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Direito dos contratados em caráter temporário pela Lei estadual nº 500/74 ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)

14/01/2007 às 00:00
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No Estado de São Paulo, a contratação temporária dos servidores públicos ocorre nos termos da Lei Estadual nº 500/74, sendo que, em algumas Secretarias, os contratados são concursados e que estão aguardando vaga para serem nomeados para cargo público e, em outras, como a Secretaria da Educação, os admitidos se submetem apenas a um processo seletivo de atribuição de aulas, em que podem participar todos que possuem a habilitação exigida para lecionar no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

Quando ocorre a cessação da necessidade de serviço, seja pela volta do titular do cargo ou pelo provimento do cargo vago, o servidor é dispensado, sem o direito a qualquer indenização, de forma que possa prover as suas necessidades básicas até conseguir um novo trabalho.

A contratação temporária para atender necessidade de excepcional interesse público está prevista no artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, nos seguintes termos: "a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público".

Como se vê, na administração pública, pode haver casos de contratação em caráter temporário, cujos servidores, embora não ocupem cargos ou empregos públicos, são considerados servidores que exercem função pública.

Quanto à questão da contratação temporária, há doutrinadores que defendem que não há impedimento da contratação de servidores para cargos ou funções de natureza permanente, desde que a necessidade vier a justificar esse tipo de contratação. Veja-se, a respeito, as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello:

"A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar de concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, "necessidade temporária"), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar" (2004, p.261).

No mesmo sentido, são as ponderações de Cármen Lúcia Antunes Rocha:

"Pode-se dar que a necessidade do desempenho não seja temporária, que ela até tenha de ser permanente. Mas a necessidade, por ser contínua e até mesmo ser objeto de uma resposta administrativa contida ou expressa num cargo que se encontre, eventualmente, desprovido, é que torna aplicável a hipótese constitucionalmente manifestada pela expressão "necessidade temporária". Quer-se, então, dizer que a necessidade das funções é contínua, mas aquela que determina a forma especial de designação de alguém para desempenhá-las sem o concurso e mediante contratação é temporária" (ROCHA, Cármem Lúcia Antunes, 1999, p.242).

Pelo que defende a doutrinadora acima citada, pode haver a contratação de professor para atender a necessidade inadiável, seja para a substituição de titulares de cargos efetivos ou até o provimento do cargo vago. Desta forma, o que é temporária é a forma de contratação, não necessariamente a atividade.

Em seu mais recente posicionamento sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal acolheu semelhante entendimento. Em julgamento em que se analisava a possibilidade de contratações temporárias para o CADE, por maioria de votos (vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Carlos Britto, Gilmar Mendes, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence), a nossa mais alta Corte entendeu que pode haver contratação nos termos disposto no artigo 37, inciso IX, para atender necessidade do quadro permanente de pessoal:

"(...) que o inciso IX do art. 37 da CF não fez distinção entre atividades a serem desempenhadas em caráter eventual, temporário ou excepcional, e atividades de caráter regular e permanente, nem previu, exclusivamente, a contratação por tempo determinado de pessoal para desempenho apenas das primeiras, mas, amplamente, autorizou contratações para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público tanto numa quanto noutra hipótese, o que teria ocorrido na espécie, já que a norma impugnada visara suprir, temporariamente, enquanto não criado o quadro de pessoal permanente do CADE, a ser preenchido por meio de concurso público, a notória carência de pessoal da autarquia. Salientou-se, por fim, que a alegada inércia da Administração não poderia ser punida em detrimento do interesse público, que ocorre quando colocado em risco a continuidade do serviço estatal, como no caso". (destacamos;rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acordão Min. Eros Grau [11], em 25.8.2004, noticiado no Informativo STF n° 360, disponível em <www.stf.gov.br>)

Ocorre que o disposto no inciso IX, do artigo 37, não estabelece o regime aplicável aos servidores contratados temporariamente, visto que esse dispositivo não dá os lineamentos do regime jurídico aplicável às relações desenvolvidas entre o servidor e o Estado, porém decorre da norma, entretanto, o caráter contratual de tal relação, cujo liame jurídico deve ser regulamentado pelo ente federativo, por meio de lei, em que se conste os elementos individualizadores das normas pertinentes aos direitos e deveres de ambas as partes.

No Estado de São Paulo não houve qualquer regulamentação desse dispositivo constitucional, sendo certo que as admissões dos docentes em caráter temporário continuaram sendo realizadas nos termos da Lei Estadual nº 500/74 (diploma anterior à Constituição da República de 1988), que se entende que foi recepcionada parcialmente, visto que, atualmente, ela deve ser aplicada e interpretada à luz da nova ordem constitucional.

Não se pode negar que a relação é contratual, de subordinação, eis que a relação comporta dependência jurídica do servidor perante o Estado e, porém, ainda que a relação seja de subordinação, duas opções se oferecem: ou a relação é trabalhista, agindo o Estado iure gestionis, sem usar das prerrogativas de Poder Público; ou institucional, estatutária, preponderando o ius imperii do Estado.

De qualquer maneira, o sistema preconizado pela Carta Política de 1988 é o do contrato, que tanto pode ser trabalhista (inserindo-se na esfera do Direito Privado), quanto administrativo (situando-se no campo do Direito Público).

Não obstante, pode se adotar uma solução intermediária, sem, entretanto, deixar de ser legítima. Pode-se abonar um sistema híbrido, no qual coexistam normas trabalhistas e estatutárias, pondo-se em contigüidade os vínculos privado e administrativo, no sentido de atender às exigências do Estado moderno, que procura alcançar os seus objetivos com a mesma eficácia dos empreendimentos não-governamentais.

De fato, a regulamentação prevista na Carta Magna de 1988, a exemplo do que constava do Texto Fundamental de 1969, conforme ensinamento de Arion Sayão Romita, pode estabelecer uma relação mista, na medida em que se determina a aplicação aos contratados temporariamente de preceitos dos estatutos dos servidores públicos e das leis trabalhistas. (in "Servidores Públicos Temporários ou Contratados para Funções Técnicas Especializadas", Edições Trabalhistas, 1975, p. 85).

Antônio Álvares da Silva reforça essa idéia ao discorrer sobre a impossibilidade de se distinguir, no atual estágio da Administração Pública, entre o "funcionário servidor público" e o "empregado público", tendo em vista que "(...) o elemento publicístico e unilateral, característico da relação administrativa do funcionário com o Estado (teoria organicista), e o elemento volitivo, característico da relação contratual do empregado com a administração (teoria contratual), são fatores em permanente interatividade na relação jurídica do funcionário e do empregado com a Administração Pública". ("Os Servidores Públicos e o Direito do Trabalho", Editora LTR, 1993, p. 31).

Essa conjugação de regimes não escapou igualmente à análise de Odete Medauar:

"(...) o contrato poderá ser regido pela CLT ou a própria lei estabelecerá o regime jurídico, podendo até determinar a aplicação, a tais servidores, de preceitos do Estatuto correspondente. Em nível federal, a Lei 8.745, de 09.12.1993, com as alterações trazidas pela Lei 9.849, de 26.10.1999, dispõe sobre essa contratação, inclusive determinando no art. 11 a aplicação, a tais contratos, de vários preceitos do Estatuto Federal."

("Direito Administrativo Moderno", Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 323).

De modo semelhante, expõe José dos Santos Carvalho Filho:

"Diz a Constituição que a lei estabelecerá os casos de contratação desses servidores. Assim dizendo, só se pode entender que o Constituinte pretendeu caracterizar essa relação funcional como de natureza contratual. Não obstante essa qualificação, a lei instituidora do regime certamente poderá incluir algumas normas que mais se aproximem do regime estatutário." (Manual de Direito Administrativo, Editora Lúmen Júris, 2000, p. 439)

Os contratados temporariamente pela Lei Estadual nº 500/74 têm alguns direitos estatutários, visto que esta lei determina a aplicação de alguns direitos estatutários a esses servidores, tais como, o direito à licença para tratamento de saúde.

Da mesma forma, a Lei Complementar Estadual nº 180/78, em seu artigo 205, igualou juridicamente todos os servidores públicos que prestam serviços à administração pública estadual, estendendo, inclusive aos que foram contratados sob o regime da Lei 500/74 e aos celetistas, os direitos previstos aos servidores estatutários, que não são incompatíveis com a temporaneidade ou precariedade da admissão. Além disso, por esse mesmo diploma legal, esses servidores temporários são contribuintes obrigatórios do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo e, diante disso, fazem jus aos direitos previdenciários dos servidores estatutários enquanto estiverem vinculados à administração estadual.

Em consonância com as lições dos grandes doutrinadores citados acima, especialmente pela recente interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal ao inciso IX, do artigo 37, da Constituição Federal, que entendeu que pode haver contratação temporária para encargos de natureza permanente, é possível concluir que os contratados temporariamente, nos termos da Lei nº 500/74, podem e devem ter assegurados, no mínimo, os direitos previstos no artigo 7º, da Constituição Federal, porquanto são direitos sociais extensíveis a todos os trabalhadores, urbanos e rurais, e, sendo certo que o servidor público contratado temporariamente é uma espécie do gênero trabalhador.

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Nesse diapasão, entende-se perfeitamente compatível com tal regime de contratação temporária, ainda que considerado um regime jurídico especial, o direito ao FGTS, previsto na Constituição Federal de 1988, no artigo 7º, inciso III, porquanto, a par da discussão da recepção ou não da contratação temporária prevista na Lei Estadual nº 500/74, pelo inciso IX, do artigo 37, da Constituição Federal de 1988, o certo e fundamental a ser considerado é que esta Lei há de ser aplicada, atualmente, em consonância com os princípios, regras e direitos previstos na Constituição Federal de 1988, não podendo esses servidores públicos ficarem desamparados pelo Direito.

Portanto, levando em consideração essa assertiva de que o regime estabelecido pela Lei Estadual nº 500/74 deve ser interpretado e aplicado em consonância com as regras previstas na nova ordem constitucional, conclui-se que, não sendo possível aplicar a estes servidores, dado o caráter temporário da contratação, o instituto da estabilidade, prevista no artigo 41 da Carta Magna, que é exclusivo dos titulares de cargos efetivos, o regime cabível, compatível e previsto para todos os trabalhadores em geral é o do FGTS.

Nos termos acima expostos, após a Constituição Federal de 1988, aqueles que foram contratados em caráter temporário, com base no artigo 37, IX, da Constituição Federal de 1988, c/c com o inciso I, artigo 1º, da Lei Estadual nº 500/74, têm direito aos depósitos do FGTS, posto que não podem ficar privados de alguma garantia e, como não têm direito à estabilidade, em virtude de tal regime ser incompatível com a admissão em caráter temporário, o regime aplicável é o do FGTS.

De outro lado, o regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço não é incompatível com a contratação temporária, a exemplo do que ocorre com os trabalhadores contratados temporariamente pelo regime celetista.

Não obstante, a Lei Federal nº 8.036/90, que regulamenta o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, em seu artigo 15, exclui apenas os servidores públicos submetidos ao regime próprio do Estado, ou seja, aqueles servidores estatutários que possuem a estabilidade de que trata o artigo 41, da Constituição Federal de 1988, que não é o caso dos docentes contratados temporariamente pela Lei Estadual nº 500/74, visto que eles não possuem estabilidade nas funções que exercem.

A título de ilustração, cabe transcrever parte do artigo 15, da Lei Federal nº 8.036/90:

"Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965.

§ 1º Entende-se por empregador a pessoa física ou a pessoa jurídica de direito privado ou de direito público, da administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que admitir trabalhadores a seu serviço, bem assim aquele que, regido por legislação especial, encontrar-se nessa condição ou figurar como fornecedor ou tomador de mão-de-obra, independente da responsabilidade solidária e/ou subsidiária a que eventualmente venha obrigar-se.

§ 2º Considera-se trabalhador toda pessoa física que prestar serviços a empregador, a locador ou tomador de mão-de-obra, excluídos os eventuais, os autônomos e os servidores públicos civis e militares sujeitos a regime jurídico próprio.

(...)" (grifo nosso)

Ora, o servidor contratado pela Lei Estadual nº 500/74 não é eventual (posto que a função pública exercida é contínua, a remuneração é mensal e possui subordinação jurídica); não é autônomo e nem ao menos é submetido ao regime jurídico próprio, na medida em que não pode ser considerado estatutário, posto que não tem a estabilidade prevista no artigo 41, da Carta Magna.

Importante ressaltar, ainda, que, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o FGTS possui natureza de contribuição social e, portanto, não está sujeito à prescrição qüinqüenal das verbas eminentemente trabalhistas.

Neste sentido, são as seguintes ementas de ambas as Turmas de nosso Excelso Pretório:

"FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. PRESCRIÇÃO. PRAZO TRINTENÁRIO. LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, ART. 144.

A natureza de contribuição devida ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi definida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 100249 – RTJ 136/681. Nesse julgamento foi ressaltado seu fim estritamente social de proteção ao trabalhador, aplicando-se-lhe, quanto à prescrição, o prazo trintenário resultante do art. 144 da Lei Orgânica da Previdência Social.

Recurso Extraordinário conhecido e provido." (RE 134.328, rel. Ilmar Galvão, 1ª Turma, DJ 19/02/1993)

"EMENTA: Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Prescrição. Prazo "a" da CF/88 (redação anterior à Emenda Constitucional nº 28/2000). Prazo prescricional para a propositura da ação. Créditos resultantes da relação de trabalho. Prazo prescricional. Legislação infraconstitucional. 4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AI 378.222-Agr, rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 31/10/2002).

Logo, se o FGTS tem natureza de contribuição social, isso significa que não é uma verba específica dos trabalhadores regidos pela CLT, mas de todos os trabalhadores, cujo regime não é incompatível com essa contribuição, podendo, perfeitamente, ser estendido esse direito aos servidores contratados nos termos da Lei Estadual nº 500/74, porquanto o fundamento de tal extensão está expresso no artigo 7º, inciso III, da Magna Carta.

Desta maneira, é indispensável que haja uma regularização da situação jurídica dos servidores contratados nos termos da Lei Estadual nº 500/74, que estão desamparados na relação de trabalho com o Estado de São Paulo, sendo certo que, como não podem pleitear a estabilidade na função pública, dada à natureza temporária da contratação, têm direito aos depósitos do FGTS.

O abuso a que são submetidos os servidores nessa situação, sem direito à estabilidade ou recolhimento dos depósitos do FGTS, não pode continuar, sob pena de banalização da contratação temporária, para se evitar a aplicação dos direitos sociais mínimos previstos constitucionalmente aos trabalhadores em geral (artigo 7º).

Neste ponto, cumpre assinalar que a Constituição Federal, de acordo com os melhores hermeneutas, deve ser interpretada como um sistema, conforme as lições de CARLOS MAXIMILIANO (in Hermenêutica e Aplicação do Direito, Editora Forense, 16ª Edição, 1996, p. 169), abaixo transcritas, sendo que, da interpretação sistêmica da Carta Magna, não se pode excluir o direito dos servidores contratados temporariamente aos depósitos do FGTS:

"Por uma das normas se conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as conseqüentes, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma.

............................................................

Não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolário; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos.

Já não se admitia em Roma que o Juiz decidisse tendo em mira apenas uma parte da lei; cumpria examinar a norma em conjunto: Incivite est, nisi tota perspecta, uma aliqua partícula ejus proposita, judicare, vel respondera – é contra o Direito julgar ou emitir parecer, tendo diante dos olhos, ao invés da lei em conjunto, só uma parte da mesma."

Por outro lado, segundo o mesmo doutrinador, o Direito nasce na sociedade e para a sociedade, não podendo deixar de ser um fator de desenvolvimento da mesma. A propósito, é de grande valia transcrever parte de seus ensinamentos:

"A interpretação sociológica atende cada vez mais às conseqüências prováveis de um modo de entender e aplicar determinado texto; quanto possível busca uma conclusão benéfica e compatível com o bem geral e as idéias modernas de proteção aos fracos, de solidariedade humana. Faça-se justiça, porém de tal sorte que o mundo prossiga a rumo dos seus altos destinos.

...................................................

O Direito é um meio para atingir os fins colimados pelo homem em atividade; a sua função é eminentemente social, construtora; logo não mais prevalece o seu papel antigo de entidade cega, indiferente às ruínas que inconsciente ou conscientemente possa espalhar.

Summum jus, summa injuria – "supremo direito, suprema injustiça"; "direito elevado ao máximo, injustiça em grau máximo resultante". O excesso de juridicidade é contraproducente; afasta-se do objetivo superior das leis; desvia os pretórios dos fins elevados para que foram instituídos; faça-se justiça, porém de modo mais humano possível, de sorte que o mundo progrida, e jamais pereça."

O direito deve ser um instrumento de justiça e inclusão social, instrumento de proteção de determinados grupos na sociedade, de realização de novos direitos fundamentais, de combate ao abuso, inclusive do Poder Público, que tem o dever de zelar pelo bem estar social.

É o que assevera Alípio Silveira:

"A técnica hermenêutica do "razoável", ou do "logos do ser humano", é a que realmente se ajusta à natureza da interpretação e da adaptação da norma ao caso. A dimensão da vida humana, dentro da qual se contém o Direito, assim o reclama. O fetichismo da norma abstrata aniquila a realidade da vida. A lógica tradicional, de tipo matemático ou silogístico, não serve ao jurista, nem para compreender e interpretar de modo justo os dispositivos legais, nem para adatá-los às circunstâncias dos casos concretos. O juiz realiza, na grande maioria dos casos, um trabalho de adaptação da lei ao caso concreto, segundo critérios valorativos alheios aos moldes silogísticos.

Ora, ao se orientar por juízos de valor em que se inspira a ordem jurídica em vigor, deverá o intérprete atender às exigências do bem comum, já que a lei é a ordenação da razão, editada pela autoridade competente, em vista do bem comum. E como o bem comum se compõe de dois elementos primaciais – a idéia de justiça e a utilidade comum – são êsses elementos, de caráter essencialmente valorativo, os princípios orientadores." (In Hermenêutica no Direito Brasileiro. 1º vol.. São Paulo: RT, 1968, p. 86)

Se a Constituição explicitamente alicerçou princípios de direito, à sua luz terão de ser apreciadas as normas constantes das leis infraconstitucionais. Todas as regras incompatíveis com os princípios constitucionais devem ser consideradas implicitamente revogadas, total ou parcialmente.

Prova disto é a redação do artigo 3º, da Constituição Federal, ao determinar que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Além disso, são fundamentos da República Federativa do Brasil, o da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (artigo 1º, incisos III e IV, da CF).

Ora, não se constrói uma sociedade justa e solidária, bem como não se respeita os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho, se não for buscado como início de tudo o atendimento aos destinatários das normas constitucionais.

Portanto, não se pode aceitar que fiquem à margem de qualquer direito os servidores contratados temporariamente, sendo certo que eles, como qualquer trabalhador da iniciativa privada ou do setor público, têm direito aos depósitos do FGTS, a fim de que não fiquem totalmente desamparados com o fim da contratação, quando cessada a necessidade do serviço (artigo 35, inciso III, da Lei Estadual nº 500/74).

Nestes termos, é importante relembrar o que dispõe o Preâmbulo da Nossa Carta Magna:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL." (grifamos)

Extrai-se desta importante invocação, que o nosso Estado Democrático de Direito deve sempre assegurar, dentre outras coisas, o exercício dos direitos sociais e a igualdade, sendo certo que não se pode, deste modo, negar um dos direitos sociais aos contratados temporariamente, que é o FGTS.

Tendo isso em conta, cabe novamente citar as grandes e atuais lições de Carlos Maximiliano:

"Não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica; e esta não há de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelos legisladores. Se as normas positivas se não alteram à proporção que envolve a coletividade, consciente ou inconscientemente a magistratura adapta o texto preciso às condições emergentes, imprevistas. A jurisprudência constitui, ela própria, um fator do processo de desenvolvimento geral; por isso a Hermenêutica se não pode furtar à influência do meio no sentido estrito e na acepção lata; atende às conseqüências de determinada exegese: quanto possível a evita, se vai causar dano, econômico ou moral, à comunidade. O intuito de imprimir efetividade jurídica às aspirações, tendências e necessidades da vida de relação constitui um caminho mais seguro para atingir a interpretação correta do que o tradicional apego às palavras o sistema silogístico de exegese." (In Hermenêutica e Aplicação do Direito. 15ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 157)

Saliente-se, ademais, que até para os servidores cujos contratos são declarados nulos, foi reconhecido o direito à indenização dos depósitos do FGTS, conforme artigo 9o da Medida Provisória nº 2.164-41, de 24 de agosto de 2.001, que introduziu o artigo 19-A na Lei 8.036/90.

Nestes termos, se mesmo os trabalhadores cujos contratos de trabalhos são declarados nulos possuem direito à indenização dos depósitos do FGTS, não há razões à exclusão apenas dos servidores contratados em caráter temporário, com base no permissivo do artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal c/c artigo 1º, inciso I, da Lei Estadual nº 500/74, sob pena de violação aos princípios fundamentais constantes da Constituição da República de 1988.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Maria Claudia Canale

advogada em São Paulo (SP), atuante na área de Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANALE, Maria Claudia. Direito dos contratados em caráter temporário pela Lei estadual nº 500/74 ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1292, 14 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9389. Acesso em: 2 nov. 2024.

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