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Responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito espanhol:

Longo e sinuoso caminho para o superar da doutrina societas delinquere non potest

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06/09/2021 às 16:30
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5. A Reforma de 2015 do Código Penal: enfim, o abandono da regra societas non delinquere potest

5.1 As Razões para uma Nova Reforma

Como vimos acima, as severas críticas levantadas pela doutrina e a posição relutante dos tribunais, especialmente, da Corte Suprema, mostraram que era preciso sanar as omissões e as incongruências, apontadas pelos operadores jurídicos, no texto da Lei Orgânica de 2010. Enfim, era preciso uma nova reforma para ajustar, mais uma vez, o texto codificado às exigências da regra da responsabilidade criminal da pessoa jurídica e, assim, concretizar a necessária efetividade na esfera da prática judiciária espanhola.

Em seu preâmbulo, a Exposição de Motivos justifica a necessidade de uma nova lei de reforma, afirmando que o transcurso do tempo e as novas demandas sociais evidenciam a necessidade de levar a cabo determinadas modificações da nossa norma penal. Acrescenta, ainda que grande parte da reforma está também orientada a dar “cumplimiento a los compromisos internacionales adquiridos por España”.[52]

Novamente, a necessidade de se enquadrar no modelo jurídico da União Europeia é levantada para justificar a proposta de nova reforma do Código Penal.  Ascensión Ruiz lembra que o debate sobre a conveniência de se abandonar o princípio societas delinquere non potest na doutrina espanhola não era recente, devido aos compromissos do seu país com a União Europeia. E reconhece que “Sem dúvida, a enorme pressão neste sentido, por parte da comunidade internacional, influiu nesta tomada de postura”.[53]

Em sua Parte III, a Exposição de Motivos reconhece, também, que a reforma procura aperfeiçoar as normas que estabelecem a regra da responsabilidade penal das perssoas jurídicas, introduzida no ordenamento jurídico espanhol pela “Ley Orgánica 5/2010, de 22 de junio, con la finalidad de delimitar adecuadamente el contenido del ‘debido control’, cuyo quebrantamiento permite fundamentar su responsabilidad penal”.[54] Dessa forma, fica evidente que os autores da nova reforma entenderam que era preciso sanar as deficiências apresentadas pelas normas vigentes desde 2010 sobre a capacidade penal da pessoa jurídica no direito espanhol, a fim de que o modelo se tornasse exequível na prática forense.

A doutrina consultada admite que o ajuste era indispensável e que, finalmente, a regra da capacidade penal das empresas e sociedades em geral ganhou o indispensável contorno normativo, no direito espanhol. Nessa linha de pensamento, Miguel Morales Hernández é enfático ao afirmar que “la LO 1/2015, consolidó firmemente la apuesta del legislador por la exigencia de responsabilidad criminal de las personas jurídicas”.[55] 

Embora tenha manifestado restrições pontuais à Reforma de 2015, Alfonso Galán Muñoz considera que o atual sistema espanhol de responsabilidade penal das pessoas jurídicas representou um avanço, pois buscou “llevar a la construcción de un mecanismo jurídico eficaz a la hora de involucrar a dichas entidades en la prevención de delitos y que las sancione, en caso de que no lo hagan, de una forma fundamentada y proporcionada a la gravedad de su infracción”.[56]

E, assim, 20 anos após a sua promulgação, o Código Penal conheceu a sua segunda reforma “orgânica”, que introduziu uma série de alterações no texto codificado. Com a nova lei “orgânica”, diversas e importantes questões penais foram objeto de mudança no ordenamento penal espanhol.

Considerando que o propósito desse artigo é de analisar a evolução cronológica acerca da legislação criminal da Espanha sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, não cabe aqui investigar e analisar, de forma detalhada, as alterações que a Reforma de 2015 operou nas regras que já estabeleciam a capacidade criminal dos entes coletivos. Portanto, faremos apenas breves referências sobre algumas das mudanças ali prescritas.

5.2. Alterações Relativas à Regra Societas Delinquere Potest

Os autores da proposta legislativa advertem que, diversas foram as inovações ou “mejoras técnicas” promovidas pela Reforma de 2015, nas normas que dispõem sobre a capacidade penal, os crimes e as penas para “ofrecer un sistema penal más ágil y coerente referentes ao ente jurídico”. (Exposição de Motivo, Preâmbulo, I).[57] Na verdade, a Reforma procurou ajustar o conjunto de normas dispostas no extenso art. 31, às exigências da doutrina, da jurisprudência e, como já ficou dito, das diretivas supranacionais, especialmente, aquelas emanadas dos órgãos normativos da União Europeia.

A nova lei procurou dar uma descrição mais aperfeiçoada, um contorno descritivo mais preciso aos tipos penais comuns às atividades empresariais. Conforme escreveu Carlos Manuel Cuevas Oltra, a Reforma manteve os dois títulos de imputação que já existiam em sua redação originária, “pero ampliando notablemente el correspondiente a uno de ellos, referido a los representantes legales y ‘administradores’ de hecho o derecho”.[58]

Dessa forma, o art. 31bis, parágrafo primeiro, alínea a, descreve as hipóteses em que a pessoa jurídica poderá ser responsabilizada pela prática de um crime cometido em seu benefício por seus diretores ou representantes legais ou, ainda, por aqueles estejam autorizados a decidir em nome do ente corporativo.[59] São os casos em que a responsabilidade da empresa decorre da própria responsabilidade do autor atuando em nome da sociedade ou como seu representante legal.

A nova redação acrescentou circunstâncias fáticas e legais a essa primeira parte descritiva do dispositivo, a fim de explicitar e ampliar o arco das hipóteses de responsabilidade da empresa pelo crime praticado por seus dirigentes ou representantes legais. Assim, nota-se que, em relação ao texto legal de 2010, houve uma ampliação do entorno de pessoas que, por suas ações, podem gerar responsabilidade penal para as pessoas jurídicas.

A segunda hipótese de responsabilidade criminal corporativa está descrita no art. 31bis, parte 1, alínea b e ocorre nos casos de crimes cometidos por funcionários subalternos sujeitos à autoridade de dirigentes ou representantes da empresa. O dispositivo estabelece que a infração deve ser praticada por ordem de superior, em proveito da empresa e, ainda, que os dirigentes tenham incorrido em grave violação dos deveres de vigilância e controle da sua atividade.

Cabe anotar que essa segunda parte do art. 31, bis, sofreu um acréscimo mínimo, em comparação com a redação que lhe foi dada pela Reforma de 2010. Pelo texto atual, só há responsabilidade da empresa pelo crime praticado por funcionário subalterno, se ficar comprovada uma grave violação dos deveres de vigilância, por parte dos seus dirigentes.[60]

Como assinalou Carlos Cuevas Oltra, nesses casos, a nova lei restringe a responsabilidade criminal da empresa à comprovação de uma “omisión grave de los deberes de supervisión, vigilancia y control de su actividad”.[61]

Comentando o teor desse parágrafo, Javier Fernández Teruelo escreve que a norma tem um caráter limitador e visa afastar a responsabilidade criminal da entidade corporativa da esfera  dos “actos individuales (delictivos) que nada tengan que ver con el objeto social ni con las tareas que, como empleado de la entidad, tenga encomendadas”.[62]

Obviamente, nem todos os crimes são imputáveis à pessoa jurídica. A Reforma de 2015 manteve a orientação anterior de estabelecer os casos expressos em que as empresas poderão ser responsabilizadas criminalmente. Trata-se, portanto, de uma lista fechada de tais crimes. No entanto, diferentemente do Direito Penal brasileiro, que só admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica para os crimes ambientais, na Espanha, são 26 as infrações espalhadas pelo texto codificado, que podem ser imputadas às empresas.

5.3 Modelo Híbrido de Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica

Apesar do extenso texto normativo, a Reforma Penal de 2015 manteve a posição da lei anterior e optou por não explicitar o modelo de responsabilidade penal da pessoa jurídica adotado pelo direito espanhol. Em consequência, a doutrina tem se debruçado sobre essa questão.

O entendimento fortemente majoritário defende que, no seu país, a regra vigente não corresponde ao modelo puro de hetero-responsabilidade, vicarial ou de responsabilidade pelo ato praticado por outro, no caso, a pessoa física dirigente ou empregada que, por conexão direta ou indireta, transfere culpa à pessoa jurídica. Também não coincide com o modelo de auto-responsabilidade ou da culpa por ato próprio. Mas, sim um modelo híbrido ou misto, na medida em que se mesclam e se incorporam variantes dos dois sistemas de responsabilidade criminal.

A doutrina consultada parece convergir para dizer que o modelo espanhol de responsabilidade criminal da pessoa jurídica requer a ação da pessoa física para a qual deve ter contribuído uma omissão das obrigações legais pelo ente corporativo. Assim, torna-se necessária a intervenção da pessoa física para fundamentar a responsabilidade da pessoa jurídica que, como veremos adiante, deve ter se omitido no seu dever de atuação preventiva para evitar eventuais e previsíveis ações criminosas. É o tipo de responsabilidade criminal por  defeito ou "desorganização" da entidade corporativa.

Javier Fernández Teruelo entende que o modelo espanhol vigente de responsabilidade penal das pessoas jurídicas se estrutura sobre um duplo critério de transferência “o doble vía de imputación”. Anota o autor que, para activar el hecho de conexión, el delito tiene que haberse cometido “por cuenta” de la persona jurídica (“de las mismas”) y exigen que el comportamento delictivo de la persona física se lleve a cabo en beneficio directo o indirecto de la persona jurídica”.[63]

Dessa forma, pode-se dizer o sistema espanhol parte da premissa de que a ação da pessoa física constitui elemento necessário para fundamentar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, quando esta tiver se omitido em atuar com infração ao dever de controle e de prevenção ao delito praticado. É o que a doutrina tem adjetivado de responsabilidade por deficiência ou desorganização corporativa, na sua obrigação de prevenção para evitar o delito empresarial.

5.4 Responsabilidade Criminal por Deficiência ou Omissão do Devido Controle Organizacional: o modelo espanhol de compliance

Além dos casos de imputabilidade criminal em face da pessoa jurídica, a mudança mais significativa e discutida na doutrina diz respeito às normas que isentam a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, quando esta dispuser de um sistema e de órgãos internos que visem prevenir a prática de crimes.

Conforme foi citado acima, a própria Exposição de Motivos destacou que, na hipótese de responsabilidade criminal da pessoa jurídica, vigente no país desde 2010, a nova reforma tinha como uma das finalidades “delimitar adecuadamente el contenido del «debido control», cuyo quebrantamiento permite fundamentar su responsabilidad penal”. Como se vê, a proposta legislativa reformadora procurou sanar controvérsias e, ao mesmo tempo, deixar evidente que a capacidade penal dos entes corporativos só deve ocorrer no caso de omissão às regras de um devido controle de prevenção contra eventuais e previsíveis crimes, que venham a ser cometidos por dirigentes, representantes legais ou funcionários da empresa. 

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Assim, com a nova redação dada ao art. 31bis, parágrafo 2º, o sistema de compliance foi introduzido no Código Penal espanhol, para fins de exclusão da responsabilidade da pessoa jurídica em face de crimes cometidos por seu pessoal de direção, comando ou representação da empresa. De um modo geral, pode-se dizer que só haverá responsabilidade penal da empresa se ficar demonstrado que os órgãos de administração se omitiram na implantação e execução de modelos de organização e de gestão, que incluam medidas de vigilância e controle idôneas para a prevenção de delitos ou “para reducir de forma significativa el riesgo”.

Em seguida e de forma largamente descritiva e detalhista, o extenso texto estabelece quatro hipóteses em que a entidade corporativa poderá ficar isenta de responsabilidade criminal.[64]

No caso das pequenas empresas, o parágrafo 3º dispõe que a função de supervisão do devido controle de prevenção a eventuais crimes “podrán ser asumidas directamente por el órgano de administración”. Como se vê, a lei leva em consideração o custo de implantação e execução de um programa de controle e prevenção contra delitos empresariais.

Em seguida, o parágrafo 4º, do art. 31bis, aponta a hipótese de exclusão de responsabilidade da pessoa jurídica por crime cometido por funcionário subalterno. A isenção de imputabilidade só ocorrerá se, antes da prática do delito, a sociedade tiver adoptado y ejecutado eficazmente un modelo de organización y gestión que resulte adecuado para prevenir delitos de la naturaleza del que fue cometido o para reducir de forma significativa el riesgo de su comisión”.

Já o parágrafo 5º, prescreve de forma detalhada os diversos requisitos a serem cumpridos pelos modelos de organização e gestão empresarial das medidas de vigilância e controle “idóneas para prevenir delitos de la misma naturaleza o para reducir de forma significativa el riesgo de su comisión”. Diante da dificuldade de se exercer um efetivo controle penal contra a ação delitiva das empresas e, principalmente, das consequências sociais e econômicas de condenações a graves penas criminais como a dissolução, a interdição ou fechamento, parece-nos que o legislador espanhol de 2015 procurou enfatizar a importância maior da prevenção e prescrever a repressão como última e dolorosa alternativa penal.

O art. 31ter, parágrafo 1º, também recebeu nova redação para prescrever que, no caso de crime cometido por seus funcionários em geral, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não será afastada, “aun cuando la concreta persona física responsable no haya sido individualizada o no haya sido posible dirigir el procedimiento contra ella”.[65] Neste caso, prevalece a regra da autonomia da responsabilidade do ente corporativo.

Como se observa, o extenso texto do art. 31bis e seus parágrafos, incisos e alíneas introduziu o sistema de compliance no ordenamento penal espanhol, para fins de exclusão de crime em favor da pessoa jurídica. Segundo este dispositivo, a pessoa jurídica ficará isenta de responsabilidade criminal quando, entre outras condições, dispuser de órgãos internos que visem a prevenir a prática de crimes.  Com a adoção da regra da compliance, procura-se assegurar que a atividade empresarial se desenvolva num ambiente de respeito à lei e ao direito para, com isso, identificar e prevenir eventuais condutas ilícitas que possam ser praticadas por administradores e empregados.

Na doutrina, Carlos Cuevas Oltra considera essa causa de isenção de responsabilidade criminal uma das mudanças mais relevantes trazidas pela segunda reforma geral do Código Penal espanhol. Referindo-se ao dispositivo em tela, o autor ressalta a empresa precisa cumprir os requisitos estabelecidos na lei, a fim de ser beneficiada pela nova excludente de criminalidade. Ou seja, só ocorrerá a isenção de responsabilidade penal se o conselho de administração da empresa tiver adotado e executado, com eficácia e antes da prática do crime, um conjunto de “medidas de vigilancia y control idóneas para prevenir delitos de la misma naturaleza o para reducir de forma significativa el riesgo de su comisión”.[66]

Galán Muñoz compartilha dessa opinião ao afirmar que, com a nova regra, quanto mais a pessoa jurídica se cercar de uma organização interna capaz de evitar a prática de crimes, maior será a possibilidade de ter a sua responsabilidade criminal excluída por crimes eventualmente praticados por seus funcionários. Para o autor, buscou-se estimular a criação de uma cultura capaz de construir uma prática empresarial marcada pela ética entre os agentes da atividade negocial.[67]

 Enrique Agudo, Manuel Vallejo e Ángel Pérez ponderam que a Lei Orgânica 1/2015 confirmou a ideia da responsabilidade penal da pessoa jurídica por defeito de organização, que conduz à exclusão de responsabilidade, “cuando ex ante, la persona jurídica disponía de un buen modelo de organización y gestión, con medidas de vigilancia y control idóneas para prevenir los delitos”. Para os autores, a causa de isenção significa um anterior e bom programa de compliance, que demostre que a pessoa jurídica “se há cumplido con el debido control exigido para la evitación de riesgos penales, por lo que ni hay infracción de deber, ni defecto de organización de la persona jurídica que permita basar su responsabilidad (art. 31 bis 2)”.[68]

A jurisprudência da Suprema Corte parece se encaminhar para respaldar essa posição doutrinária.  Após a Reforma Penal de 2015, a primeira decisão de reconhecimento da capacidade penal da pessoa jurídica, pelo Tribunal Supremo da Espanha, ocorreu em fevereiro de 2016. A Corte confirmou sentença de tribunal inferior, que havia condenado três empresas por crimes contra a saúde pública (tráfico de drogas) e falsificação de documento público. Entre outros, o principal fundamento da condenação repousou na comprovação de que as empresas haviam descumprido o dever de implantar um plano de prevenção e vigilância contra possíveis crimes. Para o Tribunal a inexistência desse plano, exigido por lei, demonstrava a ausência de uma cultura de respeito ao direito, como fonte de orientação da atividade das empresas.[69]

Em síntese, pode-se dizer que, com a Reforma de 2015, o modelo de responsabilidade penal da pessoa jurídica denominado “Compliance Corporate” foi introduzido no sistema jurídico espanhol. A partir da Reforma, o modelo de responsabilidade penal das sociedades em geral assenta-se na premissa da sua omissão em implantar e manter um eficiente programa de prevenção e de controle de crimes que possam ser praticados no espaço das suas atividades.

5.5 Críticas ao Modelo Espanhol de Compliance

Apesar da aprovação de um conjunto de normas para viabilizar a prática da responsabilidade penal das corporações em geral, parece que continuam as dificuldades anteriores à Reforma de 2015. Ao analisar a regra da compliance prescrita pela Lei Orgânica 1/2015, o penalista brasileiro Paulo César Busato pondera que a compliance trouxe à reflexão a pergunta sobre quais são os efeitos que têm ou que devem ter a auto-organização de uma pessoa jurídica para com a sua responsabilização criminal. Destaca o autor brasileiro que, quando se transfere a alguém “la definición del alcance de la responsabilidad penal, se le quita, automáticamente, al Estado, esta herramienta”.

O penalista brasileiro não deixou de criticar a diferença que se estabeleceu em matéria de responsabilidade criminal entre o ente moral e a pessoa física, ressaltando que o ordenamento jurídico-penal espanhol proporciona um tratamento jurídico-penal mais benéfico para as pessoas jurídicas do que para as pessoas físicas. Arremata Busato que “se pretende la creación de una estructura jurídica de privilegio para la corporación a coste de los intereses de las personas individuales y que se pretende poner de rodillas a los conductores del aríete penal, siempre que este se apunte hacia el Leviatan corporativo”.[70]

Não se pode esquecer que o sistema de compliance, atualmente tão difundido nos ordenamentos jurídico-penais de vários países, já sofreu um forte “desencanto” de efetividade, por ter servido, em muitos casos, como uma “máscara” para aparentar a correção no modo operacional da empresa sem, no entanto, gerar a desejada cultura ética da atividade empresarial. É a advertência de Bernd Schünemann, ao afirmar que a prática da maximização dos lucros como finalidade da empresa, concentrado cada vez más num resultado a curto prazo, “amortiguó enormemente el anterior entusiasmo respecto de la efectividad del concepto Compliance”.[71]

Foi observada, também, a dificuldade para se conceituar, de forma juridicamente adequada, a natureza jurídica da nova causa de exclusão de responsabilidade, já que nos últimos séculos foi construída uma sólida teoria da responsabilidade criminal fundamentada na culpa individual e não coletiva. Assim, o Ministério Público encontrará séria dificuldade para, a posteriori, imputar ou isentar de responsabilidade penal a pessoa jurídica. É o que se colhe do estudo realizado por Enrique Agudo, Manuel Vallejo e Ángel Pérez.[72]

Por sua vez, Bernardo del Rosal questiona a natureza jurídica da causa de exclusão de responsabilidade adotada pela Reforma de 2015 e, em consequência, a conveniência de sua inserção no ordenamento penal espanhol. Para o autor, “la regulación referida a los sistemas de compliances introducida en nuestro ordenamiento es más propia de una normativa administrativa que de una que pudiese ser considerada como propiamente penal”.[73]

Como se vê, a doutrina penal espanhola ainda discute pontos obscuros ou polêmicos do sistema espanhol de responsabilidade penal dos entes corporativos. O modelo adotado após duas reformas do Código Penal de 1995, ainda suscita dúvidas e divergências quee deverão ser enfrentadas e solucionadas pelos tribunais.

No entanto, a mudança de cultura jurídico-penal para introdução da capacidade criminal dos entes morais, parece se consolidar cada vez mais em países da Europa continental, transformando o modo como o direito penal tem sido pensado e praticado.

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Sobre o autor
Rodrigo José Leal

Professor de Direito Penal da Universidade Regional de Blumenau - FURB e na Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Doutor em Direito pela Universidade de Alicante/Espanha. Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB. Graduado pela Furb.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Rodrigo José. Responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito espanhol:: Longo e sinuoso caminho para o superar da doutrina societas delinquere non potest. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6641, 6 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92834. Acesso em: 22 nov. 2024.

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