4 INDENIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO INSS E AÇÃO REGRESSIVA
Do exposto nos capítulos anteriores, algumas conclusões começam a surgir, oferecendo respostas às questões levantadas. Assim, verificou-se que o INSS é órgão pertencente à Administração indireta, com natureza pública, respondendo de forma objetiva pelos danos que porventura cause a terceiros.
Foram analisadas as funções atinentes à autarquia, os benefícios que concede e a importância que têm frente aos segurados da Previdência e àqueles assistidos pelo Estado, bem como a relevância do perito médico, agente do INSS destinado a uma série de funções de grande importância social, o que tornou evidente que qualquer deficiência na realização dessas atribuições lesa enormemente o segurado da Previdência Social.
Questionou-se a respeito da natureza da obrigação existente entre a entidade previdenciária e o segurado, concluindo-se que a prestação, direito subjetivo do segurado e obrigação da autarquia, deve ser paga sempre que preenchidos os requisitos para sua concessão; de outro modo, a quebra unilateral desta relação deixa descoberto o pretenso segurado e tem como conseqüência o dever de indenizar os danos porventura sofridos.
Indagou-se, ainda, sobre os danos advindos de um erro no exame médico necessário à concessão de alguns benefícios e sobre a necessidade de sua reparação, observando-se que podem ser inúmeras as modalidades de danos, relacionando-se ao trabalho, à perda da capacidade laborativa, à exposição à situações vexatórias, à fome etc.
Vejamos, pois, mais detidamente, a adequação da teoria da responsabilidade do Estado ao INSS por ocasião de erro de seu agente capaz de causar danos aos beneficiários da Previdência, bem como os efeitos de tal aplicação no mundo processual e no dia-a-dia da Previdência Social.
4.1 Responsabilidade objetiva do INSS: preenchimento dos requisitos
Não encontra grande embaraço doutrinário a aplicação da responsabilidade civil objetiva do Estado à autarquia previdenciária, pois se trata de pessoa jurídica de Direito Público.
Há de se verificar, portanto, se são preenchidos os requisitos para a caracterização do direito à indenização: a efetividade do dano, o nexo causal, a oficialidade da atividade e, por fim, a ausência de causas excludentes.
4.1.1 Efetividade do dano
No tocante ao dano, este será verificado no caso concreto, e pode ser de natureza patrimonial ou extra-patrimonial. Realizada a perícia médica, há que se perquirir se tal evento violou direito do beneficiário.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 950), ao tratar da indenização relacionada aos danos promovidos pelo Estado, afirma que o dano, para ser indenizável, deve corresponder a uma lesão a um direito da vítima e deve ainda ser certo. Aponta o autor:
Não basta para caracterizá-lo a mera deterioração patrimonial sofrida por alguém. Não é suficiente a simples subtração de um interesse ou de uma vantagem que alguém possa fruir, ainda que legitimamente. Importa que se trate de um bem jurídico cuja integridade o sistema normativo proteja, reconhecendo-o como um direito do indivíduo.
Ora, a negativa do INSS ao beneficiário sendo este portador de direito aponta clara violação à lei: não só por não poder fruir um direito legítimo, mas também porque tal prestação previdenciária tem justamente o condão de prover o cidadão dos direitos mais básicos, relacionados, principalmente, à dignidade.
Ferida a dignidade, a imagem, a integridade física e moral, aspectos protegidos pela lei, caracterizada está a violação a direito.
Quanto ao dano certo, define como aquele que não é apenas eventual ou possível. Tanto poderá ser atual como futuro, desde que certo, real, englobando-se tanto o que foi perdido como o que se deixou de ganhar (Mello, p. 952).
Dano certo é, assim, o que decorre de condição ou fato que atinja o bem tutelado, não limitado à imaginação ou convicção pessoal e exclusiva da suposta vítima. Claro está que cabe ao autor da ação indenizatória demonstrar que o não recebimento da prestação que lhe era devida causou efetivamente danos; caso tenha sido socorrido de modo a não sofrer danos, descabe a indenização.
4.1.2 Oficialidade da conduta lesiva
O perito médico, agente nomeado pelo Estado para a realização de uma atividade de interesse público, age, no caso em análise, em conformidade com a conduta dele esperada, ou seja: analisa as pessoas que lhe são encaminhadas, sopesando se os eventos observados enquadram-se ou não na legislação previdenciária vigente.
Do mesmo modo se comporta a junta recursal responsável pela reanálise administrativa do laudo emitido, nos casos em que se procedeu ao recurso.
Inequívoca, assim, a oficialidade da atividade causal lesiva imputada ao agente público, mesmo porque as perícias se dão em hora, data e lugar previamente estabelecidos pelo INSS, o que demonstra que o médico estava no exercício de suas funções.
4.1.3 Nexo causal e ausência de causas excludentes
Negado o benefício pela entidade autárquica, deve socorrer-se o segurado à Justiça no intuito de demonstrar o evento que legalmente o habilitava para a concessão do benefício e, sucessivamente, demonstrar o dano sofrido decorrente do indeferimento lesivo.
Observado o dano, no caso concreto, resta evidente o nexo causal, pois é o laudo médico emitido por ocasião da perícia ou o resultado final do recurso administrativo que justificam o corte do benefício, sua transformação etc. É o corte, por sua vez, que acarreta o dano. A Relação de causa e efeito se estabelece de maneira direta e imediata.
Tal imediatidade, aliás, chega a gerar uma situação de desconforto aos médicos, que passam a trabalhar receosos da reação da pessoa periciada caso a conclusão não lhe seja benéfica. A relação entre a conduta do agente e o dano é de tão rasa percepção que, por vezes, os jornais têm noticiado trabalhadores revoltados que fizeram "justiça com as próprias mãos", agredindo os peritos.
Na responsabilidade objetiva, o Estado só se escusa de responder perante terceiro lesado quando não houver nexo entre dano e seu comportamento comissivo. Ou seja: quando não produziu o dano ou se a situação de risco a ele imputada inexistiu ou não foi determinante para a existência do dano.
Não se vislumbra, na hipótese lesiva estudada, qualquer causa excludente de responsabilidade objetiva.
Assim, a ação indenizatória mostra-se viável. Algumas questões, entretanto, merecem ser observadas de perto, tais como a prova do dano, a cumulação de pedidos e o juízo competente para conhecê-los, assuntos que serão estudados a seguir.
4.2 Questões relevantes na ação indenizatória
Com o fim de instrumentalizar a ação proposta, avançaremos um pouco no estudo dos requisitos processuais da ação indenizatória na modalidade de responsabilidade civil objetiva, pois estes se revestem de algumas questões confusas, conforme se verá adiante.
4.2.1 A demonstração do nexo causal
A relação entre o dano sofrido pelo beneficiário e o ato comissivo do INSS constitui o nexo causal a ser demonstrado. O patrono da ação deve intentar demonstrar, pois, que o resultado da averiguação a respeito da incapacidade não guardou compasso com a realidade física ou psíquica do segurado. Em outras palavras, deve demonstrar em juízo que a conclusão médica do INSS foi ilícita, por não reconhecer direito a que era portador o segurado.
Para construir tal prova, pode-se servir o causídico de quatro elementos: 1) dos laudos elaborados por médico assistente legalmente credenciado em entidade de classe e com amplo conhecimento sobre os motivos que denotam a incapacidade, assim como os exames laboratoriais realizados; 2) a presença do autor em juízo, caso seja gritante o descompasso entre o resultado da avaliação médica do INSS e o estado do autor, e sendo óbvia a incapacidade; 3) a constituição de perito médico por determinação do juiz da causa, que realize nova perícia conclusiva sobre a incapacidade do beneficiário; 4) a análise de todos os documentos pertinentes ao segurado produzidos pelo INSS, como prontuários e laudos médicos, que podem ser solicitados tanto pelo juiz como pelo próprio segurado.
Parece desnecessário anotar que os dois primeiros casos não constituem a regra, pois, em geral, o juiz prefere desincumbir-se do ônus de atestar ele mesmo um quadro alheio à seara do direito, determinando, em geral, produção do elemento que fundamentará sua sentença por perito credenciado.
A requisição do Laudo de Perícia Médica, entretanto, pode constituir importante elemento para que se averigue se os elementos analisados pela autarquia foram colhidos respeitando todos os procedimentos, com informações completas e precisas sobre o caso.
A respeito da requisição de tais documentos, o Manual de Perícia Médica da Previdência Social (INSS, 1993, p. 28) prevê:
O Laudo de Perícia Médica (LPM) é utilizado para o registro da observação clínica em qualquer espécie de benefício por incapacidade.
5.3.1– O LPM é um documento que, além de ser objeto de análise por parte de médicos peritos pode, eventualmente, ser requisitado pelo Poder Judiciário ou Conselho Federal/Regional de Medicina, devendo permitir leitura fluente em grafia clara e sem abreviaturas.
12.4 – Procedimento do médico-perito em Juízo – se o médico for pessoalmente indicado para prestar depoimento em processo criminal, deverá comparecer a Juízo e declarar ao Juiz que está proibido de depor nos termos do Código de Processo Penal. Tal proibição pode deixar de existir se o profissional for desobrigado do sigilo pela parte interessada (art. 207 do Código Penal). Isso, porém, não privará a Justiça Pública de obter os laudos relativos a pessoas examinadas pelos médicos do Instituto (Parecer PGC – 1.138/74, publicado no BS/DG n.º 29, de 14 de fevereiro de 1975). Porém, se o médico-perito for nomeado judicialmente como assistente técnico para responder quesitos em uma ação ordinária, deve proceder conforme foi mencionado em 12.3.1.
12.4.1 – O juiz poderá requisitar o laudo existente ao Instituto que tem a obrigação de fornecê-lo, não o médico. Ainda que no momento da requisição o autor do laudo já não esteja em exercício, persiste a obrigação do INSS de atender à mesma.
Em ações judiciais, o prontuário médico, exames complementares ou outros documentos poderão ser liberados por autorização expressa (por escrito) do próprio assistido ou segurado (RES CFM,1.488/98, art 9º).
12.5 – Entrega de cópia do laudo ao segurado – Quando o segurado solicita cópia do Laudo Médico-Pericial e/ou seus exames complementares, o Instituto tem a obrigação de fornecê-lo desde que o segurado solicitante seja devidamente identificado; em atenção ao dispositivo constitucional contido no art. 5º inciso II: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude da Lei" e inciso XXXIII "Todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da Lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado". As informações contidas na documentação médica pertencem ao segurado e ao INSS que mantém a sua posse no sentido físico e é responsável pela sua guarda, por período indeterminado, podendo o segurado ter acesso ao que lhe diz respeito. O fornecimento de cópias parciais ou completas dos referidos documentos médicos não implica qualquer infração ética ou na quebra do sigilo profissional, desde que atenda ao interesse do segurado, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como a inviolabilidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. (grifos nossos).
Já a constituição da prova através de perito judicial pode encontrar alguns inconvenientes, pois os motivos que levam o beneficiário à incapacidade para o trabalho podem desaparecer antes da determinação para que se realize a perícia.
Ora, imagine-se que determinado empregado é atacado por enormes dores oriundas de sua hérnia de disco, o que leva a empresa em que trabalha entregando cartas a encaminhá-lo ao INSS para perícia. Não reconhecendo o INSS a incapacidade, mesmo após recurso administrativo, é possível que no espaço de tempo entre a propositura da inicial e a realização da perícia já tenha o segurado recuperado completamente a capacidade para o trabalho.
Cabe lembrar que a prova do nexo causal na ação indenizatória coincide com a prova a ser carreada aos autos na ação que requer apenas a concessão de benefício não concedido ou injustamente cassado.
Assim, pode o autor, por economia processual, cumular numa só ação a concessão do benefício com a reparação do dano, quando este tenha ocorrido. Muito embora o artigo 292 do Código de Processo Civil não exija a conexão, percebe-se claramente que entre eles há nexo: a evidência do direito ao benefício é que gera ao autor, nos casos de dano, o direito à reparação.
Note-se que é caso de cumulação, e não de sucessão de pedidos, pois o pedido indenizatório depende não exatamente do pedido de (re)estabelecimento de benefício, mas sim da verificação de que, em determinada época, foi o autor/beneficiário portador de direito ilicitamente não concedido.
Exemplifica-se com o caso em que o segurado não mais se encontrava incapacitado no momento da sentença que requeria concessão do benefício e indenização: pode o juiz conceder indenização, por verificar que a ausência da prestação securitária causou danos de ordem diversa ao autor, mas impossibilitado está de impor a concessão de benefício por incapacidade quando esta não persiste.
Note-se, ademais, que mesmo o benefício conquistado através do Poder Judiciário pode vir a ser cassado, caso o INSS verifique a recuperação da capacidade.
Não obstante o exposto, é de se observar o disposto no inciso II do § 1º do artigo 292: "§ 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação: (...) II – que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo".
Como se verá a seguir, determinar o órgão judiciário competente para a apreciação da ação não é tarefa das mais simples, em virtude da exceção contida na disposição constitucional do artigo 109, I.
4.2.2 Órgão Judiciário competente para a ação indenizatória
Uma análise superficial poderia levar o patrono da causa a ingressar precipitadamente com a ação na Justiça Federal, por se tratar de interesse da União.
Cabe ser mais cauteloso, pois apesar de os litígios cíveis que envolvem interesses da União, entidade autárquica ou empresa pública federal serem de competência da Justiça Federal, conforme disposição do art. 109, I da Constituição, o mesmo inciso estabelece a seguinte exceção: "exceto as (causas) de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho".
Vê-se logo que a ressalva constitucional relativa às causas decorrentes de acidentes de trabalho causará grande transtorno para reparação do dano quando estiver em questão benefício de natureza acidentária.
Isso porque há várias decisões do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo a competência da Justiça Comum Estadual para julgar de ações de indenização por dano moral ou dano material decorrentes de acidente de trabalho mesmo quando essas ações visam o estabelecimento ou revisão de benefícios previdenciários decorrentes de acidentes de trabalho.
É nesse sentido a Súmula nº. 15 do STJ: "Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho".
Esse entendimento tem sido alterado em virtude do elastecimento da competência da Justiça do Trabalho ocasionado pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, mas apenas na relação empregado – empregador. No tocante a relação INSS (segurador) – segurado, as decisões continuam sendo no sentido de fixar a competência estadual quando estiver sob análise benefício de natureza acidentária, o que nos parece absurdo.
Assim, havendo o dano advindo do não reconhecimento da incapacidade decorrente de doença acidentária, e pretendendo o autor cumular os pedidos de concessão do benefício e indenização por danos, qual será o órgão judiciário competente?
A resposta mais lógica nos parece ser aquela que atende aos princípios da economia processual (aceitação da cumulação) e da inafastabilidade da prestação jurisdicional (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), indicando que a causa seja processada e julgada na Justiça Federal.
As decisões dos tribunais superiores, entretanto, nos fazem reanalisar o assunto. Assim, atento à legalidade e às orientações jurisprudenciais, pode o autor analisar as seguintes opções, quando o pedido estiver relacionado a acidente de trabalho:
a) Cumular os pedidos (concessão de benefício e indenização) na Justiça Estadual, desenvolvendo tese ligada à economia processual para sustentar o pedido indenizatório no órgão estadual, bem como apresentando não a cumulatividade, mas a sucessão dos pedidos, o que eliminaria a possibilidade do juiz da causa alegar o artigo 292, II, do Código de Processo Civil;
b) Organizar peças processuais distintas, uma destinada à Justiça Estadual e outra à Justiça Federal, requisitando, em ambas, a produção de prova pericial ou utilizando-se, quando um órgão se mostrar mais ágil que o outro, da prova emprestada, o que não encontra qualquer embaraço doutrinário por coincidirem as partes em ambos os processos.
Vejamos ainda o caso da competência delegada da Justiça Federal, expressa no artigo 109, § 3º da Constituição Federal:
Art. 109
Omissis
§ 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.
§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.
Entendemos, pois, que sendo o segurado de localidade em que inexista Secção Judiciária, mas seja sede de Comarca da Justiça Estadual, pode, independentemente de se tratar de benefício de origem acidentária ou não, ingressar com o pedido de indenização (ou cumular os pedidos, se for o caso) na Justiça Estadual.
Quanto aos benefícios que não se relacionam a acidente de trabalho, não resta qualquer dúvida, sendo a Justiça Federal o órgão competente para processar e julgar a ação indenizatória.
4.2.3 Prazo para ajuizamento
O Código Civil de 1916 regulava a matéria em seu artigo 178, § 10, VI, prevendo o prazo prescricional de cinco anos para as dívidas passivas da União.
O Diploma Civil de 2002, entretanto, não repetiu a formulação do passado. Tal fato não significa dizer que é o caso de se aplicar a disposição do artigo 205 do novo Código Civil, que prevê a regra do prazo prescricional de dez anos quando a lei não fixar prazo menor, pois ainda está em vigência a norma do Decreto nº. 20.910/32, que regula a prescrição qüinqüenal, combinado com o Decreto-Lei nº. 4.597/42, e Lei nº. 9.494/97. Vejamos tais dispositivos:
Decreto nº. 20.910/32
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Decreto-Lei nº. 4.597
Art. 2º O Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que regula a prescrição qüinqüenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos.
Lei nº. 9.494/1997
Art. 1º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por gentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
Assim, a ação indenizatória se submete à regra prescricional qüinqüenal. Importante salientar que prescrição do benefício previdenciário também é de cinco anos, mas anotada pelos artigos 103 a 104 da lei nº. 8.213/91.
4.2.4 Valor da indenização por dano moral
Inicialmente, é dever ponderar que há muito se consolidou o entendimento de que cabe também ao Estado indenizar os danos de natureza extra-patrimonial que os administrados venham a sofrer em decorrência da Administração. O fundamento legal para tal são os incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal.
O Superior Tribunal de Justiça tem tido ocasião de proferir decisões acerca da responsabilidade do Estado por dano moral. Como exemplo, citemos o REsp n° 3.604/SP, que teve por relator o Ministro Ilmar Galvão, hoje participante da Suprema Corte, assentando: "O Estado é responsável pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, devendo a indenização cobrir os danos morais e materiais."
Outros pronunciamentos encontram-se nos REsps n.ºs 6.301-0–RJ, relator Ministro José de Jesus Filho; 27.940-2–RJ, relator Ministro Demócrito Reinaldo; 37.374-3–MG, relator Ministro Hélio Mosimann, e 43.488- 2–SP, relator Ministro Garcia Vieira.
No tocante ao valor do pedido de indenização, parece mais prudente deixar ao livre-arbítrio do julgador sua quantificação. Mas tal valor pode sofrer uma dilatada variação. Imagine-se o caso do trabalhador que, tendo injustamente cassado o Auxílio-Doença se vê constrangido a retornar ao trabalho mesmo incapacitado, o que faz com que sua doença evolua gravemente, causando seqüelas irreversíveis; ou o caso daquele que, não suportando retornar ao trabalho em virtude da doença que o incapacita, o abandona ou é sumariamente demitido, permanecendo longo período desempregado.
Vê-se que tais quantias devem ser relevantes, pois não obstante tenham causados danos na esfera estritamente moral, foram danosos ao sustento e à integridade do segurado, muitas vezes de modo irreversível.
Só o caso concreto pode evidenciar o quantum ressarcitório, ou mesmo se há ou não direito a indenização.
Indenizar significa tornar indene, sem dano, mas vai além: o valor estipulado deve não apenas procurar sanar os danos causados, ou propiciar meios para que o lesado possa superar a situação injustamente enfrentada: deve ser em valor tal que puna o condenado, desestimulando-o a cometer novamente tal ato danoso.
Note-se que dentre os critérios que a doutrina oferece para a fixação do quantum, está aquele que avalia a situação financeira e social das partes: a indenização não deve ser motivo de enriquecimento ao lesado, mas, ao mesmo tempo, não deve ser irrisória ao ponto de "tanto fazer" para aquele que lesa pagar ou não, persistir promovendo o dano ou não. O desestímulo advém do valor da condenação, que deve atingir o patrimônio da parte.
No caso em análise, o INSS tem uma arrecadação de grande vulto, e parece ser importante que o valor indenizatório de fato mexa com o orçamento da autarquia, pois para sanar tais dívidas e se precaver de outras, o serviço prestado tende a ser melhorado significativamente.
4.3 Ação regressiva do INSS contra o médico perito
Como visto em tópico anterior, a ação regressiva do ente da Administração lesado por seu agente não se constitui poder discricionário; constitui-se, verdadeiramente, num dever da Administração, ligado à probidade, à moralidade, à transparência e à eficiência.
É imprescritível, logo, havendo condenação imposta contra o INSS decorrente de ato ilícito de perito médico, é dever da Procuradoria Jurídica da autarquia protocolar ação regressiva no intuito de se ver restituída dos valores que desembolsou ou virá a desembolsar.
Quanto à discussão acerca do momento a partir do qual está legitimada a autarquia a protocolar a competente ação ressarcitória, compreendemos, como já exposto, que a legitimidade nasce no momento em que é gerado o dano, ou seja: havendo condenação com trânsito em julgado, já nasce para o INSS o dever de comprometer seu orçamento com tal parcela indenizatória.
Não obstante as opiniões em sentido contrário, é preferível que o Procurador previdenciário se antecipe ao ingressar que o deixe de fazer, o que pode o gerar desagradáveis conseqüências funcionais.
4.3.1 Identificação do agente
A propositura da ação regressiva depende da verificação de alguns requisitos, conforme visto.
Em primeiro lugar é de se questionar se o perito se enquadra com exatidão na expressão legal agente. De acordo com o entendimento acerca do assunto, não nos resta qualquer dúvida que no tocante ao médico concursado para tal fim, o termo é exato. Pode pairar alguma dúvida, entretanto, em relação ao perito credenciado.
A observação mais detida, todavia, afasta qualquer dúvida. Diogenes Gasparini (1995, p. 39) define agentes públicos como "todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade".
O perito médico credenciado ao INSS, como a própria nomenclatura expressa, firma contrato com a administração indireta para a prestação de um serviço relacionado à atividade da autarquia. É o agente, não servidor, mas que exerce as funções como se servidor público fosse. Está credenciado pela autarquia a agir em seu nome, em virtude do esgotamento da carga horária dos servidores médicos.
Outra pergunta que pode ser feita é a de como identificar qual o agente que emitiu laudo lesivo, ainda mais se se levar em consideração que muitas das vezes o laudo é emitido por junta médica.
O Manual de Perícia Médica da Previdência Social (INSS, 1993, p. 17) nos oferece solução para essa questão. Vejamos:
8.1 – Todo servidor pertencente à área médico-pericial do quadro de pessoal do INSS e o profissional credenciado serão codificados numericamente.
8.2 – O código numérico será usado, obrigatoriamente, quando da assinatura dos relatórios médicos e de quaisquer outros formulários que contenham conclusões médicas.
Inexiste, assim, dificuldade em localizar o responsável, ou responsáveis, tendo em vista que nada impede que o ato tenha sido cometido por mais de um agente.
4.3.2 Ocorrência do ato ilícito
Nítida é a caracterização do ato ilícito, pois sendo constatado judicialmente o direito ao benefício, outra nomenclatura não pode receber o ato que impediu o segurado de exercer direito legalmente assegurado.
Quanto ao ato ilícito, posiciona-se sobre o assunto Castro e Lazzari (2005, p. 429), indicando ainda outras penalidades ao agente:
O indeferimento, pela Autarquia Previdenciária, de requerimento de benefício, quando o postulante preencher todos os requisitos legais para tanto, é ato ilícito, podendo ser questionado em Juízo, por se tratar de lesão a direito. Além disso, caracteriza lesão a um dos deveres ético-profissionais do servidor público responsável (art. 116, III da lei n. 8.112/90), por desatenção às normas legais pertinentes; no campo do Direito Penal, em tese, poderia caracterizar crime de prevaricação o retardamento ou a realização de ato administrativo contra disposição expressa de lei (CP, art. 319); uma vez configurado o crime e punido o servidor, este é passível de demissão do cargo público. Assim sendo, não comungamos da tese de que não há como punir servidores públicos ineficientes.
No tocante à culpa ou ao dolo, apenas a análise in loco pode determinar exatamente se existiram. Entretanto, o contato cotidiano com situações semelhantes nos leva a crer que existe real interesse em reduzir o número de concessões de benefícios por incapacidade, pois o INSS trabalha com um sistema de análise de produtividade que levanta dúvidas acerca da credibilidade dos exames.
Assim, exames que são realizados em segundos, sem a utilização de qualquer instrumento ou mesmo o contato físico com o examinado denotam não a imperícia, mas a imprudência, senão o dolo do agente.
Quanto à imperícia, entendo que não possa ser imputada a médico perito, mesmo porque a formação técnica é requisito para a assunção do cargo. Ainda, a formação acadêmica do médico habilita o profissional para a atuação em qualquer especialidade.
Assim, deve a autarquia se certificar que o agente atuou em descumprimento da lei e de forma insubordinada, posto que não deve haver regulamento ilícito.
Resta esclarecer apenas a seguinte situação: o INSS parece defender uma conceituação de incapacidade que impede que alguns segurados recebam o benefício. Sendo este entendimento uma determinação advinda de parecer superior, e sendo plausível este entendimento de discussão no Poder Judiciário, por dar interpretação diversa à norma previdenciária, acreditamos que não deva ser o agente responsabilizado, pois, se assim fosse, estaria encurralado entre a subordinação e a legalidade.
Sendo ilegal a norma superior, o servidor está desobrigado a cumpri-la. Entretanto, cumprindo-a, parece-nos mais razoável que a culpa recaia sobre o órgão, e não sobre o agente.
Outro ponto a analisar questiona se estava o perito servido de todos os instrumentos de que necessitava para que pudesse produzir laudo confiável.
O citado Manual (INSS, 1993, p. 10) indica que toda sala de exame deve possuir os seguintes elementos:
3.4.2 – Salas de exames médicos – as salas de exames médicos terão área de, no mínimo, 9 m².
3.4.3 – Mobiliário, equipamentos técnicos e material de consumo do Setor :
a) para os consultórios médicos: escrivaninha, cadeira giratória, mesa de exame clínico com o respectivo colchonete, escadinha para a mesa clínica, cadeira comum para o examinado, armário guarda-roupa com chave e cabide, cesta de papéis, porta-toalhas, lavatório com a respectiva instalação hidráulica, lençóis (em número de dois), escova de mãos, ventilador ou aparelho de ar condicionado, balança antropométrica, esfigmomanômetro, estetoscópio, negatoscópio, termômetro clínico, flash-light, martelo de Babinsky ou de Dejerine, fita métrica, régua milimetrada transparente, abaixadores de língua descartáveis, dois uniformes completos para cada técnico e duas toalhas de mão, no caso do não fornecimento de papel-toalha.
A comprovação, pelo agente, de que o INSS não lhe fornecia elemento básico afasta sua culpa, e, por conseguinte, a ação regressiva.
4.4 Possíveis efeitos das condenações indenizatórias
Existem dois aspectos a serem analisados quanto aos efeitos da procedência da ação que condena o INSS a indenizar o segurado lesado: o primeiro relativo a como se comportará a autarquia frente à obrigação de indenizar talvez não uma, mas milhares de pessoas em todo o país que foram lesadas por ato seu ou de seu agente.
A segunda relativa ao comportamento dos peritos médicos caso o INSS ajuíze ação de regresso.
No primeiro caso, supondo que nenhum incidente seria criado pelos tribunais superiores para afastar a aplicação da responsabilidade civil objetiva à autarquia, vemos que diante de tal déficit só restará a ela investir na melhoria da qualidade do atendimento, que hoje se encontra aos farrapos. Prova disso são as greves anuais dos servidores que reivindicam não apenas a matéria salarial, mas principalmente condições de trabalho.
O quadro estrutural faz parecer que caminhamos cada vez mais pelas vielas que conduziram boa parte da população, a menos pobre, a optar pela saúde privada, não obstante a existência do SUS, custeado por toda a sociedade e em seu proveito.
Não pode, entretanto, servir a pressão gerada pelas decisões judiciais para justificar desmantelamento do que ainda funciona no INSS, pelo contrário: deve servir de grito de alerta aos administradores da República para o estado em que se encontra o serviço público, para que todos percebam que os trabalhadores do país, contribuintes da Previdência, encontram-se mais uma vez sendo oprimidos pelo Estado, que cobra e não funciona, que prevê e não realiza, que, enfim, mata em silêncio os que são pobres de voz.
Ressalte-se, entretanto, que, cumprida a lei no tocante à ação regressiva e sendo essa coroada com êxito, o INSS transferirá aos peritos o ônus da lesão, e aí o caminho não será o da piora qualitativa no atendimento, pelo contrário: temerosos de futuras indenizações, os médicos assistirão apenas o número de segurados que possibilite que o atendimento tenha qualidade; não serão relapsos, não se prenderão a metas: a toda investida do INSS para que produzam mais em menos tempo, pressionarão a autarquia, com greves e demais manifestações, a contratar mais servidores, a dotá-los de equipamentos, a alterar metas, a investir nos planos contra acidentes no trabalho e na reabilitação profissional.
As conseqüências, enfim, podem ser várias, inclusive nenhuma. O que interessa é que o serviço público seja prestado de maneira eficiente e justa, sem causar danos para os segurados, para o Estado e tampouco para a classe médica, também oprimida pelo volume de atendimentos, pelos baixos rendimentos e péssimas condições de trabalho.
4.5 Precedentes jurisprudenciais
Não foram encontrados antecedentes no Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais no tocante à aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva do estado à autarquia previdenciária, menos ainda se em virtude da atuação lesiva dos seus agentes peritos médicos.
Tal constatação chega a causar estarrecimento, pois a demanda judicial parece óbvia. Restou prejudicada, assim, a análise relativa ao entendimento dos tribunais no que tange à matéria estudada.