Trabalho doméstico: história, características e direitos

26/09/2021 às 15:24
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O presente trabalho busca informar a respeito do processo histórico da organização legislativa sobre o trabalho doméstico no Brasil, também explicar os pontos principais acerca das características desse trabalhador, seus direitos e deveres.

Introdução

 

É de extrema importância para a categoria dos trabalhadores domésticos no mercado de trabalho brasileiro, conhecer seus direitos e o contexto histórico de sua profissão, para alcançar entendimento necessário para o enfrentamento das situações adversas, na busca por melhores condições de trabalho.

Por meio da análise de artigos, notícias, legislação e da cartilha elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social acerca do tema, é possível tem uma visão geral, ao mesmo tempo pontual, do processo percorrido para a possibilidade de uma legislação que abarcasse direitos do trabalhador doméstico. Até chegar nos direitos e obrigações atuais em nossa legislação.  

 

 

 

Histórico da Regulamentação do Trabalho Doméstico no Brasil

 

Sabe-se que à época da Colonização do Brasil, iniciou-se o período sombrio escravocrata que impunha não apenas a homens negros, todo tipo de trabalho escravo e insalubre para alavancar a economia colonial e imperial, mas junto destes, existiam mulheres também negras escravas que desenvolviam importantes funções dentro da sociedade. Como retratado em obras do pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768 a 1848) em seus trabalhos de representar o cotidiano da colônia, pontua sobre os diferentes papéis exercidos pelas mulheres negras escravas. Elas trabalhavam como comerciantes de alimentos e produtos estéticos, eram lavadeiras e sobretudo exerciam atividades domésticas, onde serviam a casa-grande com todo tipo de serviço necessário ao bem estar dos nobres da época. Acompanhavam e ajudavam suas “sinhás” no preparo de alimentos, serviam como amas de leite, limpeza das casas, faziam trabalhos de entrega, enviavam recados, além de serem praticamente a “sombra” de seus senhores, isto simbolizava a devoção, obediência e fidelidade. Obtinham em troca; moradia, vestimentas e alimentações muitas vezes precárias. “Após a libertação com a Lei Áurea, muitos continuavam servindo, pois tinham com os mesmos certa aproximação e também porque não tinham o que fazer e muito menos para onde ir” (SILVA, LORETO e BIFANO, 2017).  

Já no período Republicano, em Santos, no ano de 1936, nasceu o primeiro Sindicato das Empregadas Domésticas no Brasil. Por iniciativa de Laudelina de Campos Melo (Minas Gerais 1904 – São Paulo 1991), mais conhecida como Dona Nina, seu papel foi importantíssimo para a categoria, para zelar por direitos que protegiam as empregadas domésticas e uma sindicalização.

Foi longo o caminho percorrido para trazer ao conhecimento social a valorização do trabalho doméstico. Primeiramente por diretrizes do Código Civil de 1916, que tratava sobre remuneração de todo espécie de serviço. Depois pelo Decreto nº. 16.107, de 30 de julho de 1923, que regulamentava os serviços prestados por essa espécie de trabalhador. Passando pelo Decreto-Lei n° 3.078 de 27 de novembro de 1941, que abordou aviso prévio, trabalho em residência, período de experiência e rescisão do contrato de trabalho do empregado doméstico. Também a chegada da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT em 1943, trazendo avanços e marcos sociais para os direitos trabalhistas, mas que simplesmente excluiu o trabalhador doméstico de seu regramento.

Segundo matéria do site G1 em outubro de 2020 sobre a trajetória de Dona Nina, “apenas em 1972 as empregadas domésticas puderam garantir direitos de carteira assinada e previdência, mas ainda com sérias restrições aos trabalhadores domésticos.” Isso ocorreu, por conta de um novo Decreto, o Decreto-Lei nº 5.859 de 11 de dezembro de 1972, regulamentado pelo Decreto 71.885 de 1973. Conferindo vários outros direitos como; férias remuneradas, previdência social e anotação em carteira de trabalho. Posteriormente a Constituição Federal de 1988, também abarcou direitos sociais dos trabalhadores domésticos em seu artigo 7º, porém, sem uma completude satisfatória e antidiscriminatória ao tratar dessa categoria.

Em períodos mais atuais, a promulgação da Emenda Constitucional 72 mais conhecida como da PEC das Domésticas, em 2012. Ampliando ainda mais os direitos desses trabalhadores pra uma jornada de trabalho de 8h por dia, totalizando 44 horas semanais, passando a ter direito às horas extra, para os com carteira de trabalho assinada; salário-maternidade, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, idade e tempo de contribuição, auxílio-acidente de trabalho, pensão por morte, entre outros (DOMÉSTICA LEGAL, 2018). Depois dos avanços da PEC a Lei complementar 150 de 2015 foi aprovada concedendo ao trabalhador doméstico os mesmos direitos de um trabalhador celetista, com exceção do Abono Salarial (PIS), insalubridade e o seguro-desemprego (que para a categoria dos domésticos é dividido em três parcelas no valor de um salário mínimo federal). Por meio da Convenção 189 e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e avanços sociais, foi possível o entendimento de que o trabalhador doméstico necessitaria ter os mesmos direitos dos outros trabalhadores, na Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017), que alterou mais de cem artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), também afeta o emprego doméstico, pois todos os pontos que não estão previstos na Lei Complementar 150, devem obedecer ao que diz a nova CLT, subsidiariamente. Dito isto, pode-se refletir sobre os estigmas dessa profissão, que carrega raízes históricas de escravidão, depreciação, abusos, desvalorização e invisibilidade.

 

Características do Empregado Doméstico

Segundo a Lei Complementar 150 de 1º de junho de 2015 em seu artigo 1º;

 

Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei. (BRASIL, 2015).

 

     Parágrafo único. É vedada a contratação de menor de 18 (dezoito) anos para desempenho de trabalho doméstico, de acordo com a Convenção nº 182, de 1999, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008. (BRASIL, 2015).

 

Dessa maneira, entende-se que todo empregado em âmbito residencial que não esteja trabalhando a produzir lucros à determinada pessoa ou família se encaixa na categoria. “São empregados domésticos; o mordomo, a cozinheira, o jardineiro, o motorista, a copeira, a governanta, a arrumadeira etc.” (MARTINS, 2020, pag. 90). Vale ressaltar que o trabalho doméstico não está destinado à figura feminina, podendo ser exercido por pessoa de qualquer gênero.

Sobre a produção de lucros à pessoa ou família que recebe os serviços é proibida, por exemplo, trabalhador que atue em uma chácara, onde acontece atividade lucrativa. Se houver atividade lucrativa não mais será empregado doméstico e terá seus serviços regidos pela CLT.

 “Em caso do empregado que presta serviços para chácara, há necessidade de se verificar se a chácara tem finalidade lucrativa ou não. Se se destina apenas a lazer o empregado será doméstico; se a chácara tem produção agropastoril que será comercializada, o empregado será rural.” (MARTINS, 2020, pag. 90).

 

Configurando-se mais de 2 dias de trabalho, ou seja, a partir de 3 dias de trabalho o empregado doméstico terá todos os seus direitos resguardados pela Lei Complementar 150/2015. No entanto, acreditando estar livres das obrigações de empregador, algumas famílias compartilham o mesmo empregado doméstico, sendo que em cada uma das residências o empregado trabalha apenas um ou dois dias. Por exemplo, a empregada Renta trabalha para duas irmãs, Silvia e Maria, às segundas e quartas-feiras, presta seus serviços à Silvia, às terças e quintas-feiras, presta serviços à Maria. Nesse caso, existe irregularidade. Por se tratar de residências de um mesmo grupo familiar, as irmãs deverão constituir vinculo empregatício conforme Lei Complementar 150 de 2015, cada uma com as devidas anotações e assinaturas da carteira de trabalho da empregada, onde especificarão detalhes da jornada parcial, com limite de 25 horas semanais em cada residência, salário, horário da jornada diária e tarefas realizadas.

Para os empregados de condomínios; “os empregados porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais são regidos pela CLT, desde que a serviço da administração do edifício e não de cada condômino em particular, art. 1º da Lei nº2.757, de 23 de abril de 1956.” (MARTINS, 2020, pag. 90).

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Portanto, existem peculiaridades que caracterizam o trabalhador doméstico, não podendo ser desconsideradas. Havendo sanções para a não observância da Lei.

 

Direitos do Empregado Doméstico

 

 Após o advento da Lei Complementar 150 de 2015, que trouxe complemento ao Artigo 7º da Constituição Federal/88, e das modificações na CLT, pela reforma trabalhista de 2017.

Constituem-se direitos do Empregado Doméstico;

  • Carteira de Trabalho e Previdência Social, Integração à Previdência Social;
  •  Salário, Salário Mínimo, Irredutibilidade Salarial, Isonomia salarial, 13º (décimo terceiro) salário, Remuneração do trabalho noturno;
  •  Jornada de trabalho, Remuneração do serviço extraordinário, Repouso semanal remunerado;
  •  Proibição de práticas discriminatórias;
  • Feriados civis e religiosos;
  • Férias;
  • Vale-transporte;
  • Aviso-prévio, Relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, Seguro-desemprego;
  • Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos;
  • Reconhecimento das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho;
  • Assistência gratuita aos filhos e dependentes;
  • Redução dos riscos inerentes ao trabalho;
  • Estabilidade no emprego em razão da gravidez, Licença à gestante, Licença paternidade;
  • Proteção contra praticas arbitrárias e demissões sem justa causa;
  • Salário-família;
  • Auxílio-doença;
  • Seguro contra acidentes de trabalho;
  • Aposentadoria;

 

Deveres do Empregado Doméstico

Além desses direitos o emprego doméstico deverá cumprir algumas obrigações, segundo Cartilha e-Social do Ministério do Trabalho e Previdência Social;

  • Apresentar Carteira de Trabalho e Previdência Social no ato se sua contratação;

Para obter a CTPS, o(a) trabalhador(a), portando uma foto 3x4 (desnecessária quando se tratar de CTPS informatizada), qualquer documento de identidade (Carteira de Identidade, Certidão de Nascimento ou Casamento, Título Eleitoral etc.), Cadastro de Pessoa Física (CPF), e comprovante de residência, deverá se dirigir à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), às Gerências Regionais ou às Agências de Atendimento ao Trabalhador, ou, ainda, ao Sistema Nacional de Empregos (SINE), sindicatos, prefeituras ou outros órgãos conveniados (artigos 13 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho). Em muitas unidades do MTPS, o atendimento é feito mediante agendamento prévio, no site: www.mte.gov.br. (BRASIL, 2015, pag. 21)

 

  • Comprovante de inscrição no NIS;

Número de Inscrição do Segurado, que pode ser a inscrição no PIS, PASEP, NIT - Número de Inscrição do Trabalhador no INSS, ou Número de cadastro em programas sociais do Governo Federal, caso já o possua. Não possuindo, o(a) empregador(a) deverá providenciar a inscrição no NIT. Esse cadastramento é feito pela internet, no endereço: www.previdencia.gov.br.  (BRASIL, 2015, pag. 21)

 

  • Ser assíduo(a) ao trabalho e desempenhar suas tarefas conforme instruções do(a) empregador(a);
  • Ao receber o salário, assinar recibo, dando quitação do valor percebido.
  •  Quando for desligado(a) do emprego, em qualquer hipótese de rescisão, apresentar sua CTPS para anotações;
  • Quando pedir dispensa, comunicar ao(à) empregador(a) sua intenção, com a antecedência mínima de 30 dias;

 

Considerações Finais

Notoriamente o trabalho doméstico é visto com menosprezo e até de forma discriminatória pela sociedade. Crianças com pais que exercem essa profissão, procuram não dizer em que seus pais trabalham, na busca por aceitação e por vergonha de expor o fato. Isso decorre do fracasso do sistema legislativo brasileiro em prover desde cedo, condições dignas e satisfatória à essa categoria.

 De acordo com o IBGE em 28 de maio de 2020, dados do período pandêmico Covid-19, em três meses após início da quarentena, 727 mil pessoas deixaram de trabalhar com os serviços domésticos no país, uma queda de 11,8% no período. Em 2021, o número já chega a 1,5 milhões de trabalhadores domésticos que deixaram seus empregos. O fato é, com a pandemia, muitas famílias acreditaram que o trabalhador doméstico poderia ser fonte de transmissão da doença, o que me lembrou o período de colonização, quando existiam leis apenas para proteção das famílias empregadoras, pois as negras escravas poderiam ser fonte de doenças e prejuízos. Acontece que faxineiros de empresas, hospitais, escritórios, condomínios, etc. Continuaram a exercer suas funções, mantendo-se como serviços essenciais, pois não são trabalhadores domésticos. Cabe reflexão! Não poderia ter sido elaborado em período pandêmico alguma legislação que regulasse o trabalho doméstico nesse período, para proteção do trabalhador e para que pudessem manter seus empregos?

Contudo, ainda se faz necessário o amparo sobre a dignidade e preservação de direitos fundamentais dos trabalhadores domésticos em nosso país. Para que aos poucos possamos construir plenas igualdades de condições para esses trabalhadores e erradicar a discriminação.

 

Referências

BIFANO, Amélia Carla Sobrinho; LORETO, Maria das Dores Saraiva de; SILVA, Deide Fátima da. Ensaio da história do trabalho doméstico no Brasil: um trabalho invisível. A Revista de Direito da Unimep - Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 17(32): 409-438, jan.-jun. 2017. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/index.php/cd/article/view/3052 . Acesso em 01/09/2021.

BRASIL. Ministério do Trabalho e da Assistência Social. Cartilha dos Direitos e Deveres dos Trabalhadores Domésticos. 6ª edição. Brasília, 2015. Disponível em: https://www.gov.br/esocial/pt-br/documentacao-tecnica/manuais/cartilha-trabalhadores-domesticos-direitos-e-deveres . Acesso em 26/09/2021.

BRASIL. Lei complementar nº 150, de 1º de junho de 2015. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/572905/publicacao/15614487. Acesso em 26/09/21.

BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm . Acesso em 26/09/21.

CONCENTINO, Luciana de Castro. O Empregado Doméstico e os Aspectos que o Diferencia do Celetista. Disponível em http://www.lfg.com.br. 13 de julho de 2009.

MARTINS, Sergio Pinto. Manual de Direito do Trabalho. 13ª Edição – São Paulo. Saraiva Educação, 2020. 416p.

PINTO, Tales. Cotidiano das mulheres negras no brasil colonial. Brasil Escola. Disponível em: https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/cotidiano-das-mulheres-negras-no-brasil-colonial.htm . Acesso em: 23/09/2021.

QUEM, foi Laudelina de Campos Melo, pioneira na luta por direitos de trabalhadores domésticos no Brasil. BBC News/ G1 Notícias. 12/10/2020 08h50. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/10/12/quem-foi-laudelina-de-campos-melo-pioneira-na-luta-por-direitos-de-trabalhadores-domesticos-no-brasil.ghtml . Acesso em 24/09/2021.

RIBEIRO FILHO, Francisco Domiro; RIBEIRO, Sofia Regina Paiva. Evolução histórico-jurídica do trabalho doméstico. Lex Humana, Petrópolis, v. 8, n. 2, p. 45-71, 2016, ISSN 2175-0947© Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil. Acesso em 01/09/2021. Disponível em:   http://seer.ucp.br/seer/index.php/LexHumana/article/view/1253

 

 

 

 

 

 

Sobre a autora
Shirley Matos Garcia

Sou uma estudante de Direito criativa, motivada, dedicada e colaborativa. Minhas colegas descrevem-me como uma pessoa de atitudes positivas e proativa na solução de problemas, demonstrando empatia pelas pessoas e entusiasmo pela vida.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado como trabalho bimestral para a Disciplina de Direito do Trabalho 2021.2 FICS. Professor Gleibe Pretti.

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