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Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas:

termos de ajustamento de conduta firmados com Ministério Público do Trabalho, as decisões do Supremo Tribunal Federal e a Súmula nº 363 do TST

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27/12/2006 às 00:00
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5.Efeitos da ADI n° 1.717-6/DF e Danos aos Trabalhadores

O art. 28 e seu parágrafo único, da Lei 9.868/99, cuidavam dos efeitos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade e, após a Emenda Constitucional n° 45, tais efeitos passaram a integrar o texto Constitucional:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Entendendo, o STF, na ADI nº 1.717-6/DF, que os serviços públicos típicos do Estado não podem ser delegados aos particulares, acabou por declarar que os Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas têm, então, conforme a doutrina, natureza de autarquias.

Tal entendimento criou a necessidade de os trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas serem contratados apenas por concurso público, já que, em tese, seriam autarquias especiais, entes da Administração Pública Indireta e, portanto, sujeitar-se-iam às regras do artigo 37, II e § 2º, da Constituição Federal, que dispõem:

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

§ 2º A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

A questão da necessidade de concurso público tem enorme relevância para o Direito do Trabalho e, em especial, para os empregados dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, tais como CREA, CRM, CRQ, CRO, CRECI, OAB, etc, haja vista o c. TST haver sumulado a matéria, restringindo direitos desses trabalhadores, nos seguintes termos:

Súmula 363. Contrato nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitando o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. (grifei)

Quando se trata de restringir direitos dos trabalhadores, "o sistema", nas palavras do e. Ministro Marco Aurélio, precisa ser profundamente discutido.


6.O Problema dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC)

Como se sabe, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) se constitui em título exeqüível diretamente na Justiça do Trabalho e, para desespero dos empregados, não foram poucos os Conselhos de Fiscalização das Profissões Legalmente Regulamentadas que, pressionados pelo poder constituído, firmaram TACs com o Ministério Público da União, resolvendo demitir os funcionários que haviam sido contratados sem concurso público.

Além disso, alguns TACs dispõem que tais demissões atingirão os funcionários que foram contratados após a data de 05 de outubro de 1988, muito embora a dúvida a respeito da natureza jurídica das entidades de regulamentação de categorias profissionais só fora sanada em 28 de março de 2003, data da publicação da decisão na ADI nº 1.717-6/DF.

Vê-se, desde logo, que empregados de boa-fé, que há mais de dez anos laboram para os Conselhos Fiscais de Profissões Legalmente Regulamentadas, ao serem demitidos, terão direito apenas às horas trabalhadas e aos depósitos de FGTS, nos termos da Súmula 363 do TST.

Ao restante das verbas rescisórias não têm direito, porque, na época em que procuraram emprego, não sabiam que só poderiam ser contratados por concurso público!

Trago à colação partes do Termo de Ajustamento de Conduta firmado em 08/02/2006 entre o MPT e o CREA[5]:

O MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO, por intermédio dos Procuradores que abaixo subscrevem, no exercício de suas funções institucionais, conferidas pela Constituição da Republica e Lei Complementar n. 75/93, e o CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA DO ESTADO DE SAO PAULO, autarquia Federai instituída pelo Decreto nº 23. 569/33, regulado pela Lei nº 5.194/66, CNPJ nº 60.985.017.0001/77, com endereço Avenida Brigadeiro Faria Lima, nº 1.059 - Pinheiros, CEP 01452-900, São Paulo-SP e:

CONSIDERANDO que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II);

CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que os Conselhos Fiscais de Profissões Regulamentadas têm natureza jurídica de autarquias federais; (grifei)

CONSIDERANDO que, afirmada a natureza de autarquia dos Conselhos fiscais, uma das primeiras sujeições do regime jurídico administrativo que deve cumprir é a realização de concurso público para a admissão de seu pessoal; (grifei)

RESOLVEM

Celebrar o presente TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC), visando regularizar a situação dos empregados admitidos sem concurso público após o dia 05 de outubro de 1988, em função da decisão judicial liminar prolatada nos autos do processo nª 2000.61.008524-9, bem como atender ao principio da obrigatoriedade do concurso público, nos seguintes termos:

Conduta (TAC) compromete-se a, no prazo de 12 meses, realizar concurso publico para selecionar empregados concursados, que servirão para substituir os empregados que foram admitidos sem concurso público após 05 de outubro de 1988:

Parágrafo 3°. Ficam dispensados de concurso publico, nos termos do art 37. V da Constituição Federal, os trabalhadores contratados para ocupar cargos de livre provimento e exoneração, desde que, nos termos constitucionais, se referiam exclusivamente às funções de direção, chefia e assessoramento no nível hierárquico superior.

CLÁUSULA 2ª.Dentro do prazo fixado nas clausula 1ª, parágrafo 1ª, os empregados irregulares, que foram admitidos sem concurso público depois de 05 de outubro de 1988, deverão ser demitidos e substituídos pelos aprovados no concurso, pelo Conselho signatário. (grifei)

Daí se notar que o e. Ministro Marco Aurélio tinha razão ao dizer que estava julgando o sistema na ADI nº 3.026-4/DF, pois, se houver alguma autarquia de regulação de categoria profissional que não precise contratar seus funcionários por meio de concursos públicos, pode não haver razões para que todos os outros Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas sejam obrigados a demitir seus funcionários e, muito menos, para que os funcionários demitidos tenham direito apenas às horas trabalhadas e aos depósitos do FGTS.

O sistema precisa ser debatido com mais rigor, porque se colocar lado a lado, no mesmo plano, tratando igualmente entidades como, por exemplo, o Banco do Brasil, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, a Universidade de São Paulo, autarquias genuínas, e os Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, é algo um pouco exagerado, senão ilógico.

Simplesmente, por pertencerem ao "gênero autarquia", o parágrafo 2º do art. 37 da Constituição Federal está sendo aplicado a todas as "espécies de autarquias", indistintamente, sem qualquer flexibilização.

A aplicação da letra fria da lei induz a incidência da Súmula 363 do TST sobre os trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização das Profissões Legalmente Regulamentadas, porque o referido § 2º do art. 37 da CF diz que "a não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato."

Na visão do homem médio, um Conselho de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas não aparece como se fosse a própria Administração Pública, ou seja, com todas as prerrogativas e restrições que informam o regime jurídico-administrativo.

Todos sabem que para se trabalhar no Banco do Brasil, na Comissão Nacional de Energia Nuclear, no INSS e para se ocupar alguns cargos na USP, é necessário que se seja "concursado", nos dizeres do homem médio.

Mas qual homem médio saberia que para se trabalhar no Conselho Regional de Química, por exemplo, como atendente de tele-marketing, seriam necessários a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, caso contrário, seu contrato de trabalho seria nulo?

Ora, se soubesse, aceitaria o emprego?

Ao que parece, a lei está dando tratamento igual a coisas que são desiguais, a começar pelas disposições das leis instituidoras das autarquias genuínas, que mostram distinção entre elas e os Conselhos de Fiscalização de Profissões Regulamentadas.

Vejamos (todos os grifos são meus):

a) Lei Instituidora do Banco Central do Brasil e do Banco do Brasil:

Art. 8º A atual Superintendência da Moeda e do Crédito é transformada em autarquia federal, tendo sede e foro na Capital da República, sob a denominação de Banco Central da República do Brasil, com personalidade jurídica e patrimônios próprios este constituído dos bens, direitos e valores que lhe são transferidos na forma desta Lei e ainda da apropriação dos juros e rendas resultantes, na data da vigência desta lei, do disposto no art. 9º do Decreto-Lei número 8495, de 28/12/1945, dispositivo que ora é expressamente revogado.

Art. 9º Compete ao Banco Central da República do Brasil cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Art. 19. Ao Banco do Brasil S. A. competirá precipuamente, sob a supervisão do Conselho Monetário Nacional e como instrumento de execução da política creditícia e financeira do Governo Federal:

I - na qualidade de Agente, Financeiro do Tesouro Nacional, sem prejuízo de outras funções que lhe venham a ser atribuídas e ressalvado o disposto no art. 8º, da Lei nº 1628, de 20 de junho de 1952:

§ 1º - O Conselho Monetário Nacional assegurará recursos específicos que possibilitem ao Banco do Brasil S. A., sob adequada remuneração, o atendimento dos encargos previstos nesta lei.

b) Lei Instituidora da Comissão Nacional de Energia Nuclear:

Art. 3º Fica criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (C.N.E.N.), como autarquia federal, com autonomia administrativa e financeira.

Art. 6º A Comissão Nacional de Energia Nuclear poderá contratar os serviços de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas para a execução das medidas previstas nos itens II e V do art. 4º desta lei, exceto para a operação de reatores de potência, mantendo em todos os casos a fiscalização e controle de execução.

c) Lei Estadual (São Paulo) nº 11.164, de 26 de junho de 2002 – referente à USP:

Artigo 1º - Ficam criados, na Parte Permanente (PP) do Quadro de Pessoal Docente da Universidade de São Paulo - USP, os seguintes cargos:

I - 1300 (um mil e trezentos) cargos de Professor Doutor, referência MS-3, da escala de vencimentos aplicável aos docentes das Universidades Públicas do Estado de São Paulo;

II - 400 (quatrocentos) cargos de Professor Titular, referência MS-6, da escala de vencimentos aplicável aos docentes das Universidades Públicas do Estado de São Paulo.

Artigo 2º - As despesas resultantes da aplicação desta lei correrão à conta das dotações próprias consignadas no orçamento da Universidade de São Paulo - USP.

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É de se notar que a Administração Pública, nos três casos acima, ou declarou que se tratavam de autarquias federais, ou incluiu-as no Orçamento Público, ou, ainda, tratou de definir cargos ou de proibir determinadas contratações para determinadas áreas.

Mas essa interferência e regulamentação não acontecem quando se trata dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentas.

Vejamos, por exemplo, a Instituição do Conselho Federal de Regulação da profissão de Representante Comercial (também com meus grifos):

Art.6º São criados o Conselho Federal e os Conselhos Regionais dos Representantes Comerciais, aos quais incumbirá a fiscalização do exercício da profissão, na forma desta Lei.

Art. 7º O Conselho Federal instalar-se-á dentro de noventa (90) dias, a contar da vigência da presente Lei, no Estado da Guanabara, onde funcionará provisoriamente, transferindo-se para a Capital da República, quando estiver em condições de fazê-lo, a juízo da maioria dos Conselhos Regionais.

§ 1º O Conselho Federal será presidido por um dos seus membros, na forma que dispuser o regimento interno do Conselho, cabendo lhe, além do próprio voto, o de qualidade, no caso de empate.

§ 2º A renda do Conselho Federal será constituída de vinte por cento (20%) da renda bruta dos Conselhos Regionais.

Art. 8º O Conselho Federal será composto de representantes comerciais de cada Estado, eleitos pelos Conselhos Regionais, dentre seus membros, cabendo a cada Conselho Regional a escolha de dois (2) delegados.

Art. 10. Compete privativamente, ao Conselho Federal:

a) elaborar o seu regimento interno;

b) dirimir as dúvidas suscitadas pelos Conselhos Regionais;

c) aprovar os regimentos internos dos Conselhos Regionais;

d) julgar quaisquer recursos relativos às decisões dos Conselhos Regionais;

e) baixar instruções para a fiel observância da presente Lei;

f) elaborar o Código de Ética Profissional;

g) resolver os casos omissos.

Art. 13. Os mandatos dos membros do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais serão de três (3) anos.

§ 1º Todos os mandatos serão exercidos gratuitamente.

Art. 16. Constituem renda dos Conselhos Regionais as contribuições e multas devidas pelos representantes comerciais, pessoas físicas ou jurídicas, neles registrados.

Nesse caso, está-se a ver, que se tal Conselho for um ente da Administração Pública Indireta, goza de liberdade até para resolver casos omissos, ou seja, quase legisla para si próprio.

Evidentemente que, se pertence ao "gênero autarquia", como decidiu o STF, não é da mesma "espécie" daquelas autarquias vistas anteriormente.

Seus empregados, então, mereceriam tratamento idêntico aos das outras autarquias?

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Sobre o autor
Alcio Antonio Vieira

advogado em Barueri (SP), pós-graduando em Direto do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Alcio Antonio. Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas:: termos de ajustamento de conduta firmados com Ministério Público do Trabalho, as decisões do Supremo Tribunal Federal e a Súmula nº 363 do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1274, 27 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9330. Acesso em: 25 abr. 2024.

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