Hoje, em meio às revisões dos meus dois livros para editá-los novamente, bem como atarefado com outro que estou concluindo, resolvi parar um pouco para escrever este pequeno texto, a fim de expressar cientificamente a razão de estar indignado com os três Poderes da República Federativa do Brasil e com a imprensa.
O ponto central da minha análise é a matéria intitulada "Tiro pela culatra", veiculada em jornal gratuito que recebi em minha casa nesta manhã. [1] Em tal matéria se lê como texto de chamada:
"A manobra imoral dos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo, e do Senado, Renan Calheiros, de criar supersalário para ganhar o apoio dos colegas à sua reeleição, fracassou porque eles compreenderam mal a lição de Maquiavel, de que os fins justificam os meios".
Imoral é o que a imprensa vem fazendo, aliás, a própria palavra moral deve ser melhor analisada. Mas, prefiro começar do erro maior da matéria. Ela parte de equivocada premissa, visto que Maquiavel jamais se preocupou com os meios. Meio não foi objeto de estudo de Maquiavel, ele apenas se preocupou com os fins, sendo completamente equivocado afirmar que "os fins justificam os meios" é uma afirmação do ilustre pensador de Florença.
Niccolò Machiavelli afirmou que "toda ação é designada em termos do fim que procura atingir", o que não corresponde à máxima "os fins justificam os meios". No sentido do que estou afirmando é oportuna a lição:
"A razão para Maquiavel não dizer isso se torna muito clara. Ele não está de forma alguma interessado interessado na justificação dos meios, pois considera-os como os racionalmente destinados a chegar a um fim. A justificativa não é necessária, e tal problema só surge quando precisamos comparar essa racionalidade em termos da necessidade da situação com alguma convicção moral, religiosa ou ética. Foi esse precisamente o problema que Maquiavel eliminou quando disse que a própria organização, ou seja, o Estado, é o valor mais alto além do qual não existe um limite". [2]
O exposto deixa evidente que os parlamentares mencionados na matéria não poderiam ter apreendido melhor a lição de Maquiavel, uma vez que ele não teve a preocupação que o texto enfoca. Também, o plano de elevar o salário não fracassou por ser imoral.
Moral é costume e este, ao meu sentir não envolve valores. Ele se estabelece por si mesmo, sem razões lógicas para sua consolidação. Somente um teórico como Kant para buscar a fundamentação da moral segundo conhecimentos a posteriori. No entanto, até mesmo Kant concluiu que a fundamentação da moral é metafísica, ou seja, um conhecimento a priori. [3] Nietzsche discordou de tal conclusão, [4] chegando dizer que a moral é instrumento de dominação, sendo necessário desenvolver um Zaratustra, para, além do bem e do mal, construir homens livres.
Minha preocupação, portanto, não é com a moral, mas com a lógica dos subsídios colocados em discussão. Não me parece racional (proporcional) o Presidente da República ter subsídios inferiores aos de um Juiz Federal Substituto. O pior é que o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, defende que seus subsídios não devem ser reajustados. Mas, por quê?
Márcio Tomaz Bastos é um advogado de muito sucesso que poderia estar auferindo vultosos honorários advocatícios e agora admite que ele perceba subsídios inferiores aos neófitos em Direito que são aprovados em concurso público. Isso não é racional.
Não é racional que o Juiz Substituto possa fazer controle de constitucionalidade, ainda que difuso, se ele não está legitimado pelo povo, uma vez que não é eleito. Os denominados países de primeiro mundo só têm controle concentrado de constitucionalidade, sendo este exercido por um tribunal composto por juízes com mandatos, em regra, de oito anos. No Brasil, os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são vitalícios e nomeados segundo o humor do Presidente da República e negociatas com o Senado Federal.
O povo legitima o Congresso Nacional por meio de seu voto. As leis são presumidamente válidas, mas essa presunção é iuris tantum, ou seja, pode ser desconstituída perante o Poder Judiciário. No entanto, esse poder Judiciário para dizer a real vontade do povo, precisaria da legitimação deste. É necessária a Emenda à Constituição para estabelecer o prazo do mandato do Ministro do STF, seus requisitos e sua forma de eleição.
É constitucionalmente vedada a indexação da economia brasileira, mas os Ministros do STF reajustaram seus subsídios com base na inflação do ano de 2006. Provocados, eles encontraram vício formal no reajuste dos subsídios dos parlamentares. Isso é hipocrisia.
O que é necessário acabar é com a "farra das diárias" de todos os Poderes. Não podemos, enquanto povo, admitir cartões corporativos. Também, deve ser criado um controle sério sobre as verbas de gabinete dos parlamentares (aliás, elas devem ser extintas) e os tribunais de conta devem deixar de ser um bom lugar para aposentar políticos fracassados.
O concurso público e a instituição de requisitos sérios devem constar da Constituição Federal, a fim de acabar com inversões insustentáveis na hierarquia. O cargo pressupõe algum conhecimento específico e um nível de preparo intelectual para tal. Então, por que não se exige determinado nível de escolaridade do Presidente da República?
Existem rendimentos indiretos que justifiquem os baixos subsídios do Presidente da República e de seus Ministros? Por que um Senador da República deve ter subsídio inferior ao do Juiz Federal Substituto? Qual a razão para ser constitucional o reajuste subsídio do Ministro do STF se a Constituição Federal veda a indexação de salários e subsídios à inflação?
Um povo que elege um candidato que se vangloria de não ter prometido nada e, portanto, não deve prestar contas ao seu eleitor é, sem dúvida, um povo que, também, merece críticas, mas espero, embora não deposite minha fé nisso, que um dia o povo seja melhor orientado pela imprensa. Esta considerou absurda a elevação do subsídio do congressista, mas pouco falou do reajuste do STF. Aliás, se esqueceu da hipocrisia consolidada. No dia que a imprensa informar bem, o povo, certamente, ele poderá escolher melhor seus dirigentes.
NOTAS
-
FONSECA, César. Tiro pela culatra. Brasília: Jornal da Comunidade,
Caderno Política, 23 a 29.12.2006. p. A8.
FHIEDRICH, Cel. J. Uma introdução à teoria política. In
MOREIRA, Marcílio Marques. Maquiavel: vida e pensamentos. São Paulo:
Martin Claret, 1997. p. 85.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e
outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2.003. passim.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998. passim.