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Uma nova concepção acerca do conceito de prescrição na legislação civil brasileira

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04/01/2007 às 00:00
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6 UMA NOVA CONCEPÇÃO SOBRE O CONCEITO DE PRESCRIÇÃO: FATOR QUE IMPEDE JUDICIALMENTE O RECONHECIMENTO E EFETIVAÇÃO DE UMA PRETENSÃO.

            Uma análise reflexiva sobre o instituto da prescrição, levando-se em consideração sua ocorrência e suas conseqüências no que se refere à possibilidade de ver uma pretensão garantida em juízo, nos permite apresentar uma nova visão sobre o conceito de prescrição.

            O fato de existir um dispositivo legal prevendo a ocorrência da prescrição em determinado lapso temporal não impede a propositura de uma ação em juízo, discutindo acerca daquela situação controvertida. Assim, se é possível ingressar em juízo para discutir o mérito da causa, mesmo que o juiz reconheça de ofício a prescrição, foi exercido o direito de ação e, na ocorrência dessa provocação judicial, foi manifestada em juízo a pretensão.

            A pretensão está voltada para um caráter subjetivo, um anseio, uma aspiração, uma vontade, que não será simplesmente extinta a partir do momento que o juiz reconhecer a prescrição. A pretensão, portanto, prevalece; entretanto, não poderá ser exercido o direito material decorrente de determinada pretensão, por ter transcorrido o lapso temporal que permitia sua efetivação.

            Após a propositura da ação será instaurado o processo, que será formado por um conjunto de atos e fatos processuais. Os atos de obtenção praticados pelas partes, por sua vez, visam sempre a satisfação de uma pretensão manifestada nos autos. O autor, em determinada ação, busca a efetivação de um direito a partir do momento em que deduz em juízo uma pretensão, uma vontade, um direito do qual acredita ser detentor.

            Tanto é verdade que a prescrição não é a perda da pretensão que, caso o juiz reconheça a prescrição e a parte devedora de determinada obrigação se disponha a cumpri-la espontaneamente terá, portanto, sido satisfeita a pretensão. Se dois inimigos, por exemplo, que litigavam sobre um direito de crédito, após a sentença que reconheça a prescrição, o devedor venha a pagar o credor, a pretensão terá sido satisfeita.

            Teodoro Júnior (2006, p. 71) esclarece sobre direito material, ação e pretensão, ao concluir que a pretensão só será acolhida se, após o exercício do direito de ação e a instauração do processo, ficar comprovado o direito material pleiteado. Afirma o jurista que "o exercício do direito de ação revela a pretensão do autor, por meio da qual este quer subjugar um interesse antagônico do réu" e complementa:

            O direito de ação é abstrato: isto é, não depende do direito subjetivo material do autor. O juiz se pronunciará sobre o mérito e comporá a lide, tenha ou não o autor o direito substancial invocado, bastando para tanto a concorrência das condições ou pressupostos do direito de ação. Mas, a pretensão (traduzida no processo pelo pedido formulado na petição inicial) só será acolhida se se provar, nos autos, que o autor realmente detém o direito subjetivo substancial oposto ao réu." ( THEODORO JÚNIOR, 2006, p. 71).

            O autor, portanto, ao ajuizar uma demanda, nada mais faz do que "deduzir perante o órgão judicial a pretensão que não foi voluntariamente atendida pelo réu", que será ou não acolhida dependendo do direito material do mesmo (Theodoro Júnior, 2006, p. 71).

            A pretensão não pode ser considerada como perda da pretensão por um outro argumento simples e objetivo: a prescrição pode ser suspensa ou interrompida, nos termos da nossa legislação civil. Não é razoável aceitar que haveria uma hipótese de suspensão ou interrupção de uma pretensão. Assim, a prescrição deve ser vista como um fenômeno processual impeditivo de apreciação judicial acerca de determinada pretensão e não como extinção desta.

            Pereira (2005, p. 683) afirma que "no campo doutrinário há que se estabelecer por que motivo um direito subjetivo deixa de ser exigível por haver perdido o titular a pretensão judicialmente exigível". Apesar do jurista ora mencionado afirmar ser a prescrição a perda da pretensão, colabora significativamente para a tese ora defendida neste texto ao fazer referência à expressão exigibilidade. A não exigibilidade não pressupõe necessariamente perda do direito, assim como não significa perda da pretensão, mas sim, perda da possibilidade de se ver garantida em juízo determinada pretensão a partir do reconhecimento de um direito manifestado através do exercício do direito de ação.

            Como a prescrição não pressupõe a perda do direito, também não pressupõe a perda da pretensão, que somente deixa de ser exigível judicialmente. Nader(1996, p. 367), também demonstra o mesmo entendimento ao afirmar que "com ela, o direito não desaparece, mas fica sem meios de se obter a proteção judicial, em decorrência da inércia de seu titula, que não movimentou o seu interesse em tempo hábil."

            Também Diniz (2003), aceitando a tese defendida por Câmara Leal, entende ser a prescrição a perda da ação, mas dá valorosa contribuição para a argumentação da presente tese defendida afirmando que a existência desta constitui um dos requisitos da prescrição e esclarecendo acerca da origem e natureza da pretensão, deixando bem evidente que a existência da pretensão não pressupõe necessariamente uma ação judicial:

            "deveras, violado o direito pessoal ou real nasce a pretensão (ação material) contra o sujeito passivo; com a recusa deste em atender a pretensão, nasce a ação processual, com a qual se provoca a intervenção estatal, que prescreverá se o interessado não a mover." (DINIZ, 2003, p. 340).

            É importante salientar que a prescrição não anula ou extingue a obrigação do devedor, mas poderia apenas impedir a responsabilização do mesmo, já que a fase de execução no ordenamento jurídico brasileiro é patrimonial. A prescrição também não extingue a pretensão do credor, já que será válido o pagamento voluntário da dívida prescrita, cuja restituição não pode vir a ser reclamada em juízo conforme determina o art. 882 do Código Civil Brasileiro. (VADEMECUM 2006, p. 279).

            Não se pode, entretanto, confundir pretensão e direito. A existência de uma pretensão pressupõe a existência de um direito, mas não fica adstrito a este. A prescrição, portanto, não extingue direitos.

            A pretensão de direito material existe muito antes da ação e antes de qualquer processo. A impossibilidade de se valer da prestação jurisdicional não impede ou elimina a pretensão material, mas pode impedir o prosseguimento de determinada ação, o direito de continuar agindo ou a existência de uma relação jurídica processual.

            Assim, é proposto um novo conceito de prescrição: a perda da possibilidade de se ter, judicialmente reconhecida uma pretensão ou garantida a efetivação de uma pretensão, devido à inércia do titular durante um período de tempo previamente definido em lei.


7 ARGÜIÇÃO E RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO

            O instituto da prescrição é importante, pois contribui para a segurança jurídica. Como afirmou Dantas (1977, p. 397, apud CASSALES, 2004, p.13):

            A prescrição assegura que, daqui a diante, o inseguro é seguro; quem podia reclamar não mais pode. De modo que, o instituto da prescrição tem suas raízes numa das razões de ser da ordem jurídica: estabelecer a segurança nas relações sociais – fazer com que o homem possa saber com o que conta e com o que não conta.

            Com o advento da nova lei 11.280/06 que alterou o art. 219, parágrafo 5º do Código de Processo Civil e revogou o art. 194 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil Brasileiro, a prescrição poderá ser reconhecida de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e em qualquer situação, sendo ou não direitos patrimoniais. Dispõe a nova redação dada ao parágrafo 5 º do art. 219 do Código de processo Civil que: "o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição." (BRASIL, 2006, p. 2).

            Antes da nova lei, somente para beneficiar absolutamente incapaz é que o juiz poderia reconhecer a prescrição sem a provocação do interessado, independente da matéria ser relacionada a direito disponível ou indisponível.

            Prevalece a possibilidade da mesma ser argüida e/ou reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme determina o código civil em seu artigo 193 (VADEMECUM, 2006, p. 235).

            Em qualquer hipótese, sendo reconhecida a prescrição em juízo, o magistrado resolverá a lide com apreciação do mérito, nos termos do artigo 269 do código de processo civil (VADEMECUM, 2006), não permitindo, portanto, após o trânsito em julgado, a reapreciação da demanda por parte do órgão jurisdicional.


8 CONCLUSÃO

            A pretensão não pode ser vista como ação, mas esta sim, representaria a manifestação daquela através dos pedidos.

            A não exigibilidade de um direito material não pressupõe necessariamente perda do direito, assim como não significa perda da pretensão, mas sim, perda da possibilidade de ver garantida em juízo determinada pretensão a partir do reconhecimento de um direito manifestado através do exercício do direito de ação.

            Assim, a prescrição não pode ser vista como extintiva da pretensão, mas sim, apenas como fator que impede o reconhecimento e a efetividade de um direito pela via judicial. Nesse contexto, a prescrição não seria a perda do direito material, nem do direito de ação, nem da pretensão, mas seria definida como a perda da possibilidade de se ver garantida em juízo a efetivação de uma pretensão devido à inércia do titular durante um período de tempo previamente definido em lei.

            O tempo, que faz nascer relações e situações jurídicas, muitas vezes impera em desfavor do titular de um direito, que deve exercer seu direito de ação em certo tempo previsto em lei, sob pena de não poder mais exigir um provimento jurisdicional.

            Uma pretensão demonstra a mais sincera aspiração do ser humano, que nasce pelo senso individual de justiça e vigora pelo vivo e constante sentimento de esperança. E esses elementos fazem nascer a luta por um direito. Como dizia Ihering (2004, p. 41) o direito é uma luta e "a luta pelo direito é um dever do titular para consigo mesmo". Lutar por um direito enaltece o ser humano e é essa luta que vai manter viva a esperança de se efetivar uma pretensão e de se alcançar justiça.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Luciano Souto Dias

Professor titular de Direito Processual Civil e Prática de Processo Civil na Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce – FADIVALE e de pós-graduação em Minas Gerais, Espírito santo e Bahia. Mestre em Direito Público, especialista pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil. Conciliador-Orientador do TJMG. Palestrante e autor de diversos artigos e ensaios jurídicos. Advogado civilista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Luciano Souto. Uma nova concepção acerca do conceito de prescrição na legislação civil brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1282, 4 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9352. Acesso em: 26 abr. 2024.

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