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A atualização do crédito trabalhista

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O entendimento que atualmente vigora no STF é a correção monetária pelo IPCA-E na fase pré-judicial, e pela SELIC, a partir do ajuizamento da ação.

Em 2015, o STF julgou as ADIs 4357, 4372, 4400 e 4425, afastando a aplicação da TR para correção dos valores devidos pela Fazenda Pública, que vigorava desde 2009. Em seguida, no mesmo ano, o TST julgou a arguição de inconstitucionalidade 479-60.2011.5.04.0231, afastando a correção pela TRD, atual TR, e aplicando o IPCA-E. Após essa decisão, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar sustando a decisão do TST. Em 2017, foi aprovada a reforma trabalhista, que revigorou a correção monetária pela TR. Em 2019, foi publicada a MP 905, que estipulou correção pelo IPCA-E e juros de mora da poupança (70% da SELIC mais TR). Em 2020, o STF julgou conjuntamente as ADCs 58 e 59 e as ADIs 5867 e 6021, entendendo pela aplicação do IPCA-E na fase pré-judicial (sem aplicação de juros, conforme art. 883 da CLT) e da SELIC na fase judicial (sem cumulação com juros de mora, ou indenizações complementares com base no art. 404 do CC). Em 2021, foi publicado o acórdão do STF, prevendo modulação dos efeitos. Após a publicação, o acórdão foi embargado pela ANAMATRA e pelo CFOAB, com manifestação contrária aos embargos pela FENAEST. Os embargos de declaração aguardam julgamento.

Desta forma, o entendimento que atualmente vigora no STF, até posterior regramento legislativo ou julgamento dos embargos com efeitos infringentes, é a correção monetária pelo IPCA-E na fase pré-judicial, e pela SELIC, a partir do ajuizamento da ação. A ementa do acórdão corrigiu a data de início da contagem dos juros, a partir do ajuizamento, e não da citação, conforme determina o art. 883 da CLT. Além disso, excluiu a fazenda pública, que possui regramento específico no art. 1º-F da Lei 9.494/1997.

Quanto à modulação dos efeitos, restou decidido que:

  • Nos processos em curso, inclusive na fase recursal: aplica-se a SELIC de forma retroativa;
  • Nos processos transitados em julgado, cuja sentença ou acórdão que não previram expressamente índice de correção monetária na fundamentação ou no dispositivo, ou que determinaram genericamente a aplicação dos critérios legais, sem especificar o índice, definiu-se que: aplica-se a SELIC de forma retroativa;
  • Nos processos transitados em julgado cuja sentença ou acórdão expressamente determinou a aplicação de índice específico de correção, seja na fundamentação ou no dispositivo, definiu-se que: aplica-se o índice especificado na decisão, em respeito à imutabilidade da coisa julgada.

Esse o quadro atual. Seguem algumas observações sobre o assunto.

O exame da correção monetária e dos juros de mora não se cinge apenas a critérios técnicos jurídicos, estando relacionados igualmente à política econômica. Percebe-se nítida diferença na postura do STF no julgamento da correção monetária dos créditos fiscais em 2015 e nos créditos trabalhistas em 2020. Não houve mudança significativa na composição da corte nesse período.

Em 2015, o TST decidiu declarar a inconstitucionalidade por arrastamento da aplicação da TR nos créditos trabalhistas, na esteira do entendimento do STF para os créditos fiscais. O relator da decisão no pleno do TST foi o ministro baiano Cláudio Brandão, nomeado em 2013. Ele é autor do livro “Reclamação constitucional no processo do trabalho”. O livro analisa essa ação constitucional à luz do novo CPC, traçando semelhanças com o Mandado de Segurança, e examinando sua aplicação ao processo do trabalho. Dentre outras funções, a Reclamação visa a garantir a autoridade das decisões dos tribunais trabalhistas.

No entanto, o STF tem julgado Reclamações contra decisões da justiça do trabalho, mantendo a aplicação da SELIC e evitando que ela seja cumulada com juros de mora de 1% a.m. ou com indenizações complementares, fundadas no art. 404 do Código Civil. Como exemplo, tem-se a Reclamação nº 46.023, relator Min. Alexandre de Morais, que reconheceu bis in idem na hipótese. Segundo o STF, essa prática configura anatocismo, vedada pela jurisprudência do STJ.   

Em 2021, o STF publicou o acórdão de 230 páginas referente ao julgamento. No voto-conjunto do relator, min. Gilmar Mendes, englobando as quatro ações conexas, consta extensa análise histórica da inflação no Brasil. No capítulo do voto “Política de Correção Monetária e Tabelamento dos Juros”, o relator cita o economista Roberto Campos, para concluir que não se pode fechar os olhos para a realidade, e que se deve aprender com os próprios erros. Finaliza o relator que os juros de mora também é inflação (início da pág. 77), e que o TST julgou sem base legal (final da pág. 83).

Rosa Weber e Marco Aurélio votaram contra o relator. Em 1991, Collor de Melo instituía a TR como índice de correção monetária. Esse mesmo presidente nomeou Rosa Weber para o TRT do RS e Marco Aurélio para o TST.

Seguindo o entendimento do TST, que integrava até 2011, a Min. Rosa Weber explicitou os marcos sobre a correção monetária:

  • A- antes de 4/8/2015, havia controvérsia sobre o índice de correção monetária incidente sobre débitos trabalhistas, embora o art. 39, caput, da Lei nº 8.177/91 determinasse a incidência da TRD.
  • B- O TST adotou como parâmetro de modulação o dia 25/03/2015 para correção dos débitos trabalhistas pelo IPCA-E em observância a decisões do STF.
  • C- Em 11/11/2017 entrou em vigor a reforma trabalhista, que introduziu na CLT os arts. 879, §7º, e 899, §4º, ora sub judici nas presentes ações de controle concentrado, estabelecendo a TR como parâmetro de correção monetária dos créditos trabalhistas.
  • D- Em 11/11/2019, entrou em vigor a MP 905, que alterou os arts. 879, §7º, e 899, §4º, da CLT, para instituir o IPCA-E como índice de correção. A referida MP foi revogada em 20/04/2020.
  • E- Em 12/02/2021, foi publicada a ata de julgamento dos feitos em epígrafe pelo Supremo Tribunal Federal.

No tocante à evolução da correção monetária, foi primeiro prevista no art. 7º, §1º, da Lei 4.357/1964. Na seara trabalhista, a correção se deu inicialmente por analogia com a lei do inquilinato, que previa a correção dos alugueres. Era igualmente fundamentada no Código Civil de 1916, que previa a proibição de enriquecimento sem causa. A correção monetária dos débitos trabalhista foi positivada no art. 1, §1º, do Decreto-Lei nº 75/1966, que foi posteriormente revogado pela Lei nº 8.177/1991.   

Em seu voto, a ministra Rosa Weber destacou o entendimento do relator, que se deve julgar com os olhos voltados para o futuro. Todavia, entendeu que a decisão do TST é reverente à lei, enquanto o STF deve se ater à ótica constitucional. Logo, declarada a inconstitucionalidade da TR, e até a matéria ser tratada pelo Congresso Nacional, deve prevalecer a solução emprestada pelo TST, que é o intérprete da legislação infraconstitucional.

No tocante à disparidade de tratamento nas condenações judiciais emanadas de diferentes ramos do Judiciário, a ministra não se mostrou impressionada, uma vez que os ramos diferenciados do judiciário julgam lides diferentes, com direitos e princípios informativos próprios.

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No voto vogal do ministro Nunes Marques, foi citado um estudo do IPEA sobre o Efeito Realimentador da Correção Monetária, lembrando o ministro na pág. 220 que todo índice de correção é político. A própria escolha dos parâmetros é um ato político. Como exemplo, o IBGE atribui quase metade do peso do INPC aos parâmetros alimentação e transporte, por meio do cálculo de uma média aritmética ponderada.

A decisão do STF levou em consideração um bloco normativo que congrega índices de correção monetária e juros de mora. Foram analisados os seguintes dispositivos legais: art. 39, caput, da Lei nº 8.177/1991; art. 39, §1º, da Lei nº 8.177/1991; art. 15 da Lei 10.192/2001; art. 1º da Lei nº 8.660/1993; arts. 879, §7º, 899, §4, e 883, da CLT.

Os embargos de declaração pendentes de julgamento pedem o suprimento de omissões e resolução de contradições presentes no acórdão, conferindo-se efeitos infringentes. Argumenta que o objeto da ação era a TR e não os juros de mora de 1% a.m. Além disso, indica que a aplicação subsidiária do art. 406 do Código Civil (SELIC) é indevida, por existir regra expressa.

Alega ainda que o entendimento do STJ é pela não aplicação da SELIC nas condenações civis, constando em arestos dessa corte aplicação de juros de mora de 12% a.a, e que a própria legislação prevê tal taxa, a exemplo do art. 1.336 do Código Civil, referente à mora dos débitos condominiais. Lembram os embargantes que os julgamentos referidos pelo relator, que analisaram de forma “conglobante” correção monetária e juros, tal como nas desapropriações, concerniram aos juros compensatórios, que restaram limitados a 6% a.a., e não juros moratórios.

Os embargantes esclarecem que o Banco Central do Brasil informa em seu site que a SELIC é um índice político, que visa controlar a inflação futura, não sendo válido para atualizar o poder de compra da moeda.

Por fim, a Ação Declaratória de Constitucionalidade não teve preenchido o requisito da existência de controvérsia atual e relevante, uma vez que não foi instruída com decisão que declarasse a inconstitucionalidade dos juros de mora de 1% a.m. Subsidiariamente, os aclaratórios pedem a modulação dos efeitos a partir de 12/04/2021 (publicação do acórdão no DJE), ou 11/11/2017 (reforma trabalhista).

Na qualidade de amicus curiae, a FENAEST apresentou manifestação contrária aos embargos, assinada pelo advogado Gustavo Binenbojm. Na peça, a entidade recorda que a causa de pedir nas ações de controle concentrado é aberta, devendo ser analisada à luz do “microssistema de atualização” do crédito trabalhista. Lembra ainda que a atualização por meio da incidência de IPCA-E mais juros de 12% a.a. supera bastante os melhores rendimentos do mercado financeiro de renda fixa. Como exemplo, em 2020, a atualização do crédito trabalhista girou em torno de 16,5% a.a., enquanto um CDB prefixado com vencimento de três anos rende 9,25% a.a. A manifestação indica ainda que os juros de mora de 1% a.m. foram expressamente referidos no objeto da ADC 58. Por fim, a entidade aponta que os embargantes ajuizaram a ADI 5867 pedindo a aplicação da SELIC na atualização dos créditos trabalhistas.  

Na exposição de motivos da MP 905/2020, é indicado que o reajuste dos débitos trabalhistas importa um incremento insustentável no passivo comum e no passivo oculto das empresas. O poder de compra do trabalhador e seu direito de propriedade devem ser garantidos sem distorcer o custo do dinheiro ao longo do tempo. Como exemplo, as empresas estatais possuíam um passivo de R$ 58,8 bilhões em 2018. Considerando um prazo médio de julgamento de 5 anos, o índice atual dobrará o valor para R$ 124,4 bilhões em 2023, considerando a forma de cálculo expresso na Súmula 200 do TST. O mesmo problema atinge a empresas privadas.

De nossa parte, entendemos que os efeitos econômicos não podem ser desconsiderados. Tanto que a Constituição Federal confere à União a competência privativa para legislar sobre sistemas monetário e de poupança (art. 22, VI e XIX, da CF). O direito à propriedade e ao poder de compra do trabalhador pode restar malferido se esse sistema sair de controle, entrando numa espiral inflacionária. O trabalhador Ganha, mas não leva. Recebe seu crédito, mas o valor é corroído pelo descontrole da inflação.

O mesmo raciocínio é esperado no exame da correção do FGTS, pendente de julgamento pelo STF. A taxa SELIC visa, justamente, a estas finalidades. Larissa Dornelas e Fábio Terra analisam o mercado SELIC, criado em 1979, que instituiu um mercado de dívida pública no Brasil, com grande repercussão no Sistema Financeiro Nacional, tais como nas operações compromissadas do BACEN, no leilão de títulos públicos e nas flutuações da taxa SELIC.

No entanto, uma atualização diferenciada do crédito pode servir a outros propósitos, como o estímulo ao adimplemento, em especial quando se trata de crédito alimentar. Durante o trâmite da ação, a empresa não pode ser forçada a purgar a mora, já que ela busca preponderar suas razões na lide. Assim, um entendimento intermediário se afiguraria o mais consentâneo com a teleologia do processo:

Antes do ajuizamento da ação não há que se falar em mora da empresa, aplicando-se apenas o IPCA-E.

Entre o ajuizamento da ação e o trânsito em julgado, aplica-se apenas a taxa SELIC.

Após o trânsito em julgado, aplica-se IPCA-E mais juros de 1% a.m., a fim de forçar o cumprimento da decisão e desestimular manobras protelatórias.  

São propostas para um possível desfecho do julgado, por ocasião do exame dos embargos declaratórios. Ou mesmo um tratamento legislativo da matéria.

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Sobre o autor
Leonardo Rodrigues Arruda Coelho

Formado em Direito, com pós-graduação em direito do trabalho e processo trabalhista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Leonardo Rodrigues Arruda. A atualização do crédito trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6645, 10 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92964. Acesso em: 2 nov. 2024.

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