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O princípio da razoável duração do processo e seus reflexos no inquérito policial

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13/12/2006 às 00:00
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Conclusão

            Em síntese, pode-se afirmar que o Direito surgiu a partir do momento em que o homem passou a conviver em sociedade, na medida em que os conflitos de interesses somente ocorrem nas relações interpessoais. Buscando estabelecer a paz social, o Estado passou a chamar para si o poder de ditar regras de conduta, descrevendo punições para aqueles que as infringisse, através de um conjunto de normas, denominado Direito Penal, que por sua vez se exterioriza através do Processo Penal.

            O processo penal, ao longo da História, se desenvolveu, inicialmente, sob a forma inquisitória, na qual preponderava o poder estatal, em detrimento a qualquer direito do acusado. Posteriormente, evoluiu o processo para a forma acusatória, reconhecendo-se o direito de defesa ao acusado da prática ilícita, permanecendo, porém, a forma inquisitória durante a fase pré-processual. O procedimento inquisitivo, que nasceu no Direito Romano, robusteceu-se durante a Idade Média, através da força da Igreja Católica, que se valeu desta forma de procedimento para investir contra toda dissidência ou discórdia de seus dogmas. O inquisidor nomeado pelo Papa agia com total liberdade e autonomia, baseando suas investigações em denúncias secretas e aplicação generalizada de torturas aos acusados.

            A similaridade do atual inquérito policial com os procedimentos inquisitivos medievais prende-se, principalmente, à ausência de defesa pelo acusado, que é colocado na condição de objeto de investigação, portanto, desprovido do direito de se contrapor ao Estado, ao menos durante a fase inquisitorial da persecução penal.

            Analisando a legislação processual penal pátria se depreende que, no Brasil, foi atribuída à Polícia Judiciária, através do inquérito policial, a atividade inicial da persecução penal, destinada a confirmar a existência dos fatos criminosos e sua autoria. Tal fase possui caráter meramente administrativo, ao fim da qual, se possibilita ao titular da ação penal, o Ministério Público, ou ao ofendido, em caso de ação privada, a possibilidade de intentar a ação penal propriamente dita.

            Devido ao seu caráter extrajudicial, e também pela necessidade de ratificação de suas conclusões em juízo, o inquérito policial vem sendo, há muito tempo, menosprezado no contexto do processo penal brasileiro. Quando da reforma aplicada ao Código de Processo Penal, mais de meio século atrás, cogitou-se a extinção do inquérito. Entretanto, por não dispor o Estado de outro meio para o desenvolvimento da atividade investigatória, foi mantido o procedimento como marco inicial da persecutio criminis.

            O inquérito policial, por ser procedimento administrativo sem caráter judicial, tem características próprias, como a inquisitividade, o sigilo e a dispensabilidade, não sendo a ele aplicáveis diversas garantias constitucionais que se verificam durante o processo criminal em juízo, como a possibilidade de contraditório e produção de ampla defesa.

            Os prazos para conclusão do inquérito policial encontram-se fixados no Código de Processo Penal, sendo de 10 dias em caso de indiciado preso, e trinta dias estando este solto. Há ainda a previsão de, excepcionalmente em casos complexos ou com muitos indiciados, possa o prazo inquisitorial ser prorrogado pelo juiz, apesar de a praxe já ter tornado comum a dilação de prazo mesmo em crimes relativamente simples, ou com apenas um indicado, onde não se justiça o não cumprimento do prazo legal para conclusão do inquérito.

            A morosidade judicial não ocorre apenas nos países menos desenvolvidos, sendo um problema que se contata no mundo todo, razão pela qual, mais de três décadas atrás, passou a ser objetos de tratados internacionais, inicialmente no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1969, e posteriormente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que elevou a garantia da celeridade processual ao status de direito humano fundamental.

            O Brasil, mesmo tendo ratificado os dois tratados, somente no ano de 2004 inseriu em um texto legal, neste caso a Constituição Federal, a garantia da celeridade processual. Entretanto, ainda tendo demorado mais de trintas anos para consolidar a garantia que se obrigara a respeitar internacionalmente, não foram esclarecidos na legislação alguns pontos importantes, como por exemplo, qual seria o prazo aceito como razoável para conclusão dos processos judiciais, nem tampouco quais os instrumentos a serem disponibilizados ao cidadão prejudicado pela morosidade judicial.

            Foram traçados comparativos com a legislação processual penal do Paraguai e da Venezuela, dois países, em tese, no mesmo nível de desenvolvimento que o Brasil, mas que souberam implementar reformas processuais claras e efetivas, inclusive trazendo explícita a necessária proteção e direitos a ser dispensados para a vítima do crime, normalmente esquecida dentro do Processo penal.

            Os tribunais brasileiros ainda mostram-se resistentes em reconhecer as conseqüências negativas de um processo penal que se prolonga em demasia no tempo. Enquanto outros países indenizam o acusado que permanece preso, aguardando julgamento, por prazo excessivamente longo, enquanto algumas legislações mais drásticas prevêem inclusive a extinção do processo indevidamente postergado no tempo, no Brasil, quando muito, concede-se habeas corpus, para que o acusado aguarda a sentença final em liberdade, pouco importando que isto demore uma década ou mais.

            Quando o excesso de prazo ocorre no curso do inquérito policial, previsto para ser concluso no máximo em trinta dias, maior ainda é a resistência em se vislumbrar presente a garantia da razoável duração do processo. Se, em regra, o processo penal, depende da conclusão do inquérito para ser iniciado, inevitável que se estendam ao procedimento administrativo a garantia constitucional da celeridade processual.

            De tal maneira o inquérito policial tem se mostrado ineficaz como instrumento da persecução penal, que grande parte dos crimes, ainda em fase de investigação preliminar, já se encontram prescritos, importando em impunidade do criminoso, desperdício de recursos financeiros com um procedimento que, ao final, de nada servirá, e, mais grave ainda, levando cada vez mais as instituições policiais e judiciárias ao descrédito, perante a sociedade.

            O que ocorre é que, nos moldes da legislação processual hodierna, e tendo se consolidado na doutrina e jurisprudência pátria o menosprezo pela importância do inquérito policial, pouco se pode fazer para alterar o quadro atual de falência do instituto. Daí a necessidade de efetivação das reformas em trâmite na Câmara Federal, a fim de modernizar um código processual que data de mais de meio século, no intuito de acompanhar o processo evolutivo social e humano.

            Portanto, o princípio da razoável duração do processo, por ser norma constitucional garantidora dos direitos fundamentais, deve ter seu âmbito de aplicação estendido para o inquérito policial, mesmo sendo este fase extrajudicial da persecução penal, visto que o processo penal deve ser entendido como todo o conjunto de atos estatais aptos à apuração das infrações penais.

            Desta forma, resta claro que o direito à razoável duração do processo pode ser argüido como fundamento para atacar qualquer inquérito policial que extrapole os prazos legalmente fixados para sua conclusão. Tal fundamento advém do raciocínio de que, sendo exigível que o processo penal, como instituto processual formal, deva ser concluído em prazos aceitáveis, seria ilógico e irracional admitir que os mesmos princípios que o regulam não incidissem também sobre o inquérito policial, devendo ser estendidas aos indiciado as garantias e direitos fundamentais processuais assegurados pela Constituição Federal de 1988.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Inquérito policial. São Paulo: Ícone, 1992.

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Notas

            01

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas - trad. Torrieri Guimarães – São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 18.

            02

CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19. ed., rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2003, p. 22-23.

            03

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 1, parte geral, 8. ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 01.

            04

Idem.

            05

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias, indicações legais, resenha jurisprudencial., 11. ed. atual., São Paulo: Atlas, 2003, p. 86.

            06

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O papel do inquérito policial no sistema acusatório – o modelo brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 35, p. 185-201, jul-set/2001. ISSN 1415-5400.

            07

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 01, 26. ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 78.

            08

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Inquérito policial. São Paulo: Ícone, 1992, p. 09.

            09

DA SILVA, José Geraldo. O inquérito policial e a polícia judiciária. Campinas: Bookseller, 2000, p. 21.

            10

DA SILVA, José Geraldo, op. cit, p. 34.

            11

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, op. cit., p. 90.

            12

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio, op. cit., p. 10.

            13

BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941, que instituiu o Código de Processo Penal. Disponível em . Acesso em 23.10.2006.

            14

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, op. cit., p. 16.

            15

DA SILVA, José Geraldo, op. cit., p. 61.

            16

CAPEZ, Fernando, op. cit., p. 67.

            17

SALES JUNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal: indagações, doutrina, jurisprudência, prática, 3. ed. rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 1983, p. 03.

            18

SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: RT, 2004, p. 159.

            19

Idem, p. 163.

            20

BRASIL. Exposição de motivos do Código de Processo Penal. Publicado no Diário Oficial da União, de 13 de outubro de 1941.

            21

MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 78.

            22

CAPEZ, Fernando, op. cit., p. 73.

            23

Idem, p. 76.

            24

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 12.308, do Estado do Espírito Santo, Rel. Min. Gilson Dipp, 5. Turma, julg. 21.02.2002, DJ, 08 abr. 2002, p. 234.

            25

DA SILVA, José Geraldo, op. cit., p. 97.

            26

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941, que instituiu o Código de Processo Penal. Disponível em . Acesso em 23.10.06.

            27

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941, que instituiu o Código de Processo Penal. Disponível em . Acesso em 23.10.06

            28

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. Campinas: Bookseller, 2000, p. 72.

            29

MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 86.

            30

LOPES JR, Aury. O direito a ser julgado em um prazo razoável:o tempo como pena e a (de) mora jurisdicional no processo penal. Revista de Ciências Penais. São Paulo, v. 01, n. 01, p. 219-245, jul-dez/2004, ISSN 1679-673X.

            31

BRASIL. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966, ratificado pelo Brasil através do Decreto n. 592, de 24 de abril de 1992. Disponível em , acesso em 30.08.06.

            32

BRASIL. Convenção Americana sobre Direitos Humanos, celebrada em San José, na Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, e ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992. Disponível em . Acesso em 30.08.06.

            33

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18 ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 94.

            34

HOFFMAN, Paulo. Razoável duração do processo. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 97-98.

            35

BRETAS, Adriano Sérgio Nunes. O excesso de prazo no processo penal. Curitiba: JM, 2006, p.55.

            36

Idem.

            37

DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed., rev. e atual., São Paulo: 2005, p. 592.

            38

BRETAS, Adriano Sérgio Nunes. Idem, p. 54.

            39

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em . Acesso em 23.10.06.

            40

MORAES, Alexandre de, op. cit., p. 64.

            41

LOPES JR, Aury, op. cit., p. 225-226.

            42

HOFFMAN, Paulo, op. cit., p. 24-25.

            43

BRETAS, Adriano Sérgio Nunes, op. cit., p. 47-54.

            44

PARAGUAY. Código Processual Penal da República del Paraguay. Disponível em , acesso em 30.08.06.

            45

VENEZUELA. Código Orgânico Procesal da República Bolivariana de Venezuela. Disponível em . Acesso em 29.08.06.

            46

LOPES JR, Aury, op. cit., p. 234-235.

            47

SAAD, Marta, op. cit., p. 172

            48

BRETAS, Adriano Sérgio Nunes, op. cit., p. 64.

            49

HOFFMAN, Paulo, op. cit., p. 99.

            50

BRETAS, Adriano Sérgio Nunes, op. cit., p. 65.

            51

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal n. 700077100902, Rel. Des. Luiz Gonzaga da Silva Moura, DJ. 17.12.2003. Disponível em . Acesso em 17.08.2006.

            52

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal n. 700077100902, Rel. Des. Luiz Gonzaga da Silva Moura, DJ. 17.12.2003. Disponível em . Acesso em 17.08.2006.

            53

LOPES JR, Aury, op. cit., p. 237-238.

            54

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 01: parte geral. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 544.

            55

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de setembro de 1940, que instituiu o Código Penal brasileiro. Disponível em . Acesso em 23.10.06.

            56

Idem.

            57

CAPEZ, Fernando, op. cit., p. 558.

            58

CRIMES prescritos – procurador defende que MP comande inquéritos policiais. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 28 abr. 2003. Disponível em . Acesso em 08.08.06.

            59

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            60

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Remessa de Ofício n. 932/98. Segunda Turma Criminal, julg. 02.04.1998. Disponível em . Acesso em 27.10.06.

            61

MORAES, Alexandre de, op. cit., p. 164.

            62

DA SILVA, José Afonso, op. cit. p. 432.

            63

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Estado do Mato Grosso. Mandado de Segurança n. 41217/2005. Terceira Câmara Criminal, julg. 10.10.05. Disponível em . Acesso em 24.08.06.

            64

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 5.418/RJ. Rel. Min. Vicente Leal, Sexta Turma, DJU de 16.12.1996, p. 50.

            65

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 11.814/MG, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 19.12.2002, p. 126.

            66

CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p. 24.

            67

CALMON FILHO, Petrônio. A investigação criminal na reforma do Código de Processo Penal: agilidade e transparência. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 34, p. 63-106, abr-jun/2001. ISSN 1415.5400.

            68

BRASIL. Projeto de Lei n. 4.509/2001, que altera dispositivos do Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à investigação criminal, e dá outras providências. Disponível em Acesso em 25.08.2006.

            69

CALMON FILHO, Petrônio, op. cit., p. 74.

            70

Idem.

71

CABETTE, Eduardo Luiz Santos, op. cit., p. 201
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Claudinei Zdanski

investigador da Polícia Civil do Paraná, bacharelando em Direito pela União Dinâmica de Faculdades Cataratas (UDC) de Foz do Iguaçu (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZDANSKI, Claudinei. O princípio da razoável duração do processo e seus reflexos no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1260, 13 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9271. Acesso em: 23 nov. 2024.

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