Uma justiça tardia violenta os direitos humanos, porque fere, brutalmente, a dignidade humana, resguardada pela Carta Federal e pela Declaração dos Direitos do Homem, e, acima de tudo, sevicia a consciência e torna inócua a norma constitucional de que a todos ficam assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
A sociedade transforma-se numa velocidade incrível. Os novos tempos exigem a superação de formas tradicionais, visto que, a partir da última centúria, com as novas conquistas científicas e técnicas, o mundo apequenou-se e o tempo e o espaço tornaram-se conceitos inexistentes e totalmente ultrapassados na era da cibernética, dos transportes revolucionários e das comunicações que excedem a velocidade do som.
No momento em que o homem se supera e atinge o pequeno satélite lunar, que deixa de ser o mundo da fantasia, dos sonhos e o berço encantado dos enamorados, para se tornar um ponto de encontro real, e os planetas poderão em breve transformar-se em conquistas e presas como o fora o Novo Mundo, há apenas alguns séculos, não é crível que uma demanda judicial e mesmo um processo administrativo somente sejam solucionados após dezenas de anos, quando então já não mais terão qualquer significado ou porque as partes faleceram ou porque não mais despertam interesse, em virtude do tempo decorrido. Serão apenas um capítulo da história. É um verdadeiro paradoxo.
A burocracia, os meandros e labirintos dos processos, a estrutura arcaica e a estupidez humana lembram o mundo tenebroso e tenso construído por Kafka, no final do século XIX e início do século XX. De lá para cá pouca coisa mudou, apesar do progresso estonteante e da grita daqueles que desejam apenas uma pitada de justiça em tempo que ainda possam usufruir. Ou, como escreve a Ministra Nancy Andrighi, "o processo vale pelos resultados produzidos na vida das pessoas, não devendo o magistrado ater-se apenas aos requisitos processuais. Cabe-lhe precipuamente a função de pacificador social, visando afastar os conflitos com justiça". [1]
A propalada reforma do Judiciário, de 2004, pouco ou nada trouxe. Também não basta a substituição das decisões escritas por termos orais ou a informatização dos serviços judiciários. É preciso mais: uma mudança radical da mentalidade das pessoas, o aumento sensível do número de juízes e de tribunais e a total reconstrução do edifício arcaico, pois não se justifica que, para uma população de quase 200 milhões de habitantes, se forneçam os mesmos serviços e a mesma estrutura de há um século.
As constantes reformulações do Código de Processo, em fatias (a cada dia ocorre uma modificação assistemática e desordenada), transformam esse diploma em uma colcha de retalhos ininteligível e esotérica ou num monstrengo, tal qual Frankenstein, contrariando a boa técnica legislativa e a Ciência do Direito.
Estas alterações só criam confusões, castigam os intérpretes e não resolvem as questões estruturais.
Novos instrumentos devem ser utilizados para minimizar a trágica e caótica situação em que vivemos. A arbitragem é uma das alternativas, assim como a mediação e a conciliação. A Juíza Federal Mônica Sifuentes, em excelente estudo, preconiza a adoção de meios alternativos para resolver a aflitiva situação da morosidade da Justiça, como remédio eficaz ao sofrimento de que padecem os jurisdicionados. Sobre o recém-criado Juizado Especial diz, com muita propriedade, que se abriu uma porta, mas esqueceu- se da porta de saída.
Lembra a experiência anglo-saxônica dos Tribunais Multiportas – Multi-Door Courthouse –, citada por Galanter, com a integração, num único lugar, de várias formas de resolução de conflitos, sem exclusão da judicial. A característica fundamental desse tribunal reside no procedimento inicial, em que, "ao se apresentar perante determinado tribunal, a pessoa passa por uma triagem para verificar qual processo seria mais recomendável para o conflito que a levou ao Poder Judiciário. Pode, assim, ser direcionada primeiramente para a porta da Administração Pública, ou, então, para a porta dos conciliadores extrajudiciais, antes de ser encaminhada à Justiça." [2]
A Lei nº 9.307, de 1996, completou dez anos, fruto do esforço notável do Senador Marco Maciel, e representou um grande marco, aprimorando o instituto. Nesse campo, realmente, o direito brasileiro experimentou enorme progresso, ao autorizar que também as entidades de direito público se submetam à arbitragem para solucionar os litígios por meio amigável, mercê da legislação vigente, como a lei de concessão e permissão de serviços públicos, a lei de parcerias público-privadas e os diplomas legislativos que criaram as diversas autarquias, v.g., Agência Nacional do Petróleo e Agência Nacional de Transportes Terrestres.
A arbitragem e a reforma do Judiciário
A Proposta de Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário, aprovada na Câmara dos Deputados, inseriu um parágrafo ao art. 98, dando permissão aos interessados para resolverem seus conflitos por meio da arbitragem. Trata-se de conquista sem precedentes. [3] Não obstante, ao afastar as entidades de direito público, vedando-lhes esse direito, operou um retrocesso merecedor do mais veemente repúdio. Eis o texto, tal qual veio da Câmara:
"Ressalvadas as entidades de direito público, os interessados em resolver seus conflitos de interesse poderão valer-se do juízo arbitral, na forma da lei".
No Senado, contudo, o Senador José Jorge proferiu parecer no sentido de suprimir a ressalva do referido preceito, com o que essas entidades de direito público poderão continuar a submeter os litígios ao juízo arbitral. Em memorável sessão, o Senador Romeu Tuma apresentou destaque (DVS 935) com o objetivo de manter-se a orientação do Relator.
O Senador Marco Maciel foi um ardoroso defensor dessa idéia, que recebeu a anuência de seus pares. Assim, parte da PEC, que teve alterações em seu texto, incluindo esse destaque, retornou à Câmara dos Deputados, para nova votação, e tomou o número 358/05. Eis a redação consagrada pelo Senado:
"Art. 98, § 3º – Os interessados poderão valer-se de juízo arbitral, na forma da lei." [4]
Na Câmara dos Deputados, a Comissão Especial apresentou, em 06.12.06, o Substitutivo subscrito pelo Relator, Deputado Paes Landim (PEC n° 358-A/05 – apensos PECs nºs 146/03 e 377/05, consulta em 11.12.06, in www2.camara.gov.br/proposicoes), verbis:
"Os interessados em resolver seus conflitos de interesse poderão valerse de juízo arbitral, na forma da lei".
Este texto, que vai a Plenário, para votação, não altera a essência da redação do Senado e convola a submissão de entidades de direito público ao juízo arbitral.
Sentença arbitral e execução extrajudicial
O Ministro José Augusto Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, manifesta apoio à nossa tese de que a Lei nº 9.307, de 1996, deve ser aprimorada "para permitir que suas decisões sejam executadas imediatamente, quando não atendidas pela parte vencida, sem necessidade da intervenção do Judiciário...", impondose ao vencido que não cumprir a sentença arbitral a pena de multa, autorizando a lei, desde logo, a expedição de ofício do mandado executório e utilizando-se, mediante simples permissão do juiz da comarca, dos meios coercitivos facultados pelo Código de Processo Civil. [5]
A lei brasileira, no que diz respeito à execução da sentença arbitral condenatória, sem embargo de esta constituir título executivo judicial, autoriza a parte interessada pleitear ao Poder Judiciário a decretação da nulidade da sentença, nos casos previstos na lei, ou ainda mediante ação de embargos do devedor, segundo o disposto no art. 741 do CPC, modificado pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Também a instituição da arbitragem, em caso de resistência de uma das partes, se houver cláusula compromissória, caberá ao juiz togado fazê-lo.
Desta forma, o que se resolveria em, no máximo, cento e oitenta dias, poderá levar anos, devido à morosidade da Justiça, cuja culpa não cabe absolutamente aos magistrados, dedicados e cultos, mas sim à estrutura do Judiciário e à processualística retrógrada e burocratizante.
Nem a parte da reforma do Judiciário em vigor, nem as alterações fatiadas do Código de Processo Civil, que ocorrem a cada instante, conseguem resolver a contento a dramática situação que a todos aflige, notadamente a magistrados e advogados. Isto apesar das modificações trazidas pela citada Lei nº 11.232/05.
Sugerimos que a execução da sentença arbitral se faça, com a necessária adaptação, nos moldes da execução extrajudicial prevista no Decreto-Lei nº 70, de 1966, julgado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. [6]
Modelo goiano
Goiás, dando um grande passo à frente, revolucionou o sistema de justiça alternativa, graças à composição de forças e ao apoio indiscutível do Poder Judiciário local. Este modelo já foi adotado pelos Estados de Tocantins e de Mato Grosso.
É o entrelaçamento entre o Judiciário e a justiça alternativa.
Pelo Protocolo firmado [7], o Tribunal goiano pôs à disposição da Corte de Arbitragem um juiz de direito, na qualidade de supervisor, e um juiz coordenador de todas as Cortes de Conciliação e Arbitragem de Goiás, além do oficial de justiça, do mensageiro judicial e do escrivão.
Este convênio estabelece as bases para as relações conjuntas no domínio da cooperação técnica, objetivando a pacificação entre os jurisdicionados, no âmbito da legislação civil, comercial e administrativa, por intermédio da mediação, conciliação e arbitragem. Também o processo que tramita pela Justiça Comum poderá, a requerimento de qualquer das partes, ser remetido para a Corte Arbitral, para tentativa de autocomposição ou julgamento.
Por outro lado, reza o citado Protocolo que, se a sentença arbitral contiver disposição mandamental, a parte vencedora poderá pedir na própria Corte Arbitral a expedição do mandado provisório, assinado pelo árbitro e visado pelo juiz de direito supervisor, em virtude do efeito apenas devolutivo das ações de nulidade.Mais, todos os atos se praticam no juízo arbitral.
Dia Nacional da Conciliação
O Dia Nacional da Conciliação constituiu-se num imenso mutirão sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça, em parceria inédita com associações de magistrados, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Federal de Psicologia e Associação Brasileira de Agências de Propaganda, entre outros, e envolveu tribunais e juizados especiais de todo o País, com o objetivo de resolver, por simples e rapidíssimo acordo entre as partes, contendas que correm, há anos, nos pretórios judiciais, e ainda aquelas que sequer se transformaram em ações.
No discurso proferido na cerimônia de abertura do Dia Nacional da Conciliação, em solenidade realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, lembrou a Ministra Ellen Gracie Northfleet, Presidente do STF e do CNJ, que "existem várias experiências internacionais em conciliação de controvérsias, com modelos bem-sucedidos, que podem ser aproveitados no Brasil". E, corroborando a sua fala, mencionou uma série de iniciativas, no País, com resultados extremamente satisfatórios.
Oxalá essa experiência tenha continuidade, como expressão de cidadania e de respeito aos jurisdicionados!
Por oportuno, cite-se que a Ministra Nancy Andrighi, em memorável e inédita audiência na Instância Superior, instara as partes a conciliar-se, após anos de tortura, em disputa judicial, como forma razoável de terminar um feito que se arrastara por tanto tempo, consoante narrado na medida cautelar citada.
Código de Ética
Faz-se necessário que o Congresso Nacional edite lei contendo o Código Ética, com normas rigorosas e penalidades de natureza civil e penal, em caso violação da lei por parte do árbitro. Em hipótese de transgressão da lei, cumprirá ao Ministério Público tomar as providências cabíveis e encaminhá-las órgão do Poder Judiciário competente, julgamento do árbitro infrator.
Conclusão
A arbitragem e outros meios alternativos de conciliação de conflitos, na área privada e na área pública, quer no campo interno, quer no campo internacional, constituem ferramentas eficazes e rápidas, desnudadas da burocracia e do formalismo deletérios.
Não obstante, é preciso avançar mais, aperfeiçoando-se a lei de regência da arbitragem, no sentido de permitir que todos os atos, inclusive a execução da sentença arbitral e a ação de nulidade, se processem e se decidam nas Cortes Arbitrais.
Notas
1 Cf. MC nº 9796-GO – STJ (2005/0048663-4).
2 Cf. Tribunal Multiportas. In Revisa Jurídica Consulex, 222, 15 de abril de 2006, pp. 26-31.
3 Portugal incluiu a arbitragem na Constituição (art. 209) 7ª Revisão, 2005. www.parlamento/ pt/const_leg/crp_port/ (consulta na Internet realizada em 11.12.06).
4 Cf. nossos artigos A arbitragem e sua evolução, Revista Jurídica Consulex nº 174, de 15.04.04; A Arbitragem e a Reforma do Judiciário, Correio Braziliense, Suplemento Direito e Justiça, de 29 de novembro de 2004.
5 Cf. Entrevista à Revista Jurídica Consulex nº 161, de 30 de setembro de 2004, p. 11,Editora Consulex, Brasília, DF.
6 Cf.nosso trabalho na Revista Prática Jurídica nº 47, Consulex, de 28.02.06; e, ainda, Uma Nova Visão da Arbitragem, 1ª parte, publicada na Revista Tributária e de Finanças Públicas, RT, nº. 58, setembro-outubro de 2004, 2ª parte, publicada na Revista Tributária e de Finanças Públicas nº 59, novembro/dezembro 2004; publicação integral no nº 39, setembro de 2004, na Revista Portuguesa de Direito do Consumidor, Coimbra, Portugal, bem como em sites da internet. Cf. também artigo do Ministro José Delgado, A Arbitragem no Brasil – Evolução Histórica e Conceitual, na internet, no site www.arbitragem.com.br/artigo%20Arbitraggem%20%Jos%E9%20Augusto%20.Delgado.htm
7 Cf. Protocolo de Interação e Cooperação Técnica, Jurídico-Administrativa, entre o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – TJ/ GO, a AGA – Associação Goiana dos Advogados e a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Goiás. A duração deste convênio é por tempo indeterminado (cf. Revista Prática Jurídica cit.).