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Natureza penal da sanção por improbidade administrativa

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8. Princípio da Proporcionalidade

          No direito penal o agente que comete ilícito deve ser punido proporcionalmente ao fato. Para tanto a lei outorga ao magistrado parâmetros punitivos, isto é, penas máxima e mínima, bem como a plausibilidade de multa em alguns casos (desde que expressamente previsto).

          Para tanto o julgador vale-se, fundamentalmente, da culpabilidade do agente e demais circunstâncias judiciais, além das eventuais existências de causas agravantes/atenuantes e de aumento/diminuição da pena.

          Exegese idêntica vem sendo admitida em nossos tribunais, sob o nome de proporcionalidade.

          Assim é que, apesar da lei apontar todas as sanções, não necessariamente elas deverão ser aplicadas concomitantemente. Ou seja, poderá o julgador aplicar somente uma, ou algumas delas, pautando, conquanto, na culpabilidade do agente.

          Trazemos à colação alguns julgados para ilustramos essa abordagem.

          Recurso Especial nº 513576/MG, cujo relator foi o Ministro Francisco Falcão:

          "Reconhecida a ocorrência de fato que tipifica improbidade administrativa, cumpre ao juiz aplicar a correspondente sanção. Para tal efeito, não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as conseqüências da infração, individualizando-as, se for o caso, sob os princípios de direito penal. O que não se compatibiliza com o direito é simplesmente dispensar a aplicação da pena em caso de reconhecida ocorrência da infração".

          Ainda, há o Recurso Especial nº 505068, de relato do Ministro Luiz Fux, cuja ementa e acórdão parcial são nos seguintes termos:

          "ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR NA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA Nº 07/STJ.

          As sanções do art. 12, da Lei nº 8.429/92 não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; alias, como deixa claro o Parágrafo Único do mesmo dispositivo. No campo sancionatório, a interpretação deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudência do E. STJ".

          No mesmo sentido ainda o Recurso Especial nº 794.155-SP, sendo relator Ministro Castro Meira e Recurso Especial nº 300.184-SP.

          Há mesmo quem sustente, inclusive, a atipicidade do fato tendo em vista a pequena potencialidade ofensiva do ato ímprobo. Exemplificando o caso em nossa jurisprudência é de bom tom trazer parte do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial de número 714935/PR, cujo relator foi o Ministro Castro Meira:

          "In casu, face a inexistência de lesividade ao erário público, bem como pela natureza de ‘pequeno potencial ofensivo’ do ato impugnado, incabível a incidência de qualquer das penalidades descritas no art. 12, inciso III, da Lei de Improbidade Administrativa".

          Portanto, contornos essencialmente penais foram dados à lei em voga, não restando, a nós, menor dúvida quanto a está característica, mas adentramos ainda em outros aspectos a seguir.


9. Natureza Jurídica da Sentença

          Seguindo esta linha de raciocínio deve-se abordar mais enfaticamente a questão da sentença nessas ações.

          Não corrobora-se, novamente, com aqueles que dizem ser tais atos judiciais, em processos apurativos de improbidade administrativa, meramente cíveis. Mas o que seria o direito civil?

          Deve-se, assim, de antemão, trazer ao enfoque o que pode ser utilizado para determinar o aspecto civil. Para tanto faz-se uso das palavras do ilustre André Franco Montoro [20].

          "Direito civil é o Direito Privado Comum

          "É Direito Privado Comum porque disciplina as relações jurídicas ou os direitos e deveres de todas as pessoas, enquanto pessoas, e não na condição especial de empregado, empregador, estrangeiro, nacional, etc.

          "E essas relações ou direitos, comuns a todos os homens, se resumem a três categorias fundamentais: a) relações puramente pessoais, como são as relativas ao estado e capacidade das pessoas; b) relações de família ou parentesco, decorrentes do vínculo familiar e; c) relações patrimoniais, representadas pelos direitos reais, como a propriedade, pelas obrigações de valor econômico e pela sucessão hereditária".

          Em contrapartida, tem-se que o direito penal caracteriza-se da seguinte forma, nos ditames de Zaffaroni e Pierangeli [21]:

          "A legislação penal se distingue da restante legislação pela especial conseqüência que associa à infração penal (delito): a coerção penal, que consiste quase exclusivamente na pena".

          Portanto, abordado o que seja o direito civil e o direito penal nas exíguas, mas imperiosas palavras acima mencionadas, vê-se que não se pode atribuir mero caráter civil às penas elencadas na Constituição Federal e na Lei de Improbidade Administrativa. Possuem notável característica penal.

          Neste passo, as penas deverão ser aplicadas quando, procedente o pedido, verificar-se a prática de ato de improbidade administrativa sendo, para tanto, proferida sentença condenatória. Mas de que natureza?

          Alexandre Freitas Câmara [22] ensina o que segue acerca da sentença condenatória de âmbito cível:

          "Parece-nos que a única forma de conceituar a sentença condenatória levando-se em consideração seu conteúdo, e não seus efeitos, é adotando a posição de Couture e Fazzalari, e afirmar a existência, na sentença condenatória, de um elemento consistente num comando, uma imposição dirigida pelo juiz ao réu a fim de que se cumpra uma prestação de dar, fazer ou não fazer".(sem grifo no original)

          Resta claro, disso tudo, que o objeto da sentença condenatória cível é uma prestação de dar, fazer ou não fazer. E isto não é todo o objeto das Ações de Improbidade Administrativa, ainda que levem o nome de ações cíveis.

          É uma sentença que irá apreciar a imputação da existência da materialidade delituosa, a autoria do respectivo fato, valorar acerca da aplicação da pena ao sujeito e, por fim, aplicá-la.

          São sanções que restringem direitos constitucionais e legais conferidos às pessoas em caráter geral. São direitos do homem, e não direitos meramente patrimoniais.

          Concluindo, em face de estar diante de direito penal, e não civil, as sentenças seguirão o objeto tratado, ou seja, serão sentenças condenatórias de natureza penal.


10. Presunção do Estado de Inocência

          Outra garantia constitucional disposta pela lei em comento para corroborar-lhe o caráter penal é a presunção do estado de inocência do réu submetido a julgamento pelas condutas tipificadas.

          Na Carta Magna tal é a redação:

          Art. 5º...

          LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

          Veja-se que é expresso o termo "sentença penal condenatória". Não se fala em sentença civil ou de qualquer outra sentença de natureza jurídica diversa.

          Em sintonia ao mencionado, a Lei de Improbidade Administrativa taxativamente prescreve:

          Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivarão com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

          Diante disto, e mais todo o já abordado, não resta dúvida acerca da natureza penal de referida lei e sanções, uma vez que a Suprema Carta dispõe que o princípio da presunção do estado de inocência somente se aplica às sanções penais e, em face disto, de forma simétrica, se comporta a legislação.

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11. Aplicação Subsidiária das Normas Processuais Penais

          É válida ainda a observação de que a lei de improbidade administrativa remete alguns de seus aspectos processuais, de forma subsidiária, ao Código de Processo Penal.

          Isto consta do parágrafo 12 do artigo 17 da Lei de Improbidade Administrativa que dispõe.

          Em contrapartida a isto, a Lei de Ação Civil Pública, a qual possui, de fato, natureza civil remete seus aspectos processuais subsidiários ao Código de Processo Civil, tudo conforme se averigua no artigo 19 da Lei 7.347/85.

          Portanto, analisando-se a ratio legis da Improbidade Administrativa sob este ângulo, é visto que sua natureza é penal, ou seja, é determinada a aplicação das regras processuais penais, e não cíveis.


NOTAS

  1. NEIVA, José Antonio Lisboa. Improbidade Administrativa. Niterói: Impetus, 2006, 2ª edição, p. 125.
  2. A lei deve ser clara e precisa, de forma que o destinatário da lei possa compreendê-la, possa determinar-se de acordo com seus postulados, tudo para conferir-lhe maior segurança jurídica no seio social; sendo vedada, portanto, com base em tal princípio, a criação leis que, visando à punição de agentes, contenham conceitos vagos ou imprecisos. Assim, deve-se aplicar a máxima determinação.
  3. SARMENTO, Geroge. Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002.
  4. COSTA, José Armando da. Contorno Jurídico da Improbidade Administrativa. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, 3ª edição..
  5. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001.
  6. MEIRELESS, Hely Lopes. Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 2005, 28ª edição, p. 211.
  7. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2004, 6ª edição, p. 155.
  8. O próprio Código Penal Brasileiro, em seu artigo 91 determina, dentre os efeitos da condenação, a certeza da obrigação de reparação do dano sofrido pela vítima. Assim, o caráter patrimonialista se faz presente por disposição legal quando das sentenças penais condenatórias.
  9. GUIBOURG, Ricardo. Derecho, sistema y realidad. Buenos Aires: Astrea, 1986, p. 74: "Si vemos el derecho como heramienta para el domínio social, de poco valen el concepto de validez, los critérios de admissibilidad formal, las discusiones sobre organización jerárquica, salvo mitos que integran la estructura fáctica de aquel domínio. Solo valen, em definitiva, lãs relaciones de poder entre los indivíduos; y em este \mbiente de Realpolitik no es oro – institucionalmente hablando – todo que reluce".
  10. ALMEIDA, Jorge Luiz. Da ação popular e o Ministério Público. São Paulo: Justitia – Anais do I Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1971, p. 279.
  11. SION, Leão Vidal. Da ação popular e o Ministério Público: o Ministério Público como titular obrigatório do exercício da ação popular: São Paulo: Justitia, Anais do I Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1971, p. 281.
  12. PEREIRA, André Gonçalves. Erro e ilegalidade no acto administrativo. Lisboa: 1962, p. 83.
  13. ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manuel de Direito Penal Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 5ª edição, p. 101.
  14. GARCIA, Emerson e PACHECO, Alves Rogério. Improbidade administrativa. Rio: Editora Lúmen Juris, 2002, p. 187.
  15. No caso presente salta-se aos olhos o principio tão propugnado da excepcionalidade do tipo culposo. Ou seja, a regra é a punição de quaisquer agentes pelo fato tido como doloso, sendo de caráter excepcional a punição a título de culpa. E isto somente ocorrerá se previsto expressamente na lei, caso contrário aquele que comete ilícito na forma culposa, sendo esta não prevista em lei, ter-se-á como atípico o fato.
  16. Cumpre deixar claro que se assim fosse possível, isto é, a punição do agente que é inábil, restringir-se-ia o acesso à plena cidadania. Vigora no nosso Estado a representatividade da vontade do povo, sendo uma de suas expressões o voto. Quaisquer daqueles que se habilitem para a concorrência do certame, se pela vontade soberana do povo forem dados como eleitos, cumprida está a plenitude da cidadania. Portanto, restringir o acesso à representação somente àqueles que se julgarem hábeis a administração pública seria um contra-senso à democracia, uma vez que prevaleceria aspectos técnicos à vontade popular, bem como estaria eivada de constitucionalidade qualquer proposta neste sentido, pois o legislador estaria restringindo um direito constitucionalmente assegurado em sua plenitude, somente admissíveis as limitações impostas pelo mesmo diploma legal
  17. DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 376.
  18. Op. Cit., p. 444.
  19. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal Parte Geral, Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2003, 3ª edição, p. 457.
  20. MONTORO, André Franco. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, 25ª edição, p. 420.
  21. Op. Cit. P. 85.
  22. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Vol. 1, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006, 14ª edição, p. 448.

BIBLIOGRAFIA

          ALMEIDA, Jorge Luiz. Da ação popular e o Ministério Público. São Paulo: Justitia – Anais do I Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1971.

          ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2004, 6ª edição.

          BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal Parte Geral, Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2003, 3ª edição.

          CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Vol. 1, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006, 14ª edição.

          COSTA, José Armando da. Contorno Jurídico da Improbidade Administrativa. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, 3ª edição

          DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001.

          DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

          GARCIA, Emerson e PACHECO, Alves Rogério. Improbidade administrativa. Rio: Editora Lúmen Juris, 2002.

          GUIBOURG, Ricardo. Derecho, sistema y realidad. Buenos Aires: Astrea, 1986.

          MEIRELESS, Hely Lopes. Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 2005, 28ª edição.

NEIVA, José Antonio Lisboa. Improbidade Administrativa. Niterói: Impetus, 2006, 2ª edição.

          MONTORO, André Franco. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, 25ª edição.

          PEREIRA, André Gonçalves. Erro e ilegalidade no acto administrativo. Lisboa: 1962.

          SARMENTO, Geroge. Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002.

          SION, Leão Vidal. Da ação popular e o Ministério Público: o Ministério Público como titular obrigatório do exercício da ação popular: São Paulo: Justitia, Anais do I Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1971.

          ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manuel de Direito Penal Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 5ª edição.

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Sobre os autores
Vanderlei Anibal Junior

advogado em Cravinhos (SP)

Sergio Roxo da Fonseca

procurador de Justiça do Estado de São Paulo aposentado, advogado em Ribeirão Preto (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANIBAL JUNIOR, Vanderlei ; FONSECA, Sergio Roxo. Natureza penal da sanção por improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1287, 9 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9372. Acesso em: 25 abr. 2024.

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