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A atuação do defensor público na defesa de pessoa juridicamente não-necessitada

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14/12/2006 às 00:00
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Índice: 1. Considerações Gerais. 2. Tratamento Constitucional e Legal da Matéria; 2.1. Breve Digressão Histórica; 2.2. A Defensoria Pública na Constituição de 1988 e na Legislação Infraconstitucional; 3. Atuação do Defensor Público na Defesa de Pessoa Juridicamente Não-Necessitada; 4. Conclusão.


1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

O presente trabalho tem por escopo tecer algumas considerações acerca da assistência jurídica integral e gratuita, da Defensoria Pública e, em especial, da atuação dos defensores públicos criminais quando nomeados para patrocinar a defesa de pessoas que estão fora do critério (constitucional, legal e, até, jurisprudencial) de juridicamente necessitadas.

Por ocasião de nossa atuação profissional, tivemos a oportunidade de levar ao conhecimento da Corregedoria Geral da Defensoria Pública, do Defensor Público Geral e de nossa Chefia Imediata no Núcleo de Coordenação Penal, com o intuito de que fosse feita a uniformização de tese e atuação dos defensores das Varas Criminais, via Resolução da lavra do Conselho Superior da Instituição, a questão envolvendo a designação dos Defensores Públicos (in casu, das Varas Criminais), para patrocinar a defesa daquelas pessoas que se encontram fora do critério legal de juridicamente hipossuficiente ou, simplesmente, "necessitados".

Tem-se tornado praxe a nomeação dos defensores para a defesa de pessoas não-necessitadas (juridicamente), fugindo-se totalmente aos critérios – legal e constitucionalmente – estabelecidos para o préstimo da assistência jurídica.

Podemos aqui declinar alguns casos (concretos) onde se pretendeu a nomeação do defensor público para a assunção (a nosso ver, indevida) da defesa do autor do fato [01] penal:

Diante da inércia do réu, abastado empresário acusado pela prática de crimes contra a ordem tributária e relações de consumo (Lei nº 8.137/90), frente à intimação do Juízo para que constituísse outro advogado, pois o causídico que patrocinava a sua defesa havia renunciado ao mandato, e considerando que o processo não podia ser sentenciado antes da apresentação das derradeiras alegações (art. 500/CPP), foi nomeado o defensor público para que as ofertasse;

Crimes de injúria, calúnia e difamação praticados por, e contra, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, tudo na forma da Lei de Imprensa (Lei Nacional nº 5.250/67);

Advogado que comparece para pedir adiamento do ato, retira-se da sala para trazer documentação a fim de fazer prova nos autos de suas razões, e, nesse ínterim, é realizada a audiência nomeando-se o defensor para atuar è revelia do patrono do acusado;

Nomeação do defensor quando o advogado simplesmente não comparece para o ato, mesmo tendo esse procuração juntada etc.

Em todas essas situações, concretas, diga-se de passagem, foi nomeado o defensor público; seja para a realização do ato (por ex., uma audiência), seja, até, para o patrocínio da defesa do acusado através do oferecimento das alegações finais (art. 500/CPPB).

Invocam alguns magistrados, para tanto, a Constituição da República ("ampla defesa") e o Código de Processo Penal, muitas vezes olvidando o exame técnico-jurídico necessário e o estudo acurado do caso.


2. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL DA MATÉRIA.

A Constituição, em diversas passagens, mormente em seu art. 5º, assegura (lato sensu) o direito de defesa, o contraditório, o devido processo legal etc., mas sem tecer considerações (é evidente) às situações concretas aqui mencionadas. Daí se extrai apenas os princípios e garantias a informar o intricado sistema infraconstitucional.

Em que pese estarmos falando de direitos e garantias fundamentais, não podemos olvidar que direito de defesa não implica direito de defesa via Defensoria Pública. Para tanto há critérios legais (e mesmo constitucionais) a serem seguidos.

Tanto que essa mesma Constituição, no Título IV (que trata da organização dos Poderes), Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça), Seção III, fez considerações específicas acerca da Defensoria Pública.

Lá (art. 134/CR) está prescrito que "A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV"(negritamos).

O reportado art. 5º, LXXIV, a seu turno, diz que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (destacamos).

2.1. BREVE DIGRESSÃO HISTÓRICA.

Mesmo sem querer perder o foco, faz-se imperiosa, ainda que da forma mais concisa possível, a contextualização histórica da matéria.

Estudamos nas primeiras linhas de nossos manuais de Processo Civil as três ondas do movimento de acesso à Justiça.

É sabido que em dado momento histórico o Estado tomou para si o monopólio da jurisdição, vedando, salvo situações excepcionalíssimas, o exercício da autotutela.

Mais a frente, de forma extremamente paradoxal, em "razão das características do sistema do laissez-faire dos séculos XVIII e XIX, motivadores do absenteísmo do Estado liberal burguês, a garantia do acesso à justiça era vista como um "direito" apenas formal, egoisticamente reservada aos mais abastados que pudessem arcar com as custas processuais". [02]

Em meados de 1930, a Corte Inglesa chega a proclamar que "a Justiça se faz para dar a cada um o que é seu: ao rico sua riqueza, ao pobre sua pobreza" [03].

Percebeu-se, então, depois, a necessidade de se permitir o acesso de todos à Justiça; vieram as ondas renovatórias do processo, e hoje, por fim, tem-se em mente não só o acesso, mas o acesso efetivo, pleno, em paridade de forças com a parte ex adversa, tudo dentro da concepção moderna de devido processo legal procedimental e substancial.

A atual Constituição da República, em substituição proposital do adjetivo "judiciária", passou a falar em assistência "jurídica" integral e gratuita aos necessitados.

Pedimos venia para mais uma vez colacionar as brilhantes lições do professor Pedro Lenza, onde com sua clareza e didática ímpar, citando o mestre maior do Processo Brasileiro, Barbosa Moreira, destaca que "a grande novidade trazida pela Carta de 1988 consiste em que, para ambas as ordens de providência, o campo e atuação já não se delimita em função do atributo ‘judiciário’, mas passa a compreender tudo que seja ‘jurídico’. A mudança do adjetivo qualificador da ‘assistência’, reforçada pelo acréscimo ‘integral’, importa notável ampliação do universo que se quer cobrir. Os necessitados fazem jus agora à dispensa de pagamentos e à prestação de serviços não apenas na esfera judicial, mas em todo campo dos atos jurídicos. Incluem-se também na franquia: a instauração e movimentação de processos administrativos, perante quaisquer órgãos públicos, em todos os níveis; os atos notariais e quaisquer outros de natureza jurídica, praticados extrajudicialmente; a prestação de serviços de consultoria, ou seja, de informação e aconselhamento em assuntos jurídicos". [04]

2.2. A DEFENSORIA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.

Seguindo na abordagem constitucional, reza o art. 24, "compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XIII – assistência jurídica e defensoria pública;" [05].

Ainda pelo Texto Maior, no §º 1º do art. 134 está dito que "lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados" (art. 134, § 1º, da CR) (destacamos).

A Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, tem insculpido em seu art. 1º: "A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial [06], integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei". (negrito nosso)

Lembre-se de que o parágrafo primeiro do art. 134 da CR diz que Lei Complementar da União só estabelecerá, acerca das Defensorias nos Estados, normas gerais ("Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados")(art. 134, § 1º, da CR).

Assim, com base no paralelismo das formas, dentro da simetria constitucional federativa, delegou-se ao legislador de cada Ente Federativo, justamente pelo fato de ser esse quem melhor conhece a realidade do lugar, suas carências e limitações, culturais e econômicas, a tarefa organizar a Defensoria Pública nos Estados-Membros e de definir os critérios de amparo por essa (sempre respeitada a vontade do Constituinte e as normas gerais fixadas por LC nº 80/94).

Importante novidade está no §2º do art. 134, inserido pela EC nº 45/04, dando a tão esperada autonomia funcional, administrativa e financeira às Defensorias Públicas [07].

Em que pese esse grande avanço, infelizmente, a verdade evidenciada pela prática é que esse processo de desvinculação com os Executivos (Estaduais) tem-se demonstrado totalmente dependente das ingerências políticas locais e da adequação da legislação dos Estados-Membros.

No Estado do Espírito Santo, as atividades da Defensoria Pública e de seus agentes obedecem aos preceitos da Lei Complementar Estadual nº 55, de 23 de dezembro de 1994.

Prescreve esta no § 1º do art. 2º que "a insuficiência de recursos ou hipossuficiência, que coloca a pessoa física em situação de vulnerabilidade e, em relação à parte contrária, é assim considerada desde que o interessado: a) Tenha renda pessoal mensal, inferior a três salários mínimos; b) Pertença a entidade familiar cuja média de renda per capita ou mensal não ultrapasse a metade do valor referido na alínea anterior".

O critério é similar ao adotado pela maioria dos Estados da Federação. Há notícia, também, dentre outros, da adoção do limite de isenção do IR (imposto de renda) como paradigma para os préstimos da Defensoria.

Tem-se aí, a meu ver, o que poderíamos chamar de critério legal, objetivo ou formal, fulcrado na vontade geral e abstrata do legislador, estando, por isso, previamente previsto em lei.

A jurisprudência, entretanto, tem buscado dar os contornos exatos à expressão "assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art. 5º, LXXIV, CR).

A Lei nº 1.060/50 institui normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Já a CR/88 (art. 5º, LXXIV) fala em assistência jurídica.

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Essa divergência terminológica levou alguns estudiosos a distinguir a assistência jurídica e assistência judiciária. Assim, a assistência judiciária diria respeito à isenção [08] de taxas e selos, despesas com publicações, honorários, exame de DNA etc.; já a assistência jurídica diria respeito ao amparo pela defensoria pública, conforme critérios adotados pela legislação estadual [09], conforme alhures mencionado. Cremos que a discrepância de signos (termos), entretanto, a nosso ver, tem raízes unicamente históricas.

A Constituição Republicana de 1946, em seu art. 141, § 35, dizia que "o poder público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados" (destacamos).

Veio, então, justamente a Lei nº 1.060/50 para regulamentar o dispositivo da Carta de 1946 (art. 141, § 35), que seguindo a terminologia adotada pelo Constituinte da época (1946), utilizou-se da expressão assistência judiciária.

Assistência jurídica, entretanto, é obra da atuação inovadora do Constituinte de 1988. Daí porque, pensamos, consta naquela (Lei nº 1.060/50) a expressão assistência judiciária – mesma expressão utilizada pela Constituição de 1946 – e não assistência jurídica.

Com advento dos sucessivos Textos Constitucionais, a norma veio sendo recepcionada (Lei nº 1.060/50), não tendo sido diferente frente à CR/88.

Ocorre que o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 1.060/50 diz que "considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio e da família".

Já as Leis instituidoras das Defensorias Públicas, nos Estado, trazem critérios próprios para que o indivíduo possa ser por essas (Defensorias) amparado. Conforme já mencionado, no Espírito Santo, a LCE nº 55/94 tomou por parâmetro a faixa individual de 03 (três) salários mínimos [10].

Qual o critério, então, a ser adotado? O de 03 (três) salários mínimos, previsto na LCE, ou o estabelecido no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 1.060/50?

A CR/88 foi bem clara (art. 24) ao precisar que "compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XIII – assistência jurídica e defensoria pública;". Devendo a União limitar-se à edição de normas gerais (art. 134, § 1º e art. 24, § 1º).

Assim, por expressa previsão constitucional, incumbe aos Estados legislar sobre assistência judiciária e defensoria pública, devendo prevalecer, a princípio, os critérios ali insculpidos, limitando-se o âmbito de aplicabilidade do critério contido no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 1.060/50 às hipóteses de seu art. 3º.

Em suma: para as "isenções" da Lei de Assistência Judiciária adotar-se-á o critério contido na própria lei (art. 2º, parágrafo único [11]); já para se fazer jus aos préstimos da Defensoria Pública, deverão ser observados os critérios elencados nas legislações dos Estados.

Ocorre, todavia, que o parâmetro adotado pelo legislador estadual (critério objetivo, legal ou formal) não é dos melhores. Nada impede, aliás, é muito comum, que o indivíduo, mesmo percebendo mais do que 03 (três) salários mensais, não possua condições de arcar com os custos da contratação de um causídico particular.

O monopólio da Jurisdição impõe, ao Estado, o dever inexorável e irrenunciável de garantir a todos o pleno e efetivo acesso à Justiça.

Assim, mesmo que o indivíduo esteja fora dos critérios legais (critério objetivo) estabelecidos para que se faça jus a um defensor público, por força dos princípios da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal substancial deve o Estado assegurar-lhe o lídimo e gratuito acesso à Justiça, em sua forma mais ampla, inclusive quanto ao defensor público.

Os critérios rígidos e matemáticos da lei não podem prevalecer frente à sistemática constitucional. Isso não assegura, entretanto, a todos, indistintamente, a garantia do exercício do direito de ação (e exceção) através de um "advogado público" (rectius defensor público), pois a CR/88 só o assegurou aos, conforme ela mesmo alcunhou, "necessitados" (art. 134/CR).


3. ATUAÇÃO DO DEFENSOR PÚBLICO NA DEFESA DE PESSOA JURIDICAMENTE NÃO-NECESSITADA.

Feitas essas considerações preliminares, voltamos ao exame da questão concernente à impossibilidade de se nomear os defensores públicos para a assunção da defesa de pessoa economicamente não-necessitada.

É sabido que dentre as proibições impostas aos membros da Defensoria Pública está o desempenho da advocacia fora das atribuições institucionais (art. 134, § 1º, da CR/88; art. 46, I, da LCU nº 80/94 e art. 42 da LCE nº 55/94).

Ademais, constituem atos de improbidade administrativa todos aqueles que importam prejuízo ao Erário e/ou ofendam princípio da Administração Pública, conforme arts. 10 e 11 da Lei Nacional nº 8.429/92.

A Constituição da República estabelece, em seu art. 37, caput, os princípios (constitucionais) expressos da Administração (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).

Nesse mesmo artigo (art. 37), em seu parágrafo 4º, está dito que "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

Regulamenta o dispositivo constitucional a Lei (Nacional) nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito (trazendo em seu art. 12 as penas aplicáveis ao agente ímprobo).

Assim, quando é nomeado o Defensor Público para a defesa de pessoa abastada, de duas uma:

Se consta na ata de audiência ou no despacho que foi nomeado o "defensor público da Vara" e esse atua nas prerrogativas do cargo (intimação pessoal, prazo em dobro etc.), estará ele ferindo os princípios da legalidade, pois a lei manda que ele atue – apenas – na defesa do "necessitado"; da moralidade administrativa (que não tolera tais desvios, devendo a conduta do servidor pautar-se, também, em critérios éticos, e não só legais); e da eficiência (melhores resultados com o mínimo de dispêndio), pois estará desviando (desvio de finalidade) sua força laborativa, que se destina exclusivamente a atender o hipossuficiente.

Consoante sabido, e já declinado, a ofensa aos princípios da Administração Pública (art. 37/CR) constitui ato de improbidade (administrativa), sujeitando o seu infrator a todas as suas sanções (art. 12 da Lei nº 8.429/92).

A outra hipótese, então, muito mais absurda, seria a de funcionar o defensor público como advogado (particular), despido de suas atribuições e prerrogativas institucionais. Tal insanidade (impossível na prática tendo em vista as vedações legais: art. 130, II, da LC 80/94 e art. 42, I, da LCE 55/94; e constitucional: art. 134/CR), de qualquer sorte constituiria ato de improbidade e, ainda, estaria o órgão de execução (defensor) exercendo a advocacia, o que lhe é vedado por lei (Art. 130 da LC nº 80/94 e art. 42, I, da LCE nº 55/94).

Há os que insistem no funcionamento do defensor em tais situações, invocando, para tanto, o art. 261 [12], o art. 263 [13] e o parágrafo único [14] do art. 265 [15] do Código de Processo Penal.

Não tenho a menor dúvida que o legislador foi atécnico quando ali mencionou "defensor", empregando o termo em sua acepção ampla (lato sensu). Prova disso, dentre outras, é o parágrafo único do art. 263 que determina a fixação dos "honorários do defensor dativo".

Entretanto, se tomarmos por exemplo o art. 261 do CPP (Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.), nada impede que seja nomeado pelo juiz o defensor público, basta, para tanto, que se trate da hipótese, ou seja, basta que o réu seja pessoa juridicamente necessitada.

Não olvidemos, ainda, que tais dispositivos estão encartados no Código de Processo Penal, datado de 03 de outubro de 1941 e inspirado nos ideais do regime fascista de B. Mussolini.

Qualquer outra interpretação no sentido de se conceber o termo "defensor", ali empregado, como sinonímia obrigatória de defensor público, conduzirá, inexoravelmente, à não recepção de tais dispositivos por estarem em manifesto confronto com a Constituição da República (art. 5º, LXXIV, e art. 134), a exigir posterior interpretação conforme pelo STF para o assentamento constitucional necessário.

Conforme já exaustivamente tratado linhas atrás, os critérios para a atuação do defensor público vêm da lei instituidora das Defensorias nos Estados, conforme preconiza a própria Constituição; só se admitindo a fuga a tais critérios quando pautada em critérios de razoabilidade e proporcionalidade (a ser somado ao critério objetivo, legal ou formal) e como forma de se garantir os princípios da inafastabilidade, do devido processo legal e da máxima efetividade das normas constitucionais.

Lembre-se, ainda, de que a garantia constitucional de defesa ampla açambarca, e assegura ao acusado, também a liberdade de escolha de seu defensor, sendo direito inabalável deste a escolha de quem deve patrocinar a sua defesa, não podendo o magistrado, pelo simples de fato de não querer, v.g., adiar uma audiência, calcando-se no duvidoso argumento de estar assegurando a ampla defesa ao acusado, nomear, indiscriminadamente, o defensor público como verdadeiro advogado dativo do réu.

Algumas Defensorias, buscando melhor respaldar a atuação de seus órgãos de execução (defensores públicos), e evitando que esses atuem exclusivamente sob o manto da independência funcional, prerrogativa até então não muito aceita por alguns magistrados, têm normatizado e uniformizado a linha de atuação dos defensores através de resoluções e/ou deliberações do Conselho Superior.

Vale citar, por exemplo, ao encontro do aqui defendido, a Resolução nº 18/006 da Procuradoria de Assistência Judiciária do Distrito Federal [16] e a Deliberação nº 11/2005 da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais [17].

Alguns apontam como solução para essas situações em que é designado o defensor público para a defesa de pessoa juridicamente não-necessitada, que esse requeira ao juiz a fixação, seguindo, inclusive, tabela da própria OAB, de honorários em razão de sua atuação, a serem depositados no Fundo de Aparelhamento da Instituição.

As Defensorias Públicas contam, de regra, com os chamados Fundos de Aparelhamento. Assim, sendo a parte ex adversa sucumbente e tendo ela condições de arcar com ônus desta (sucumbência), impõe-se o pedido de condenação do litigante vencido, devendo a quantia fixada ser depositada no mencionado Fundo.

Não concordo, entretanto, com a solução ventilada.

Primeiro, o defensor é constitucionalmente incumbido da defesa dos necessitados, e mais ninguém. Segundo, quem recebe honorários é advogado, sendo o defensor impedido pela Norma Maior do exercício desse mister, também constitucional, que é a advocacia. Terceiro, a atuação fora de suas funções institucionais, conforme já mencionado, constitui ato de improbidade. Quarto, é totalmente incoerente que se patrocine a defesa de um indivíduo e se peça, concomitantemente, a sua condenação em razão da sucumbência; estaria, assim, sem sombra de dúvidas, prenunciando a derrota desse "assistido". Quinto, mesmo sob o prisma financeiro, esse mínimo arrecadado, nas proporções das reais necessidades da Defensoria Pública, não soluciona seus problemas; (sexto) mas, por outro lado, é suficiente para sobrecarregar os defensores públicos, (sétimo) contribuindo para que suas prerrogativas institucionais nunca se consolidem frente a magistrados e promotores. Oitavo, de regra, essas nomeações-surpresa, já em sala de audiência, comprometem o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, a prerrogativa da intimação pessoal dos defensores etc.

Enfim, inúmeras são as razões para que devam os defensores públicos se absterem de atuar em tais processos.

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Sobre o autor
Ruy Cesar Klegen de Carvalho

defensor público no Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Ruy Cesar Klegen. A atuação do defensor público na defesa de pessoa juridicamente não-necessitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1261, 14 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9274. Acesso em: 26 abr. 2024.

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