em ilicitude nos descontos efetuados, nem violação ao artigo 2°, da Lei 3.207/57, uma vez que inexiste vedação ao desconto do valor dos tributos para efeito de cálculo de comissões, devendo prevalecer o estipulado entre as partes. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento" (AIRR-3-37.2013.5.22.0106, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 23/09/2016).

Entretanto, existe corrente jurisprudencial defendendo que a prática acaba por ferir o princípio justrabalhista da alteridade, o qual determina que os riscos da atividade econômica devem ser arcados pelo empregador (art. 2º, caput, da CLT)[1], de modo que, descontar da base de cálculo das comissões os impostos que recaem sobre os produtos e demais encargos, acaba tornando-se uma prática indevida.

Também defendem que a conduta viola o disposto no art. 462 da CLT: “Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo”.

Neste sentido, manifestou-se o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

EMPREGADO VENDEDOR. VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. A Lei 3.207/1957, que regula as atividades dos empregados vendedores, em seu art. 2º estabelece que "o empregado vendedor terá direito à comissão avençada sobre as vendas que realizar". O art. 4º, por sua vez, dispõe que as comissões são calculadas a partir das faturas correspondentes aos negócios concluídos. Há que se observar que o legislador, ao redigir a norma, não excluiu quaisquer valores das operações de venda, para efeito de cálculo das comissões devidas aos vendedores, razão pela qual a verba deve ser computada sobre a quantia total faturada em cada negócio, independentemente da forma como se processa o pagamento. Ainda que fosse previsto o desconto em discussão no contrato de trabalho, tal pactuação evidenciar-se-ia abusiva, haja vista que os vendedores assumiriam, em conjunto com o empregador, os riscos das atividades econômico-empresariais (vendas a prazo). Sendo assim, em tal prática verifica-se clara violação ao art. 2º da CLT, devendo essa conduta ser rechaçada, uma vez que configura nítida distorção dos princípios que procedem da legislação trabalhista (art. 9º da CLT). Nesse sentido a Tese Jurídica Prevalecente nº 3 deste Regional. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010369-91.2019.5.03.0062 (RO); Disponibilização: 27/08/2020; Órgão Julgador: Setima Turma; Relator: Antonio Carlos R.Filho)

COMISSÕES. VENDAS A PRAZO. ENCARGOS FINANCEIROS. O desconto dos encargos financeiros incidentes sobre as vendas realizadas mediante financiamento, para somente então calcular as comissões devidas aos vendedores, configura procedimento manifestamente ilegal, nos termos dos artigos 2º e 4º da Lei 3.207/1957 e 462 da CLT. As despesas decorrentes das várias formas de pagamento oferecidas pelo empregador aos respectivos clientes configuram custos inerentes ao desenvolvimento da atividade econômica, não havendo que se falar no compartilhamento desse ônus com os vendedores, sob pena de violação ao art. 2º da CLT. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010539-28.2019.5.03.0009 (RO); Disponibilização: 17/08/2020; Órgão Julgador: Setima Turma; Redator: Convocada Sabrina de Faria F.Leao)

A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região conclui pela violação dos dispositivos legais citados, quando o contrato individual de trabalho prevê o cálculo das comissões sobre o valor líquido das vendas.

Isto porque, a interpretação do Regional supracitado, em consonância com o princípio da alteridade, é de que o art. 2º da Lei n. 3.207/1957 (regulamenta as atividades dos empregados vendedores, viajantes ou pracistas) determina que o cálculo seja realizado sobre o valor bruto das vendas.

De outro lado, já que existente um conflito entre normas, entende-se necessário o esclarecimento do conteúdo dos seguintes princípios: norma mais favorável ao trabalhador e in dubio pro misero.

Nas palavras de Vólia Bomfim Cassar:        

O princípio da norma mais favorável deriva também do princípio da proteção ao trabalhador e pressupõe a existência de conflito de normas aplicáveis a um mesmo empregado. Neste caso, deve-se optar pela norma que for mais favorável ao obreiro, pouco importando sua hierarquia formal. Em outras palavras: o princípio determina que, caso haja mais de uma norma aplicável a um mesmo trabalhador, deva-se optar por aquela que lhe seja mais favorável, sem se levar em consideração a hierarquia das normas.

Este princípio, corolário do princípio da proteção ao trabalhador, recomenda que o intérprete deve optar, quando estiver diante de uma norma que comporte mais de uma interpretação razoável e distinta, por aquela que seja mais favorável ao trabalhador, já que este é a parte fraca da relação. Ou seja, quando emergir da norma dúvida a respeito da sua interpretação, desde que seja razoável, o exegeta deverá optar por aquela que beneficiar o hipossuficiente.[2]

Na interpretação do disposto no art. 2º da Lei n. 3.207/1957 (regulamenta as atividades dos empregados vendedores, viajantes ou pracistas), sob a ótica dos princípios destacados acima, o correto seria a adoção do valor bruto das vendas como base de cálculo para as comissões.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A utilização do valor líquido deveria ser permitida apenas nos casos de previsão em negociação coletiva (acordo ou convenção) ou disposição legal, privilegiando a proteção à parte vulnerável da relação jurídica, que na negociação individual fica à mercê de suas necessidades imediatas e do poderio econômico do contratante de seus serviços.

A negociação coletiva é uma forma de garantir um alinhamento dos interesses dos empregados e empregadores de uma determinada categoria profissional e econômica, de modo que, inexiste maneira mais adequada para a definição da base de cálculo das comissões dos vendedores quando a lei é silente ou deixa lacuna sobre a matéria.

Sobre o tema, dissertou Vólia Bomfim Cassar:

O Direito Coletivo se preocupa com a melhoria da condição social do trabalhador. Para tanto, a vontade da maioria prevalece sobre os interesses da minoria. Este critério retrata o princípio da solidariedade social da coletividade conjugado com o da democracia interna, pois a solução é tomada no interesse do grupo, de acordo com o que lhe for, naquele momento, melhor.

Dependendo da solução tomada em nome da coletividade, seus efeitos poderão repercutir no campo social, econômico e político do país.

É possível, em determinadas situações, em nome da manutenção da saúde da empresa, a negociação coletiva tender para a supressão, flexibilização ou alteração de direitos antes garantidos.[3]

Nesta ótica de privilégio ao Direito Coletivo do Trabalho e ao princípio da preponderância do interesse coletivo sobre o individual, verifica-se cada vez mais respaldada a necessidade de negociação coletiva para definição da base de cálculo das comissões do vendedor empregado, quando a legislação é omissa ou comporta interpretação diversa da literal.

Sendo assim, em consonância com os princípios basilares do Direito do Trabalho, conclui-se que, em não havendo acordo ou convenção coletiva em contrário, nos termos do art. 2º da Lei n. 3.207/1957 (regulamenta as atividades dos empregados vendedores, viajantes ou pracistas), a base de cálculo das comissões do vendedor empregado deve ser o valor bruto das vendas, sem descontos previstos em contrato individual de trabalho, inclusive em respeito ao disposto no art. 462 da CLT.


[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019. p. 917.

[2] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho: de acordo com a reforma trabalhista. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020. p. 181 e 184.

[3] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho: de acordo com a reforma trabalhista. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020. p. 1250.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Lucas Probst Marchi

Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade do Vale do Itajaí em parceria com Associação dos Magistrados do Trabalho da 12ª Região Advogado especialista na área de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCHI, Lucas Probst. O vendedor empregado e a base de cálculo de suas comissões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6632, 28 ago. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92588. Acesso em: 20 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos