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Rudimentos de uma fundamentação principiológica para a proteção ambiental: a natureza como o sistema primordial com o qual o homem interage (entorno).

Por uma visão de mundo não-superlativamente-antropocêntrica

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4. A UNIVERSALIDADE DOS PRINCÍPIOS CIENTÍFICOS E A UNIDADE SISTÊMICA:

Até então, falamos bastante sobre princípios, sem, contudo, minudenciar suas características, sem conceituá-lo ou defini-lo, apenas delineando os contornos mais gerais do que seja, mas não sem razão. Julgamos não podermos falar de princípios sem antes termos erigido todo o substrato supra-exposto e que serve de corolário lógico a qualquer definição que se pretenda fundada, no âmbito da matéria de que ora tratamos. Assim, cabe aqui uma palavra sobre o que venha a ser princípio. Fulcrados em toda a extensa explanação supra, temos diante de nós dois alicerces, dois pontos-chave para iniciarmos este percurso analítico: 1° – temos que: a Ciência é descoberta e não criação; e 2° – a idéia basilar de que: a Ciência tende à universalidade (ou, ao menos, à generalidade). Resta-nos, pois, a tarefa de descobrir o que é universal na Ciência. Já concluímos alhures que, se há um campo estritamente criativo para o labor científico, esse campo seria o dos modelos criados para ‘interpretar’ a realidade, o das visões de mundo, o dos paradigmas ou, para usar uma expressão nova e não menos caracterizadora do que isso seja, o dos "espíritos de época". A esfera dos objetos, em si, permaneceria inalterada. Haveria algo nos objetos analisados pelas ciências que não mudaria, ou que, pelo menos, tenderia a permanecer, sob pena de que o referido objeto deixe de ser o que é passando a ser outro diverso, e a ciência que sobre ele se debruça passe a ser outra diferente daquela que fora [148]. E, por fim, retornaríamos à mesma ordem de problemas que perturbaram desde Parmênides e Heráclito (entre outros) a Aristóteles, Kant, etc.

Já vimos que, em matéria científica, o conhecimento teórico é obtido antes mesmo de sua aplicabilidade técnica: a teoria precederia, portanto, a técnica. E vimos, também, que gênios do quilate de um Arquimedes, um Newton ou um Einstein tiveram de desvendar primeiro os princípios básicos do saber sobre os quais se debruçaram, para, só assim, conseguirem solucionar os problemas de ordem prática. Arquimedes teve de primeiro descobrir os princípios básicos da hidrodinâmica para, só então, conseguir solucionar o problema de averiguar a existência, ou não, de proporções de prata na coroa de ouro do rei, sem derretê-la; e igualmente foi assim com Newton e as Leis da Gravitação Universal; também assim se deu com o insight de Einstein ao perquirir o movimento curvilíneo da luz e a Teoria da Relatividade. Ora, antes descobrirem "o útil", desvendaram que, em condições iguais, não importando onde estivermos, desde de que mantenhamos as mesmas condições, os fenômenos são reproduzíveis. E são reproduzíveis porque se fundam num mesmo princípio. A repetitividade dos fenômenos só se dá porque há de haver algo de constante, algo que não mude, algo que tenda ao universal e ao eterno.

Igualmente já vimos que um sistema pode permutar partes com o todo, sem se alterar, sem deixar de ser sistema, pois. E isso exatamente por não perder sua organização, enquanto característica delimitadora das fronteiras entre si e o ambiente. E mesmo a organização, que parecer ser a característica externa mais visível de um sistema (e dele definidora mesmo, por assim dizer), mesmo esse padrão organizacional se apresenta muito mais como um resultado (efeito), que como um agente (causa). Quando utilizamos o campo gravitacional como exemplo, dissemos que aquilo que manteria estável todo o sistema, o que em última análise garantiria sua organização, seria a lei (princípio) da gravitação universal [149]. Assim, é, pois, o princípio aquilo que assume características universais em matéria de Ciência. É ele que garante a unidade sistêmica. Desde os pré-socráticos não foi outro o objeto da atenção humana que não o tentar conhecer o princípio das coisas, ora sua unidade mínima (como foi com os atomistas), ora sua característica imutável (arché), sua substância básica e primordial (physis), como se deu com as demais escolas. Aristóteles já nos teria legado que só há mudança naquilo que é acidental, nunca no que é essencial [150].

E não foi outra a nossa pretensão com toda a presente análise, desde o início até aqui, que não a de demonstrar que princípio (a arché dos gregos) não é outra coisa senão aquilo que, parcela mínima que seja, sobrevive à mudança (ao devir), e que mantém a identidade sistêmica (unidade mínima mantenedora do padrão e da estrutura) de tal ou qual sistema (in casu: de tal ou qual secção do saber ou sistema de conhecimento), a fim de que a mesmo não deixe de ser o que é passando a ser outro, por não conservar nada do que fora outrora – se é que admitimos possa haver uma mudança categórica nestes termos (uma pretensa permuta e perda da essência por uma outra) – sustendo em si a característica mínima do sistema, seu padrão de organização, persistindo mesmo quando de mudanças paradigmáticas. E isso vale para os ditos saberes sociais (como é o caso do Direito) tanto quanto para quaisquer outros.

Tema mais pertinente não há, seja em Direito ou em qualquer outra faceta do saber humanamente conhecido, que não aqueles que versem sobre aquilo que "É", sobre o que pode ser adjetivado de universal e de imutável, sobre o que tem aplicabilidade nesta ou naquela área do conhecimento (in casu: nesta ou naquela área jurídica), sobre o que se acerca de todo o (sistema) Direito e, com muito mais propriedade, o que excede e sobrevive a ele.

Princípio não seria outra coisa, senão aquilo que se opõe ao que é contingente, ao que é superficial, ao que é temporal, e, portanto, antinômico também ao que é mutável com o evolver das sociedades e de seus respectivos corpos legais. Princípio é o que permanece firme e fixo após as tempestades e furacões de mudanças [151]. E não deve — posto por demais improfícuo — voltar-se o labor racional do homem para aquilo que é contingente, antes de fazê-lo em relação ao que é absoluto ou, quando menos, geral.

Em todos os campos científicos não se perquire outra coisa senão leis (princípios) universais. Ciência nada mais seria que a descoberta de tais leis. Em matéria de Direito, não poucas foram as construções teóricas que primaram pela criação sem fundamento, abandonando a descoberta, abandonando a perquirição do que há de universal, dos princípios, que, como já vimos, consistem naquilo que mantém a unidade sistêmica. O caminho que Hans Kelsen (1991), H. L. A. Hart (1986), Niklas Luhmann (1997), entre outros mais, não quiseram percorrer, era exatamente o caminho que, como homens de ciência que eram, deveriam ter trilhado, partindo do exato ponto em que se obstaram a perquirir cientificamente, ou seja, quando se negaram a seguir em frente na tentativa de descobrir o que de fato havia sob o véu do desconhecido, respectivamente criando então uma Norma Fundamental (que de hipotética passou a ficcional) [152] ou valendo-se de uma Regra de Reconhecimento [153] (também, desprovida de conteúdo e que igualmente fundamenta a validade de conteúdos totalitários), ou ainda, furtando-se à análise dos fundamentos da validade e/ou causas de existência (princípios), apoiando-se, então, no engendrar de um sistema que cria a si próprio (autopoiético) [154] e cujo único propósito é perpetuar-se, qual se dá com os seres vivos — mesmo que isso culmine na eliminação de algumas células marginalizadas pela pobreza (que nós mesmos criamos) ou pela primazia do interesse econômico sobre os difusos, os quais abraçam a todo o globo, mas nem sempre satisfazem os ricos poucos. Como vimos, Ciência está mais relacionada à descoberta que à criação. E, com as Ciências Sociais, ou, de mais propriamente, com o Direito não se dá de forma diferente. É desse ponto que deveria partir qualquer teoria hodierna que se pretendesse sólida e científica, no sentido de descobrir e não de criar sem base ou fundamento. A Ciência perderia, assim, sua função basilar de representação do real e natural. Proposições criadoras como as de Kelsen, Hart e (em menor monta) Luhmann distanciam o Direito daquilo que ele é, enquanto forma de representar (retratar) a face reguladora da sociedade da qual se acerca, perdendo, pois, seu caráter de ciência, uma vez que não mais retrata o real (os anseios sociais), mas o cria. Eis o maior insight cientifico, o de perceber que tudo no imenso sistema universal é solidário, o de constatar que as leis que o regem se aplicam desde a pequenez dos vermes ao gigantismo das estrelas. Bem se vê que o labor científico prima por tatear os liames entre tudo o que há, perquirindo os princípios que subjazem a Natureza, intentando encontrar a racionalidade que se oculta por detrás dela. Conclusão mais que óbvia é a de que efetivamente fazemos parte da Natureza (indivíduos, subsistemas seus); somos animais; racionais, porém. E, portanto, podemos constituir igualmente objeto de estudo natural, conquanto algumas correntes de pensamento o tenham negado veementemente, invalidando, pois, a configuração de ciências humanas.

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5. A POSSIBILIDADE DA CONCEPÇÃO DE EVOLUÇÃO: O SER E O SABER

Antes, porém, de enfeixarmos os dados colhidos para fundar nossa conclusão, cabe ainda uma prévia análise sobre a plausibilidade de evolução no contexto das mudanças paradigmáticas que já descortinamos. Ora, o que nos permitiria dizer que a mudança, a alteração, o devir se daria no sentido de um padrão mais aprimorado? Que elementos temos para afirmar isso? Bem, possuímos o mecanismo da visão sem que compreendamos como tal se dá; contudo, vemos. Percebemos a evolução, embora não compreendamos os mecanismos que a regem, ainda assim, intuímos que ela há, nós a "sentimos". Ora, entre dois objetos quaisquer, só podemos asseverar que sejam "iguais" (similares) ou diferentes, nada mais. Em relação a um estado anterior e outro posterior de um mesmo objeto que apresente uma mudança de estado com o decorrer do tempo, só podemos, conscienciosamente, dizer que mudou, que se tornou diferente, nada mais. Entendemos, assim, que a evolução só se daria, só seria possível de perceber, tendo como base – e sempre – três pontos distintos: os dois primeiros que seriam objeto de comparação e um terceiro, tomado como referencial, e objetivamente mais perfeito que os anteriores.

Vale dizermos logo, como base exemplificativa deste nosso raciocínio, ser errônea a concepção de que os princípios jurídicos seriam mutáveis e de que esta mutabilidade serviria de garantia à consecução e à manutenção das conquistas e ideais democráticos. Paradoxalmente, isto seria o meio mais hábil e eficaz de se fazer soçobrar as garantias, conquistas e Direitos Humanos e universais — cujo impagável preço foi o sangue e a vida de muitos — sob o pretexto e o engodo de, em nome destes mesmos direitos, tudo ser mutável, inclusive eles próprios. Para efeito exemplificativo, imaginemos que o único parâmetro aceito para o justo e o correto seja o que for apregoado e convencionado pela maioria, numa clara deturpação do ideal democrático, tal como ocorreu com a "proposta" Nazista. Nesse estado de coisas, em que há total ausência de parâmetros absolutos (ou pelo menos mais rígidos) para nortear o agir humano (exceto a vontade da maioria, que é fugaz e torcível ao sabor dos interesses), resta inócuo qualquer argumento ou posicionamento contra atitudes eminentemente atentatórias à liberdade, à vida, à dignidade, etc. Mormente, quando tais atitudes estejam sustentadas no dogma do relativismo e sejam secundadas pela vontade da maioria (exceto talvez a vontade geral rousseauniana). Em tais condições, tudo o que se poderia dizer de um ordenamento que adotasse essas posturas é que seria diferente dos demais, tão-somente diferente dos demais. Não haveria falar-se em justo ou injusto fora do ordenamento e nada haveria que contrariasse a vontade da maioria (dentro de cada ordenamento), ainda quando esta atentasse contra aquilo que chamamos Direitos Fundamentais. E, ressaltemos, mesmo que percebamos terem estes últimos (Direitos Fundamentais) sobrevivido ao vigor das mudanças paradigmáticas e mostrado clara validação principiológica — como verdades que se sustêm apesar das mudanças históricas — mesmo estes poderiam perfeitamente tombar ante o prisma de um relativismo absoluto. Mais objetivamente, digamos que vazio, inócuo e sem sentido seria qualquer discurso do Ocidente no sentido de combater a opressão sofrida pela mulher em muitos países (islâmicos, por exemplo), de vez que — no seio do próprio Ocidente — sempre tem imperado (ainda que veladamente) a noção de que tudo seja relativo. Noção esta fornecedora de sustentáculo ideológico ao império da vontade da maioria e, portanto, justificadora da opressão sofrida pela mulher em muitos países, já que ali se trata de padrão cultural diverso do nosso, além do que, imposto pela maioria. Ora, jamais poderíamos alcunhá-lo de melhor ou pior que quaisquer outros, apenas diferente, afinal, sob tais auspícios, tudo é relativo! Assim, com o dogma do relativismo, é que caem por terra todas as conquistas consubstanciadas nos Direitos Humanos Fundamentais. E para além da necessidade lógica da existência de princípios imutáveis, resta claro o seu imperativo social.

De asseverarmos, ainda, por clamor de razão mais perspicaz, que "se tudo é mutável", a mutabilidade é lei universal, absoluta e, paradoxalmente, "imutável". Isto, de pronto, já é prova de haver coisa outra que seja imutável e absoluta, mesmo que seja esta lei que prediz que "tudo é relativo", fazendo a si mesma algo absoluto; e, portanto, contrário a si.

O simples fato de desconhecermos os extremos, o princípio e o fim da caminhada, e de enxergarmos apenas uma fração de um processo maior, poderia parecer elemento suficiente a não podermos afirmar qual dado (informação) estaria mais próximo do início da trilha ou que outro estaria mais perto do fim a que visam alcançar (mais perfeita, pois); e, portanto, qual dado estaria mais próximo do terceiro ponto (um paradigma mais perfeito), da desanuviada visão do real. Tal seria como se estivéssemos no espaço distante, onde nenhuma estrela ou astro se interpusesse diante de nossos olhos a poder servir de parâmetro. Aí, sequer poderíamos afirmar o que é para cima ou para baixo; o que é direita ou esquerda, posto não haver referenciais precisos para nos dotar de parâmetros à caracterização. Todavia, quanto ao progresso, podemos, sim, determinar que certos dados estão mais próximos de um pretenso paradigma maior, o qual sequer conhecemos, mas que em nós repousaria uma tênue ‘intuição’ (imperfeita apreensão da Lei Eterna, para usar a expressão de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino) de que Ele há e para onde eventualmente ruma.

Para o pensamento científico, o progresso demonstra-se, é demonstrável, sua demonstração mesmo um elemento pedagógico indispensável para o desenvolvimento da cultura científica. Por outras palavras, o progresso é a própria dinâmica da cultura científica, e é essa dinâmica que a história das ciências deve descrever. Deve descrever julgando-a, valorizando-a, eliminando todas as possibilidades de um regresso a noções erradas. A história das ciências só pode insistir nos erros do passado a título de elemento de comparação. Reencontramos, assim, a dialéctica dos obstáculos epistemológicos e dos actos epistemológicos. [155] (sic)

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Sobre o autor
Francisco de Sousa Vieira Filho

Advogado, militando sobretudo na área trabalhista, em Teresina-PI, Especialista em Direito Constitucional pelo LFG e Mestre em Direito pela Universidade Antônoma de Lisboa. Professor nas faculdades AESPI e FAPI, e professor substituto na UESPI (Campus Clóvis Moura). Autor dos livros: Lira Antiga Bardo Triste (2009); Lira Nova Bardo Tardo (2010) e Codex Popul-Vuh - ramo de folhas (2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA FILHO, Francisco Sousa. Rudimentos de uma fundamentação principiológica para a proteção ambiental: a natureza como o sistema primordial com o qual o homem interage (entorno).: Por uma visão de mundo não-superlativamente-antropocêntrica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1277, 30 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9340. Acesso em: 23 dez. 2024.

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