9. Natureza Jurídica da Sentença
Seguindo esta linha de raciocínio deve-se abordar mais enfaticamente a questão da sentença nessas ações.
Não corrobora-se, novamente, com aqueles que dizem ser tais atos judiciais, em processos apurativos de improbidade administrativa, meramente cíveis. Mas o que seria o direito civil?
Deve-se, assim, de antemão, trazer ao enfoque o que pode ser utilizado para determinar o aspecto civil. Para tanto faz-se uso das palavras do ilustre André Franco Montoro 20.
"Direito civil é o Direito Privado Comum
"É Direito Privado Comum porque disciplina as relações jurídicas ou os direitos e deveres de todas as pessoas, enquanto pessoas, e não na condição especial de empregado, empregador, estrangeiro, nacional, etc.
"E essas relações ou direitos, comuns a todos os homens, se resumem a três categorias fundamentais: a) relações puramente pessoais, como são as relativas ao estado e capacidade das pessoas; b) relações de família ou parentesco, decorrentes do vínculo familiar e; c) relações patrimoniais, representadas pelos direitos reais, como a propriedade, pelas obrigações de valor econômico e pela sucessão hereditária".
Em contrapartida, tem-se que o direito penal caracteriza-se da seguinte forma, nos ditames de Zaffaroni e Pierangeli 21:
"A legislação penal se distingue da restante legislação pela especial conseqüência que associa à infração penal (delito): a coerção penal, que consiste quase exclusivamente na pena".
Portanto, abordado o que seja o direito civil e o direito penal nas exíguas, mas imperiosas palavras acima mencionadas, vê-se que não se pode atribuir mero caráter civil às penas elencadas na Constituição Federal e na Lei de Improbidade Administrativa. Possuem notável característica penal.
Neste passo, as penas deverão ser aplicadas quando, procedente o pedido, verificar-se a prática de ato de improbidade administrativa sendo, para tanto, proferida sentença condenatória. Mas de que natureza?
Alexandre Freitas Câmara 22 ensina o que segue acerca da sentença condenatória de âmbito cível:
"Parece-nos que a única forma de conceituar a sentença condenatória levando-se em consideração seu conteúdo, e não seus efeitos, é adotando a posição de Couture e Fazzalari, e afirmar a existência, na sentença condenatória, de um elemento consistente num comando, uma imposição dirigida pelo juiz ao réu a fim de que se cumpra uma prestação de dar, fazer ou não fazer".(sem grifo no original)
Resta claro, disso tudo, que o objeto da sentença condenatória cível é uma prestação de dar, fazer ou não fazer. E isto não é todo o objeto das Ações de Improbidade Administrativa, ainda que levem o nome de ações cíveis.
É uma sentença que irá apreciar a imputação da existência da materialidade delituosa, a autoria do respectivo fato, valorar acerca da aplicação da pena ao sujeito e, por fim, aplicá-la.
São sanções que restringem direitos constitucionais e legais conferidos às pessoas em caráter geral. São direitos do homem, e não direitos meramente patrimoniais.
Concluindo, em face de estar diante de direito penal, e não civil, as sentenças seguirão o objeto tratado, ou seja, serão sentenças condenatórias de natureza penal.
10. Presunção do Estado de Inocência
Outra garantia constitucional disposta pela lei em comento para corroborar-lhe o caráter penal é a presunção do estado de inocência do réu submetido a julgamento pelas condutas tipificadas.
Na Carta Magna tal é a redação:
Art. 5º...
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Veja-se que é expresso o termo "sentença penal condenatória". Não se fala em sentença civil ou de qualquer outra sentença de natureza jurídica diversa.
Em sintonia ao mencionado, a Lei de Improbidade Administrativa taxativamente prescreve:
Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivarão com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Diante disto, e mais todo o já abordado, não resta dúvida acerca da natureza penal de referida lei e sanções, uma vez que a Suprema Carta dispõe que o princípio da presunção do estado de inocência somente se aplica às sanções penais e, em face disto, de forma simétrica, se comporta a legislação.
11. Aplicação Subsidiária das Normas Processuais Penais
É válida ainda a observação de que a lei de improbidade administrativa remete alguns de seus aspectos processuais, de forma subsidiária, ao Código de Processo Penal.
Isto consta do parágrafo 12 do artigo 17 da Lei de Improbidade Administrativa que dispõe.
Em contrapartida a isto, a Lei de Ação Civil Pública, a qual possui, de fato, natureza civil remete seus aspectos processuais subsidiários ao Código de Processo Civil, tudo conforme se averigua no artigo 19 da Lei 7.347/85.
Portanto, analisando-se a ratio legis da Improbidade Administrativa sob este ângulo, é visto que sua natureza é penal, ou seja, é determinada a aplicação das regras processuais penais, e não cíveis.
BIBLIOGRAFIA
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ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manuel de Direito Penal Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 5ª edição.
Notas
NEIVA, José Antonio Lisboa. Improbidade Administrativa. Niterói: Impetus, 2006, 2ª edição, p. 125.
A lei deve ser clara e precisa, de forma que o destinatário da lei possa compreendê-la, possa determinar-se de acordo com seus postulados, tudo para conferir-lhe maior segurança jurídica no seio social; sendo vedada, portanto, com base em tal princípio, a criação leis que, visando à punição de agentes, contenham conceitos vagos ou imprecisos. Assim, deve-se aplicar a máxima determinação.
SARMENTO, Geroge. Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002.
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MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 2005, 28ª edição, p. 211.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2004, 6ª edição, p. 155.
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O próprio Código Penal Brasileiro, em seu artigo 91 determina, dentre os efeitos da condenação, a certeza da obrigação de reparação do dano sofrido pela vítima. Assim, o caráter patrimonialista se faz presente por disposição legal quando das sentenças penais condenatórias.
GUIBOURG, Ricardo. Derecho, sistema y realidad. Buenos Aires: Astrea, 1986, p. 74: "Si vemos el derecho como heramienta para el domínio social, de poco valen el concepto de validez, los critérios de admissibilidad formal, las discusiones sobre organización jerárquica, salvo mitos que integran la estructura fáctica de aquel domínio. Solo valen, em definitiva, lãs relaciones de poder entre los indivíduos; y em este /mbiente de Realpolitik no es oro – institucionalmente hablando – todo que reluce".
ALMEIDA, Jorge Luiz. Da ação popular e o Ministério Público. São Paulo: Justitia – Anais do I Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1971, p. 279.
SION, Leão Vidal. Da ação popular e o Ministério Público: o Ministério Público como titular obrigatório do exercício da ação popular: São Paulo: Justitia, Anais do I Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1971, p. 281.
PEREIRA, André Gonçalves. Erro e ilegalidade no acto administrativo. Lisboa: 1962, p. 83.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manuel de Direito Penal Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 5ª edição, p. 101.
GARCIA, Emerson e PACHECO, Alves Rogério. Improbidade administrativa. Rio: Editora Lúmen Juris, 2002, p. 187.
No caso presente salta-se aos olhos o principio tão propugnado da excepcionalidade do tipo culposo. Ou seja, a regra é a punição de quaisquer agentes pelo fato tido como doloso, sendo de caráter excepcional a punição a título de culpa. E isto somente ocorrerá se previsto expressamente na lei, caso contrário aquele que comete ilícito na forma culposa, sendo esta não prevista em lei, ter-se-á como atípico o fato.
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Cumpre deixar claro que se assim fosse possível, isto é, a punição do agente que é inábil, restringir-se-ia o acesso à plena cidadania. Vigora no nosso Estado a representatividade da vontade do povo, sendo uma de suas expressões o voto. Quaisquer daqueles que se habilitem para a concorrência do certame, se pela vontade soberana do povo forem dados como eleitos, cumprida está a plenitude da cidadania. Portanto, restringir o acesso à representação somente àqueles que se julgarem hábeis a administração pública seria um contra-senso à democracia, uma vez que prevaleceria aspectos técnicos à vontade popular, bem como estaria eivada de constitucionalidade qualquer proposta neste sentido, pois o legislador estaria restringindo um direito constitucionalmente assegurado em sua plenitude, somente admissíveis as limitações impostas pelo mesmo diploma legal
DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 376.
Op. Cit., p. 444.
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal Parte Geral, Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2003, 3ª edição, p. 457.
MONTORO, André Franco. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, 25ª edição, p. 420.
Op. Cit. P. 85.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Vol. 1, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006, 14ª edição, p. 448.