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Distinção entre taxa e tarifa

15/12/2006 às 00:00
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            Continua grassando séria controvérsia entre taxa e tarifa, na doutrina e na jurisprudência, apesar de a primeira pertencer ao ramo do direito público, onde vige o princípio da estrita legalidade, e a segunda situar-se no âmbito do direito privado, regido pelo princípio da autonomia da vontade.

            Em matéria de pedágio, por exemplo, a discussão perdura mesmo após o advento da Constituição de 1988, que pelo seu art. 151, V, praticamente, conferiu natureza tributária ao pedágio à medida que vedou o estabelecimento de ‘limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público’.

            Muitos estudiosos enxergam exatamente nessa ressalva a natureza tarifária do pedágio, de sorte a excluí-la da proibição de instituir a taxa que, como sabemos, é espécie tributária.

            Na verdade, a Carta de 1988 acabou por conferir natureza tributária ao pedágio, pois do contrário a ressalva seria de toda desnecessária [01] já que a proibição refere-se aos tributos em geral. Mas, a jurisprudência formada em torno da natureza tarifária do pedágio, à época em que a utilização da rodovia pedagiada era facultativa (via Anchieta), pois existia a Estrada Velha do Mar, hoje, interditada, tornou-se irreversível.

            No setor de águas e esgotos a controvérsia também é bastante freqüente. Maioria dos Estados e dos Municípios conferiram caráter tarifário pela sua praticidade ou comodidade, unificando a conta de esgotos com a de águas. Como a intensidade do uso do serviço de esgotos é de difícil detecção, utiliza-se de um critério quantitativo fictício, que chega a ser abusivo ou irrazoável, consistente no dobro ou triplo do valor correspondente à quantidade de água consumida e aferida pelo hidrômetro, mensalmente.

            Nessa matéria, costuma-se invocar a faculdade de o poder público instituir a cobrança de taxa ou a cobrança de tarifa, por critério de oportunidade e de conveniência.

            De fato, o serviço de distribuição de água e o de coleta de esgoto não configuram serviço público essencial, indelegável, podendo ser concedido a uma empresa particular ou estatal como a SABESP, a exemplo do que ocorre com os serviços de fornecimento de energia elétrica, de gás encanado, de telefonia etc.

            Entretanto, não nos parece possível a livre opção em relação a determinado serviço, apesar de não configurar serviço essencial do Estado, quando ele estiver submetido ao regime de utilização compulsória como acontece com os serviços de esgotos, por força do art. 11 [02] da Lei nº 2.312, de 3-9-54.

            Por isso, asseveramos que ‘parte dos serviços a cargo da Sabesp, o de esgotos, sendo de utilização compulsória por força de lei editada pela entidade política competente, não poderia estar submetida ao regime de direito privado, mas ao regime tributário. Se o serviço é de utilização compulsória, configura serviço público, o qual só pode ser prestado sob regime de direito público. Do mesmo vício padece a lei municipal de nº 7.687, de 29-12-71, que, por meio dos arts. 33 e 34, instituiu o sistema de remuneração do expediente municipal por meio de preços públicos, revogando os arts. 181 e 184 da Lei nº 6.989, de 29-12-66 (Sistema Tributário do Município), que disciplinava a incidência das taxas de expediente, como se serviços concernentes ao recebimento de petições e requerimentos, sujeitos à apreciação e decisão de autoridade administrativa competente, pudessem ser regidos pelo direito privado’ [03].

                        

            Por oportuno, transcrevemos na íntegra interessante acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde foi acolhida a tese da remuneração dos serviços de esgotos por meio de tarifa, porém, condenando a sua cobrança por atentar contra princípios próprios do Direito Tributário, como os da divisibilidadee e do efeito não confiscatório.


            "VOTO Nº10974

            APELAÇÃO Nº 510.473-5/0-00.

            Comarca: SÃO BERNARDO DO CAMPO

            Ação ordinária – Anulatória

            Apelantes: FIAÇÃO PESSINA S/A. E OUTRO.

            Apelados: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO E OUTRO

            AÇÃO ANULATÓRIA – PREÇO PÚBLICO, TARIFA OU TAXA – SERVIÇO DE COLETA DE ESGOSTOS - Município de São Bernardo do Campo – Preliminares de ilegitimidade da SABESP, inépcia da inicial e carência da ação – Afastadas – Regime da cobrança: tarifa e não taxa ou preço público – Inexistência de violação aos princípios da estrita legalidade por não ser taxa – Regime jurídico da tarifa que não autoriza a cobrança ou fixação do valor arbitrariamente – Critério do equilíbrio econômico-financeiro que deve ser respeitado – Inteligência dos arts. 145, II e 175, parágrafo único, I e IV, da CF/88 – Caráter confiscatório da tarifa – Caracterização – Inexistência da prestação do serviço que aparece como pressuposto da instituição – Comprovada – Critério da divisibilidade não respeitado ao lançar, sem medição, 40.000 m3 por mês – Honorários advocatícios arbitrados e com inversão considerando o resultado – Provido o recurso da autora e prejudicado o da ré, nos termos do acórdão.

            No presente feito, Fiação Pessina S/A. ingressou com uma ação anulatória de débito fiscal contra a Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, precedida de medida cautelar, objetivando fossem anulados todos os lançamentos de preço públicos de coleta de esgoto, instituídos pelo Decreto 12.670/98, alterado pelos Decretos 12.928/99 e 13.995/02, desde abril de 1998, totalizando a importância à época em R$ 12.920.251,45.

            Deferido pedido da autora para que a SABESP integrasse o pólo passivo da demanda, a fls. 561.

            A r. sentença de fls. 766/774, cujo relatório se adota, julgou improcedentes ambas as ações, principal e cautelar, tornando sem efeito a liminar deferida e condenando a autora ao pagamento das custas e verbas de sucumbência.

            Apelou a autora a fls. 782/838. Requer seja o recurso recebido também em seu efeito suspensivo. No mérito, sustenta que a Municipalidade não pode efetivar uma cobrança sobre bem público, cujo domínio é do Estado. Argumenta que, para se verificar a caracterização de serviço de esgotamento sanitário, deve ser implantado um sistema de esgoto, ou efetiva coleta, afastamento e tratamento pela ré, o que não se observa no caso sub judice. Alega que o Poder Público não está autorizado a cobrar preço público por um serviço que nunca prestou, e que não se consubstancia tal cobrança como legítima em virtude do mero despejo de efluentes em vias líquidas. Aponta a inexistência de coletores troncos para realizar a coleta e afastamento dos dejetos no ABC Paulista e, bem assim, a ausência de emissários de tratamento em toda a região. Registra que o Córrego Curral Grande nasce em Diadema, passando por São Bernardo do Campo e desaguando no Ribeirão de Couros. Aduz que o sistema de esgotamento sanitário é composto por canalização e órgãos acessórios, que coletam e transportam os esgotos sanitários a um destino final conveniente, donde se conclui que não se pode equiparar rede pública coletora às vias líquidas; porém, assim o fizeram os Decretos Municipais já citados. Assevera que ela, a apelante, é que coleta e realiza o afastamento de seus efluentes, conduzindo-os à estação própria de tratamento, operando transformações químicas e físicas para, posteriormente, despejá-los no Córrego Curral Grande, evitando danos ao meio ambiente. Levanta a ocorrência de violação ao patrimônio e cobrança confiscatória. Mencionando doutrina e jurisprudência, pede o provimento do apelo.

            Apelou a Municipalidade a fls. 873/878. Insurge-se contra a fixação de honorários advocatícios, pleiteando seja seu valor elevado, consoante a complexidade do feito. Aguarda o provimento do apelo.

            Contra-razões da Prefeitura a fls. 880/893.

            Contra-razões da SABESP a fls. 897/907. Em preliminar, argúi ilegitimidade de parte passiva, inépcia da inicial e carência da ação. Rebatendo os argumentos de mérito, pede não seja conhecido o apelo da autora ou, se for, que lhe seja negado provimento.

            Sem contra-razões da autora (fls. 92).

            Acuso o recebimento dos memoriais, que determino a juntada considerando a consistência das razões e a relevância do julgamento das matérias controvertidas.

            Também acuso o recebimento de novos memoriais após o pedido de vista que, pelas mesmas razões, determino a juntada.

            É o relatório.

            Preliminarmente, justifico o pedido de vista considerando as relevantes razões apresentadas nos memoriais e na sustentação oral apresentada pelo ilustre Professor Roque Antonio Carrazza.

            Ainda, em preliminar, rejeito a argüição de ilegitimidade apresentada pela CIA. DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – SABESP, uma vez que, se de um lado houve sucessão nos serviços executados e, por isso eventual inexistência de participação nos lançamentos aqui discutidos, a rigor, inexiste qualquer prejuízo na sua permanência.

            Aliás, muito ao contrário, sua permanência implementa os princípios do devido processo legal e do contraditório, indispensáveis na existência da relação jurídica processual válida.

            Não há que se falar em inépcia da inicial e carência de ação, que a esta altura e da fase processual encontram-se superadas, inexistindo quaisquer irregularidades na inicial ou no pedido.

            Outrossim, a questão relacionada com a concessão do efeito suspensivo ao recurso interposto, considerando o resultado e fase em que se encontra o processo, é matéria prejudicada.

            Rejeitam-se, assim estas preliminares.

            Passam-se a examinar as razões de mérito.

            A primeira questão jurídica a ser enfrentada refere-se à natureza jurídica da exação, se tributo da espécie taxa ou preço público ou tarifa.

            Examinando as contas juntadas pela autora com a inicial (fls. 83 e ss), apesar de a inicial referir-se a "serviço de esgotamento sanitário", a natureza do serviço está identificada como sendo "P.P. ESGOTO", posteriormente alterado para "E.E.". (fls. 123 ss).

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            Examinando no contexto geral, deve incluir fornecimento de água mas considerando os lançamentos, deve estar sendo cobrado o serviço de coleta, tratamento e destinação do esgoto industrial que, conforme provas existentes nos autos, o destino final é o despejo no Córrego Curral Grande.

            A forma de cobrança instituída pela Municipalidade de São Bernardo do Campo é o de tarifa de esgoto que a legislação local denomina de "serviço de esgotamento sanitário".

            A primeira observação é a de que tarifa enquadra-se no regime de direito privado e não de direito público.

            De outro lado, apesar de existirem nos precedentes jurisprudenciais e lições dos doutrinadores que adotam "tarifa" e "preço público" como sinônimos, adoto aqui a dicotomia dos significados, isto é:

            TARIFA é o valor cobrado para remunerar serviço prestado em regime de concessão ou diretamente, pelo regime de direito privado, tendo como parâmetros de sua fixação o do equilíbrio econômico-financeiro; e

            PREÇO PÚBLICO é o valor fixado pelo Poder Público, como existe nos casos de tabelamento de preços, sob o regime de direito privado.

            Escreve sobre a matéria REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA:

            "A Constituição da República, ao dispor sobre o regime das concessionárias e permissionárias de serviços públicos, fala em ‘política tarifária’ (inc. III do parágrafo único do art. 175). No texto constitucional anterior falava-se em ‘fixação de tarifas’ para remuneração dos serviços (art. 167).

            O que se tem por ‘tarifa’? Cuidando-se de serviço público, com prestação direta, dúvida não há de que se cuida de taxa. O constituinte não é técnico em Direito, e, pois, pode utilizar termos equívocos ou ambíguos". (Receitas não tributárias. Malheiros, 2º ed., p. 55).

            Portanto, no meu entender, a cobrança do "serviço de esgotamento sanitário" e aqui discutido, será analisado como a de tarifa, considerando o regime jurídico aplicável.

            Antes de adentrar no exame dos fatos controvertidos, deve ser enfrentada a questão se o "serviço de esgotamento sanitário" é serviço público e, se for serviço público específico e divisível, se pode ser cobrado sob o regime jurídico de tarifa ou se, necessariamente, precisa ser cobrado sob a forma e o regime jurídico de taxas.

            Conhecida é a lição do saudoso Professor GERALDO ATALIBA (que apregoava e defendia com a eloqüência que lhe era peculiar) que os serviços públicos só poderiam ser remunerados pelo regime jurídico de taxas, espécie de tributo expressamente previsto no art. 145, II, da Constituição Federal de 1988.

            Ainda, para reforçar a sua tese, argumentava o ilustre Professor: a Constituição não sugere nada, mas suas regras são obrigatórias e cogentes.

            Nessa linha de raciocínio, posicionam-se os tributaristas da escola Paulista da PUC/SP, entre os quais, os professores ROQUE ANTONIO CARRAZA, PAULO DE BARROS CARVALHO, EDUARDO JARDIM, EDUARDO BOTALLO, entre outros.

            Nesta matéria, considerando o regime jurídico vigente, ouso discordar desta corrente, para afirmar que a vigente Constituição Federal de 1988 possibilita a cobrança sob dois regimes jurídicos diferentes, isto é, com fundamento no art. 145, II, e no art. 175, parágrafo único, itens I a IV, da CF/88.

            Preceitua o art. 145, II, da CF/88:

            "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

             ....................................................................................................................

            II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição".

            Escreve o Professor BERNARDO RIBEIRO DE MORAES:

            "A taxa, para ser instituída em lei, deve atender a três elementos essenciais: a) ter um pressuposto material vinculado a uma atividade do Poder Público, relacionada diretamente ao contribuinte; b) ter como sujeito passivo da obrigação tributária a pessoa ligada à atividade estatal; c) ter como base de cálculo elemento relacionado com essa atividade estatal. Tal concepção fundamental é postulada pela doutrina contemporânea mais prestigiosa. A não-adoção de qualquer dos elementos acima apontados descaracterizará a taxa".

            (Doutrina e práticas das taxas. Revistas dos tribunais, 1975, p. 47/48).

            Este é o fundamento jurídico para instituição das taxas.

            A segunda hipótese, de instituição das tarifas, preceitua o art. 175, parágrafo único, itens I a IV, da CF/88:

            "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

            Parágrafo único. A lei disporá sobre:

            I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

            II – o direito dos usuários;

            III – política tarifária;

            IV – a obrigação de manter serviço adequado".

            Escreve o Professor LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI:

            "A matéria é, inclusive, objeto da Súmula 545 do Supremo Tribunal Federal: ‘Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as institui’. A Súmula é ótimo exemplo de pleonasmo: por certo, as taxas são compulsórias, porque são tributos e tributo é prestação pecuniária compulsória. E também por serem tributos, sujeitam-se ao princípio da anterioridade (e, na Constituição de 1946, sob cuja vigência foi expedida a Súmula, da prévia autorização orçamentária). Em suma, taxa é tributo e preço não. Agora, o que é taxa e o que é preço, ou quando pode ser instituído um ou outro, o texto sumular não auxilia a esclarecer." (Manual de direito tributário. Saraiva, 3º ed., p. 40).

            Fazendo o confronto dos dois dispositivos constitucionais, pode-se afirmar que, sem dúvida nenhuma, os serviços públicos podem ser remunerados por meio de taxas (regime jurídico público de tributo) ou mediante a instituição de tarifas (regime jurídico de direito privado).

            Cabe aqui frisar que a opção do Poder Público, por um ou outro regime, não é o da liberdade total, mas vinculada às diretrizes traçadas no próprio Texto Constitucional.

            Os serviços públicos executados diretamente pelo Estado ou em regime de transferência, que não envolvem ou não se confundem com a atividade empresarial, somente poderão ser remuneradas por meio da instituição de taxas;

            Entretanto, interpretando a diretriz contida no capítulo "da ordem econômica e financeira" e dos "princípio gerais da atividade econômica", onde ressalta a prevalência da livre iniciativa dos destinatários dos direitos fundamentais sociais, somente as atividades que se enquadram em tal moldura como atividade de prestação de serviços públicos, sem dúvida, poderão ser remunerados por meio de tarifas.

            É o caso, no meu entender, das tarifas de água, esgotos, energia elétrica, telefonia, entre outros.

            Cabe ressaltar a opção das atividades sujeitas às tarifas que, se instituídas por lei, obedecidas as regras e princípio de direito tributário, poderão ser cobradas pelo regime de taxas (espécie de tributo).

            Todavia, a recíproca não é verdadeira, podendo-se afirmar que as atividades (serviços públicos em sentido estrito), não podem ser cobradas sob o regime jurídico de tarifas.

            Colocadas estas premissas passo a examinar as questões controvertidas existentes nos autos.

            O Código Tributário do Município de São Bernardo do Campo, Lei nº 4.558, de 11 de dezembro de 1997, no seu art. 306, I, prevê a possibilidade de o Poder Público instituir "preços públicos" para remunerar atividades como a discutida nestes autos.

            Com efeito, os Decretos nºs. 12.648/98, 12.670/98, 13.928/99 e 13.995/02, invocados como fundamentos das instituições, a rigor, apenas regulamentaram a forma de cobrança, já que a causa da instituição encontra respaldo na Lei nº 4.558/97, especialmente na Lei nº 1.802/69.

            No que se refere aos valores cobrados, apesar de a inicial falar em R$ 1.000,00 que foi elevado para R$ 156.284,10, examinando os documentos trazidos com a inicial (fls. 56) verifica-se que o valor inicial anterior ao aumento ocorrido com o Decreto nº 12.670/98 era de R$ 706,50.

            Este aumento, mesmo considerando o regime tarifário do art. 175, parágrafo único, itens I a IV, da CF/88, não encontra respaldo no regime jurídico vigente.

            Assim sendo, se na concessão ou permissão o critério norteador do valor da tarifa a ser cobrado deve ser o do "equilíbrio econômico financeiro", não autoriza, também, o Poder Público quando exerce diretamente a atividade, fixar as tarifas arbitrariamente e sem a observância dos parâmetros e das molduras fixadas no texto Maior.

            Portanto, a primeira análise sob esta óptica macula a exigência da tarifa, já que inexistem justificativas capazes de comprovar o aumento brutal havido na elevação do valor cobrado.

            Não há que se falar em ilegalidade por cobrança da tarifa sobre o bem público ou que caracteriza a incompetência do Município considerando que o destino final dos efluentes é o Córrego Curral Grande, que possui uma extensão intermunicipal, uma vez que a cobrança da tarifa de esgoto não possui tal extensão e nem elasticidade.

            O cerne da existência ou não dos serviços de esgotamento sanitário refere-se à existência ou não dos coletores, do tratamento e das canalizações até chegar ao final da etapa passível de remuneração, que é canal natural representado pelo Córrego Curral Grande.

            Outro argumento apresentado pela apelante-autora é o da inexistência dos serviços públicos tomados como pressuposto da cobrança da tarifa, que são matérias de fato devidamente comprovadas nos autos, até em entrevista cujas afirmações do Secretário Mauro Arce demonstram cabalmente a inexistência dos serviços de coleta, tratamento e condução até o destino (Córrego Curral Grande).

            Como se tudo isso não bastasse, a conclusão do laudo pericial de fls. 352 é categórico no sentido da inexistência de qualquer tratamento ou serviços de esgotamento sanitário.

            Os efluentes produzidos pela autora, através das canalizações próprias, são lançados no Ribeirão dos Couros e, posteriormente, percorrem até o Ribeirão dos Meninos, Rio Tamanduateí e até ser lançado no Rio Tietê.

            Afirma categoricamente o perito judicial:

            "Em todo esse trajeto, as águas não passam por qualquer tipo de tratamento" (fls. 352).

            Na pergunta seguinte, se os despejos recebem qualquer tipo de tratamento por parte dos órgãos componentes, responde:

            "Não recebem qualquer tratamento por órgãos Municipais, Estaduais e Federais....." (fls. 352).

            Também aqui e, neste particular, a exigência da tarifa discutida, inexistindo o serviço público, não há como encontrar sustentáculo.

            A questão relacionada com a ilegalidade da substituição na forma de cobrança da tarifa em lugar da taxa, na parte preliminar, foi afastada.

            Quanto ao argumento do regime da instituição, não existe qualquer ilegalidade na cobrança da tarifa em substituição à taxa, uma vez que o regime jurídico vigente autoriza a cobrança da tarifa.

            Não há também que se falar em violação do princípio da legalidade, considerando o regime jurídico da tarifa, mesmo qualificada e não sujeita ao princípio da estrita legalidade.

            Realmente, acolhendo as razões da autora, não se confunde a rede coletora construída com as canalizações naturais formadas pelos riachos, córregos, rios etc., especialmente quando se encontra comprovado que inexiste qualquer tipo de tratamento por parte dos órgãos públicos municipais, estaduais e ou federais.

            O argumento sobre o valor cobrado, seja em decorrência do valor nominal apresentado (R$ 12.920.251,45 – corrigido até a data da propositura da ação) ou o valor apresentado e corrigido até a data da apresentação dos memoriais (R$ 22.654.657,18), representa o valor significativo que, por si só e isoladamente, pode não representar um elemento capaz de medir a capacidade contributiva.

            Entretanto, analisando e confrontando com os valores do faturamento da empresa (2003 – segundo memorial), já que o valor exigido representa 31,6% do faturamento, sem dúvida, a tarifa aqui exigida toma feição confiscatória, proibida expressamente o art. 150, IV, da Constituição Federal de 1988.

            Ademais, o art. 34 da Lei nº 4.434/96 (Lei do Plano Diretor), além do art. 25 da Lei Orgânica do Município de São Bernardo do Campo, exige como diretriz a implantação, a manutenção etc. do serviço de esgotos.

            Não se discute aqui eventual ocorrência dos danos ao meio ambiente, apesar de estar comprovado nos autos que eventual inexistência de produtos químicos nocivo ao meio ambiente, na realidade, decorre do tratamento dos efluentes por obra e providência da própria autora.

            Ainda, segundo informações existentes nos autos, a empresa-autora encontra-se paralisada com as suas atividades desde o ano de 2003, por obra e acaso da arbitrária e elevadíssima tarifa exigida pela ré.

            Nessa dimensão e diretriz, não se pode esquecer que a empresa exerce uma função importantíssima, que a vigente Constituição Federal de 1998, no art. 6º, elegeu como sendo direito fundamental social, que se espalha a partir dos arts. 170 e ss.

            Não se pode, além das ilegalidades retroapontadas, através da cobrança de tributos ou tarifas, com efeito confiscatório, inviabilizar a atividade econômica, uma vez que a empresa privada além de possuir direito fundamental social, na prática produz riquezas (PIB – produto interno bruto), oferece postos de trabalho e paga tributos.

            Como último argumento, examinando-se as contas de esgoto, sem qualquer medição, estabelece em 40.000 m3 o consumo ou os efluentes lançados, o que fere o princípio da divisibilidade na fixação do valor da tarifa.

            Por estes fundamentos, a r. sentença merece total reforma.

            Invertem-se os ônus da sucumbência e arbitram-se os honorários advocatícios em 3% do valor dado à causa, devidamente atualizado, com fulcro no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

            Fica prejudicado o recurso da ré, considerando o resultado, uma vez que o recurso estava direcionado apenas no que se refere aos honorários advocatícios arbitrados.

            Isto posto, dá-se provimento ao recurso da autora e prejudicado o da ré, nos termos do acórdão.

            YOSHIAKI ICHIHARA, RELATOR DESIGNADO".


Notas

            01

Uma das regras de hermenêutica é aquela que determina a interpretação de forma a conferir algum efeito à palavra ou à expressão constante do texto interpretando.

            02

‘É obrigatória a ligação de toda construção considerada habitável à rede de canalização de esgoto, cujo efluente terá destino fixado pela autoridade competente’.

            03

Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 15ª ed.. São Paulo: Atlas, 2006, p. 67.
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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Distinção entre taxa e tarifa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1262, 15 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9279. Acesso em: 29 dez. 2024.

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