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Controle de constitucionalidade e política judiciária:

evolução histórica das súmulas no Supremo Tribunal Federal

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29/12/2006 às 00:00
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2.AS CRÍTICAS

Em audiência pública, realizada em 23/4/97, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, o Ministro Evandro Lins e Silva, realizou sérias críticas à adoção do efeito vinculante nas Súmulas do Supremo Tribunal Federal, afirmando:

Não vejo como seja possível ficar o juiz coarctado, sem poder decidir de acordo com a sua convicção e consciência jurídica. Então, suprimamos a primeira instância e levemos logo todos os casos instruídos para o Supremo decidir se são constitucionais ou inconstitucionais, porque, do contrário, a Justiça perde inteiramente.

Percebe-se logo a absoluta inverdade de se introduzir o instituto do precedente absolutamente vinculante nos sistemas da família romano-germânica como a nossa.

Nesses, como sabido, a fonte primária do Direito é sempre a lei, isto é, a norma geral e abstrata, emanada do poder competente, o qual, no regime democrático, é o próprio povo, diretamente, ou os seus representantes legitimamente eleitos, que formam o órgão estatal legislativo.

Os juízes não têm legitimidade democrática para criar o Direito, porque o povo não lhes delegou esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionarem como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da lei.

Ademais, o efeito vinculante dos precedentes judiciais afrontaria duas garantias maiores, ou seja, institutos postos na Constituição para garantir os direitos fundamentais do cidadão. O primeiro deles é a separação de poderes, inscrita no art. 2º da Constituição.

A independência recíproca dos Poderes pressupõe, como é óbvio, que cada um deles exerça uma função exclusiva, caso contrário, haveria superposição funcional. A função precípua e exclusiva do Poder Legislativo, como estabelecido, desde os primórdios, no regime democrático moderno, é a de editar as leis, entendidas como expressão da vontade geral do povo.

Ora, a súmula com efeito vinculante absoluto para os juízes de primeira instância significa a introdução em nosso sistema jurídico de um sucedâneo da lei, que produzirá a superposição ou conflito de atribuições entre os Poderes Legislativo e Judiciário.

A segunda garantia institucional afrontada pelas súmulas vinculantes é a da liberdade de poder de todos os magistrados de decidir litígios segundo a lei e de acordo com o seu convencimento pessoal.

Essa independência da Magistratura não pode ser suprimida, nem mesmo reduzida, não só pelos demais Poderes, como é óbvio, mas também pelos Tribunais Superiores, órgãos dirigentes do Poder Judiciário.

Os juízes de primeira instância ficariam proibidos de julgar livremente os casos abrangidos pelo pronunciamento prévio dos tribunais superiores, com a supressão do princípio do duplo grau de jurisdição."

Em 24/6/97, também em audiência pública no Senado Federal, o Ministro Celso de Mello, afirma:

Se o juiz não tiver a liberdade para decidir e se também não dispuser do necessário grau de autonomia funcional e independência intelectual para dirimir, segundo a Constituição e as leis com ela compatíveis, os conflitos e interesses, notadamente aqueles que se estabelecem em função de comportamentos abusivos do Poder Público, tornar-se-á nulo, em nossa organização política, o sistema das franquias constitucionais.

O magistrado, para legitimar-se em sua função essencial de arbitrar os conflitos, dirimindo-os, deve ser essencialmente livre no desempenho de seu ofício jurisdicional. Á medida que o juiz perde autonomia decisória, limitado em sua independência intelectual, diminui, com notável e com preocupante extensão, o coeficiente de liberdade dos cidadãos e dos grupos sociais.

Tenho para mim que o juiz não pode ser despojado de sua independência, e o Estado não pode pretender impor ao magistrado o veto da censura intelectual, que o impeça de pensar, que o impeça de refletir, que o impeça de decidir com liberdade."

Entre os críticos da adoção do efeito vinculante, destacamos Sérgio Sérvulo, que deixou a chefia de Gabinete do Ministério da Justiça, no primeiro mandato do Presidente Lula, em razão da posição adotada pela bancada do Partido dos Trabalhadores sobre a matéria. Eis o teor da carta de demissão [13]

"Excelentíssimo Senhor

Márcio Thomaz Bastos

DD. Ministro de Estado da Justiça

Prezado senhor e caríssimo amigo,

Na semana que passou, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, no âmbito da mal-designada "reforma do judiciário", aprovou a adoção da súmula vinculante.

Esse fato - melhor dizendo, as circunstâncias em que ocorreu, com o fechamento da questão pela bancada do Partido dos Trabalhadores - toma-me pessoalmente incompatibilizado para continuar servindo ao governo.

Em livro modestamente publicado em 1999 (O efeito vinculante e os poderes do juiz, Saraiva) creio ter demonstrado o nexo entre a súmula vinculante e o exercício autoritário da jurisdição, assim como os riscos que representa para o equilíbrio dos poderes, o controle difuso de constitucionalidade, a independência dos juízes e a liberdade dos cidadãos.

A súmula vinculante – e o mesmo acontece com a grotesca súmula impeditiva de recursos – agride os direitos fundamentais de ampla defesa e de livre acesso à prestação jurisdicional, inscritos no art. 5° da Constituição.

Peço licença para reproduzir o que escrevi na introdução à edição brasileira da obra "Jurisdição constitucional", de Hans Kelsen (Martins Fontes, 2003): ´´´´Não é possível, sem dano à Constituição, evitar que as pessoas possam defender, no juízo do seu domicílio, direitos feridos por ato inconstitucional: o controle difuso de constitucionalidade decorre da natureza das coisas." E renovo a esperança manifestada por Jean Cruet: "A tendência racional para reduzir o juiz a uma função meramente automática apesar da infinita variedade dos casos submetidos ao seu diagnóstico, tem sempre e por toda parte soçobrado ante a fecundidade persistente da prática judicial".

Não creio que a súmula vinculante venha a diminuir o número de recursos perante o STF, a não ser que este imponha às partes multas draconianas. A diferença está em que os recorrentes deixarão de discutir seus direitos, e passarão a discutir a constitucionalidade dos atos cerceadores dos seus recursos. E o Supremo, que já pouco julga Direito material, se enredará cada vez mais em questiúnculas processuais.

Devo deixar, portanto, o cargo de chefe do gabinete do Ministro, que venho ocupando por honrosa designação de Vossa Excelência. Faço-o com o coração partido pela interrupção deste convívio cívico com a maravilhosa equipe do Ministério da Justiça, sob a sábia e segura orientação de Vossa Excelência; e pela impossibilidade de continuar participando, dessa forma, do notável esforço do governo Lula pela construção do Brasil.

Com amizade e respeito,

Sérgio Sérvulo da Cunha

Brasília, 30 de abril de 2004"

Sérgio Sérvulo sugere que a adoção da Súmula vinculante impede que a parte discuta suas pretensões em juízo. Afirma, ainda, o seguinte:

"A súmula vinculante criada pela EC n. 45/2004 vai além dos assentos, e coloca-se acima da lei. Primeiro, porque é próprio da lei ser interpretada, mas é da natureza pervertida da súmula proibir a própria interpretação; segundo, porque a lei pode ser mudada ou revogada por outra lei, mas a súmula não. O poder legislativo poderá sem dúvida disciplinar de modo diferente a matéria objeto de uma súmula, mas só o Supremo Tribunal Federal poderá revê-la, ou dizer que ficou prejudicada com a nova disciplina normativa. Um dia vai cair a ficha do Congresso – particularmente do Senado – que abdicou de sua competência constitucional.

Não tem constituição o país em que qualquer pessoa, natural ou jurídica, ferida (ou acreditando-se ferida) em seus direitos constitucionais, não pode ser ouvida pelo juiz do lugar. Regimes de controle concentrado não se estabelecem para a guarda da Constituição, mas para a preservação do poder. O controle de constitucionalidade é meio de defesa do povo contra o governo, e o sistema de controle, estabelecido em defesa de si própria pela Constituição, não pode ser alterado sem ruptura constitucional." [14]

Também Lenio Luiz Streck alertou que:

"devemos refletir profundamente antes da aprovação de qualquer reforma em nosso sistema. Filiado à família romano-germânica, nosso sistema tem a lei como corolário. Ninguém nega que aos tribunais Superiores – em especial ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e ao Superior Tribunal de Justiça, unificador do direito federal –cabe a última em uma ação. Porém, parafraseando o Juiz Dirceu Aguiar Cintra, se estes impedirem o juiz (ou os tribunais inferiores) de dar a primeira palavra, que nasce da dialética do cotidiano, da sangria da sociedade e do calor dos fatos, as discussões na base do Judiciário estarão imobilizadas! Então, do crime de hermenêutica da que falava Rui, ao crime de porte ilegal da fala (Bourdieu), faltará muito pouco!" [15]

Como se vê, a Súmula vinculante sempre provocou duras críticas por parte importante dos pensadores brasileiros.


3.A SITUAÇÃO ATUAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A simples crítica ao sistema da súmula não apresenta benefícios para o direito brasileiro. O efeito vinculante não descaracteriza a proposta de Victor Nunes. Gilmar Ferreira Mendes aduz que:

"Como se sabe, a Súmula do Supremo Tribunal Federal constitui uma das mais significativas inovações em termos de racionalização do processo de decisão por parte de nossas Cortes Superiores, tendo sido adotada por norma regimental em 1963." [16]

Antes de criticar, é preciso estar atento para a evolução. O autor complementa:

"Quando se diz que um recurso pode ser provido ou desprovido monocraticamente, com base na jurisprudência dominante, revela-se idéia de decisão com efeito vinculante. Todavia, não há negar que a súmula cria maior clareza e segurança em torno do tema.

Verifica-se, assim, que a legislação processual civil, de certa forma, já admitia a obrigatoriedade das súmulas dos tribunais superiores, ao estabelecer que os recursos que se fundamentassem em tese jurídica contrária às súmulas dos Tribunais Superiores seriam inadmitidos pelo relator." [17]

Quando percebemos a proporção de RREE e AAGG frente aos outros processos, começam a ruir as críticas ao modelo vinculante. A tabela a seguir ilustra este volume.

TABELA 2 – Relação percentual entre AAII/RREEE e processos distribuídos

Fonte: Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.gov.br)

Nos últimos seis anos, 96,3 % de todos os processos julgados no Supremo Tribunal Federal foram RREE e AAGG. A Súmula vinculante vai reduzir este volume de trabalho, pois vai impedir a proliferação de processos repetidos.

Além disso, o uso da Súmula simplifica o julgamento dos recursos. Vejam a Decisão do Ministro Sepúlveda Pertence no AI 587.411:

DECISÃO : Agravo de instrumento de decisão que inadmitiu RE, a, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negou provimento a agravo regimental de decisão do Presidente daquele Tribunal, assim ementado (f. 30):

"Pedido de Seqüestro – Precatório submetido a Emenda Constitucional nº 30/2000 – Não pagamento da complementação do décimo vencido – Agravo improvido".

Alega o RE violação do art. 78, § 4º, do ADCT.

Inviável o RE. O objeto da decisão recorrida tem natureza administrativa -, incide a Súmula 733 (‘Não cabe recurso extraordinário contra decisão proferida no processamento de precatórios’).

Nego provimento ao agravo.

Ao analisar um caso similar ao mostrado acima, qualquer assessor de Ministro ou analista judiciário saberia com precisão apontar a aplicação da Súmula 733 ao caso em concreto. O Regimento do Supremo Tribunal Federal já atribui a esses funcionários a missão de auxiliar os ministros em processos e causas repetitivas. O efeito vinculante não afasta a discussão da matéria, apenas sua repetição.

3.1.Sumula vinculante e atuação do Magistrado de 1ª Grau

A adoção da Súmula não impede a atividade renovadora do Juiz de primeiro grau. A questão está posta de maneira equivocada pelos críticos do método de trabalho. A renovação da jurisprudência pode ocorrer de formas diversas. Tentar renovar jurisprudência decidindo de forma contrária aos tribunais superiores é a forma que mais prejudica o jurisdicionado, pois, ao lado da convicção o magistrado deve agir com responsabilidade.

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O texto da EC 45 enumera um rol de legitimados a pedir diretamente ao STF uma alteração de Súmula Vinculante vigente. O texto não exclui a possibilidade de lei ordinária aumentar o rol dos legitimados. Seria interessante que a legislação expandisse este rol. Porém, a experiência demonstra que o juiz realmente atuante muda a jurisprudência do STF sem necessidade de se voltar contra o Tribunal e prejudicar as partes. Evidente que é mais trabalhoso buscar audiência com cada ministro e discutir a matéria, porém, o esforço, quando coerente, é reconhecido. É o que vemos no julgamento do CC 7208, no voto do Ministro César Peluzo:

VOTO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Senhor Presidente, peço vênia aos eminentes Ministros, especialmente aos que me antecedem, tendo em conta que, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 438.639/MG, julgado no dia 9 de março último, insisti muito sobre a conclusão que, afinal, foi adotada pela Corte, contra os votos dos eminentes Ministros Relator e Marco Aurélio.

Recebi, depois, um trabalho muito bem fundamentado e muito bem documentado de um juiz do TRT de Minas Gerais, Dr. Sebastião Geraldo de Oliveira, cujas considerações levaram-me a rever aquela posição. E tal posição, que teve modesta influência no teor do acórdão, baseou-se no princípio fundamental da chamada unidade de convicção, segundo o qual, por conta dos graves riscos de decisões contraditórias, sempre ininteligíveis para os jurisdicionados e depreciativas para a Justiça, não convém que causas, com pedidos e qualificações jurídicos diversos, mas fundadas no mesmo fato histórico, sejam decididas por juízos diferentes. O princípio, a meu ver, é irretocável e ainda é o que deve presidir a solução da questão da competência neste caso.

Mas parece-me que, conforme propôs o eminente Ministro-Relator, deva ser outra a resposta que promana daquele princípio.

É que a revisão do tema me convenceu de que tanto as ações acidentárias, evidentemente oriundas de relação de trabalho, como, sem exceção, todas as demais ações resultantes de relação de trabalho, devam, em nome do mesmo princípio, ser atribuídas à Justiça do Trabalho. A especialização e a universalidade desta já recomendariam, quando menos em teoria, tal solução, por razões mais que óbvias, como acabou de demonstrar o voto do eminente Ministro Carlos Britto.

Pesaram-me, sobretudo, duas outras ordens de consideração.

A primeira, porque o que dava suporte constitucional à jurisprudência da Corte quanto à competência da Justiça estadual para as ações de acidente do trabalho, à luz da Constituição atual, era menos o fato de nesta já não constar norma expressa equivalente às prescrições do art. 123, § 1º, da Constituição de 1946, e do art. 142, § 2º, da Constituição de 1967, os quais atribuíam aquelas causas à Justiça ordinária dos Estados, do que o fato de tirar-se do artigo 109, caput, da Constituição vigente, por exclusão hermenêutica, igual conseqüência normativa.

Antes da Emenda nº 45, parecia deveras consistente a leitura de que, se estavam excetuadas da competência da Justiça Federal as causas de acidente do trabalho, em que sempre é interessada autarquia federal, só podiam elas caber na competência da Justiça dos Estados, porque a mesma norma as excluía das que eram, por outras regras, sujeitas à Justiça do Trabalho.

Mas, de lá para cá, a evolução da legislação acidentária, sobretudo com a equiparação dos valores dos benefícios acidentários e previdenciários, e a disseminação dos órgãos da Justiça trabalhista, competentes para tantas outras causas ligadas à própria segurança do trabalho, desenharam nova realidade judiciária, que as próprias exigências da unidade de convicção e da especialização de conhecimentos não poderiam deixar de considerar nas perspectivas da revisão daquela exceção constitucional. Isso, sem cogitar da necessidade de coerência axiológica que impunha a vigente Constituição da República, ao conceber a indenização acidentária como direito típico da condição jurídica do empregado e, portanto, como irradiação da relação de trabalho, como se vê ao art. 7º, inc. XXVIII, da mesma Constituição.

É, portanto, dentro desse quadro, que há de interpretar-se a Emenda nº 45, quando, explicitando, no inc. I do art. 114, o caráter geral da competência da Justiça do Trabalho, nela incluiu todas as ações oriundas da relação de trabalho.

Suposto não tenha sido essa a intenção do constituinte derivado, a cujo olhar atento não poderia escapar a necessidade de, para guardar congruência com o eventual propósito de submissão das causas de acidente de trabalho àquela Justiça especializada, dar nova redação ao artigo 109, caput - para evitar dúvidas -, de modo algum pode esquivar-se, diante do papel precário e relativo do material histórico e das correlatas intenções do legislador, a conclusão de que outra há de ser a leitura da norma que excepciona as ações acidentárias da competência da Justiça Federal.

O que com isso pretendo dizer é que, perante a novidade representada pelos termos da Emenda nº 45, em particular pela redação introduzida no inc. I do art. 114, deve o art. 109, caput, significar apenas que as ações de acidente do trabalho não são da competência da Justiça Federal e, por conseguinte, que a sede dessa competência deve buscar-se alhures, agora designadamente no próprio art. 114, que a açambarcou.

Essa interpretação acomoda ambas as cláusulas constitucionais, reverencia a especialização e a funcionalidade da Justiça do Trabalho, alivia a Justiça estadual e sustenta-se na necessária unidade de convicção, sem esvaziar o disposto no inc. VI, onde apenas se divisa a positivação, mediante relevo destinado a superar todas as dúvidas, da jurisprudência desta Corte, que, sob a redação original do art. 114, caput, entendia - a meu ver, com indiscutível acerto - que, para efeito dessa competência distribuída com apoio em vários princípios, entre os quais o da unidade de convicção, era e é irrelevante a província taxinômica das normas aplicáveis ao caso, se direito trabalhista ou civil, e, pois, também a natureza mesma da responsabilidade, se negocial ou aquiliana.

Essa conjugação conduz, portanto, a meu ver, ao seguinte resultado prático: são, agora, da competência exclusiva da Justiça do Trabalho todas as ações oriundas da relação de trabalho, sem exceção alguma, trate-se de ações acidentárias típicas ou de indenização de outra espécie e de outro título.

Senhor Presidente, a única objeção que me ocorreria, na hipótese, é que tal exegese poderia, eventualmente, implicar sobrecarga à Justiça do Trabalho. Mas as considerações daquele eminente Juiz trabalhista mineiro provaram que, sobretudo depois da equiparação dos valores dos benefícios acidentários e dos benefícios previdenciários, cuja diferença justificava que os empregados recorressem às ações acidentárias, estas são hoje raras, e a sua transferência não vai agravar a Justiça do Trabalho.

Com essa proposta, acompanho o voto do eminente Relator, para declarar que todas as ações de indenização resultantes de relação do trabalho, inclusive as acidentárias típicas, são da competência da Justiça do Trabalho.

Como vimos acima, no julgamento do RE 438.639, a matéria de competência trabalhista estava pacificada no Supremo Tribunal Federal. Poucos dias depois e um trabalho atuante de um magistrado de primeiro grau, o Supremo modificou a posição. Era esta a atuação esperada por Victor Nunes Leal nas primeiras súmulas e esta atuação impede que uma Súmula Vinculante sufoque a atividade criadora dos juízes de primeiro grau.

3.2.Súmula vinculante à atividade do advogado

No julgamento da medida cautelar no HC 86864, o Supremo Tribunal Federal afasta de vez a possibilidade de uma Súmula suplantar direitos constitucionais. Vejamos o voto do Ministro Carlos Velloso, na parte pertinente à discussão:

Fui dos primeiros, nesta Casa, a sustentar o não-cabimento de habeas corpus contra decisão de relator que, nos Tribunais Superiores, denega habeas corpus. Sempre sustentei, entretanto, que, em caso de flagrante violação à liberdade de locomoção, o writ seria cabível.

No voto que proferi ao despachar o HC 80.288-MC/RJ, escrevi:

"(...)

Tenho sustentado, a partir da decisão que proferi no HC 79.924-RJ, em 24.12.99, entendimento que manifestei, em seguida, por exemplo, nos HHCC 80.316-RS e 80.287-RS, de que não cabe, de regra, deferir liminar em habeas corpus impetrado contra a decisão do Relator que, no Superior Tribunal de Justiça, denega medida liminar em pedido de habeas corpus. Ter-se-ia, com o deferimento da liminar, forma de subtrair do Superior Tribunal de Justiça competência constitucional para apreciar e julgar habeas corpus contra decisões de Tribunais de 2º grau (C.F., art. 105, I, c, redação da E.C. 22/99). Admito que, em casos excepcionais, em que esteja ocorrendo flagrante violação à liberdade de locomoção, seria possível entendimento diverso, vale dizer, entendimento no sentido da possibilidade do deferimento, no Supremo Tribunal Federal, de pedido de habeas corpus que objetivasse, na hipótese mencionada, a desconstituição da decisão proferida pelo Relator, no S.T.J., indeferitória da liminar. O caso, repita-se, haveria de ser excepcional, ocorrente, inclusive, a possibilidade de irreparabilidade do direito.

(...)."

A jurisprudência do Supremo Tribunal acabou consolidada na Súmula 691, a expressar que "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior indefere liminar."

A Súmula 691 admite, entretanto, abrandamento, ao que entendo: diante de flagrante violação à liberdade de locomoção, não pode a Corte Suprema, guardiã-maior da Constituição, guardiã-maior, portanto, dos direitos e garantias constitucionais, fechar os olhos, quedar-se inerte.

De fato, a discussão não abrange uma Súmula Vinculante. Porém, a sistemática durante o julgamento será a mesma. É pedagógico o voto do Ministro Sepúlveda Pertence no mesmo processo. O Supremo não é insensível a qualquer violação aos direitos individuais, porém, não atentar para os métodos de trabalho desenvolvidos na Corte gera confusão e incerteza, fato que prejudica a prestação jurisdicional. Vejamos:

V O T O

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Senhora Presidente, a sessão de hoje confirma, exatamente, o que tive oportunidade de assinalar quando da rediscussão da Súmula nº 691, no julgamento do HC 85185. Como, então, antevi, teria sido muito melhor cancelá-la do que submetê-la a este exercício que estamos a praticar: primeiro, examinamos se há ilegalidade, para, depois, conhecer, ou não, do habeas corpus.

Não conheço do habeas corpus, conforme a Súmula nº 691. Mas o certo é que já que discutimos o caso, houve sustentação oral e se reviram os fatos do processo e as decisões anteriores, que negaram sucessivamente a liminar. Aí, já não posso fechar os olhos aos dados do caso.

Então, não conheço da impetração, nos termos da Súmula 691 e continuarei a aplicá-la sem examinar o caso e sem trazê-lo ao Plenário; mas, ciente, na espécie, da ilegalidade, concedo de ofício a ordem. E não a liminar: não tem objeto conceder a liminar. Para quê? Para confirmarmos, depois, essa liminar? Porque o que se pede é a liminar. Não foi julgado o habeas corpus no Tribunal Regional Federal.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Relator) - O julgamento já ocorreu, no TRF. Os jornais noticiaram.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Agora já foi? Ainda bem - menos mal.

Senhora Presidente, o meu voto, embora pareça paradoxal, é coerente com o meu entendimento das razões que justificam a Súmula nº 691: a pretensão de muita jurisdição leva a nenhuma jurisdição.

Nós estamos, realmente, é nos dando o direito de avocar habeas corpus em início de tramitação, em qualquer lugar do Brasil, para lhe examinarmos o mérito.

Agora, não posso, realmente, fingir que não ouvi, no caso concreto, as razões pelas quais, efetivamente, não há justificativa para a prisão preventiva.

Então concedo de ofício a ordem, como a concederia se tivesse tido conhecimento disso num agravo de instrumento em matéria de ICM, pois o certo é que conheci de uma ilegalidade.

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Sobre o autor
Marcus Gil Barbosa Dias

Procurador do Estado de Roraima, especialista em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Marcus Gil Barbosa. Controle de constitucionalidade e política judiciária:: evolução histórica das súmulas no Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1276, 29 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9268. Acesso em: 19 abr. 2024.

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