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O que é o fascismo?

Concentração autoritária de poder

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O fascismo é movimento político, econômico e social desenvolvido em alguns países europeus no período depois da Primeira Grande Guerra Mundial. Diferentemente, de outras correntes de pensamento político, é de difícil definição.

Resumo: O fascismo é movimento político, econômico e social desenvolvido em alguns países europeus no período depois da Primeira Grande Guerra Mundial. Diferentemente, de outras correntes de pensamento político, é de difícil definição, por apresentar diversos significados e, conforme o enfoque escolhido e, segundo as suas características acentuadas, nos leva a concluir, portanto, que não existe um conceito de fascismo universalmente aceito. O texto percorre a história, a sociologia e a filosofia na tentativa de demonstrar quão perigoso é esse mecanismo autoritário de concentração de poder em mãos de um líder de governo.

Palavras-chave: Fascismo. Totalitarismo. Sociologia. Filosofia. Ciência Política. Teoria Geral do Estado.


Introdução

A palavra “fascismo” é oriunda do italiano fascio, que significa feixe. Na Antiga Roma, o fasce era um machado revestido por varas de madeira. Geralmente, era carregado pelos lictores, guarda-costas dos magistrados que detinham o poder.

O fasce representava um símbolo de autoridade e união, assim era um único bastão quebrável facilmente, enquanto um feixe era difícil de arrebentar.

Segundo o Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, fascismo é denominação dada ao partido político italiano que se apoderou do poder em 1922. O vocábulo se formou de fasces, emblema adotado por seus partidários.

Funda-se num regime ditatorial em caráter permanente conhecido pelo nome de totalitário, porque pretende atribuir ao Estado todos os poderes, inclusive os que deveriam caber às iniciativas particulares. Diz-se também regime corporativo, porque se funda na economia dirigida pelo Estado, com auxílio de corporações por ele instituídas. (In: DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico. 31ª edição. (Atualizadores; Nagib Slaibi Filho, Priscila Pereira Vasques Gomes) Rio de Janeiro: Forense, 2014).

No século XX, o político italiano Benito Mussolini1 se apossou desse símbolo para representar seu novo partido. E, em 1914, fundou o grupo Fasci D'Azione Rivoluzionaria, mais tarde, em 1922 surgiu o conhecido Partido Nacional Fascista. E, o uso do fascio não foi à toa.

Enquanto a Itália enfrentava profunda crise desde sua tardia unificação que só fora concluída em 1870 e, com as consequências da Primeira Guerra Mundial2 pioram em muito a situação econômica e social. Mussolini, a seu turno, prometia, com o fascismo, trazer de voltar os tempos áureos do antigo Império Romano.

Já em 1919, os italianos Alceste de Ambris e Filippo Marinetti publicaram o Il manifesto dei fasci italiani di combattimento, o que é atualmente conhecido como Manifesto Fascista ou Carta de Verona e que propunha um conjunto de medidas para resolver a crise da época. Em décadas posteriores, o termo “fascismo” passou a ser usado para designar as políticas adotadas por Mussolini e seus seguidores.

Oficialmente, o regime fascista de Mussolini começou em 19223, quando assumira o cargo de Primeiro-Ministro da Itália4, e se traduziu em ser sistema político nacionalista, imperialista, antiliberal e antidemocrático.

Ele implantou um governo totalitário que muito privilegiou conceitos de nação e raça sobre os valores individuais. O fascismo italiano quase acabou em 1943, quando os Aliados invadiram a Itália, durante a Segunda Guerra Mundial5.

Mas, os nazistas ainda deram uma segunda chance ao ditador, quando os alemães ocuparam novamente a Itália, resgatam Mussolini e o levaram para o norte do país, onde tentou restituir seu governo. Ao final de 1945, os aliados tomaram o Norte e Mussolini fora novamente capturado e fuzilado por guerrilheiros da resistência italiana. Depois de morto, seu corpo fora exposto em praça pública. E, com a derrota da Itália, e das forças do Eixo, na guerra, o termo fascista virou um termo pejorativo.

É verdade que o fascismo nem mesmo através dos maiores estudiosos sabem definir com precisão. E, não existe definição6 unanimemente aceita do fenômeno, seja por conta de sua abrangência, origens ideológicas ou formas de ação que o caracterizam.

Eis algumas das principais características atribuídas ao fascismo italiano, a saber: nacionalismo7, corporativismo e racismo, mas nem estão presentes em todos os regimes propriamente ditos como fascistas.

Trata-se de regime autoritário com a concentração total de poder nas mãos do líder do governo. E, o referido líder é cultuado e, poderia tomar qualquer decisão sem consultar previamente os representantes da sociedade. O fascismo promove uma exaltação da coletividade nacional em detrimento das culturas dos demais países.

Para garantir a manutenção de seu governo, os líderes fascistas controlavam os meios de comunicação de massa, por onde divulgavam sua ideologia e controlavam todas as informações disseminadas. E, então, qualquer crítica ao governo era sumariamente aniquilada mediante o uso de violência e do terror. Pois, os críticos e adversário são considerados inimigos do governo sendo punidos com prisão ou morte.

Michael Mann apud Monteiro na obra "Fascistas" utiliza de análise sociológica para identificar os apoiadores do fascismo durante as disputas pelo poder, buscando detalhar quais grupos sociais contribuíram para que os fascistas tivessem êxito e, em seus respectivos países. Assim, ao evitar a interpretação voltada para a teoria das classes, Mann demonstra como os fascismos eram movimentos de massa, de cariz heterogênea e de setores sociais distintos que o diferenciava dos demais partidos políticos anteriormente estabelecidos.

Para Robert Paxton apud Monteiro, em sua obra intitulada "A Anatomia do Fascismo" explora a característica mutável e indefinida do fascismo, tanto o discurso quanto a política são alteradas diversas vezes desde sua formação até o fim de seus governos.

Estabelece então cinco estágios pelos quais pretende examinar e comparar manifestações do fascismo, a saber: criação dos movimentos; enraizamento no sistema político; tomada de poder; exercício de poder; sua radicalização ou entropia. Considerando que movimento percorre diferentemente esses estágios e de maneira multidirecional.

George Orwell8, em sua obra “O que é Fascismo? E outros ensaios” procurou afirmar que as definições populares do termo vão de democracia pura ao demonismo puro. E, ainda afirma que é uma palavra quase inteiramente sem sentido. Principalmente devido ao fato de o fascismo não possui arcabouço teórico forte e ter determinado, praticamente, pelas atitudes de Mussolini. (In: O que é fascismo? E outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, pp. 85-89)

Segundo as palavras de Mussolini: “Não temos uma doutrina pronta; nossa doutrina é a ação. Fascismo deveria ser chamado corporativismo, porque é a fusão entre o estado e o poder corporativo” (Benito Mussolini).

Merece atenção as palavras de Brecht: “Aquelas pessoas que são contra o fascismo sem serem contra o capitalismo, que lamentam a barbárie que vem desse barbarismo, são como pessoas que querem comer sua carne de vitela sem matar o bezerro. Elas estão preparadas para comer a vitela, mas não gostam de ver o sangue. Elas facilmente se satisfazem se quem matou o bezerro lava suas mãos antes de pesar a carne. Elas não são contra as relações de propriedade que produzem a barbárie; elas somente são contra a barbárie em si. Elas levantam suas vozes contra a barbárie, e o fazem em países onde exatamente as mesmas relações de propriedade prevalecem, mas onde quem matou os bezerros novamente lava suas mãos antes de pesar a carne.” (Bertolt Brecht)9.

O historiador Emilio Gentile é considerado na Itália o maior especialista vivo sobre o assunto. Sendo autor de inúmeros livros sobre o período fascista, muitos deles adotados nas escolas italianas, ele afirma que utilizar o termo, como se tornou comum recentemente, é uma forma de confundir as ideias e, não observar um fenômeno que, na verdade, tem a ver com a crise da democracia.

“A democracia não está em risco por causa de um fascismo que não existe. Hoje, o perigo é a democracia que se suicida”, disse à BBC News Brasil. “O que há de novo, em todo o mundo10, é um novo poder de direita nacionalista e xenófobo. É o que Orbán (Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, um dos expoentes desse movimento na Europa) classificou de política nacionalista democrática iliberal.”

E, ainda, segundo Gentile, há muitos movimentos políticos na Europa e em outros lugares do mundo – que se referem à experiência fascista e utilizam seus símbolos, mas de uma maneira muito “idealizada e imaginária”.

O fascismo foi criado por Benito Mussolini (um ex-socialista) há quase cem anos. E originário da palavra latina “fascio littorio”, um conjunto de galhos amarrados a um machado, símbolo do poder de punição dos magistrados na Roma Antiga, o experimento nasceu oficialmente em 23 de março de 1919, quando Mussolini fundou em Milão o grupo “Fasci di Combattimento”, que reunia ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial (1914-18).

Com a Itália imersa no caos, à beira de uma guerra civil, com crise política, econômica e social, num momento em que o poder fugiu do controle do Estado, e à sombra da Revolução Russa de 1917 (temia-se que o comunismo chegasse também ao país), o grupo fundado por Mussolini cresceu rapidamente.

Interessante consignar que para Domenico de Masi11, outro estudioso italiano, Bolsonaro é político de inspiração fascista.

Ainda em 1919, ocorreram ataques de brigadas fascistas que depois se tornariam efetivamente milícias paramilitares contra políticos de esquerda, judeus, homossexuais e órgãos da imprensa. Eles ficariam conhecidos como os “camisas negras”12.

No final de 1921, nasceu o Partido Nacional Fascista (PNF), cujo símbolo era exatamente o “fascio littorio”. Menos de um ano depois, Mussolini assumiu o poder. Ele fortaleceu sua influência na Itália angariando o apoio de industriais, empresários e do Vaticano, e tornou-se referência para regimes autoritários mundo afora como Francisco Franco na Espanha, António Salazar em Portugal e, sobretudo, Adolf Hitler na Alemanha (que por muito tempo manteve um busto do Duce13 italiano em seu escritório) tiveram em Mussolini e no seu regime uma grande fonte de inspiração.

Para o sociólogo italiano, Domenico de Masi, que conhece o Brasil há muitos anos, se não é possível falar num fascismo histórico como o implementado na Itália no século passado, não há dúvidas, por outro lado, de que o atual Presidente da República (sem partido) é um político de inspiração fascista e, chegou a afirmar num comício no Acre em “metralhar a petralhada”. O que confirma a tendência a eliminação física de adversários era exatamente uma das características do regime de Mussolini.

Emilio Gentile14 e o historiador Eugenio di Rienzo15, professor de História Contemporânea da Universidade Sapienza, em Roma, afirmam que o fascismo é um regime que nasceu e morreu no século passado em 1945, quando Mussolini foi assassinado em Milão.

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“Não se pode fazer uma analogia entre aquele fenômeno e outro. O fascismo não se reproduz mais, é preciso cuidado com o uso da palavra, pois acaba provocando desinformação”, disse. “Um racista não é sempre um fascista. O governo de (Recep Tayyip) Erdogan na Turquia é autoritário, mas não fascista.”

Di Rienzo reconhece que há muitos nostálgicos do fascismo na Itália, assim como do nazismo na Alemanha, mas para ele o processo atual (na Europa e nos Estados Unidos de Trump) não é uma “repetição do passado”: “Há algumas semelhanças, mas os processos são muito diferentes. A analogia, muitas vezes, tem o propósito de propaganda”.

Emilio Gentile concorda e afirma: “Na verdade, faz-se propaganda de um fascismo que parece eterno, mas ao menos na Europa é um fenômeno novo que se relaciona à crise da democracia, ao medo da globalização e dos movimentos imigratórios que poderiam sufocar a coletividade nacional. Mexe com a imaginação das pessoas, mas não se trata de um perigo real.”

Gentile recorda, ainda, que o sucesso de Bolsonaro no Brasil tem a ver com uma tradição latino-americana da participação dos militares na política, vistos como atores da “ordem e da competência”, o que não acontece nos países europeus.

Em um ensaio "O fascismo não passará" publicado em 1995, o célebre acadêmico italiano, Umberto Eco16 listou cerca de quatorze características do fascismo, e ainda afirmou que não precisam estar todas presentes simultaneamente, a saber:

  1. O culto à tradição;

  2. A rejeição do movimento modernista, sob alegação de que cultura do Ocidente está depravada;

  3. O culto da ação sem reflexão intelectual prévia;

  4. Discordar é trair, não cabe ao militante questionar contradições no discurso;

  5. Racismo e xenofobia;

  6. Apelo à classe média frustrada que teme as aspirações de classes sociais desfavorecidas;

  7. Obsessão com teorias da conspiração;

  8. Retórica que retrata as elites como decadentes e afirmar que elas podem sucumbir à pressão popular;

  9. A vida é uma guerra perpétua, sempre deve haver um inimigo para combater;

  10. Os membros que pertencem ao grupo são considerados superiores a todos os forasteiros;

  11. Culto ao sacrifício, todos são educados para se tornarem heróis e morrerem pela pátria;

  12. Machismo que se reafirma através do desdém pela mulher e intolerância com hábitos sexuais que fogem da heteronormatividade;

  13. O povo é tratado como entidade única, que tem aspirações únicas, sem considerar o ponto de vista de cada indivíduo;

  14. Franco emprego de vocabulário empobrecido para limitar o raciocínio crítico17.

O fascismo foi, certamente, uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria.

O artigo sobre o fascismo assinado por Mussolini para a Enciclopédia Treccani foi escrito e inspirou-se, fundamentalmente, em Giovanni Gentile, mas refletia uma noção hegeliana tardia do “Estado ético absoluto”, o que Mussolini nunca realizou completamente.

Mas, Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica. Começou como ateu militante, para depois firmar a concordata com a Igreja e confraternizar com os bispos que até benziam os galhardetes fascistas.

Em seus primeiros anos anticlericais, segundo uma lenda plausível, pediu certa vez a Deus que o fulminasse ali mesmo para provar sua existência. Talvez, ironicamente, Deus estava, evidentemente, distraído18. Nos anos seguintes, em seus discursos, Mussolini citava sempre o nome de Deus e nem desdenhava o epíteto: “homem da Providência”.

Pode-se dizer que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita que dominou um país europeu e que, em seguida, todos os movimentos análogos encontraram uma espécie de arquétipo comum no regime de Mussolini.

O fascismo foi, certamente, uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria.

O fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e, até mesmo, um modo de vestir-se, conseguindo mais sucesso no exterior que Armani, Benetton ou Versace.

Foi somente nos anos trinta que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra, com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e, até chegar, na América do Sul, sem olvidar da Alemanha.

Foi o fascismo italiano que convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista. O medo comum traduz em uniões exóticas e perigosas.

Todavia, a prioridade histórica não parece ser uma razão suficiente para explicar por que a palavra “fascismo” se tornou uma sinédoque19, uma denominação pars pro toto para movimentos totalitários diversos.

Não adianta dizer que o fascismo continha em si todos os elementos dos totalitarismos sucessivos, por assim dizer, em “Estado quintessencial”. Ao contrário, o fascismo não possuía nenhuma quintessência e sequer uma só essência. O fascismo era um totalitarismo fuzzy (difuso).

Tendo em vista o grave tensionamento e risco que o fascismo representa para o Estado Democrático de Direito e os Direitos Humanos, mas é especialmente, provocativo para os doutrinadores que têm preocupações mais urgentes com o direito penal, processo penal, políticas públicas, políticas criminais, sistema de justiça e o sistema carcerário.

Eis que o texto de Eco20 não tece minúcias a estes temas, mas ajuda a refleti-los de modo mais amplo e complexo, vez que evidencia a miríade de formas de fascismo, desde as mais sutis até as mais agressivas e contundentes, com que faz incidir todo seu poder sobre certos indivíduos e grupos. O perigo do fascismo eterno que cogita Eco é chocante e nos faz adentrar em permanente estado de alerta.

O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de diversas ideias políticas e filosóficas, uma colmeia de contradições. É possível conceber um movimento totalitário que consiga juntar monarquia e revolução, exército real e milícia pessoal de Mussolini, os privilégios concedidos à Igreja e uma educação estatal que exaltava a violência e o livre mercado? Sim, tudo junto e bem misturado.

Existiu apenas uma arquitetura nazista, apenas uma arte nazista. Se o arquiteto nazista era Albert Speer, não havia lugar para Mies van der Rohe. Da mesma maneira, sob Stalin, se Lamarck tinha razão, não havia lugar para Darwin21.

Não houve um Zdanov fascista22. Lembremos que na Itália existiam dois importantes prêmios artísticos: o Prêmio Cremona era controlado por um fascista inculto e fanático como Farinacci, que encorajava uma arte propagandista (como exemplos dos quadros intitulados Ascoltando all radio un discorso del Duce ou Stati mentali creati dal Fascismo); e o Prêmio Bergamo, patrocinado por um fascista culto e razoavelmente tolerante como Bottai, que protegia a arte pela arte e as novas experiências da arte de vanguarda que, na Alemanha, haviam sido banidas como corruptas, criptocomunistas, contrárias ao Kitsch nibelungo, o único aceito.

O poeta nacional era D'Annunzio, um dândi23 que na Alemanha ou na Rússia teria sido colocado diante de um pelotão de fuzilamento. Foi alçado à categoria de vate do regime por seu nacionalismo e seu culto do heroísmo com o acréscimo de grandes doses de decadentismo francês.

O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista. Retirem do fascismo o imperialismo e, teremos Franco ou Salazar; retirem o colonialismo e, teremos o fascismo balcânico24.

Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e, teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julios Evola25.

Aqui em nosso país, o atual Presidente da República e seu grupo de apoiadores que adoram afirmar que o pessoal de esquerda não sabe o que é fascismo. Em muito dos termos protofascismo e neofascismo foram aplicados ao atual governo. Já o fascismo de Benito Mussolini apenas, que aconteceu entre 1919 a 1945 poderia ser realmente chamado de fascismo.

Grosso modo, protofascismo é um termo moderno para nomear qualquer ideologia que compartilha parte significativa de sua base ideológica com o fascismo, mas não atende a todos os critérios que um especialista escolher, portanto, observe que nem todo mundo concorda.

Já o neofascismo26, embora não seja idêntico ao fascismo, é o nomen dado às manifestações posteriores desta mesma base ideológica, e há uma certa quantidade de características que o definem, que são mais ou menos acordadas pelos especialistas e, novamente, não há total concordância. É uma questão de bom senso ler a respeito e decidir onde se traça a linha.

Recentemente, entre os especialistas que trazem para debate o conceito, surgiu também a expressão “neofascismo”. Esse termo é usado para fazer menção a regimes e movimentos políticos atuais que possuem características que os aproximam do fascismo clássico.

Novamente, é impossível fazer uma relação direta entre movimentos políticos atuais e o fascismo, justamente pelo seu caráter camaleônico, que se adapta a diferentes circunstâncias e contextos. Adapta-se para lucrar e se disseminar com maior facilidade e proeza.

Algumas características podem ser mencionadas em relação ao neofascismo, tais como:

  1. Patriotismo exagerado que assume posturas xenófobas e violentas;

  2. Desprezo pelos valores da democracia liberal, como as liberdades individuais;

  3. Construção de retórica violenta contra supostos “inimigos internos” que contribuem para a “degradação moral” da nação.

O triunfo do fascismo se deu, não apesar da violência, mas em virtude da violência. A violência não foi apenas uma ferramenta eficaz para a luta política, mas um objeto de desejo político.

Na interpretação de Antonio Scurati27, o autor de “M, o homem da providência” do curto e sangrento século que se abriu na Piazza San Sepolcro (em Milão) em março de 1919, com a fundação do Fasci di Combattimento, a hiperviolência foi o pivô em que girou o sistema histórico.

Os biênios vermelho e negro (como são conhecidos na Itália os anos entre 1919 e 1922, período marcado pela agitação dos movimentos operários socialistas e, em seguida, em reação, pelo surgimento dos esquadrões fascistas) são a primeira metade de uma guerra civil que passará por guerras coloniais, pela Guerra Civil Espanhola e pela Segunda Guerra Mundial.

Antes disso, a humanidade (durante a Primeira Guerra) passara três anos comendo, bebendo, dormindo e fumando imersa na lama dos cadáveres em decomposição de seus companheiros soldados nas trincheiras.

Esta foi a matriz experiencial das experiências totalitárias. E, para essa humanidade, a violência parecia a única solução possível para todos os problemas complexos e insolúveis da vida moderna e democrática.).

O fascismo é um movimento político e, também um regime ou sistema político28 (como o estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922) - que defende a prevalência, isto é, a superioridade dos conceitos de nação, Estado e raça sobre os valores individuais.

Como dizia o próprio Mussolini: "Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato", ou seja, "Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado". Um regime político fascista é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador.

Apesar de terem semelhanças (o que inclui especialmente o totalitarismo29, o nacionalismo e o antiliberalismo) o fascismo e o nazismo possuem algumas diferenças importantes e que devem ser consideradas.

Enquanto o fascismo defendia uma Itália forte e capaz de vencer as nações inimigas, o nazismo perseguia qualquer etnia que não fosse a que eles consideravam como a raça superior, chamada por eles de ariana30.

O fascismo surgiu na elite e foi sendo pregado para outras camadas da sociedade, sendo apresentado como o fim da luta de classes. O nazismo, por sua vez, visava atrair pessoas de todas as classes sociais para viverem de acordo com a sua ideologia.

Entre as duas guerras mundiais, o fascismo realizou um intenso esforço para reconectar os imigrantes e seus filhos espalhados pelo mundo com a Itália, e espalhar a ideologia fascista entre eles.

Nesse esforço, o fascismo se baseou nos velhos debates da Itália liberal relacionados a estes e ao seu uso como instrumento de poder italiano dentro da luta imperialista global.

Através, especialmente, da mediação dos nacionalistas, o regime de Mussolini reelaborou, de fato, a antiga discussão em termos fascistas (associando "italianidade" com "fascismo"), mas mantendo como linha geral a diretriz de utilizar as comunidades italianas do exterior como fatores e ferramentas da política externa italiana.

Um reflexo dessa política foi uma potencialização maciça dos antigos mecanismos que o Estado italiano tradicionalmente já havia utilizado para manter contato com seus emigrados e a criação de outros, mais diretamente relacionados com a ideologia e o estilo fascista, no exterior.

Nesse sentido, buscou-se o controle sobre os antigos mecanismos de socialização (associações, imprensa, escolas) dos emigrados italianos em todo o mundo e a implantação de outros (os fasci all’estero, os Dopolavoro, as Casa d’Italia) especificadamente fascistas.

O Brasil31 não ficou imune a essas transformações da política do Estado italiano com relação a seus emigrantes, os quais foram convertidos em instrumentos privilegiados nas relações Brasil-Itália.

Dessa forma, as coletividades italianas do Brasil e, especialmente, as de São Paulo, foram particularmente atingidas pelo esforço fascista de reconexão dos antigos emigrantes e seus filhos com a Itália, que procurou transformá-las em componentes-chave da ativa política italiana dirigida ao Brasil no período entreguerras.

A tendência a analisar o fascismo como um produto particularmente característico da sociedade italiana e da sua história é contemporânea ao próprio nascimento do fascismo.

Conquanto minoritária no panorama global dos estudos sobre o tema, esta sustentou expressiva corrente da historiografia italiana e estrangeira, havendo recebido novo impulso em anos recentes, devido inclusive à influência de pesquisas como a de G. Mosse32 sobre as origens culturais do Terceiro Reich que, reavaliando a importância do componente nacional na compreensão de aspectos fundamentais do regime nazista, principalmente o do consenso, reativou a discussão acerca do peso relativo das diferenças e analogias existentes, em primeiro lugar, entre o fascismo e o nacional-socialismo e, depois, entre estes e os demais regimes autoritários que assinalaram a recente história contemporânea.

As primeiras hipóteses de explicação do fascismo, com base em fatores internos típicos da situação italiana, foram aventadas, naturalmente, nos anos 1920, em concomitância com a consolidação do movimento fascista, com a tomada do poder por Mussolini e com a progressiva transformação do Estado liberal33 em Estado de características totalitárias.

Poucos souberam, então, enxergar no fascismo a antecipação de uma crise mais geral que agitaria a Europa e, com a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, viria a produzir profundas mudanças na organização interna de cada um dos Estados nacionais e na ordem internacional.

A reafirmação da "unicidade'' do fascismo italiano e da necessidade de ressaltar, para aperfeiçoada compreensão histórica, os elementos de diferenciação dos regimes definidos como fascistas por interpretações já consolidadas, tem suscitado não poucas discussões.

Esta polêmica tem por alvo não tanto na validade de cada uma das proposições, quanto uma questão fundamental, que é ao mesmo tempo a do método e a do conteúdo; o que se questiona, em verdade, se é legítimo aceitar como principal critério discriminante a dimensão ideológico-cultural, se com isso, se corremos o risco de apresentar, como diversos, os fenômenos que são essencialmente da mesma natureza.

A respeito da abordagem generalizante que prevê o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, malgrado as diferenças devidas às particularidades das respectivas histórias nacionais, hajam de ser considerados como especificações de um modelo de dominação essencialmente único, é coisa que tem sido sustentada pela maior parte dos estudiosos contemporâneos, independentemente das suas posições ideológicas e políticas.

É a estes que se deve a elaboração de alguns esquemas interpretativos que muito têm contribuído para a orientação dos trabalhos dos historiadores e cientistas sociais da geração seguinte.

As hipóteses explicativas que estes esquemas sugerem são diversas, quando não claramente alternativas, dependendo, em várias medidas, do tipo de fatores preferidos, do nível de análise em que se situam e da diversidade de paradigmas a que se referem. O que não arrefece em nada o perigo que significam.

O que lhes é comum, é o esforço por compreender as raízes do fascismo e, de um modo mais geral, dos fenômenos autoritários evidenciados pela sociedade moderna, num conjunto de variáveis que transcendem os limites de cada uma das realidades nacionais.

O fascismo traduz-se, portanto, como uma ditadura aberta da burguesia. Entre os primeiros que captaram a dimensão internacional do fascismo e as suas potencialidades expansivas, estão os expoentes do movimento operário em suas diversas articulações.

O elemento unificador das várias formas de reação na Europa, no período que medeia entre as duas guerras mundiais, está na análise das contradições da sociedade capitalista e das modificações por esta introduzidas na dinâmica das relações e conflitos entre as classes até na fase histórica iniciada com a Primeira Guerra Mundial.

Dentro desta interpretação, é conveniente distinguir a formulação "clássica" que é resumível nas teses elaboradas pela Terceira Internacional comunista a partir de meados dos anos 1930 dos seus ulteriores desenvolvimentos, que reassumem temas e ideias já presentes no debate iniciado pelos componentes do marxismo europeu desde a tomada do poder pelo fascismo na Itália, reelaborando-os em função de uma análise menos esquemática das relações entre estrutura e supra-estrutura, entre esfera econômica e esfera política.

São dois os elementos centrais deste tipo de análise: a concepção instrumental dos partidos políticos e dos regimes fascistas, considerados como expressão direta dos interesses do grande capital, e a sua função essencialmente contrarrevolucionária no duplo sentido de ataque frontal contra as organizações do proletariado e de esforço por frear o curso do desenvolvimento histórico.

Em consequência, é dado pouca importância ao fato, qualitativamente novo em relação às formas precedentes de reação, de que a fascista operasse mediante um partido de massa de base predominantemente pequeno-burguesa, embora comunistas italianos e alemães, como P. Togliatti34 ou Clara Zetkui35, já houvessem chamado a atenção para isso.

Além disso, eram categoricamente rejeitadas, sob pretexto de ignorarem a definição do fascismo como ditadura da burguesia, as análises que em vários setores do movimento operário vinham sendo feitas do fascismo como forma de "bonapartismo36", isto é, como regime caracterizado pela cessão temporária do poder político a uma terceira torça e por uma relativa autonomia do executivo em relação às classes dominantes, tornadas possíveis graças a uma situação de equilíbrio entre as principais forças de classe em ação.

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Sobre os autores
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Ramiro Luiz Pereira da Cruz

Advogado. Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Professor da Língua Inglesa. Professor universitário. Vice-Presidente da Seccional Rio de Janeiro da Associação Brasileira de Direito Educacional (Abrade). Articulista de várias revistas e sites jurídicos renomados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele ; CRUZ, Ramiro Luiz Pereira. O que é o fascismo?: Concentração autoritária de poder. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7265, 23 mai. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92606. Acesso em: 27 abr. 2024.

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